Depois de Bloco de Esquerda e Pedro Nuno Santos terem defendido as vantagens de um acordo escrito que suporte uma eventual geringonça, João Oliveira considera esse tipo de documento inútil, lembrando que os de 2015 se esgotaram rapidamente. Em entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador, o membro da Comissão Política do Comité Central do PCP explica que o partido vai sempre viabilizar um programa de governo à esquerda, mas não está disponível para uma geringonça nos moldes que existiu entre 2015 e 2019. Ou seja: o PCP negociará com um eventual governo do PS, caso a caso.
O já anunciado cabeça de lista do PCP às Europeias diz ainda que Pedro Nuno Santos não é nenhum “Messias Salvador” que vá “rasgar com o histórico” do PS. É, por isso, indiferente para o PCP quem é o líder socialista. João Oliveira garante, por isso, que “a circunstância de 2015” que levou a uma geringonça naqueles moldes “é muito difícil voltar a repetir-se”. Sobre o PCP apoiar uma candidatura abrangente à esquerda nas presidenciais (abdicando do candidato próprio), João Oliveira diz que dependerá do momento, mas lembrou o apoio a Salgado Zenha em 1986.
[Ouça aqui o episódio da Vichyssoise com João Oliveira na íntegra:]
“Aqueles seis anos entre 2015 e 2021 foram pesados”
Depois de ter falhado a eleição para o Parlamento português em 2021, vai ser candidato às eleições europeias. Foi uma escolha sua, sendo que já teve a sua dose da Assembleia da República, ou o partido encarregou-o da tarefa e acabou por aceitar?
É sempre uma combinação dos dois elementos. Sem a disponibilidade individual, não há decisão coletiva que se possa fazer e, portanto, tendo em conta estes dois fatores, naturalmente, essa decisão é composta com estes dois elementos.
E se o convite fosse para a Assembleia da República?
Essas circunstâncias temos que as pesar sempre em função do percurso que já passou, do percurso que já teve e das necessidades que em concreto se colocam à nossa intervenção e às exigências que se colocam em cada momento em função das batalhas políticas, porque a eleição não tem só o elemento do exercício do cargo em concreto, tem sobretudo a perspetiva da batalha política que é a eleição para cada uma dessas responsabilidades.
Mas disse que era preciso uma vontade pessoal e uma vontade do partido. Se fosse para a Assembleia da República, a vontade pessoal era diferente?
É diferente porque as condições de apreciação são diferentes. Nunca tive responsabilidades no Parlamento Europeu, tenho já alguns anitos de responsabilidades no plano nacional, particularmente na Assembleia da República, com anos particularmente pesados, confesso que isso é uma mochila pesada às costas, aqueles seis anos entre 2015 e 2021 foram pesados, com uma intensidade do trabalho, a Assembleia da República ganhou uma centralidade que não tinha e isso colocou uma grande exigência no trabalho na Assembleia da República e particularmente no grupo parlamentar do PCP, portanto, isso é uma mochila pesada do ponto de vista do desgaste e do peso que aqueles anos tiveram. Em relação à Assembleia da República teria outras condições para medir exatamente as circunstâncias…
A decisão foi tomada antes desta crise política?
Sim, sim.
E não houve uma reavaliação, já que tinha experiência de lidar com a geringonça e com base no que podia ser a nova realidade sem maioria absoluta? Houve alguma conversa para ver se se calhar podia ser mais útil no Parlamento, uma vez que tinha essa experiência de lidar esses anos com a geringonça?
Não, não houve necessidade disso. A forma como as coisas foram discutidas e tratadas em função dessa perspetiva de assumir esta responsabilidade na batalha eleitoral do Parlamento Europeu, não suscitava qualquer dúvida, mesmo depois da precipitação desta situação política mais complexa no plano nacional.
E qual é a fasquia que para essas eleições? Na Assembleia da República o secretário-geral já fixou o objetivo de duplicar os deputados, e a Europa?
A fixação quantitativa é sempre complicada de fazer, é mais vistosa, mas mais difícil de fazer. Eu diria que em relação ao Parlamento Europeu, sobretudo com o contexto e o número de deputados que cabem a Portugal continua a ser um número de deputados reduzido…
E há previsivelmente mais partidos a entrar.
Exato, há esse elemento também, isso acho que tem efeitos diferentes em função do espectro político-partidário…
Mais à direita.
Exatamente. A perspetiva com que nós partimos para estas eleições, é no sentido do reforço da CDU, com mais votos e mais percentagem. Veremos se isso também se traduz em mandatos ou não, mas diria que são os elementos de referência, de reforço da CDU, que julgo que são não só objetivos nossos, mas que correspondem às necessidades que os portugueses têm de ter no Parlamento Europeu uma voz reforçada em defesa dos seus interesses e da resposta às suas necessidades.
Mas para a Assembleia da República o objetivo definido não lhe parece demasiado ambicioso, dada a tendência que o PCP tem tido em todo o último ciclo de eleições?
Não, eu julgo que as circunstâncias em que nas últimas eleições se verificou a redução do número de deputados da CDU e os motivos que levaram a isso, sobretudo a operação de chantagem que o PS fez, de vitimização, que na prática conduziram àquela mistificação que o PS fez, não só para precipitar as eleições, mas até para encontrar argumentos para as disputar. Julgo que hoje está à vista de toda a gente aquilo para que verdadeiramente serviram esses argumentos. Há muita gente desiludida e há muita gente que se sente traída e que se sente enganada por esse discurso do PS e gente que encontra na CDU esse fator de confiança.
“O PS tem utilizado muito o Chega como seu seguro de vida”
E acha que essa chantagem, como dizia, não pode voltar a acontecer nessas eleições porque voltamos a ter um quadro em que o Chega pode ser determinante para uma viabilização de um governo à direita, por exemplo?
O PS tem utilizado muito o Chega como seu seguro de vida. Esse é um elemento que eu julgo que está à vista de toda a gente.
Pedro Nuno Santos tem feito o mesmo?
As pessoas, particularmente pela experiência dos últimos dois anos, têm bem à vista as consequências desse tipo de ilusões e desse tipo de enganos.
Os arrependidos na maioria absoluta voltam para o PCP?
Diria que há um espaço mais pequeno para que essas operações de chantagem e de mistificação que o PS montou há dois anos possam ser eficazes. Tenho a certeza absoluta que o PS vai fazer aquilo que puder para que isso aconteça, mas julgo que as pessoas hoje estão mais defendidas, não só em relação a isso, como até em relação à consequência ou à inconsequência de outras opções de voto. Porque há por aí muita ideia de outro tipo de votos, nomeadamente de votos de protesto, que sendo de protesto servem pouco para mudar e nós precisamos de um voto de protesto e de mudança. De protesto contra a política que vai sendo seguida e de mudança para que, efetivamente, haja uma mudança política. E eu julgo que a confiança na CDU para que esse protesto e essa mudança se façam é mais do que evidente.
E para além da confiança, vamos ao reconhecimento. Há pessoas nos cafés e nas ruas que reconhecem Paulo Raimundo e ele tem esse tempo até às eleições de fazer esse caminho da notoriedade?
Julgo que já vai havendo esse reconhecimento de uma forma muito mais alargada do que havia. Acho até que algum fator de surpresa que houve aquando da sua eleição para secretário-geral acabou por suscitar uma curiosidade que levou a que muita gente procurasse saber quem era o secretário-geral e esse elemento de curiosidade e de surpresa também acabou por acontecer.
Jogou a favor dele.
Julgo que sim. Tenho participado em algumas iniciativas de rua e algumas ações de rua com ele, fora de um contexto mais partidário, onde essa identificação naturalmente se faz, e aquilo que se vai encontrando em termos de reconhecimento do secretário-geral do PCP, da sua intervenção, vai traduzindo isso e, naturalmente, estamos à espera que seja o secretário-geral a fazer a campanha que os milhares de ativistas da CDU têm que fazer por todo o país.
As últimas acabaram por ser até várias figuras. O João Oliveira foi uma delas.
Para quem seja religioso, Deus nos livre de ter outra vez esta situação à frente, porque de percalços e de sobressaltos desses já temos a nossa conta.
Mas nesses encontros que diz que faz ao lado de Paulo Raimundo, não encontra pessoas que lhe dizem ter pena de não ser o João Oliveira o escolhido para secretário-geral do PCP?
Não, acho que o acerto da nossa decisão está mais do que confirmado na prática e apreciações desse tipo já tinham os dias contados e são coisas que neste momento já tiveram o seu tempo.
“Os acordos escritos manifestamente foram muito menos do que aquilo que se diz deles”
Trabalhou muito diretamente com o PS no tempo da geringonça, ou como o PCP costuma referir-se a essa nova fase da vida nacional, pelo que agora o partido tem dito podemos concluir que um modelo desses não se repete. Ou seja, acordos escritos não são uma hipótese de futuro?
Os acordos escritos manifestamente foram muito menos do que aquilo que se diz deles. Em segundo lugar, acho que as ilusões relativamente à possibilidade de soluções para os problemas do país virem do governo do PS também já não têm campo para se fazer. Se olharmos para aquilo que foi o texto das posições conjuntas, que na altura só existiram porque o PS cedeu à chantagem do Presidente da República de então, Cavaco Silva, percebe-se que rapidamente ao fim de um ano ou dois, de um orçamento ou dois, tinha deixado de haver elementos que garantissem a dita estabilidade, porque rapidamente aquelas medidas que ficaram nas posições conjuntas ficaram esgotadas.
Esgotou-se rápido?
Isto significa que, manifestamente, aquilo a que o PS resistia ficou ultrapassado pela própria dinâmica da realidade. Aquilo que ficou nas posições conjuntas foi aquilo em que se conseguiram vencer algumas resistências do PS e que se conseguiram encontrar alguns elementos que servissem de referência para medidas que era preciso pôr em prática. As resistências do PS eram muitas e, portanto, o alcance das posições conjuntas foi muito limitado. E por isso é que digo que, se nós olharmos para o texto das posições conjuntas, não havíamos razões nenhumas para que as coisas pudessem ter ocorrido como acabaram por ocorrer. O que é que teve por trás disso? A conjugação de um conjunto de elementos que permitiram que a resposta aos problemas do país fosse, ainda assim, um bocadinho mais longe, apesar de todas as limitações, do que aquilo que o PS inicialmente admitia. Eu acho que há um exemplo que é paradigmático a esse respeito, que é o aumento das pensões. O PS nunca aceitou aumentos extraordinários das pensões, aquilo que ficou nas posições conjuntas foi apenas o descongelamento da atualização que a lei previa. Aliás, na altura, quer o Bloco de Esquerda, quer o PS, estavam muito satisfeitos porque tinha ficado escrito no papel aquela aplicação da lei em relação ao aumentos das pensões. Só o PCP dizia que era preciso aumento extraordinário das pensões. Ora, o primeiro orçamento foi feito em 2016 com essa limitação e não houve aumentos extraordinários das pensões porque aquilo que estava nas posições conjuntas era apenas a aplicação da lei. Aplicou-se a lei e vieram os aumentos das pensões que a lei previa: 80 cêntimos, 40 cêntimos, 30 cêntimos, 1 euro e meio e as pessoas perceberam que aquilo manifestamente não chegava. Foi o facto de nós termos insistido e foi o facto dos reformados terem também transportado essa reivindicação para as manifestações e para as ações de luta que desenvolveram que permitiu que, nos outros anos a seguir, houvesse aumentos extraordinários das pensões e ultrapassando até, em alguns casos, a perspetiva inicial.
Essa história é do passado, deixe-nos só olhar um pouco para o futuro e tentar perceber se pode acontecer que o PCP ajude a fazer passar um governo minoritário do PS mas não deixe nenhum acordo escrito e que vá avaliando proposta a proposta ou orçamento a orçamento. Isto é possível, está em cima da mesa?
Não havendo neste momento ainda nenhum voto na urna, há um ponto de partida que eu julgo que é importante sublinhar, que é a experiência que as pessoas têm e a forma como podem olhar para a CDU e para o trabalho dos deputados da CDU e para o posicionamento dos deputados da CDU. E há uma constatação que é objetiva. Os deputados da CDU serviram sempre para tudo aquilo que de positivo se conseguiu alcançar e serviram sempre, em qualquer circunstância, para travar aquilo que era negativo. Não me estou a referir apenas aos últimos oito anos, estou a referir-me a mais de quarenta anos de intervenção na Assembleia da República. Antes de ficarmos condicionados ou amarrados a perspetivas que não são propriamente muito felizes de termos que ter governos do PS ou do PSD, neste momento é importante dizer que não há votos nas urnas e as pessoas têm de decidir a quem é que vão dar o seu voto. E, com a decisão desse voto, determinam a composição da Assembleia da República e há de ser depois em função disso que se vão colocar nos outros cenários.
Não convém que as pessoas saibam com o que é que contam da parte do PCP. Ou seja, não é convém de ser claro com os eleitores?
É absolutamente necessário que seja.
Os eleitores do PCP sabem que a geringonça já aconteceu.
Estou completamente de acordo, é absolutamente essencial que as pessoas saibam com o que é que podem contar, mas antes de saberem com o que é que podem contar para uma solução de governo, têm que saber aquilo com o que podem contar para a política que em concreto vai ser feita. A ideia de que pode vir de um governo do PS a solução para os problemas do país é uma ilusão.
Mas aqui não estamos a falar de uma solução absoluta como o PCP desejaria, não é? Estamos a falar de algumas medidas que o PCP conseguisse, como na altura da geringonça, fazer com que acontecessem.
A experiência tem de servir para aprendermos com aquilo que aconteceu, sobretudo para não cometer os mesmos erros.
E o que é que não repetia agora?
E dar força ao PS para que continuemos a ter governos do PS é um erro porque manifestamente não é do PS que vem a solução. Só com o reforço do PCP e da CDU, só com uma votação significativa na CDU é que nós conseguimos de facto alterar esta circunstância, esta situação em que estamos. Os últimos mais de 40 anos, mostram que não é com os governos do PS e do PSD que nós resolvemos o país, nem com os sucedâneos do PSD e do CDS, a Iniciativa Liberal e o Chega, que nós chegamos a algum lado.
A não ser que o quadro político mude radicalmente, o governo não será PCP, pelos dados que temos, e portanto temos de trabalhar com os cenários que existem, mesmo seja de influência do PCP junto com o PS.
Mas o ponto onde eu estava a querer chegar é que esses cenários acabam sempre por limitar as opções políticas das pessoas e conduzir sempre ao mesmo resultado.Temos que partir exatamente do ponto em que as coisas estão hoje e não está nada decidido relativamente à composição da Assembleia da República. Quem esteja cansado destes governos e destas políticas, e queira mesmo que as coisas mudem, tem na CDU uma força de mudança na qual deve confiar para esse objetivo. E quanto mais força nós tivermos, maior é a capacidade de influência que nós temos. A circunstância de 2015 é muito difícil voltar a repetir-se, nas circunstâncias em que ela aconteceu, depois de um governo do PSD e do CDS, depois daquela política que foi feita.
Desta vez podem aprovar coisas de forma pontual, mas não assinando um papel?
Não faltámos aquilo que foi preciso, os votos da CDU, para as coisas boas avançarem. Aliás, diria mais até do que isso. Não foi só para votarmos. Nunca faltámos às propostas que era preciso apresentar para garantir que as coisas andassem para a frente. E mesmo aquele condicionamento das posições conjuntas, aquele condicionamento que foi posto pelo Presidente da República na altura de ter que haver um texto, um papel escrito, sempre dissemos que aquilo era perfeitamente desnecessário, não havia necessidade nenhuma de haver papéis daqueles. Havia condições para que o PS formasse um governo e havia condições, porque havia na Assembleia da República uma maioria que rejeitava a ideia de um governo do PS e do CDS e, portanto, havia condições para que o PS formasse governo.
Agora se houver uma maioria de esquerda e o PS puder formar governo, isso pode acontecer mesmo sem um acordo escrito. Ou seja, o PCP permite que isso aconteça?
Podemos ter um safanão na política portuguesa. Tal como em 2015 foi dado um safanão na política portuguesa com esta ideia de que o PS e o CDS haviam de formar governo, inclusivamente, com aquelas palavras de António Costa logo na noite das eleições apontando nesse sentido. E o PCP deu, de facto, um abanão na situação política que estava criada, apontando uma outra perspetiva que veio a confirmar-se. E espero também que nesta situação nós possamos dar um abanão nesta situação e, com uma votação significativa na CDU, na noite das eleições nós podemos apontar uma perspetiva diferente que não seja a de um governo do PS, porque os governos do PS são limitações à política que é preciso fazer. E nós precisamos, de facto, de uma política alternativa. Como de resto está à vista, diria eu, nas difíceis oportunidades. As condições em que as pessoas estão hoje, quer dizer, na saúde, na educação, na habitação, os problemas da habitação. Quando nós rejeitámos o Orçamento do Estado de 2022, naquela operação de chantagem que o PS fez, chamámos a atenção três ou quatro questões: o problema do aumento dos salários e das pensões, as questões da saúde e da habitação estavam entre aquelas que nós mais destacávamos. Verdadeiramente há um problema um elemento que hoje podemos constatar olhando para trás, que foi, as pessoas podem não ter compreendido exatamente aquilo que nós estávamos a dizer porque os problemas não estavam a linha à frente da forma como estão hoje, é perfeitamente normal. Era difícil transmitir isto, mas estávamos a chamar a atenção para um problema que ainda não estava marcado na vida das pessoas como está hoje, mas que estava em perspetiva. Ora, o ponto em que nós estamos hoje mostra como tínhamos razão naquela altura e como aquelas soluções eram necessárias naquela altura. Naturalmente hoje já não estamos a partir do mesmo patamar, estamos a partir de uma situação muito mais difícil, muito mais aguda nestes problemas e noutros, e portanto a exigência da resposta é muito mais significativa.
Percebemos que o PCP precisa ter força para entrar numa correlação de forças e mudar, mas a única maneira que isso existe é com o governo do PS, não há outra forma. Não há outro partido que possa ser liderante à esquerda com base naquilo que é o nosso histórico, não estou a falar sequer das sondagens, do eleitorado português. Acho que seria do domínimo da ficção, estarmos a falar aqui de um governo do PCP ao estilo de Vasco Gonçalves, não é?
Não deixe que cortem as asas ao sonho e, sobretudo, às necessidades objetivas que o povo tem. Já viu bem o que é que isso significa? Não estou a querer pôr agora o peso de responsabilidade às suas costas, porque essa ideia não surgiu da sua cabeça, mas já viu o que é que significa dizer às pessoas que estão condenadas a isto e não há alternativa a isto? É sempre mais arroz. É sempre mais arroz ou com o PSD ou com o PS, é sempre mais arroz, não temos alternativa a isto.
Mas uma forma alternativa é precisamente haver um PS, neste caso é o partido à esquerda com o qual o PCP pode admitir negociar, suponho que o PSD nunca, isso fazem só nas autarquias, e negociando com o PS é a única forma de não haver um governo que seja só com a influência de um partido que, segundo o João Oliveira, é mais arroz.
Para nós termos efetivamente uma alteração da situação que temos hoje e que temos tido nos últimos 40 anos, precisamos de uma alteração da correlação de forças, inclusivamente à esquerda. Enquanto tivermos o PS como partido maioritário à esquerda do PSD, e enquanto só tivermos essa perspetiva de ter mais arroz, depois do arroz que já tivemos antes, de facto não podemos ter uma perspetiva diferente em relação à resposta aos problemas do país. Uma votação significativa da CDU está em condições de alterar essa correlação de forças.
Há uma sondagem que saiu no Expresso que dizia que caso fosse Pedro Nuno Santos o líder do PS, o que trazia uma hipótese de geringonça, o PCP tinha mais um ponto percentual do que se fosse José Luís Carneiro. Não acha que o eleitorado iria votar mais no PCP se soubesse que estava disponível para essa geringonça?
O problema da geringonça e destas sondagens… em relação às sondagens, acho que servem mais para conduzir os sentidos de voto e encaminhar sentidos de voto do que propriamente para traduzir aquilo que vai na cabeça das pessoas. Mas mesmo essa perspetiva continua a ser mais arroz, ou seja, é mais a ideia de que temos que aguentar isto, estamos condenados a isto e não temos alternativa. E temos alternativa. Precisamos de um governo patriótico e de esquerda, não é um governo do PS, é um governo patriótico e de esquerda. E com quem é que isto se faz? Em primeiro lugar isto faz-se para fazer uma política diferente, uma política verdadeiramente alternativa é esta que tem sido feita. Com quem é que isto se faz? Não se faz só com o PCP, nem se faz só com os partidos da CDU, tem que se fazer com gente de outros partidos e homens e mulheres sem partido que estejam comprometidos com essa política alternativa. Temos na sociedade portuguesa muita gente que, estando noutros partidos, percebe que há necessidade de uma política diferente desta. Mesmo dentro do PS há muita gente que fica descontente e fica zangada com a política que o PS faz. Ora, a resposta que nós damos a esses é que não cometam o erro de continuar a votar no PS enganados com essa ilusão que é do PS que há-de vir a solução, deem força à CDU, contribuam para que haja de facto essa alteração da correlação de forças e nós cá estamos para assumir essas responsabilidades, inclusivamente no plano do governo, se houver condições para fazer uma política alternativa e for necessário termos um governo que executa essa política alternativa.
Os eleitores vão perceber se o PCP não ajudar a criar um governo à esquerda e se não der um apoio ao PS e, desta forma, permitir, por exemplo, um governo de direita?
Os eleitores têm a certeza absoluta que os votos no PCP e na CDU contribuirão sempre para derrotar a política de direita e para derrotar os protagonistas da política de direita.
Pedro Nuno Santos é um protagonista da política de direita?
Os governos do PS que ele integrou foram protagonistas disso.
Está a pôr no mesmo saco viabilizar um governo de direita ou do PS.
As coisas não são iguais. Há, na política que é feita pelos governos do PS em relação aos governos do PSD, algumas diferenças, mas elas não são diferenças de fundo relativamente às opções que são feitas. No Orçamento do Estado para 2024 mais de mil milhões de euros em parcerias público-privadas. Vamos ter mais mil e duzentos milhões de euros em benefícios fiscais aos grupos económicos. Ao mesmo tempo, não há orçamento no Serviço Nacional de Saúde para garantir a fixação dos médicos ou no Ministério da Educação para contratar professores. Isto são opções de uma política de esquerda? Não são. São opções de uma política de direita.
Se o programa de governo do Pedro Nuno Santos, do PS, for a votos e houver uma moção de rejeição, por exemplo, pelo Chega, o PCP não vai rejeitar esse programa de governo, vai deixar o PS governar?
A certeza que os eleitores têm é que o PCP nunca contribuirá para abrir portas a projetos reacionários, muito menos para os afilhados de Passos Coelho e de Paulo Portas.
Viabilizará esse governo para a direita não chegar lá.
Há um aspeto de mistificação na vida política nacional que é absolutamente necessário combatermos. O Chega e a Iniciativa Liberal são o PSD e o CDS sem cadastro político. Ou pretendem apresentar-se sem cadastro político. Pretendem apresentar-se de cara lavada como se não tivessem responsabilidade numa situação do país quando eles são muito responsáveis pela situação em que o país está. Quem hoje está no Chega e na Iniciativa Liberal a falar dos problemas do país estava ontem no governo do PSD e do CDS a apoiar o governo da troika e a política dos cortes nos salários e nas pensões e na saúde e em tudo isso. O André Ventura é um afilhado do Passos Coelho, foi criado pelo Passo Coelho, foi candidato do PSD, foi dirigente do PSD a apoiar o governo da troika. Os responsáveis e os dirigentes da Iniciativa Liberal estavam no PSD e no CDS a defender a política do governo da troika. Como é que essas pessoas podem ter credibilidade para anunciar soluções para os problemas do país? Eles foram responsáveis, foram apoiantes de um dos governos que mais destruiu as condições de vida dos portugueses. Diria até que não é só um problema do Chega e da Iniciativa Liberal serem os afilhados do Passo Coelhos e do Paulo Portas. É que, com o Chega e a Iniciativa Liberal, nós ficamos na mesma para pior, porque aquilo que eles propõem não é nada diferente para melhor daquilo que defendia o PSD e o CDS. É, pelo contrário, o caminho que foi feito pelo PSD e pelo CDS naquela altura intensificado ainda mais.
“É uma ilusão pensar em Pedro Nuno Santos como o Messias Salvador”
Pedro Nuno Santos, quando era negociador da geringonça, contou esta semana, que a parte de relacionamento com o PCP ficava mais com o António Costa e suponho que ficasse mais com o Bloco de Esquerda. Entretanto, já se conhecem melhor o PCP e Pedro Nuno Santos ou não?
Conheço o Pedro Nuno Santos já há alguns anos, porque, inclusivamente, quando assumi responsabilidades na Assembleia coincidiu com a altura em que ele assumiu responsabilidades na Assembleia da República, na altura ele a defender a maioria absoluta de José Sócrates, e eu, como deputado do PCP, a opor-me a essas opções políticas da maioria absoluta de José Sócrates. Aliás, o momento em que houve a maior maioria à esquerda do PSD. Na história, depois do 25 de Abril, o momento em que houve mais deputados à esquerda do PSD foi o momento da maioria absoluta de José Sócrates. Com quem é que o PS decidiu entender nessa altura? Olha, começou logo com o Pacto para a Justiça, com o PSD. Conheço o Pedro Nuno já há algum tempo, naqueles anos daquilo que se designa por geringonça, teve, de facto, um papel ingrato, porque era ele verdadeiramente o protagonista das resistências que o PS apresentava àquilo que a gente ia propondo. Era com o Pedro Nuno Santos que nós discutíamos muitas das medidas que iam começando a enfrentar a primeira barragem naquelas discussões.
Ele dizia que até concordava com o PCP mas que tinha de defender posições de António Costa?
Mesmo que isso fosse dito não levávamos a sério. Porque nós desvalorizamos…
Mas era dito ou não?
Não, nunca se chegou a essa necessidade, digo eu, acho que nunca se chegou a essa necessidade nas posições que ele assumia, porque ele assumia frontalmente as posições que o PS assumia. Nunca constatei nenhuma circunstância de tentar sacudir a água do capote para cima de outros membros do Governo ou do PS.
Isso é um bom traço de personalidade. É uma constatação de facto que tem que ser feita, não estou a procurar fazer algum juízo de valor sobre isso. Mas mesmo que isso acontecesse também não levávamos isso a sério, porque aquilo que interessa são as posições do PS e as posições do Governo, independentemente de quem as protagoniza. Agora, objetivamente, aqueles anos foram anos em que nós nos fomos confrontando com entraves, obstáculos, limitações que, em algumas circunstâncias, e sobretudo fruto da pressão social que havia, sobretudo fruto das lutas dos trabalhadores, dos reformados, dos jovens, que colocavam pressão sobre o Governo, o PS naturalmente tinha que ir encontrando forma de dar algum tipo de resposta, mesmo com todas essas resistências e essas limitações. Ficámos muito aquém daquilo que era preciso para uma política que verdadeiramente desse resposta aos problemas do país. Agora, julgo que é inegável que em muitas áreas e em coisas muito relevantes para a vida das pessoas, houve de facto avanços que permitiram resolver problemas, não só na reposição de direitos e de rendimentos, mas até na possibilidade de avançar em muitas coisas que até à altura só se dizia que eram miragens. Nós andámos anos e anos e anos a apresentar propostas para a gratuitidade dos manuais escolares ou para o passo intermodal dos transportes públicos e para o aumento das pensões, que durante anos enfrentavam do PS um argumento que era ‘isto era uma desgraça para a Segurança Social, isto arruinava a Segurança Social ou não há dinheiro em Portugal para os manuais escolares gratuitos e para a redução do preço dos transportes’. Aí estão essas medidas todas com um impacto enormíssimo nas condições de vida das pessoas e, afinal de contas, o país não foi à falência por causa disto.
Só num recuo muito rápido a Pedro Nuno Santos, então é uma ilusão Pedro Nuno Santos ser um radical de esquerda? Não é a pessoa certa para unir a esquerda?
É uma ilusão pensarmos que pode haver um Messias Salvador que tome as rédeas de um partido político, fazendo e propondo exatamente o contrário daquilo que é o histórico desse partido político. Acho que isto é uma ilusão. Quer dizer, criar-se a ideia de que Pedro Nuno Santos foi eleito como secretário-geral do PS com a missão de rasgar tudo aquilo que foi o histórico de intervenção do PS acho que é uma ilusão e acho até que os militantes do PS não o elegeram propriamente porque ele abandonou o passado.
Não acha que seja mais a esquerda do que António Costa, acha que é igual a António Costa?
Ele é secretário-geral de um partido e as posições políticas daquele partido…
Mas o PS e o PSD são partidos não sendo, talvez, tão dedicados ao coletivo como o PCP, têm muitas vezes mudanças nas posições consoante o líder que têm.
São mais centralistas.
Nesse sentido, Pedro Nuno Santos não define nada de novo para o PS?
O problema é que eu acho que isto é uma ilusão. Tenho receio que, quando as pessoas constatarem isso, já possa ser depois de terem tido um amargo de boca. E é precisamente esse amargo de boca que eu quero evitar. E como é que quero evitar isso? Mostrando que o voto na CDU pode evitar…
Mas não lhe parece que o Pedro Nuno Santos tem uma maior relação de confiança com o Bloco de Esquerda e com o próprio PCP do que António Costa tinha e do que outras figuras do PS poderiam ter?
A questão da relação de confiança com os outros partidos tem que resistir ao teste do algodão das políticas que são feitas. Os problemas na habitação que temos neste momento, com a dimensão que têm, e que, sobretudo nos últimos dois anos, se agravaram como se agravaram, tinham uma tutela no Governo. Quem era? Os problemas com a TAP, os problemas com as empresas públicas de transportes, tinham uma tutela no Governo. Quem era? E não estou a dizer isto para pôr a responsabilidade todas às costas do Pedro Nuno, é para mostrar que o enquadramento das opções do PS encarrega-se de desfazer as ilusões que possa haver em relação a este ou aquele responsável e julgo que em relação ao atual secretário-geral do Partido Socialista esse problema continua a ser…
Pedro Nuno Santos puxa mais ao lado do Bloco de Esquerda do que ao PCP, independentemente daquilo que foi a posição dele do Governo?
Isso tem que lhe perguntar a ele.
Mas esteve lá nas negociações da geringonça, assistiu a isso.
Aqui também não me vejo no papel de estar a puxar para um braço dele de um lado e de estarem outros a puxar para o outro. As nossas relações foram sempre bilaterais com o Governo, precisamente para que essas coisas ficassem claras do ponto de vista da intervenção de cada um.
Bilaterais ou multilaterais, também tinha o PEV.
Não, o PEV tinha as relações que tinha com o Governo nos termos em que entendia.
Também representa a CDU, é candidato da CDU.
Sim, mas do ponto de vista desse período e das relações com o Governo nesse período, as relações eram bilaterais e nós reuníamos com o Governo e discutíamos com o Governo e os outros partidos faziam aquilo que entendiam, nomeadamente em relação às relações e à forma como essas relações decorriam. Agora, a nossa relação foi sempre uma relação bilateral com o Governo, se o Pedro Nuno puxava mais para o PCP ou mais para o BE, eu digo que isto é uma pergunta que tem que lhe ser feita a ele.
O PCP estaria disponível para integrar uma solução de um candidato único à esquerda, ou deverá sempre, nas presidenciais, ou deverá sempre ter um candidato próprio, como tem sido, tirando a vez em que o Jerónimo de Sousa desistiu, tem sido sempre levado a um candidato a votos?
Essa avaliação tem que ser feita em função do quadro concreto de cada eleição presidencial e, sobretudo, daquilo que se espera de cada candidatura presidencial. Havendo candidatos que possam corresponder a uma afirmação de uma perspetiva que corresponde àquilo que nós entendemos que deve ser o exercício das responsabilidades do Presidente da República, o passado também mostra que nós não temos dificuldade com isso, inclusivamente com candidatos que apoiámos fora das fileiras do nosso partido, a candidatura de Salgado Zenha comprova isso. Essa configuração das soluções das candidaturas à Presidência da República manifestamente tem que ser feita em função da afirmação que é preciso fazer de um entendimento do exercício dos poderes do Presidente da República comprometido com a Constituição e com o quadro que a Constituição determina. Eu julgo que esse elemento é um elemento de referência absolutamente inultrapassável. A circunstância de termos uma candidatura apoiada pelo PCP com um militante do PCP a assumir esse objetivo ou de eventualmente poder haver outro que o protagonize, é uma questão de se ver em concreto como é que isso é feito. A reflexão tem que ser feita, não em termos abstratos, em termos teóricos, porque ela em termos teóricos dá para as duas coisas, como lhe demonstrei, o passado mostra que há soluções num sentido ou no outro, agora não me parece que haja propriamente a perspetiva de se poder fechar qualquer solução a esse respeito, apreciar em concreto o quadro em que isso seria. E convenhamos que até 2026, como de resto os últimos tempos mostram, muita água pode correr debaixo das pontes.
E vamos então avançar para a nossa fase do Carne ou Peixe. Tem que escolher uma ou duas opções. Quem convidaria para comer uma sopa de cação em Évora, Jerónimo de Sousa ou Paulo Raimundo?
Espero ter a oportunidade de juntar os dois nesse repasto.
Com quem preferia beber uma cerveja em Bruxelas, Cotrim Figueiredo ou Catarina Martins? Isto é uma dúvida que pode partir o coração a qualquer um. Não tenho preferência. Iam ficar os dois de coração partido se tivesse uma resposta em relação a isso.
Em abstrato diria que Cotrim Figueiredo não tem tanta pena de não beber uma cerveja consigo, mas…
Eu prefiro não partir o coração a nenhum.
Quem levaria à Festa do Avante para ver um concerto da Brigada Víctor Jara: Pedro Nuno Santos ou António Costa?
O Pedro Nuno Santos já esteve na Festa do Avante aqui há uns anos. O António Costa não sei se tem um histórico mais antigo, mas acho que para ver um concerto da Brigada Víctor Jara talvez fosse bom para os dois, talvez fosse uma boa referência para os dois.
Se tivesse de tapar a cara numa segunda volta das presidenciais, em que de um lado estava Pedro Passos Coelho e do outro um candidato à esquerda, preferia Carlos César ou Augusto Santos Silva?
Espero nunca ter que fazer uma opção. De um podia ter que tapar só com uma mão e do outro com a outra. Espero nunca ter que fazer uma opção dessas, tenho a minha opção, mas prefiro discuti-la no Comité Central se algum dia essa questão for colocada.