Durante a tarde deste primeiro dia do congresso comunista, em Loures, o líder parlamentar do partido passou pela rádio Observador para uma curta entrevista onde não deixou de parte voltar a estar na posição que esteve nos últimos cinco anos, a avaliar mais um Orçamento do Estado do Governo. É que os comunistas dizem que o Orçamento a que se chegou é curto, que “nunca” confiou no PS na execução e até que os socialistas aproveitaram-se das alterações do PCP para embandeirar em arco. Mas viabilizar este OE foi uma opção consciente — até porque não consideram um drama um país em duodécimos — e mesmo que tudo corra mal na sua execução, o PCP continuará a estar em jogo.
Nesta conversa de 15 minutos, no dia seguinte à aprovação do Orçamento para 2021, João Oliveira garante que “a luta do PCP não é para que tenhamos para sempre governos do PS”, limitando o PCP “a um papel secundário em relação a isso”. Mas também ainda não é hora de sair do plano e o comunista afirma mesmo que se o cumprimento do Orçamento não correr pelo melhor, “será muito mais difícil a situação em que o país vai estar e vai ser muito mais exigente essa discussão e avaliação” — que, mesmo neste cenário, não descarta, pelo que se vê.
O PCP ficou sozinho em relação ao outro grande parceiro do Governo nestes cinco anos, o BE, ao lado do PS. É um posição confortável?
Desconfortável é termos o país a atravessar a crise que atravessa e a vermos que as opções do Governo não correspondem à resposta que seria necessária. A nossa abstenção significou um distanciamento face ao Orçamento do Estado e à opções que o Governo e o PS fizeram mas também que as medidas que foram inscritas por proposta do PCP tenham expressão na vida política portuguesa.
Mas é um distanciamento que ainda assim viabiliza o Orçamento, portanto o PCP concorda com a proposta.
Se concordássemos, votávamos a favor.
Se o viabilizou é porque quer que ele esteja em vigor. Mais vale aquele Orçamento do que nenhum, é isso?
Só tomámos uma decisão final relativamente ao sentido de voto no Orçamento a partir do momento em que tivemos uma noção exacta do que ele poderia conter e, particularmente, a partir do momento em que tivemos a noção de que alguma propostas apresentadas pelo PCP seriam aprovadas.
Por isso valeu a pena viabilizar o Orçamento.
As propostas do PCP que foram aprovadas permitem inscrever no Orçamento uma base a partir da qual o Governo tem margem para dar resposta aos problemas nacionais. Agora é preciso a segunda parte, que é a concretização de todas essas medidas.
E aí tem razões para confiar no Governo apesar de as execuções terem sido insuficientes nos anteriores orçamentos?
Fiz essa pergunta ao primeiro-ministro, com uma lista de 20 medidas que tinham sido inscritas no Orçamento do Estado para 2020 e que a meio de outubro ainda não estavam concretizadas. O Governo entretanto avançou com alguns aspectos, mas esse foi sinalizado como um dos problemas do OE para o próximo anos. Muitas das medidas que conseguimos introduzir no Orçamento estão limitadas na sua concretização e eficácia já pela lei do OE. Por exemplo, todos os subsídios de desemprego que terminaram em 2021 vão ser acrescentados em seis meses por uma proposta do PCP. Muitas das nossas propostas em relação à saúde ficaram definidas em condições de serem concretizadas sem estarem sujeitas às autorizações do Governo ou outros obstáculos de outros Orçamentos do Estado. Foram introduzidos mecanismos que defendem as medidas da obstaculização por parte do Governo.
Isso porque o PCP chegou à conclusão que o PS não é afinal de confiança?
É óbvio que muitas outras medidas ficarão sempre dependentes da concretização do Governo.
E continua a ser merecedor da confiança do PCP?
Essa confiança nunca existiu em relação a isso, por isso é que fomos sempre cobrando ao Governo o que era preciso cobrar.
É que não há o votar a favor ou contra o Orçamento. Há um OE viabilizado ou não e o PCP viabilizou o Orçamento do Governo, portanto haverá confiança no PS…
As coisas são muito mais complexas do que isso. Tomara eu que fosse assim.
Mas no fim das contas é o que vale. E este Orçamento acabou viabilizado e com a ajuda do PCP.
Não termos Orçamento seria uma circunstância difícil e um Orçamento que não desse resposta aos problemas principais dos nossos problemas seria igualmente mau. Portanto, a base em que interviemos foi inscrever no OE as propostas que dariam resposta aos problemas nacionais.
Mas não era melhor ficar em duodécimos? Também era uma hipótese.
O que é melhor é o que é melhor para o nosso povo. O que é melhor é que o Orçamento contivesse a solução para os problemas todos.
Mas isso, segundo me está a dizer, não tem, pelos menos na dimensão que o PCP desejava. E por alguma razão preferiu viabilizá-lo do que deixar tudo ficar em duodécimos.
Essa simplificação é errada, as coisas são mais complexas. Perante a exigência do pagamento de salários a 100% e de um apoio para as pequenas e médias empresas poderem assegurar o pagamento dos salários a 100%, era melhor ter este OE ou não? Perante a inscrição no OE de um prolongamento do subsídio de desemprego por seis meses, era melhor esse OE em vigor ou esse prolongamento não existir?
Então olharam para o copo meio cheio, foi isso?
Nós fazemos a avaliação do Orçamento em função da complexidade que ele implica.
E daqui a um ano haverá condições para o PCP continuar a apoiar o PS?
Se o Governo der cumprimento ao que estiver inscrito no Orçamento do Estado, estaremos com um país diferente do que o que temos hoje. E sobretudo se o Governo executar as medidas inscritas no OE por proposta do PCP poderemos estar por um ano a falar de problemas menores do que os que temos pela frente. Se nada disso acontecer será muito mais difícil a situação em que o país vai estar e vai ser muito mais exigente essa discussão e avaliação.
Quando forem confrontados com uma nova avaliação conjunta de um OE com o o PS, estará a sair de autárquicas. Se se repetir um mau resultado eleitoral, o PCP vai negociar com o PS ou estará demasiado fragilizado para isso?
Se introduzíssemos esse grau de cinismo na nossa intervenção política, dificilmente os problemas dos trabalhadores teriam solução. Olharmos para o nosso umbigo e, em função de questões como os resultados eleitorais, tomarmos decisões em relação a questões que nada têm a ver com os resultados eleitorais, seria de um cinismo…
Foi isso que fez o BE, olhou para o próximo umbigo?
Tem de ser alguém do BE a dar resposta a isso.
Mas pode ser alguém do PCP que também esteve no mesmo patamar que o BE durante estes últimos anos.
A decisão do BE de votar contra o Orçamento nas duas votações, de apresentar apenas 12 propostas como fez, de decidir destacar apenas uma questão, a do Novo Banco, quando tudo o resto ao lado acabava por ficar secundarizado, são decisões que o BE tomou e tem de ser o BE a responder por elas.
O Governo e o PS dizem que o BE desertou da esquerda. Foi assim que viu o voto contra do partido no OE. O BE desertou quando começaram a surgir os problemas?
Essa afirmação do Governo deve responder a alguma cosia que o Governo constatou na discussão com o BE. Mas eu não estava na sala quando isso sucedeu.
O mais que Jerónimo de Sousa, esta sexta no seu discurso ao Congresso, elogiou o PS foi elogiando o próprio PCP… o PS não em qualquer mérito no que aconteceu nos últimos cinco anos?
Talvez utilizasse um exemplo que é simultaneamente um desafio: recuperem a intervenção do ministro das Finanças no debate de encerramento do OE e a lista que ele fez de medidas que melhoraram o OE na especialidade e vejam quantas correspondem a proposta do PCP.
Portanto, o mérito do PS depende exclusivamente do PCP?
O Orçamento ainda não está publicado e o que mais se valoriza foi precisamente o que resultou da aprovação de propostas do PCP. Na minha terra há uma expressão muito boa para isto que é “cumprimentar o patrão com o chapéu dos outros” e, neste caso, foi o que o Governo fez mais uma vez, cumprimentar o patrão com o chapéu dos outros. Apresentou aos portugueses um conjunto de medidas muito positivas que não resultam exatamente de iniciativas do Governo e do PS, mas de proposta do PCP aprovadas no OE. Acho que era isso que se estava a referir o secretário-geral.
E ao que Jerónimo de Sousa se estava a referir quando pediu um reforço de votação no PCP para se tornar mais influente junto do PS? Pretendem continuar a ser esse apoio?
O objetivo pelo qual o PCP se bate não é propriamente ter para sempre governos do PS, como deve calcular a luta do PCP não é para que tenhamos para sempre governos do PS, limitando-nos a um papel secundário em relação a isso. Pelo contrário. Quando o secretário geral do PCP pede reforço do PCP e porque só com o reforço do PCP se consegue garantir que as decisões que são tomadas correspondem aos anseios dos trabalhadores portugueses. Por exemplo, durante anos propusemos a gratuitidade dos manuais escolares e no dia em que houve um governo do PS obrigado a ter de ouvir o PCP conseguiu-se aprovar. Imagine que o PCP tinha mais força.
Teria mais influência… junto do PS?
Não, para ter maior influência sobre as decisões nacionais com um Governo que não fosse sequer do PS mas patriótico e de esquerda, que desse resposta aos problemas do país. Com uma influência decisiva do PCP certamente estaria em condições de fazer a relativização dos governos do PS que tem de continuar a ser feita porque há problemas do pais que não têm resposta pela mão do PS e das suas opções. Com um PCP mais forte e com mais influência estaremos em melhores condições para contribuir para uma política alternativa.