Isabel Pires, deputada do Bloco de Esquerda, considera que as medidas que estão em vigor, aprovadas ainda pelo governo de António Costa, são um mal menor perante o caminho que a direita quer traçar para a habitação. Para a coordenadora do partido na Economia, Obras Públicas e Habitação, PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal querem competir por um “caminho liberal” para o setor que só produzirá maus resultados.
O Bloco de Esquerda diz que “nesse campeonato não entra” e insiste por isso noutro caminho. Desde logo, medidas como a proibição de venda de casas a não residentes, que Isabel Pires acredita ser um passo na direção certa para combater a especulação imobiliária. “Não estão a fazer nenhum investimento no país, estão a fazer um investimento para eles próprios”.
A deputada bloquista critica ainda a escolha de Luís Montenegro para a pasta da Habitação. Para o partido, Miguel Pinto Luz levanta reservas pelo passado enquanto autarca na Câmara Municipal de Cascais, mas também pelas declarações públicas que tem tido desde que tutela a pasta.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento com Isabel Pires]
Isabel Pires, do BE: “Preocupa-nos o historial de Pinto Luz na habitação”
Para o Bloco de Esquerda este pacote Mais Habitação traz mais vantagens ou desvantagens? Colocando tudo na balança, o país está melhor com ou sem estas leis aprovadas pelo anterior governo?
O pacote Mais Habitação não está a mexer onde era preciso, que tem a ver com a regulação de preços. Ou seja, supostamente deveria estar a responder ao facto de as famílias com rendimentos médios ou baixos não conseguirem aceder, seja por via do arrendamento ou da compra, a uma habitação condigna e a preços que correspondem ao que as pessoas ganham. Por outro lado, continua a não existir nenhum mecanismo para combater a especulação imobiliária. Apesar de terem sido colocados no alojamento local e do anterior governo até ter colocado em cima da mesa o fim dos vistos gold, colocou com um prazo tão estendido que continua a existir essa pressão.
Mas reverter também não vai melhorar essa situação?
Esse é que é, neste momento, o problema. O que é que parece que está em cima da mesa? É um bocadinho uma competição entre a direita para ver quem é que consegue reverter primeiro este pacote ou algumas partes dele. Qual é que é o grande problema? Quando olhamos para as propostas que a Iniciativa Liberal quer aprovar, percebemos que querem, por exemplo, retirar as regulações que foram incluídas ao alojamento local, permitindo que voltemos outra vez a uma situação em que freguesias têm uma percentagem de alojamentos acima dos 50%, ou perto disso, o que cria problemas muito grandes de oferta mas também de subida de preços.
A Iniciativa Liberal quer atuar do lado da oferta.
O que a IL diz é que o grande problema é da oferta e que se construirmos mais vamos resolver o problema da habitação. Isto já foi desmentido várias vezes. Essa ideia tenta esconder os reais motivos do aumento de preços e serve para esconder o facto de estar ainda por resolver o fracasso da falta de políticas de regulamentação de preços no arrendamento. Isto vale para a Iniciativa Liberal e para toda a direita que tanto tem falado políticas para a juventude mas não consegue ter uma palavra sobre o facto de, no Porto, por exemplo, um T1 custar para arrendamento entre 1.000 e 2.000 euros e 70% dos jovens em Portugal ganharem menos de 1.000 euros. Como é que se compagina as duas coisas, então? Porque é que não se olha para as formas de baixar o preço? Isso é que seria importante mas não é o que a Iniciativa Liberal e a direita fazem.
O Governo tem duas medidas para os jovens: a isenção de IMT na compra de primeira habitação e a garantia pública para empréstimo a 100%. Isto não são medidas positivas?
Têm insistido muito nessas medidas mas a minha questão continua a ser a mesma: quem é que tem rendimentos para pensar sequer em ter o valor suficiente para dar entrada para uma casa, mesmo que exista essa garantia, mesmo que existam essas isenções? Os valores continuam a ser absurdamente altos. Como é que um jovem que ganha até 1.000 euros como é que tem dinheiro para pensar em dar uma entrada para uma casa e, a partir daí, fazer a sua vida? É muito difícil com os preços que são praticados atualmente. Essas propostas sabem muito a pouco e sabem mais a propaganda do que a política efetiva de habitação.
“Um não residente vem comprar uma casa e fica vazia”
O Bloco de Esquerda insiste na proposta de proibição de venda de casas a não-residentes e garante que a iniciativa não viola o direito comunitário. Não é, ainda assim, uma proposta do domínio do simbólico que tem um efeito prático curto?
Consideramos que não. As propostas que apresentámos estão a ser implementadas em governos liberais, por exemplo, o do Canadá. Os governos, apercebendo-se da crise que está em cima da mesa com a especulação imobiliária, tentam responder a isso com os mecanismos que têm à disposição. Mais do que uma medida simbólica, a verdade é que a proibição desta venda a não residentes é um dos mecanismos possíveis e imediatos para travar a especulação imobiliária. São essas vendas, além dos vistos gold, que fazem aumentar muito o valor das casas, nomeadamente nas grandes cidades, e que retiram também oferta que poderia estar a ser utilizada de outra forma, a preços acessíveis, para arrendamento ou até para venda, a preços que fossem mais condizentes com os rendimentos que existem no nosso país.
Esta proposta de venda de casa a não residentes não afasta, por exemplo, investidores que queiram contribuir para pôr mais casas no mercado?
Um não residente, à partida, não está a fazer nenhum investimento no país, está a fazer um investimento para ele próprio e, portanto, sendo não residente, vem comprar uma casa e a casa fica vazia. Isto não é investimento no país, nem é investimento em nova Habitação. Não consigo sequer compreender como é que se continua a achar que isto faz parte de um investimento estrangeiro que vem ajudar o mercado de habitação, porque não é isso que acontece nestes casos.
Outro dos projetos que já referiu é a afetação do imobiliário público. Neste caso não há um problema de execução, ou seja, o país e as autarquias não estão já preocupadas em pôr imobiliário ao serviço de habitação?
Acho que há um bocadinho das duas. Desde a aprovação da lei de bases da Habitação, essa preocupação passou aparentemente a existir um pouco mais no discurso político, até das próprias autarquias, mas na prática continua a não ser concretizado. É que temos outro problema. Temos organismos públicos, como por exemplo o ministério da Defesa mas também outros, que ao invés de estarem a mobilizar este património público para habitação a preços acessíveis, o estão a vender ou a ser mobilizado para outras matérias. Parece-nos importante do ponto de vista legislativo assegurar que pelo menos o património público que pertence a estes ministérios é canalizado para este meio, até para tentarmos de forma mais rápida e mais expedita termos uma injeção de fogos no mercado da habitação a preços acessíveis.
“Passado de Pinto Luz como autarca preocupa-nos”
Este Governo voltou a colocar a habitação na pasta das Infraestruturas. Isso tira importância política e capacidade de resposta ao setor?
Esperemos que não. Obviamente que foi uma alteração, essa sim do ponto de vista simbólico, mas prático também com a criação do ministério da Habitação, o que, do ponto de vista de funcionamento, até ajuda a canalizar um bocadinho mais as propostas legislativas e a própria execução. O problema é sempre como é que se executa e quais é que são as prioridades políticas. Podemos ter um ministério da Habitação como temos outros ministérios e depois a vontade política e o que é efetivamente feito acaba por não responder na mesma aos problemas que estão em cima da mesa.
E teve tempo o último ministério da Habitação para mostrar serviço?
Foi um Ministério que existiu durante pouco tempo e parece-nos que ficou muito aquém do que era necessário e muito aquém do que estava na lei de bases da habitação. Isso é uma responsabilidade desse Governo não ter conseguido ir tão além. Nesta nova orgânica do PSD e do CDS, preocupa-nos acima de tudo o historial no setor por parte do novo ministro das Infraestruturas e até de algumas declarações que tem dado nas últimas semanas sobre a visão para a habitação. Isto não é novo, o PSD nunca olhou para a habitação como um direito inscrito na Constituição, um pilar do estado social e preocupa-nos essa visão que pode eventualmente significar alguns retrocessos no pouco que fomos conseguindo nos últimos anos desse ponto de vista.
Acha que o PSD colocou um ministro demasiado liberal nessa pasta ou é mais pela competência técnica?
Creio que é um mix das duas. A experiência política autárquica demonstra que a visão é muito liberal e por isso é que digo até que, desse ponto de vista, o debate que tivemos esta quarta-feira é uma competição entre as direitas para ver quem é que consegue, de uma forma liberal, despachar mais rapidamente os poucos mecanismos de proteção que existem neste momento. O Bloco de Esquerda não entra nesse campeonato. Entramos num campeonato de podermos aprovar propostas que no imediato e a curto, médio e longo prazo vão ao cerne da questão, que é mesmo o preço. Se há algo que não consigo compreender nestas iniciativas é como é que é possível fazer um debate sobre habitação em que a IL não consegue referir a questão do preço.
Este Governo comprometeu-se com planos de emergência na saúde, com negociações com várias carreiras da administração pública. A habitação está a ficar para trás nestas prioridades?
Até ao momento parece estar a ficar para trás. O que falta ainda a perceber é qual é que é a prioridade que este Governo quer dar à habitação. Obviamente que tememos, até porque das poucas declarações públicas que temos tido do ministro das Infraestruturas, não augura nada de muito bom. Esta ideia de continuar a olhar para a habitação como um ativo financeiro é problemática e é uma parte muito relevante dos problemas que têm sido provocados no nosso mercado de habitação e nos preços que são praticados, que são incomportáveis para quem cá vive e quem cá trabalha.
“‘Cheringonça’? Tem pouca relevância”
O Bloco promoveu encontros à esquerda para coordenar a oposição ao Governo. Quando vemos o PS beneficiar do voto favorável do Chega isto enfraquece a posição da esquerda?
O que tem acontecido com as votações no Parlamento é o funcionamento normal. Os partidos apresentam as suas propostas, as votações foram feitas e cada um decidirá a indicação de voto de acordo com achar que as propostas são boas ou não. Creio que isso tem pouca relevância para o facto de termos necessidade de ter uma oposição à esquerda que seja construtiva, como parece que tem sido, pelo menos da nossa parte com a apresentação de várias propostas. O mais essencial é demonstrar que existe uma alternativa e que existem propostas muito concretas para responder às necessidades da população.
Conseguiram pelo menos o compromisso de que não haverá mexidas na Constituição nesta legislatura? Esse era um ponto muito importante para o Bloco
Até ao momento, não tenho acompanhado a discussão relativamente à revisão constitucional, mas creio que neste momento não está em cima da mesa.