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Como irá Luís Montenegro governar?
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Como irá Luís Montenegro governar?

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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Legislativas 2024. Um Governo minoritário e um braço de ferro na oposição

Crescimento de novos partidos numa nova organização partidária, com a direita radical do Chega e a nova esquerda europeísta e ecologista do Livre. Ensaio de Mariana Carmo Duarte e Daniel Fernandes.

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A noite eleitoral de 10 de Março de 2024 tem um ponto em comum com a noite eleitoral de 30 de Janeiro de 2022. Em ambos os casos, os resultados dos principais partidos foram diferentes daquilo que se previa (ou, pelo menos, difíceis de prever). Se a noite eleitoral de 2022 trouxe uma inesperada maioria absoluta do PS, a noite eleitoral de 2024 trouxe uma tímida vitória para a AD.

As eleições legislativas de 2024 ficam marcadas por três aspetos fundamentais que, em si mesmos, oferecem pistas para a compreensão dos resultados eleitorais. Em primeiro lugar, o declínio da abstenção eleitoral (33,77%). Desde 1995 que a percentagem de eleitores que optava por não votar não era tão baixa e nunca em toda a democracia portuguesa tinham sido contados tantos votos (número absoluto). Muito embora os valores de participação eleitorais estejam longe daqueles que se verificaram nos anos subsequentes ao 25 de Abril de 1974, esta eleição legislativa inverteu uma tendência acentuada e constante de aumento da abstenção eleitoral.

Em segundo lugar, esta eleição mostra uma clara inflexão à direita. No seu conjunto, os partidos à direita conseguiram arrecadar 54,7% dos votos (ainda sem incluir os votos dos círculos da Europa e de fora da Europa). É necessário recuar à maioria absoluta de Cavaco, em 1991, para ver níveis tão expressivos de apoio eleitoral à direita. Este movimento é, de resto, natural dado o desgaste dos governos de esquerda dos últimos 8 anos. Contudo, ao contrário do que sucedera no passado, esta viragem do eleitorado não aconteceu de forma coesa nos partidos tradicionais da direita. Embora a AD tenha conseguido um melhor resultado eleitoral que o PSD nas eleições legislativas de 2022, esta tendência ocorreu às custas de um aumento meteórico de votos no Chega, que se afigura como a terceira força política em Portugal. Este partido, que entrou para a Assembleia da República em 2019 com um deputado, elege este ano 48 membros para a sua bancada parlamentar.

Em terceiro lugar, há uma clara reordenação do sistema partidário português que segue a tendência europeia de surgimento de novos partidos e de estabelecimento de novas dinâmicas interpartidárias. Aos dois grandes partidos de centro (PSD e PS) e aos dois partidos de esquerda (BE e CDU) juntam-se agora um partido de direita radical (Chega), uma nova direita liberal (IL) e uma nova esquerda europeísta e ecologista (Livre). Em específico, consolida-se uma alteração fundamental do sistema partidário a sul do Tejo. Onde antes tínhamos um Alentejo fortemente ligado ao PS e ao PCP, agora vemos o Chega a surgir como segundo partido mais votado na região. No Algarve, o Chega aparece como o partido mais votado. Olhando para o panorama nacional, temos uma esquerda centrada no PS, e uma direita dividida geograficamente, centrada no PSD no Norte, e no Chega no sul.

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AD – A vitória tangencial

A Aliança Democrática venceu as eleições legislativas de 2024 com 29,5% dos votos que se traduziram em 79 mandatos (estes dados incorporam os resultados da coligação PSD + CDS na Madeira) — ver figuras abaixo. Este resultado mostra uma aparente estabilidade no apoio eleitoral ao principal partido da coligação, que pode ser entendida de duas formas: pela positiva e pela negativa. Por um lado, o resultado da AD foi conseguido num contexto muitíssimo difícil, tendo em conta a ascendência brutal do Chega, contra o qual fez um apelo sistemático de voto estratégico durante toda a campanha. Por outro, a vitória da AD é agridoce porque o bloco da alternância política em Portugal não conseguiu capitalizar politicamente a queda do anterior governo através de um escândalo de corrupção envolvendo figuras gradas da elite socialista. Ao mesmo tempo, o descontentamento claro em componentes estruturais do país, como a habitação, a educação e a saúde, temas caros ao PS e que deveriam levar a uma forte penalização do incumbente, não se traduziu em votos na AD.

O problema que atormentou, durante décadas, o PS – a fragmentação do seu campo político e a impossibilidade de fazer coligações – está agora patente à direita. Nunca a direita foi tão forte. Nunca a direita foi tão fraca.

Se os resultados da direita foram os esperados em função da alternância, do desgaste do incumbente e da conjuntura económica – embora este seja um tema complexo, na medida em que os últimos anos do PS beneficiaram claramente os estratos mais pobres da sociedade –, a vitória afigurar-se-á como de difícil gestão sob o ponto de vista governativo. O problema que atormentou, durante décadas, o PS – a fragmentação do seu campo político e a impossibilidade de fazer coligações – está agora patente à direita. Nunca a direita foi tão forte. Nunca a direita foi tão fraca.

Numa jogada estratégica, Montenegro deixou inequivocamente claro que não se coligará com o Chega. De resto, esta estratégia era essencial para a mobilização do voto de direita democrática e para impedir que o PS conseguisse congregar o voto anti Chega e fazer de para-raios eleitoral no sistema de competição política. Este discurso foi bem-sucedido, tanto que o seu principal adversário, o PS, alterou a estratégia de campanha, passando do discurso do medo para o discurso da instabilidade. Especialmente depois das eleições dos Açores, quando pôs em prática a sua doutrina do não-é-não, Montenegro conseguiu passar a mensagem de forma credível que existe uma barreira intransponível entre PSD e Chega.

Este discurso é high-risk high-reward. A AD conseguiu ter um resultado superior àquilo que são as suas bases, valor que normalmente se fixa entre 22 e 25% do eleitorado. Mas o facto de não conseguir atingir resultados eleitorais semelhantes aos das grandes vitórias do PSD, como aconteceu em 1991 e 2011, revela os limites do novo cenário partidário em Portugal. Dada a votação histórica no Chega, o eleitorado à direita parece não ter ficado dissuadido com o aviso do líder do PSD. Tendo em consideração os resultados eleitorais de domingo, o não-é-não de Montenegro impossibilita-o politicamente de voltar atrás na sua palavra. Para além disso, Marcelo Rebelo de Sousa deixou claro que a queda da liderança de Montenegro levaria à convocação de novas eleições. Logo, do ponto de vista conjuntural, as duas únicas alternativas possíveis são um governo minoritário de direita (com ou sem apoio da IL) ou novas eleições.

Do ponto de vista mais estrutural, este cenário – caso se mantenha nas próximas eleições – coloca desafios importantes ao maior partido da coligação da Aliança Democrática – o PSD. Por um lado, deixar o Chega de parte coloca o PS com um papel dominante na vida política portuguesa, removendo quaisquer possibilidades de alternância democrática e levando a uma mexicanização do sistema político português. Por outro lado, incluir o Chega implica trazer para o arco da governação um partido com ideias, no mínimo, pouco recomendáveis. Acima disto, integrar o Chega também pode provocar uma inversão dos papéis dos dois principais partidos à direita, com o Chega como principal força e o PSD como força secundária.

AD: Percentagem de votos (à esquerda) e diferença na votação entre 2022 e 2024 (%) (à direita)

PS – A nova oposição

O Partido Socialista conseguiu eleger 77 deputados com 28,7% dos votos. Este foi o seu pior resultado desde as eleições legislativas de 2011, que tomaram lugar num contexto muito particular em que, durante o governo de José Sócrates, o país é levado à bancarrota e obrigado a chamar ajuda externa. Verdadeiramente, o eleitorado puniu o PS votando à sua direita. O partido parece estar agora essencialmente reduzido às suas bases eleitorais, que se caracterizam por ser tendencialmente mais pobres e por se encontrarem, principalmente, nas áreas suburbanas.

No seu discurso, Pedro Nuno Santos assume a derrota e toma o pelouro da oposição ao governo. À primeira vista, esta súbita tomada de posição parece ser surpreendente, tendo em consideração que é ainda possível que o PS venha a ter o mesmo número de deputados que a AD, caso o voto dos círculos da Europa e fora da Europa dê três lugares ao PS. No entanto, mesmo nesta situação, Pedro Nuno Santos assume a derrota, revelando uma clara preferência por evitar o desgaste da sua imagem como líder (e também do partido) num momento de mínimos históricos e numa situação em que seria impossível uma solução estável de governo à esquerda.

A estratégia de Pedro Nuno Santos pode ainda ser percecionada como uma tentativa de colar a AD ao Chega. Com esta posição, o líder do PS quer ver como é que o PSD consegue responder a uma tentativa de formação de governo sem apoio do partido de direita radical. Esta estratégia não parece ser credível por dois motivos.

O Partido Socialista é colocado perante uma decisão complexa: aprovar um orçamento proposto pelo PSD, o que carrega implicações políticas significativamente diferentes de uma simples abstenção ou deixar cair o governo.

Em primeiro lugar, pode gerar potenciais riscos, já que delegar esta responsabilidade para outros partidos, remove também a capacidade do PS de influenciar potenciais soluções que neste momento não parecem claras. Situação semelhante aconteceu nos Açores há cerca de dois meses, quando a estratégia do PS saiu mal e é precisamente neste momento em que a campanha de Montenegro é lançada e a sua opção de se afastar ao Chega começa a ser credível.

Em segundo lugar, o Partido Socialista necessita de tempo para recuperar do desgaste da última governação antes de se apresentar a eleições outra vez. Abster-se de um orçamento do PSD pode permitir ao PS ganhar tempo e gerar um problema de governabilidade quando lhe for conveniente. Aqui é necessário fazer uma distinção entre abstenção e um voto a favor. Na eventualidade de formação de um governo minoritário, o PSD terá que negociar com algum dos dois principais partidos de oposição para conseguir aprovar o Orçamento de Estado. Sem o apoio direto do Chega, o Partido Socialista (PS) é colocado perante uma decisão complexa: aprovar um orçamento proposto pelo PSD, o que carrega implicações políticas significativamente diferentes de uma simples abstenção ou deixar cair o governo.

Este cenário prenuncia uma luta de influências entre o PS e o Chega, onde ambos podem optar por abstenções ou rejeições como estratégia para avançar seus próprios interesses eleitorais. Esta dança poderá comprometer uma solução governativa estável, capaz de implementar as reformas necessárias para enfrentar os desafios estruturais do país — desafios esses que foram, em parte, herdados da própria governação socialista. Será um jogo animado. O PS e o Chega ganham. Quem perde somos todos nós.

Apesar desta situação conjuntural relativamente difícil para o PS, estes problemas não se adivinham de longo prazo. Como já foi mostrado em experiências anteriores, o Partido Socialista parece ser dificilmente punido pelas suas más escolhas políticas e de políticas públicas. Com a esquerda populista em decréscimo, e a esquerda democrática em ascensão, os problemas morais que se impõem ao PSD certamente não vão afetar a capacidade que o PS tem de chegar ao governo mesmo com uma coligação. Tendo em consideração que os seus resultados mínimos andarão sempre nos 30% do eleitorado, qualquer outro contexto eleitoral será mais proveitoso para o Partido Socialista.

PS: Percentagem de votos (à esquerda) e diferença na votação entre 2022 e 2024 (%) (à direita)

Chega – A institucionalização da direita radical

O Chega foi o grande vencedor da noite. O partido de André Ventura, que já em 2022 se tinha afirmado como terceira força política, obteve mais de um milhão e cem mil votos, que se traduzem em 18,06% de votos e 48 deputados à Assembleia da República. Ventura conduziu o partido ao melhor terceiro lugar de sempre na história da democracia portuguesa, ultrapassando marcas históricas do PCP de Cunhal ou do PRD em 1985. Para além disso, o Chega nacionalizou a sua implementação eleitoral ao conseguir eleger em todos os distritos, à exceção de Bragança, onde o número reduzido de deputados eleitos torna mais difícil a eleição de terceiros partidos.

O principal desafio do Chega será a criação de um grupo parlamentar estável baseado em quadros sólidos e competentes, o que, para já, se afigura uma incógnita. Ventura escolheu um grupo parlamentar composto por um misto de dissidentes do PSD e um grande grupo de anónimos cujo valor está ainda para provar na política nacional.

Os distritos nos quais o Chega teve a pior votação foram o Porto (15,33%) e Coimbra (15,46%). Estes valores confirmam a nacionalização do partido e a pouca variação eleitoral entre diferentes geografias. O desempenho eleitoral do Chega aumenta à medida que avançamos para o sul do país, resgatando uma velha divisão política, existente desde o PREC, onde os mapas eleitorais conseguem ser sobrepostos com muita facilidade. O Portugal Mediterrâneo e Atlântico, citando Orlando Ribeiro, continuam a ser traços marcantes da sociologia política do país. Em alguns círculos eleitorais a sul do rio Tejo – nomeadamente Portalegre (24,59%), Beja (21,55%) e Setúbal (20,31%) – surge como o segundo maior partido, suplantando assim o último reduto do PCP.  No Algarve consegue mesmo ser o partido mais votado com 27,19% dos votos. Neste círculo podemos estar a antever os padrões de competição política nos próximos ciclos eleitorais. No Algarve, a competição pelo primeiro lugar ocorreu entre Chega e PS, relegando a AD para terceiro lugar.

Olhando para os resultados eleitorais por municípios, o Chega aparenta ter crescido menos nas zonas urbanas que no resto do país, seguindo o padrão dos seus congéneres europeus. A divisão rural-urbano parece emergir em Portugal enquanto eixo divisivo do voto. À medida que aumenta o grau de urbanização, e, consequentemente, educação, riqueza, e terceirização da economia, o Chega tem mais dificuldades em obter bons resultados. Por exemplo, em Lisboa e no Porto, o Chega teve, respetivamente, 11,7% e 10%, um valor substancialmente mais baixo do que nas periferias. O Chega consolida-se, assim, no contexto de uma cristalização da clivagem rural-urbano.

Apesar de ser ainda cedo para conseguirmos antever os motivos que levaram à mobilização dos eleitores para votar na direita radical, o sucesso do Chega deve-se, em boa medida, à capitalização de descontentamento face aos partidos tradicionais aliado a um discurso anticorrupção. Para além disso, o partido fez uma campanha fortíssima nas redes sociais, atingindo níveis de engajamento nas centenas de milhares de visualizações em publicações no Facebook, Instagram e Tik Tok. Esta campanha passou despercebida nos media, mas foi crucial para mobilizar as franjas mais despolitizadas do eleitorado.

Enquanto partido, o principal desafio do Chega será a criação de um grupo parlamentar estável baseado em quadros sólidos e competentes, o que, para já, se afigura uma incógnita. Ventura escolheu um grupo parlamentar composto por um misto de dissidentes do PSD e um grande grupo de anónimos cujo valor está ainda para provar na política nacional. Governar, no sentido lado, não implica só ganhar votos. O dia-a-dia da política requer a formulação de políticas públicas ancoradas em soluções realistas, plausíveis, e informadas – não em soundbytes populistas desprovidos de conteúdo.

Chega: Percentagem de votos (à esquerda) e diferença na votação entre 2022 e 2024 (%) (à direita)

IL – Dores de crescimento

A Iniciativa Liberal consegue nestas eleições 5,1% dos votos, que se traduzem em 8 mandatos. Apesar de não ter conseguido crescer, e da campanha eleitoral de Rui Rocha não ter sido completamente eficaz, este resultado é bom. O partido estava muitíssimo pressionado, numa tenaz entre o voto estratégico na AD e o voto sincero no Chega. Conseguir manter o número de mandatos e avançar para a consolidação do partido, numa passagem pelo governo em aliança com a AD, pode ser considerado um resultado altamente satisfatório.

A IL enfrenta uma escolha: ou assumir-se como um partido de nicho que (legitimamente) representa um eleitorado mais rico fundamentalmente interessado na redução de impostos; ou como um partido com ambições eleitorais mais amplas, o que implicará alargar a sua agenda programática para soluções que vão para além de impostos e desburocratização.

Esta apreciação global esconde, contudo, algumas dinâmicas interessantes sob o ponto de vista das bases de voto. O partido teve um bom desempenho em distritos do norte do país mais ligados à indústria – Braga (6,1%), área metropolitana do Porto (5,7%), e Aveiro (5,1%). Contudo, este bom desempenho foi acompanhado por perdas significativas na cidade do Porto e, principalmente, a sul, como é o caso de quase todas freguesias dos concelhos de Lisboa (com a exceção da Marvila, onde este partido manteve os 4% dos votos obtidos em 2022) e Cascais.

A recente alteração da liderança do partido parece descrever perfeitamente estas dinâmicas eleitorais. De João Cotrim de Figueiredo, um líder carismático associado às classes média-altas urbanas, a IL passa para Rui Rocha, um empresário do Norte do país. De resto, a mudança de liderança no partido tinha como objetivo assumido uma certa “popularização” do estilo de liderança, o aumento do apelo eleitoral a classes médias e médias-baixas e a diluição da associação do partido às classes mais abastadas.

Apesar destas alterações nas bases, o potencial de crescimento é pouco significativo. A IL enfrenta uma escolha: ou assumir-se como um partido de nicho que (legitimamente) representa um eleitorado mais rico fundamentalmente interessado na redução de impostos; ou como um partido com ambições eleitorais mais amplas, o que implicará alargar a sua agenda programática para soluções que vão para além de impostos e desburocratização.

IL: Percentagem de votos (à esquerda) e diferença na votação entre 2022e 2024 (%) (à direita)

BE – A estabilidade na mudança

O Bloco de Esquerda manteve-se estável em relação às eleições anteriores. O partido consegue 5,5% dos votos e elege 5 deputados. O bastião do partido continua a ser nos grandes círculos urbanos, onde a pressão para o voto estratégico é menor e os pequenos partidos costumam ser bem-sucedidos. O partido conseguiu 5% dos votos em Lisboa, onde elegeu dois deputados, 4,7% no Porto onde elegeu outros dois deputados e 6% dos votos em Setúbal, onde elegeu um deputado. Contudo, mesmo com uma aparente estabilização, os números atuais padecem quando comparados aos tempos áureos do partido, nos quais detinha cerca de 10% do eleitorado e contava com 19 deputados, como aliás aconteceu ainda em 2015 e 2019.

Os resultados eleitorais mostram que o BE teve menor votação que o Livre em todas as freguesias do concelho de Lisboa, exceto Marvila, e na maioria das freguesias do concelho do Porto. Resta, assim, perceber de que forma é que o BE se conseguirá reinventar para regressar às prestações eleitorais de antigamente, num cenário de maior concorrência partidária à esquerda.

Estes resultados estáveis são, portanto, um mau resultado para o Bloco de Esquerda. Contrariamente às expectativas de que o BE se conseguiria reinventar para atrair um eleitorado maior, que passaram pela substituição de Catarina Martins por Mariana Mortágua, o partido parece ter dificuldades em voltar a afirmar-se como uma forte oposição de esquerda. Vários fatores podem explicar esta dificuldade, desde a liderança, ao voto estratégico, e ao sucesso do Livre. Este último, posicionando-se como concorrente direto do BE no mesmo espectro ideológico, adota uma postura não populista e posições mais enquadradas com o eleitorado jovem urbano, essencialmente europeísta.

De facto, os resultados eleitorais mostram que o BE teve menor votação que o Livre em todas as freguesias do concelho de Lisboa, exceto Marvila, e na maioria das freguesias do concelho do Porto. Resta, assim, perceber de que forma é que o BE se conseguirá reinventar para regressar às prestações eleitorais de antigamente, num cenário de maior concorrência partidária à esquerda.

BE: Percentagem de votos (à esquerda) e diferença na votação entre 2022 e 2024 (%) (à direita)

CDU – Um perdedor da noite eleitoral

Continuando a sua senda de erosão eleitoral, a Coligação Democrática Unitária perdeu mais dois deputados nas eleições legislativas de 2024. Com um total de 3,3% dos votos, o PCP + PEV elege – tal como o Livre – dois deputados por Lisboa, um pelo Porto e um por Setúbal. Esta derrota eleitoral pode ser analisada tendo em conta dois principais ângulos. Estes resultados revelam uma tendência de apoio eleitoral decrescente, desde o auge em 1979 com 47 deputados, até aos quatro que conseguiu no último domingo, o pior resultado desde a transição democrática.

Esta tendência reflete, em parte, a falta de renovação geracional das bases de apoio do PCP. Os eleitores com menos de 50 anos viveram sempre num contexto democrático e como tal não têm uma vivência direta do papel do PCP na resistência à ditadura.

A distribuição geográfica do voto no PCP mostra um partido em clara perda de influência. O PCP perdeu votos a sul do país, mas mesmo também nas áreas metropolitanas. A bancada comunista perdeu a representação em Beja e um dos seus deputados eleitos por Setúbal. Neste momento, o partido mantém a representação nas grandes zonas urbanas de Lisboa, Setúbal e Porto. Embora continue a ter implementação social nos distritos do Alentejo, a reduzida magnitude destes círculos impossibilita a eleição de deputados.

Esta tendência reflete, em parte, a falta de renovação geracional das bases de apoio do PCP. Os eleitores com menos de 50 anos viveram sempre num contexto democrático e como tal não têm uma vivência direta do papel do PCP na resistência à ditadura. Apesar desta tendência a longo prazo, há outros fatores que aceleram o recente desaire eleitoral do partido.

Em primeiro lugar, a sua posição face à Guerra na Ucrânia, que gerou forte desagrado na opinião pública portuguesa. Em segundo lugar, a nova liderança de Paulo Raimundo não pareceu dar o ímpeto que Jerónimo de Sousa imprimia nas campanhas no terreno. Embora algumas vozes defendam que substituição na liderança comunista pudesse renovar o partido e inverter a sua queda eleitoral, os resultados das eleições legislativas de 2024 parecem refutar essa hipótese. Fica por perceber como é que o partido conseguirá adaptar a sua agenda à realidade do século XXI.

CDU: Percentagem de votos (à esquerda) e diferença na votação entre 2022 e 2024 (%) (à direita)

Livre – A afirmação de uma nova esquerda

O Livre é uma das grandes surpresas da noite ao conseguir quase 200 mil votos. Depois de duas eleições legislativas em que elegeu apenas um deputado, o partido de Rui Tavares conseguiu eleger 4 deputados com 3,26% dos votos. Como os dados de 2022 já indicavam, este partido tem maior implantação nos grandes centros urbanos de Lisboa (5,47%), Setúbal (4,29%) e Porto (3,35%), onde elegeu os seus deputados. O Livre é especialmente forte nos distritos mais urbanos, mais ricos e mais educados. No fundo, a base eleitoral do Livre em 2024 é, salvaguardadas as devidas distâncias, o equivalente funcional à base eleitoral do então jovem Bloco de Esquerda, no final dos anos 90. A tendência de subida do partido é única na esquerda. Numa eleição em que os partidos de esquerda no seu todo perderam 33% dos votos em relação a 2022, o Livre quase triplica a sua votação.

Embora a emergência de uma nova esquerda não seja novidade nas democracias europeias, o timing do sucesso do Livre parece ser motivado pela popularidade de Rui Tavares. O seu bom desempenho quer durante a legislatura passada, quer durante a campanha eleitoral, elevaram o partido a uma alternativa partidária à esquerda do PS.

Estes resultados indicam uma reordenação da esquerda em Portugal. O Livre teve mais votação que o BE e a CDU em todas as freguesias do concelho de Lisboa, exceto Marvila, e nas freguesias mais afluentes do concelho Porto – Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, Ramalde, Lordelo do Ouro e Massarelos e União de Freguesias do Centro Histórico do Porto. Embora a emergência de uma nova esquerda não seja novidade nas democracias europeias, o timing do sucesso do Livre parece ser motivado pela popularidade de Rui Tavares. O seu bom desempenho quer durante a legislatura passada, quer durante a campanha eleitoral, elevaram o partido a uma alternativa partidária à esquerda do PS. O desafio do partido agora passa por consolidar estes ganhos e tornar-se o principal partido neste quadrante do espectro político.

Livre: Percentagem de votos (à esquerda) e diferença na votação entre 2022 e 2024 (%) (à direita)

PAN – Um partido monotemático

O partido Pessoas-Animais-Natureza volta a ganhar um único mandato nas eleições legislativas de 2024, muito embora tenha conseguido mais cerca de 35 mil votos. Com 1,93% dos votos, Inês Sousa Real senta-se uma vez mais sozinha na Assembleia da República. À semelhança do que aconteceu nas passadas eleições legislativas de 2022, o voto no PAN é mais expressivo nos distritos de Lisboa (2,5%), Setúbal (2,6%) e Porto (2,1%). A distribuição geográfica dos votos indica que este partido, centrado em torno de temas relacionados com a natureza e bem-estar animal, tem a sua grande base de apoio nos distritos mais urbanos e ricos.

People-Animals-Nature (PAN) Party spokeswoman Ines de Sousa Real (C-R) celebrates his election during the election night of the legislative elections 2024 at Party headquarters in Lisbon, Portugal, 11 March 2024. More than 10.8 million Portuguese are expected to vote to elect 230 deputies to the Portuguese Parliament. Eighteen political forces (15 parties and three coalitions) are running in these elections. ANTONIO COTRIM/LUSA
Enquanto partido de nicho que (legitimamente) apresenta uma agenda política muito específica, este partido pode não ter muito mais espaço para crescer e atrair os eleitores. Sem uma diversificação da mensagem, o PAN corre riscos de sobrevivência política.

Contudo, o foco do partido limita severamente a sua capacidade de expandir o seu eleitorado. Numa sociedade onde os assuntos mais importantes da campanha são essencialmente materiais – crescimento económico, habitação, sistema de saúde, pensões, educação – um foco quase exclusivo no ambiente e direitos dos animais não é uma receita eleitoral vencedora. Apesar de ter entrado no parlamento pela primeira vez em 2015, o partido parece ter sérias dificuldades em institucionalizar-se. Em 2024, com muitos partidos a incluírem agendas climáticas nos seus programas políticos, e com o sucesso eleitoral do Livre, que também tem feito bandeira de temas como a emergência climática, a natureza e o bem-estar animal, o PAN encontra-se com falta de espaço para crescer. Enquanto partido de nicho que (legitimamente) apresenta uma agenda política muito específica, este partido pode não ter muito mais espaço para crescer e atrair os eleitores. Sem uma diversificação da mensagem, o PAN corre riscos de sobrevivência política.

PAN: Percentagem de votos (à esquerda) e diferença na votação entre 2022 e 2024 (%) (à direita)

Nota: Por questões técnicas, não nos é possível apresentar os arquipélagos dos Açores e da Madeira nos mapas onde estão reportados os resultados eleitorais.

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