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É o primeiro Orçamento do Estado que o PCP negoceia com o Governo sem haver um acordo escrito prévio em cima da mesa a conduzir as negociações. O líder parlamentar comunista esteve no programa Sob Escuta, da rádio Observador, e garantiu que não é isso que o deixa mais solto nestas conversações com o PS para aprovar este OE, a comparar com aquelas que levaram à aprovação pelo PCP dos últimos quatro: “Nunca estivemos presos a coisa nenhuma”. Mas há diferenças. Desta vez a postura comunista nas reuniões com o Executivo cingiu-se aos mínimos: “o recenseamento” das suas propostas.
É caso para dizer que o PCP perdeu a paciência — ou já aprendeu “lições”, como prefere dizer João Oliveira — sobre “o que é útil e inútil e em muitas circunstâncias estar a repetir duas e três vezes a mesma coisa, sem que haja resposta da parte do Governo”. Nestas negociações quer “saber se há ou não convergência nas matérias que estão identificadas” por si e depois decidirá o seu voto. Estando todas as opções (contra, a favor ou abstenção) em cima da mesa nesta fase, até porque ainda não há “desfecho” em nenhuma das questões colocadas. Também fala sobre a sucessão do líder Jerónimo de Sousa, para recusar existir um tabu e empurrar a questão para o congresso do partido que se realiza daqui a um ano. Mas a conversa, emitida no dia em que os comunistas arrancam com as suas jornadas parlamentares em Évora, começa mesmo pela negociação mais atual.
Veja aqui a entrevista na íntegra:
O trabalho negocial “não é feito com a profundidade e amplitude com que era feito anteriormente”
Estão a decorrer as negociações para o próximo Orçamento do Estado e o BE já se queixou publicamente de que estão numa “fase excessivamente preliminar”, o PCP também entende que as conversas já deviam estar um bocadinho mais avançadas?
Nunca fizemos apreciações relativamente ao desenvolvimento que as coisas têm. Aquilo que precisamos, objetivamente, é de perceber exatamente quais vão ser as opções do Governo relativamente ao Orçamento. Há algumas questões chave do Orçamento a alguns problemas que são mais evidentes, mas diria que o quadro de discussão deste orçamento é muito diferente dos quatro anteriores e até mesmo os calendários são completamente diferentes.
Depois das legislativas o Governo anunciou um calendário mais apertado…
Olhando para trás, diria que dos últimos cinco não houve dois orçamentos em que se repetisse o calendário da discussão. Para além das diferenças que tem o quadro em que estamos a discutir este em relação aos outros quatro.
Este encurtar do tempo tem complicado a discussão e apresentação de propostas, por parte dos parceiros com o Governo?
Diria que isso permitia uma discussão mais aprofundada de algumas questões, mas mesmo com um calendário mais distendido a questão central continuava a ser a da resposta do Governo às propostas e às questões colocadas.
Neste momento ainda não há respostas concretas a nenhuma das propostas que o PCP colocou em cima da mesa?
Diria que concretas, no sentido de haver um desfecho para alguma das questões que foram identificadas, não há.
O facto de não haver o acordo escrito, desta vez, está a dificultar as negociações?
O quadro da discussão do orçamento, na legislatura anterior, com base naquele exame comum que fazíamos, implicava um aprofundamento das questões e das matérias. Nesta circunstância isso não existe e, ainda por cima, com o calendário que está definido pelo próprio Governo para apresentação do Orçamento do Estado, já no dia 16 de dezembro. Mesmo que fosse ainda no quadro político da anterior legislatura não seria possível de fazer. De qualquer forma, há um recenseamento de questões colocadas da nossa parte. Depende muito mais de saber se há ou não convergência nessas matérias que estão identificadas e que publicamente já fomos dando conta delas.
O contexto político mudou alguma coisa na estratégia do PCP nesta abordagem das negociações específicas do Orçamento?
Há um quadro político na Assembleia da República que não é igual ao anterior e isso altera muito as circunstâncias em que a discussão é feita.
No quê concretamente?
Havia uma perspetiva do trabalho que era feito na base daquele exame comum preambular à proposta de lei que, manifestamente nesta fase, não é feito com essa profundidade e, diria, amplitude com que era feita anteriormente.
Mas isso é prejudicial? Essa base permitiria que as negociações decorressem de outra forma?
Não acho que dificulte nem facilite. A questão verdadeiramente central é saber qual é que é a resposta do Governo a estas matérias.
Mas havia aquela ideia de que o PCP estava preso ao compromisso que tinha assinado com o Governo que, naqueles quatro anos, de alguma maneira vos prendeu à solução. Agora está mais solto?
Nunca estivemos presos a coisa nenhuma. Havia um compromisso de fazer o exame comum dos Orçamentos do Estado e isso implicava que esse exame comum fosse feito com o governo, ainda que o desfecho em relação à sua votação fosse tão aberto quanto é hoje. As hipóteses de voto colocam-se hoje como nos últimos quatro anos. Desse ponto de vista não há alteração rigorosamente nenhuma e insisto muito na questão verdadeiramente decisiva: saber se da parte do Governo a opção é de convergir com os objetivos adiantados, com as respostas que o PCP identifica como necessárias, no plano do Orçamento, aos problemas do país. Sabemos que o Orçamento não esgota os instrumentos de resposta a esses problemas. O tempo também nos dá lições relativamente àquilo que é útil e inútil e em muitas circunstâncias estar a repetir duas e três vezes a mesma coisa, sem que haja resposta da parte do Governo, é uma inutilidade.
O PCP está mais frágil nesta negociação, tendo em conta o resultado das últimas legislativas?
Discutimos exatamente com a mesma determinação e a mesma convicção as soluções que entendemos que são necessárias para os problemas do país. A diferença é que temos hoje menos deputados que tínhamos há quatro anos e, naturalmente, a nossa capacidade de condicionamento e influência sobre as decisões que são tomadas na Assembleia da República não é exatamente a mesma. Esse é um elemento importante, mas que mesmo assim não é o elemento determinante. Sabemos que muitas das matérias que foram incluídas nos orçamentos nos últimos quatro anos não resultaram apenas na discussão que foi feita e na intervenção que houve no plano da Assembleia da República. Muitas das decisões que foram tomadas no quadro dos últimos Orçamentos do Estado foram tomadas porque a pressão política, a luta dos trabalhadores e da população, exigiu essas repostas. Ainda agora, na discussão dos apoios às artes, percebe-se que a iniciativa do PCP, por si só, serviria de pouco para resolver este problema.
[Pode ouvir a entrevista clicando aqui]
“Estamos muito longe de ter a questão do englobamento arrumada”
Vão insistir no aumento extraordinário das pensões?
Essa é uma das questões que continua colocada. Sem esse aumento extraordinário não haverá resposta aos pensionistas em relação à melhoria das suas condições de vida e do seu poder de compra. Quando olhamos para as regras da atualização automática das pensões que estão previstas na lei e percebemos que os aumentos podem andar entre os três e os quatro euros, se não for menos que isso, é fácil perceber que aumentos desse tipo não correspondem, de forma nenhuma, às necessidades dos pensionistas particularmente aqueles que têm pensões mais baixas. O mecanismo do aumento extraordinário é um dos elementos de identificação.
Já o colocaram em cima da mesa, na negociação?
Sim, essa é uma das questões que temos identificada. Ainda há pouco tempo num dos debates quinzenais voltámos a insistir nessa questão. Parece-nos que, de facto, as necessidades dos nossos pensionistas, mesmo considerando todos os elementos que dizem que as pensões médias aumentam, que o valor das pensões dos novos pensionistas é mais elevado do que dos mais antigos, mesmo considerando isso tudo, há mais de 2 milhões de pensionistas que têm pensões muito baixas e que de maneira alguma vão ser aumentadas por via das regras de atualização automática e, portanto, o mecanismo do aumento extraordinário deve ser considerado.
Qual é o grande objetivo que o PCP traz para o primeiro Orçamento desta legislatura?
Identificar uma medida ou área é sempre um exercício arriscado, porque os problemas são muito vastos e a necessidade de resposta é muito ampla e nós julgamos que é preciso considerar uma resposta ampla a problemas que são amplos. Há um conjunto muito alargado de áreas às quais é preciso dar resposta e que inclui também matérias como as questões da política fiscal que são também um aspeto decisivo da resposta que é preciso encontrar no Orçamento do Estado particularmente naquilo que tem que ver com o desagravamento de impostos sobre quem tem menos rendimentos.
O Governo já colocou o englobamento do IRS fora de questão…
Estamos muito longe de ter essa questão arrumada. Temos vindo a insistir nela de há muito tempo, trouxemos a proposta a primeira vez em 2013. Na altura estávamos sozinhos, ninguém queria saber de discussões sobre englobamento. Hoje já se começa a fazer uma discussão sobre que rendimentos devem ser englobados, a partir de que montantes, de que forma é que isso pode ser feito sem criar injustiças fiscais. Já há um avanço que, quando suscitámos a proposta, muitos diriam que era inalcançável. O ponto onde estamos hoje é de avanço em relação a essa fase inicial. Nunca damos as batalhas por perdidas, continuaremos a fazer essa batalha sobretudo porque tem por trás um elemento de injustiça fiscal que julgamos que é muito evidente e deve ser combatido. Porque é que alguém que vive do seu salário é obrigado a pagar mais impostos que alguém que vive de rendimentos do capital ou prediais?
O argumento do Governo para não avançar é o de ser contraproducente com a ideia de apoios ao investimento empresarial e também no mercado de arrendamento.
Isso está tudo por provar. Essa discussão nem sequer foi feita ainda com uma base de suporte que permita identificar as diversas dimensões disso. O PCP tem adiantado uma base de referência da proposta, que não é uma coisa fechada, de tributação dos rendimentos a partir de 100 mil euros. Podemos fazer essa discussão de forma completamente aberta. Podemos encontrar os critérios todos para formular a solução de forma diferenciada. Quem vive do seu salário, seja qual for o salário que receba, sabe qual é a taxa de IRS que paga. Porque é que alguém que vive de rendimentos do capital há-de pagar uma taxa de 28% e paga menos que quem vive do seu salário? Isto é uma questão de injustiça fiscal, que nós identificamos como tal e para a qual temos uma solução. Ainda que alguns problemas identificados sejam verdadeiramente fantasmas que só podem resultar da ignorância ou má fé de quem os identifica. Inventam-se situações que, de facto, não existem para impedir que a medida avance porque se avançar vai enfrentar privilégios de gente muito poderosa e é por isso que esta medida está a ter grandes objeções.
Já há respostas concretas do Governo sobre isso?
Se o ministro das Finanças tivesse ouvido isto pela primeira vez podia ter-se espantado com a proposta do PCP, mas como este ministro das Finanças já ouviu esta referência pelo menos quatro vezes, não há propriamente uma surpresa nem no ministro das Finanças nem de ninguém no Governo. O PCP até já apresentou em concreto soluções nos Orçamento do Estado para que esta medida avançasse. Em muitas circunstâncias diz-se que não há dinheiro para creches gratuitas, abonos de família. Se se começar por afastar propostas como estas, seja a do englobamento, seja a proposta de tributação dos grupos económicos em Portugal, encontrava-se dinheiro para pagar muitas outras medidas de resposta a problemas que estão colocados. Se o Governo quer deixar intocados os privilégios dos grupos económicos, dos mais ricos e mais poderosos, naturalmente terá muito pouca margem para conseguir avançar na resposta que é preciso dar aos problemas do país.
“Houve oportunismo do PSD na questão do IVA na eletricidade”
Uma das bandeiras do PCP era a redução do IVA na eletricidade e gás para os 6%. Fala-se agora na hipótese de uma coligação negativa…
A expressão da coligação negativa é a forma de tentar condicionar todos os outros partidos para que o PS possa agir como se tivesse maioria absoluta. O PS não tem maioria absoluta, não tendo maioria absoluta não pode agir como se tivesse e, portanto, a utilização dessa expressão que, percebemos, acaba por ser encomendada e às tantas introduz-se no nosso próprio léxico.
Não é encomendada, é uma expressão que traduz de forma simples aquilo que se passa, porque a verdade é que é uma coligação que é negativa para a pretensão do Governo, é nessa lógica.
A questão é que isso induz logo um anátema sobre quem se possa coligar como se houvesse algum tipo de coligação que em qualquer circunstância fosse isso. Percebemos que há aqui uma intenção de procurar condicionar os partidos que não o PS, para que o PS possa agir como se tivesse maioria absoluta. Da nossa parte não nos deixaremos condicionar, como nunca nos deixámos condicionar, seja em relação ao que for. A propósito desta discussão, aquilo que conhecemos é o oportunismo do PSD. No dia 5 de julho a taxa do IVA podia ter baixado para os 6%, foi discutida na Assembleia da República uma proposta de lei da Assembleia Legislativa Regional da Madeira que foi aprovada por unanimidade, na Madeira. Essa votação que devia ter sido aprovada por unanimidade, como foi na Madeira, não foi porquê? Porque o PS votou contra e o PSD e o CDS abstiveram-se. Se o PSD e o CDS tivessem mantido as votações que tiveram na assembleia regional, a taxa do IVA da eletricidade podia estar agora nos 6%. Nesse mesmo dia, horas depois, o líder do PSD estava a anunciar que ia pôr no programa eleitoral a redução do IVA para 6%. É de uma incoerência absoluta e de posicionamento completamente oportunista do PSD. Diz sobre o oportunismo do PSD, não diz nada sobre a proposta do PCP.
O PSD mudou de posição em relação ao IVA da eletricidade, mas a verdade é que hoje ameaça o Governo de se juntar à esquerda para aprovar uma proposta no Orçamento do Estado que o Governo estima custar 700 milhões de euros. O PCP vê-se ao lado do PSD se essa hipótese vier a colocar-se?
O problema não é nós vermo-nos ao lado do PSD ou deixarmos de nos ver ao lado do PSD, nós temos esta proposta, defendemo-la com toda a convicção, temo-la defendido com toda a convicção, e continuaremos a insistir para que ela vá por diante. E esperamos até que o Governo considere a sua inclusão logo na proposta inicial do Orçamento do Estado, essa é que seria a melhor solução que podíamos encontrar. Porque isto corresponde a uma necessidade absoluta das famílias portuguesas, da economia portuguesa.
Mas como é que se faz face a um impacto orçamental de 700 milhões de euros?
Mas porque é que tem de ser colocado nessa perspetiva? Faça-se uma avaliação do impacto que isto tem do ponto de vista do desenvolvimento da atividade económica: com a redução dos custos que isto pode significar para muitos milhares de micro, pequenas e médias empresas, com o que isso significa de redução das desvantagens competitivas com os nossos vizinhos espanhóis… qualquer pequena e média empresa portuguesa que tenha perspetivas de exportação vê-se a braços com a desvantagem competitiva com os nossos vizinhos espanhóis, que têm custos de combustíveis e energia muito mais baixos.
Mas como é que essa compensação se faz? É dinheiro que deixa de entrar…
A possibilidade de obtenção da receita fiscal não tem de incidir sempre sobre os mesmos, mais uma vez regresso à discussão: porque é que os grandes grupos económicos não hão de pagar cá os impostos e hão de ir pagar à Holanda e ao Luxemburgo? Se nós conseguíssemos obter, do ponto de vista da receita fiscal, o pagamento desses impostos, havia muitas outras coisas que podíamos fazer sem sequer haver perda de receita fiscal.
Não respondeu foi à pergunta: estaria disposto a ficar ao lado do PSD nessa fotografia?
A questão que se coloca é saber se o Governo está ou não disponível. O elemento verdadeiramente relevante dessa equação é saber que resposta o Governo dá a essa proposta do PCP.
No ano passado viu qual foi a resposta que o Governo deu…
Mas no ano passado já houve um avanço em relação a isso. O Governo não aceitou a nossa proposta integralmente mas aceitou incorporar no Orçamento do Estado medidas combinadas quer com a redução da potência contratada quer com a atuação sobre as tarifas, que permitiram uma redução ainda assim significativa dos custos com a eletricidade para muitos milhares de famílias. O elemento mais relevante desta equação é que não pode ser retirado: saber qual é a resposta que o Governo quer dar.
Mas estamos a falar de uma situação limite, e num cenário que é bastante provável, sabe que há uma grande dificuldade de o Governo aceitar esse impacto orçamental. O que lhe pergunto é se o PCP tem dificuldade em admitir ficar ao lado da direita neste quadro.
Mas se o PSD decidir votar favoravelmente uma proposta nossa, mesmo que seja numa circunstância de oportunismo do PSD, isso é uma decisão que é o PSD que toma. Nós esperamos é que o PS e o Governo não se alheiem desta discussão e não se ponham fora dela como se não fosse uma questão relevante. Não temos problema nenhum em ver essa proposta aprovada, como aliás, vimos outras. No último OE, a proposta de inclusão de vacinas no plano nacional de vacinação que nós propusemos foi aprovada sem os votos do PS. É uma opção do PS, pôr-se à margem. Mas nós preferíamos que essa proposta fosse considerada plenamente pelo governo, com toda a importância que ela tem, porque é preciso resposta a um dos problemas do país que é o agravamento dos custos de energia. O problema dos custos com a energia em Portugal não é só um problema com a receita fiscal, não é só um problema de impostos. É um problema também da fixação dos preços, e nós não deixamos esse aspeto descurado. Porque é que o Governo não atua nesse plano? Porque é que deixa que a discussão fique remetida para o plano fiscal? A forma como os preços são fixados no mercado liberalizado. Mesmo quando o preço do barril hoje está a metade do que estava há uns anos atrás, os preços dos combustíveis continuam a subir.
“Nunca nos sentimos obrigados a votar a favor” nenhum Orçamento
No final de todo este debate do Orçamento do Estado, o PCP admite votar contra este orçamento? Há margem para isso?
Nós admitimos sempre todas as hipóteses: a favor, contra, abstenção. Não nos sentimos condicionados a votar de uma forma ou de outra, portanto, a apreciação do quadro global de resposta aos problemas do país é a medida que define o nosso posicionamento neste OE, como definiu nos últimos quatro anos. Tal como nos últimos quatro anos, o nosso posicionamento de voto nunca esteve condicionado ao voto a favor obrigatório, agora também não está.
Mas sente-se menos obrigado a viabilizar o Orçamento do Estado?
Nós nunca nos sentimos obrigados a votar a favor do Orçamento. A opção que fizemos de votar a favor dos Orçamentos foi porque se conseguiu encontrar um quadro em que isso era possível. Mas nunca nos sentimos obrigados a votar a favor. Aliás, julgo que o governo e o PS sempre perceberam isso. Sempre perceberam que o PCP não se sentia obrigado a votar de uma forma ou de outra, portanto era preciso fazer um esforço para corresponder às questões que foram sendo colocadas, e espero que o Governo continue a compreender isso.
“Não há nenhum tabu” sobre a sucessão de Jerónimo. E questão do género “não é relevante”
O que é que quis dizer quando disse, numa entrevista à Rádio Renascença, que os estatutos do partido preveem até a possibilidade de não haver no PCP um secretário-geral? Isso pode acontecer?
Essa se calhar é uma frase daquelas que, retirada do contexto, pode dar aso a interpretações diferenciadas…
Estava-se a falar do contexto da sucessão de Jerónimo de Sousa…
E eu estava a tentar explicar que isso é uma decisão que tem um quadro próprio para ser tomado, um momento próprio, que não é este.
O momento é o congresso, daqui a um ano?
A questão relativamente ao secretário-geral não está colocada neste momento, e naturalmente que ela é tomada de acordo com as nossas regras, os nossos critérios e as nossas opções. E dei esse exemplo para mostrar que até se pode decidir que não há secretário-geral, é uma decisão que os estatutos preveem que possa existir. Naturalmente estava a puxar por esse exemplo porque é um exemplo extremo de como esta discussão é completamente desfasada…
Portanto, vai haver um secretário-geral do PCP…
Era só o que faltava era eu agora pôr-me na pele de quem tem de tomar essas decisões.
Porque é que a resposta do PCP nesta matéria é sempre a de levar a questão para o tabu? Porque é que há um tabu? É comum os políticos anteciparem a sua saída, sobretudo quando estão há muito tempo, para darem tempo ao partido de acautelar a sucessão. Imagino que isso esteja a ser preparado dentro do PCP, quando diz que a questão não se coloca, não se coloca mesmo?
Não há tabu nenhum. É uma discussão que é feita no momento e nos termos em que nós decidimos que ela é feita. E é feita no quadro do congresso.
No próximo congresso vai ser feita essa discussão, é isso?
Dizer-se que essa discussão não é feita agora não significa que é um tabu. Vai ser feita no quadro próprio, no congresso.
No próximo congresso?
Sim.
Jerónimo de Sousa fica até ao próximo congresso do PCP?
Sim. É uma questão que não está colocada, ainda não consegui perceber até hoje onde é que se foi encontrar a base para pôr em cima da mesa a ideia de que a questão do secretário-geral é uma questão que esteja colocada ao PCP ou pelo PCP. Não tem nenhuma base.
Tem a base de já ter o mesmo líder há muito tempo e de ter havido, por exemplo, uma descida expressiva da votação das legislativas, com menos 100 mil votos. Colocou-se a necessidade de renovação dos quadros do partido. O PCP sente essa necessidade?
Há uma coisa que nos é muito útil que é sempre pormos as coisas na sua perspetiva histórica. Já tivemos um secretário-geral que o foi durante muito mais anos e numa altura em que nem sequer íamos a eleições, estávamos proibidos disso. Logo aí pode ver o peso que os resultados eleitorais têm na nossa decisão. Num partido como o nosso as questões que são decisivas para outros têm um peso diferente.
O secretário-geral continua dizer que é preciso luta para ganhar um novo fôlego para continuar. Este resultado penalizador e a perda de deputados na bancada é o novo fôlego para Jerónimo de Sousa?
As eleições estão longe de ser um aspeto determinante do nosso fôlego e da forma como encaramos as tarefas que temos pela frente. Não é, de todo. As eleições não são o elemento determinante do nosso fôlego e da nossa determinação para enfrentar as responsabilidades que temos perante os portugueses.
Há uma questão que se coloca muito na Assembleia da República, que tem a ver com a igualdade. Entre os partidos mais antigos sentados no Parlamento só o PCP e o PS é que não tiveram uma mulher aos comandos. É importante dar esse sinal?
Julgo que as questões da identidade das pessoas não devem ser relevantes. Sejam as questões do sexo ou da orientação sexual, por exemplo, não são questões relevantes. Dizer-se que elas não devem ser base de discriminação é completamente diferente que dizer-se que elas devem ser base de opção.
Não é importante para si que haja uma secretária-geral do PCP?
Não me parece que isso seja uma questão determinante. Há uma série de outros critérios que me parecem muito mais relevantes e que devem ser considerados independentemente do sexo das pessoas. É mais importante que sejam outros critérios e que eles sejam considerados sem que esse seja um critério de opção.
“A preocupação com o rejuvenescimento e a renovação dos quadros é um elemento que tem um peso, mas é um peso relativo”
Com a realização do congresso próximo das autárquicas e considerando o resultado das últimas, é importante refrescar o partido até lá?
O rejuvenescimento e a renovação do coletivo partidário é um desafio que está sempre colocado. Estamos agora a concluir uma ação de contacto com cinco mil trabalhadores, dos quais resultaram já mais de mil, salvo erro, recrutamentos para o PCP, e muita gente nova, muita gente jovem com ideia da sua responsabilização de ideias concretas no quadro de intervenção partidária.
Mas se olharmos, por exemplo, para o Comité Central, a média de idades é elevada…
De facto, estamos todos quatro anos mais velhos do que estávamos no último congresso, mas a média etária do último congresso era até das mais baixas no plano nacional de órgãos equiparados. Na Assembleia da República, na anterior legislatura, tínhamos a bancada mais jovem de todo o Parlamento. Acho que esse elemento é um elemento a considerar, mas mais uma vez acho que não é um elemento determinante.
O que é que é determinante? O PCP teve um resultado desastroso nas últimas autárquicas
Desastroso? Somos a terceira força política, o que é que diz dos outros?
Está a olhar para o copo meio cheio, mas há dez câmaras perdidas, algumas importantes para a CDU, nomeadamente Almada, que perdeu para o PS.
A CDU tem a gestão de 24 municípios, a força política que vem a seguir a nós é o CDS que tem cinco. Acha que é um resultado desastroso?
Perder 100 mil votos nas legislativas não vos faz soar as campainhas? Quando está a falar parece que está tudo bem no PCP, que não é preciso olhar para dentro.
Estou a discordar é do peso relativo que parece que se está a dar. São critérios que não são verdadeiramente os mais relevantes. Vivemos numa sociedade onde a vertigem de vivermos todos como se tivéssemos 20 anos é uma coisa imposta às massas de uma forma geral. As pessoas parece que quando chegam aos 40 anos acham que já estão velhas e acabadas e não podem continuar a fazer aquilo que faziam aos 20 anos. Uma boa parte da angústia em que os mais velhos viverão, resultante dessa pressão de vivermos todos como se tivéssemos 20 anos, podia ser aliviada se as questões fossem colocadas de outra maneira. Acho que a preocupação com o rejuvenescimento e a renovação dos quadros é um elemento que tem um peso, mas é um peso relativo.
Qual é o problema que o PCP tem de resolver? Ou não há problema nenhum para resolver?
A batalha das eleições autárquicas trava-se em função das 308 circunstâncias diferentes. Há naturalmente uma perspetiva de intervenção nessas eleições que é um aspeto que é comum a todas elas. A CDU tem um projeto autárquico e bate-se pela aplicação desse projeto autárquico. Em prol das populações, mas não fazemos isso isolados do contexto em que somos colocados. Na totalidade dos municípios onde somos maioria travamos a batalha sozinhos, contra todos os que se unem contra a CDU. Mas não é das autárquicas que resulta a determinante do futuro do PCP, era só o que faltava.