Oito meses após o fim da Jornada Mundial da Juventude — que chegou a juntar 1,5 milhões de pessoas no Parque Tejo, em Lisboa — a Fundação JMJ apresentou esta sexta-feira o relatório final de contas. E os lucros obtidos superaram o que inicialmente se previa, atingindo os 31,4 milhões de euros (35 milhões se se tiver em conta o valor que transita do ano anterior). Já os gastos foram de cerca de 43 milhões de euros, sendo que a maioria da despesa foi com fornecimentos e serviços, nomeadamente a alimentação. No que toca ao impacto económico do encontro que se realizou entre 1 e 6 de agosto em Lisboa, registou-se um “aumento a curto prazo do nível da atividade económica”, mas também um travão no processo de redução da taxa de inflação que decorria. Os dados constam do relatório de contas da Fundação JMJ e do estudo que o ISEG levou a cabo e cujas conclusões são agora conhecidas.
A Fundação JMJ Lisboa 2023 registou um “resultado positivo de 31,359 milhões de euros” no final de 2023, o que representa um aumento de 34348% face ao valor inicialmente orçamentado, de 912 mil euros, lê-se no relatório apresentado. Já em dezembro de 2023 se previa que o valor fosse mais elevado. O Observador apurou na época que o lucro podia chegar a 20 milhões de euros, mas, ainda assim, este valor foi ultrapassado. O lucro obtido com a JMJ “será, posteriormente, aplicado no desenvolvimento de projetos de apoio a jovens, a implementar nos concelhos de Lisboa e Loures”.
Mas se inicialmente o foco estava nestas duas regiões, esta sexta-feira, durante a apresentação do relatório, Américo Aguiar admitiu que “agora a possibilidade é XXL” face aos lucros obtidos. “Isto significa que, quer os intervenientes, quer a geografia podem ter outras dimensões.” Os projetos em que haverá um investimento não estão ainda definidos e depende dos diálogos que ocorrerem entre as câmaras municipais e a própria Fundação. Mas em cima da mesa estarão, à partida, projetos pastorais e de educação, como por exemplo relacionados com “produção artística”.
O “valor acima do previsto tem em conta a forte afluência do número de peregrinos” que participou no evento da Igreja Católica, que atingiu as 400 mil inscrições oficiais, justifica a Fundação. É de salientar que, além destas inscrições, houve ainda afluência de pessoas inicialmente não inscritas. Exemplo disso foi o dia 5 de agosto, em que se registou a presença de 1,5 milhões de pessoas no Parque Tejo, prontas para receber o Papa Francisco.
Retorno? 4 milhões e o Parque Tejo
De acordo com o relatório da Fundação, 2023 foi iniciado com cerca de 4,9 milhões de euros, o que levou a que o ano fechasse com um saldo de 35,4 milhões. O Cardeal explicou: falamos de 35 milhões de euros ao somar o retorno positivo de 4 milhões obtido nos anos anteriores.
Américo Aguiar admite mesmo que houve “uma gestão austera”. “No mês de junho/julho não tinha qualquer expectativa deste género. O preço das coisas foi-me tirando o sono. Lembro-me dos preços dos transportes, eram quatro, cinco, sete vezes os preços a que estávamos habituados”.
[Já saiu o terceiro episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio e aqui o segundo episódio.]
Mas deste evento, além de um “balanço positivo”, houve um outro “grande retorno”, salientou o presidente da Fundação JMJ: o Parque Tejo. E “também a conquista da frente marítima de Loures. Esta possibilidade de reconversão é muito importante, o retorno daqueles novos espaços é uma das mais-valias”.
Jornada da Juventude. Fundação JMJ teve lucros de cerca de 20 milhões de euros
De acordo com os números apresentados esta sexta-feira, a Fundação JMJ terminou 2023 com rendimentos operacionais de 74,552 milhões de euros, valor que resultou da soma de 74,539 milhões de euros em donativos e inscrições de peregrinos com cerca de 13 mil euros provenientes de “outros rendimentos”. Os cerca de 75 milhões de euros de rendimentos operacionais correspondem a mais 14,1% do que tinha sido orçamentado inicialmente (nomeadamente 65,312 milhões de euros).
Contudo, a Fundação JMJ terminou 2023 a registar um total de 43,361 milhões de euros em gastos. De acordo com o relatório, isto corresponde a menos 32,6% do que tinham inicialmente previsto. No entanto, já em dezembro o Observador avançava que, com as contas quase fechadas, os gastos já totalizavam cerca de 34 milhões de euros. Segundo a Fundação o resultado alcançado é “esforço de eficiência na gestão orçamental” e “fruto do grande esforço de contenção de gastos que norteou toda a organização da JMJ”, assim como do trabalho de todos os voluntários.
13,4 milhões gastos em alimentação
Os gastos da Fundação JMJ dividem-se em três grandes grupos : fornecimentos e serviços externos, gastos com pessoal e outros gastos. No que toca a fornecimentos e serviços, a despesa representou 96,37% dos gastos (41,8 milhões de euros) — a maior parcela foi com a alimentação (13,4 milhões de euros), seguindo-se o kit peregrino (9,4 milhões) entregue a cada um dos participantes e o transporte dos peregrinos (6,7 milhões).
A própria fundação destaca como rubricas de “maior impacto” o alojamento, alimentação e transporte. Houve a “necessidade de acomodar e alimentar milhões de peregrinos” (o que levou “a um aumento expressivo nos gastos com hotéis, restaurantes, fornecedores de alimentos e bebidas”) e de transportar peregrinos “dentro e fora da cidade” (o que exigiu a contratação de serviços).
Mas também a segurança, que foi “um dos principais desafios”, acabou por levar a “um aumento nos gastos com […] policiamento e outros serviços relacionados”. No total, a despesa com esta rubrica foi de 1 milhão de euros.
Já no que toca a equipamentos e infraestrutura e comunicação e marketing (também consideradas rubricas de “maior impacto), a fundação diz ter necessitado de equipamentos e Infraestruturas temporárias. Só em estruturas arrendadas e alugadas, foi gasto um milhão de euros. Por último, foi também necessário contratar serviços de publicidade, marketing, tradução e design, o que representou um gastos e mais de 16 mil euros.
No que toca aos gastos com pessoal, a soma da despesa com remunerações (e encargos sobre as mesmas) e seguros de acidente de trabalho e doenças totalizou 1,1 milhão de euros. Segundo o relatório, “no arranque de 2023 estavam contratados 33 colaboradores. Com o decorrer do tempo houve a necessidade de efetuar novas contratações, tendo igualmente havido uma procura intensa de estagiários. Durante 2023 foram contratadas 117 pessoas ao longo do ano”.
Por último, a Fundação JMJ registou “outros gastos”, no valor de 446 mil euros, que dizem respeito a “donativos concedidos a diversas entidades para apoiar a inscrição de peregrinos mais desfavorecidos”.
Há “outros créditos a receber”
A fundação obteve 31,3 milhões de euros de lucro, mas talvez não fique por aqui. De acordo com o relatório existem ainda “outros créditos a receber”, que totalizam 606 mil euros. Nesta rubrica incluem-se, por exemplo, donativos de empresas e adiantamentos feitos a fornecedores.
Além disto, durante o presente ano, a “Autoridade Tributária deferiu os pedidos de reembolso de IVA da Fundação relativo às aquisições de bens respeitantes à aquisição de objetos exclusivos de culto religioso”. Este reembolso deverá totalizar cerca de 214 mil euros, esclarece o relatório.
No documento consta ainda que “não exigem responsabilidades por registar” associadas a dois litígios que a Fundação tem em curso. Um deles diz respeito a um “ex-colaborador que reclama uma indemnização de 20 mil euros”. Outro corresponde a “uma reclamação e pedido de compensação por um fornecedor que se sentiu lesado e reclama o montante de 950 mil euros”.
JMJ aumentou emprego a curto prazo
A par do relatório de contas da Fundação JMJ, esta sexta-feira o ISEG (Instituto de Economia e Gestão), apresentou também os resultados do estudo de Avaliação do Impacto Económico que realizou. Segundo esta análise, houve um “aumento a curto prazo do nível da atividade económica”, que pode ser avaliado em “370 milhões de euros de valor acrescentado bruto” em 2023.
Mas também um “aumento a curto prazo do nível de emprego”, que “pode ter atingido num máximo de mais de 10 mil postos de trabalho”, nos últimos três meses de 2023. E também um “aumento do rendimento líquido”. Ambos os benefícios se registaram maioritariamente na região de Lisboa. É de notar ainda um “aumento das infraestruturas e equipamentos disponíveis” e de uma contribuição para “intenções de procura futura” a nível turístico.
Por outro lado, a JMJ contribuiu para travar, em agosto, o “processo de redução da taxa de inflação em curso durante o ano de 2023”.
O “top cinco” de privados que mais contribuíram
Na apresentação do relatório, o presidente da Fundação JMJ, o Cardeal Américo Aguiar, enumerou (e agradeceu) ao “top cinco das empresas de referência” que tornaram possíveis a realização da JMJ: “Se o Estado garantiu todo o seu apoio, a certa altura foi importante contar com os apoio do privado.”
Foram elas a Jerónimo Martins porque “nos primeiros meses e anos não tínhamos fundo de maneio. Era preciso ter dinheiro para ter as coisas e a Jerónimo Martins proporcionou-nos esse apoio”. Mas também a Altice, “parceira tecnológica”, o Grupo CUF, a seguradora Fidelidade e o El Corte Inglés.
Houve ainda espaço para “agradecer às forças armadas, forças de segurança e Proteção Civil”, elogiando o facto de “todos se terem preparado para o pior”. E mesmo quem teve uma “posição negativa” ajudou na realização da JMJ, sublinhou Américo Aguiar, porque “a transparência e escrutínio ajudaram a fazer um trabalho melhor”.