É tudo uma questão de tempo — e a sensação de Joshua Wong é que ele sempre a esgotar-se.
Aos 23 anos, é uma das principais caras da oposição a Pequim em Hong Kong. Essa sensação de urgência levou-o a assumir uma posição de proa logo aos 15 anos, em 2011 — ainda antes de Xi Jinping ser Presidente da China. Foi nesse ano que Joshua Wong fundou movimento Scholarism para fazer frente a uma lei para a educação que, de forma semi-encoberta, se preparava para inculcar aos estudantes de Hong Kong o bê-á-bá do Partido Comunista Chinês. Nessa altura, venceu — e, a partir de então, foi buscar aí a motivação para o movimento de protesto que se formou entre a juventude de Hong Kong.
É esse trajeto pessoal (que se mistura com a História recente de Hong Kong) que Joshua Wong conta no livro “Da Falta de Liberdade de Expressão – Um Manifesto em Prol da Democracia” (Bertrand, 2020), publicado em Portugal numa altura crítica para aquele território autónomo.
A aplicação da Lei da Segurança Nacional, que prevê prisão perpétua a todos os “atos de secessão”, está a ser vista por ativistas, ONG e também alguns países da comunidade internacional, como um corte à promessa de que a China e Hong Kong operariam sob o slogan de “um país, dois sistemas”. Essa foi a promessa firmada entre Deng Xiaoping e Margaret Thatcher em 1984, que levou o Reino Unido a ceder, já em 1997, aquela região ao domínio chinês. O acordo, conhecido como a Lei Básica de Hong Kong, tinha um prazo de validade de 50 anos — isto é, até 2047. A partir daí, o destino daquela região, até aqui um farol de liberdade no universo chinês, seria decidido por Pequim.
Mas, para Joshua Wong e tantos outros em Hong Kong, 2047 chegou com a Lei da Segurança Nacional, em vigor desde 30 de junho deste ano. Por isso, o ativista de 23 anos desdobra-se agora em entrevistas, como esta que nos deu via Skype. Entre respostas lacónicas e diretas ao ponto, ouvimo-lo a teclar no computador ao mesmo tempo que nos responde. É tudo uma questão de tempo — e Joshua Wong faz de tudo para que ele não se esgote.
Para as pessoas que, vivendo em Hong Kong, são contra o regime chinês, o ano de 2047 servia quase como uma espécie de prazo de validade à sua liberdade. Esse ano chegou mais depressa agora, com a aprovação da lei da segurança nacional?
2047 já chegou a Hong Kong, porque Hong Kong já faz parte do lema “um país, um sistema” desde que a lei da segurança nacional foi implementada. Mas, apesar de uma alteração desta magnitude, continuamos motivados para lutar contra isto.
Poucas horas depois de a nova lei da segurança ter sido aplicada, anunciou o fim do seu partido, Demosisto. Que plataforma lhe resta então enquanto cidadão de Hong Kong? As ruas?
Nós vamos continuar as nossa luta, só que num campo de batalha diferente.
Então isso quer dizer que a atividade política do partido deixa de existir por completo e, desta forma, vão deixar de se candidatar às eleições locais?
Exatamente.
Fazem-no por uma questão de de auto-defesa?
Sim, porque não posso meter-me a mim e aos meus colegas ainda mais em risco.
Ao longo da sua intervenção como ativista tem apelado à comunidade internacional. E leio que no seu livro critica um relatório do então ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Boris Johnson, em que este refere que o sistema de “um país, dois sistemas” estava então a “funcionar bem”. Três anos depois, com a aprovação da nova lei da segurança nacional, e já com Boris Johnson como primeiro-ministro, o Reino Unido mudou de retórica e garante que está disponível a conceder cidadania britânica a refugiados de Hong Kong. Como é que olha para esta alteração de postura? Já vem tarde?
O facto de Pequim ter quebrado uma promessa [de manter o modo de governação acordado com o Reino Unido para este aceitar a transição em 1997] tem de ser reconhecido pela comunidade internacional, incluindo o Governo do Reino Unido. É importante que o Governo do Reino Unido pressione a China.
Mas que tipo de pressão é que se pode aplicar contra a China a partir do Reino Unido e também de outros lados, como a União Europeia e os EUA?
Justiça adiada é justiça negada, mas neste momento agir é sempre melhor do que ficar em silêncio. Está na altura de os líderes mundiais dizerem que não estão dispostos a vergarem perante uma potência em ascensão, isto é, a China.
Mas há algum tipo de pressão que acredite que possa ser viável?
Muito para lá de darem botes de salvação às pessoas de Hong Kong, está na altura de colocar a China na agenda dos temas a serem discutidos no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Essa discussão iria ainda assim esbarrar contra algumas paredes, sendo a maior delas o facto de a China ser um dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, posição essa que a investe de poder de veto. Não acha isto inviável?
Mesmo que Pequim negue qualquer discussão sobre Hong Kong nas plataformas internacionais, é importante que os líderes mundiais cumpram o seu dever de demonstrarem preocupação com o pesadelo em Hong Kong.
Certo, mas a questão mantém-se: a China é um membro permanente e dessa forma não irá agir de uma forma que vá diretamente contra os seus próprios interesses.
Se Pequim tentar banir a discussão de Hong Kong no Conselho de Segurança das Nações Unidas, os líderes mundiais terão de aumentar a pressão global.
Tem-se falado muito do caráter acelerador da pandemia. No caso de Hong Kong, muitos dizem, e o Joshua concorda com eles, o que aproximou o ano de 2047…
… sim, mas tal como foi demonstrado pelas 600 mil pessoas que votaram [nas eleições primárias da oposição em Hong Kong] no fim de-semana passado, quer haja Covid-19 ou não, as pessoas querem continuar a ter um voto de protesto.
Ainda assim, não admite que possa haver um sentimento de frustração entre esse movimento de protesto? É verdade que já tiveram alguns sucessos — como a retirada da Lei Nacional da Moral e Educação, depois dos protestos de 2012; ou a desistência da Lei de Extradição, em setembro 2019 — mas é visível que estão sempre a nadar contra a maré.
Continuo otimista. No setembro do ano passado forçámos Pequim a retirar a Lei de Extradição e mesmo depois da repressão policial, mais de meio milhão de pessoas saiu de casa para ir votar, que é o maior número desde o domínio de Pequim.
Mas nada disto impediu que a nova Lei da Segurança Nacional fosse aprovada — alguns dirão que foi nas costas do povo de Hong Kong, mas o certo é que foi aprovada a despeito das manifestações. Isto não lhe dá um sentimento de frustração?
Não tenho, nem temos, qualquer tipo de frustração. Se assim fosse, como é que conseguimos meter 600 mil pessoas a votar há 5 dias?
Então acredita que este novo movimento conseguirá, tal como conseguiu com a Lei de Extradição, que Pequim retire a Lei da Segurança Nacional?
Vamos tentar o nosso melhor para que a China detenha a sua repressão contra Hong Kong.
E isso passa por onde, exatamente? Por manifestações? Estão articulados com as tais organizações internacionais e governos estrangeiros a quem pedem pressão contra a China?
Independentemente de apoio e pressão internacionais, as manifestações nas ruas são sempre para uma coisa: eleições livres. E vamos usar esse campo de batalha para tirar o máximo do nosso impulso.
E a maneira como planeia fazer com isto é então desistir da via institucional — já que o seu partido interrompeu a atividade — e apostar somente nas ruas?
Os gestos falam mais alto do que as palavras e o facto de 600 mil pessoas terem saído de casa para votar já diz tudo. Por isso, somos capazes de ultrapassar a ameaça da Lei da Segurança Nacional.
Voltemos ao seu livro. Para lá das várias considerações políticas, também refere várias vezes o facto de ser cristão, chegando a citar a Bíblia algumas vezes. De que forma é a religião entra na sua forma de estar dentro da política?
Nós temos a responsabilidade ser a espada e a luz de uma sociedade. É o que nos diz a Bíblia.
Mas como é que incorpora a religião na sua vida política?
A maneira como lutamos pela justiça é uma prova daquilo que a Bíblia ensina.
No livro descreve também como, quando era ainda criança, cresceu com a ideia mais ou menos benigna da China. O que o fez mudar de ideias?
Foi a agressão a Hong Kong através da lei da educação para a lavagem cerebral [formalmente conhecida como a Lei Nacional da Moral e Educação], que não tinha qualquer respeito pela geração dos mais jovens.
Essa lei, como já referimos atrás, acabou por ser retirada. A verdade é que podemos sempre debater se hoje, em 2020, a situação é melhor ou pior do que era à altura, mas ainda assim a lei foi retirada. Esse é um momento de que se recorda com regularidade, até em busca de inspiração, já que esteve tão envolvido nesse episódio da História recente de Hong Kong?
Afetou-me muito, sim.
Como assim?
Olhando para a caminhada destes anos todos, e independentemente dos ensinamentos que a Bíblia me dá, esse momento deixou-me ainda mais motivado para lutar esta luta tão dura e desigual.
Visto de fora, o debate predominante em Hong Kong parece ser o da relação dessa região com a China. Por isso, já que vê todo este tema a partir de dentro, pergunto-lhe se sente que há debate noutras questões. E, quando o faz, fá-lo como homem de esquerda ou como um homem de direita? Onde é que se situa, ideologicamente?
Nós lutamos pelos direitos dos trabalhadores, pelas minorias étnicas, pela importância dos direitos LGBT. Acredito em valores progressistas.
Não deixa de ser irónico que nos EUA tenha recebido várias menções de apoio de ambos os partidos mas, recentemente, especial atenção por parte do Presidente Donald Trump, que está longe de ser um progressista.
Apoiar Hong Kong não é uma questão de esquerda ou direita, é uma questão de certo ou errado.