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Sebastião Almeida/Observador

Sebastião Almeida/Observador

Maestrina Joana Carneiro: "Fui mãe aos 40 e aos 41 anos. Tive quatro filhos saudáveis apesar da idade. Se isto não é um milagre..."

Da "volta grande no íntimo" às 500 fraldas que compra por mês, do poder da música à fé, o que mudou para a maestrina Joana Carneiro depois de ter tido 4 filhos saudáveis em 15 meses, após os 40 anos?

“Fui mãe aos 40 e aos 41 anos. Ter quatro filhos saudáveis apesar da idade, ter três gémeos que nasceram saudáveis às 30 semanas. Se não é um milagre, depois de tantos naufrágios…” A conversa da maestrina Joana Carneiro com Laurinda Alves no programa “Imperdíveis, da Rádio Observador, começou pela música, passou pela fé, mas acabou “na volta grande” que houve no seu “íntimo” quando foi mãe de quatro crianças em 15 meses.

[Best of da entrevista de Joana Carneiro a Laurinda Alves]

Não imagina o prazer que é recebê-la aqui na Rádio Observador, nos Imperdíveis. É imperdível, de facto. E era impossível começarmos esta rádio e não termos aqui a sua voz e performance – não com a batuta desta vez – mas esta possibilidade de falarmos consigo sobre o sentido da vida. E não precisamos de grandes apresentações, mas começava por lhe pedir: como é que se apresenta a alguém que não a conheça?
É um prazer estar aqui no início deste projeto. Não nos lembramos na nossa vida de ver uma rádio nascer. É um prazer estar aqui, sobretudo quando esta marca e o nome Observador é sinonimo de excelência e de coisas tão boas. É excelente estar aqui. Para nós que somos um bocadinho mais sensíveis à sonoridade, esta rádio tem um som específico, diferente da sonoridade que normalmente ouvimos nas nossas rádios. Apresento-me normalmente como Joana, sou casada, com 4 filhos muito pequeninos. Acho que é aquilo que me define muito profundamente neste momento. E outra coisa que amo também é, naturalmente, aquilo que faço — que é dedicar a minha vida à música. É neste sentido de caminhada, nestas duas estradas que se cruzam constantemente. O meu marido, os meus filhos, os meus pais, os meus irmãos, cunhados… Do lado do meu pai, são 18 netos, do lado do meu marido, mais dois. Portanto, muitos sobrinhos, muito cunhados. É uma família maravilhosa e que se cruza constantemente com esta caminhada fantástica que é a música. Apresento-me como uma pessoa profundamente ligada à família e à música.

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Li algures que quando está nas suas fases mais difíceis ou olha para uma fotografia da família ou reza.
[risos] Ou uma combinação dos dois.

Já a ouvimos dizer que ser maestrina é estar sempre a produzir beleza. A elevar pessoas acima das suas circunstâncias e fazer com que, por um período de tempo, não pensem em mais nada se não na música. É isso que a faz acordar de manhã?
Faz-me acordar e isso foi uma noção que adquiri bastante tarde. Acho que quando estamos numa carreira de direção de orquestra estamos muito focados em nós próprios. Qual é o nosso próximo passo, queremos sobreviver, temos de ter uma carreira. E não pensava muito na essência daquilo que fazia. Queria era chegar ao fim de cada projeto com sucesso, sentir uma empatia por parte da orquestra e do público – o que queria dizer que estava preparada e que tinha tido algum grau de sucesso. Mas, olhando para trás — e já dirijo orquestras profissionalmente há mais de 20 anos –, tenho agora uma outra perspetiva. E porque passei por fases da minha vida (algumas menos boas) tendo sempre um sentimento muito profundo de gratidão

"O meu orientador espiritual disse-me: 'Tens sorte em dedicar a tua vida à beleza. Agarra-te a isso, é uma coisa única'. Tenho essa noção e as palavras não são minhas, são dos nossos líderes espirituais – o Papa Bento XVI disse há muitos anos aos artistas, quando os recebeu em Roma, que a música tem este poder. Imediatamente transporta-nos para um lugar que não é rotineiro, do dia a dia"

Foram sempre pontos de superação e que serviram para crescer.
Sim, em que sentia uma gratidão profunda por aquilo que tinha. No fim do dia, tinha sempre mais coisas para agradecer do que pedir. Era importante, em alturas muito complicadas, aperceber-me disso porque era preciso uma força enorme para continuar. E uma das coisas importantes desse momento foi quando o meu orientador espiritual me disse: “Tens sorte em dedicar a tua vida à beleza. Agarra-te a isso, é uma coisa única”. Tenho essa noção e as palavras não são minhas, são dos nossos líderes espirituais – o Papa Bento XVI disse há muitos anos aos artistas, quando os recebeu em Roma, que a música tem este poder. Imediatamente transporta-nos para um lugar que não é rotineiro, do dia a dia.

E é uma linguagem universal.
Mesmo universal. Dirijo orquestras em todo o mundo e em muitas delas não falam bem inglês. Aquilo que nos une é um sentimento profundo e esta criação de beleza. Em orquestras variadas, há músicos que podem ter diferenças pessoais, profundas, mas naquele momento estão a criar beleza. E creio que esta comunidade de criação de um bem comum, de criação de beleza, é um património essencial da pessoa que sou – e que muito me tem ajudado. Não só em alturas boas, mas em alturas mais difíceis também.

As alturas mais difíceis de que fala são do ponto de vista pessoal e familiar ou da adversidade que é ser chefe de orquestra, maestro e diretor?
É uma combinação das duas coisas. Falava mais na adversidade pessoal, mas é evidente que temos uma particularidade muito interessante. Os maestros só aprendem, realmente, à frente de uma comunidade, não é? Não podem praticar em casa. Como em muitas posições de liderança.

"Houve muita gente que apostou em mim e é preciso sorte para isso também. Tenho visto ao longo destas décadas pessoas com muito talento que não tiveram essa sorte ou alguém que pegue nelas e lhes dê as oportunidades que são necessárias no princípio. Não somos só nós que temos de estar abertos ao erro, mas também quando acolhem maestros tão jovens não podem estar à espera que corra tudo na perfeição. Eu tive essas oportunidades"

Não se aprende a ser Presidente da República, não é? Só sendo.
Não há forma de praticar: em casa, ao espelho, falando para um vazio… temos que treinar o nosso ensaio sempre em frente de uma multidão. E é bastante complicado, quase assustador. Especialmente no princípio. Mas acho que com experiência as coisas mudam um bocadinho, melhoram.

Como é que uma pessoa fortalece o seu ‘eu’ interior, a confiança e o ego sem saber o que as pessoas estão a achar?
Fortalece-se somente com a preparação. O principal ingrediente para se ter sucesso é a nossa preparação, nunca baixar de um determinado nível. Trabalhamos em projetos. Podemos ser muito bem sucedidos numa semana se trabalharmos, mas na semana seguinte será um insucesso. Portanto aquilo que faz uma carreira, que nos dá longevidade, é a continuidade, coerência e consistência ao longo da vida. Nunca ter uma preparação abaixo daquilo que consideramos ótimo.

Isso é assim em termos de preparação. Mas depois há uma grande abertura ao erro e à luz que há no erro, ou não?
Sim, mas temos de aceitar o erro e assumi-lo. Mas, à medida que amadurecemos, evitamos cada vez mais o erro no campo profissional. Isso só vem com a preparação e com a experiência. Porque há determinados gestos que nunca vão resultar, queremos que a orquestra toque a determinado andamento, mas o nosso corpo não transmite essa velocidade. E a forma de comunicar verbalmente: temos de ser muito económicos e muito claros. E compreender quais os valores de determinada orquestra, qual a forma de conversar sobre música e isso varia de semana para semana. Essa química só vem com a experiência. Depois de experimentar muitas orquestras, em muitos lados do mundo, estar em contacto com valores diferentes. Essa confiança vai-se adquirindo com experiência. Em frente a muita gente.

E vem com uma abertura enorme, a diversidade, não é?
Tenho de dizer a verdade… Isto vem com muita sorte também e ter, desde o princípio, pessoas que confiem em nós e nos estimulem. Porque é evidente que um maestro com vinte e poucos anos ser convidado para dirigir uma orquestra profissional — como fui desde sempre — é um investimento que as pessoas fazem. Porque é evidente que as pessoas não estão formadas, estão no princípio. E houve muita gente que apostou em mim e é preciso sorte para isso também. Tenho visto ao longo destas décadas pessoas com muito talento que não tiveram essa sorte ou alguém que pegue nelas e lhes dê as oportunidades que são necessárias no princípio. Não somos só nós que temos de estar abertos ao erro, mas também quando acolhem maestros tão jovens não podem estar à espera que corra tudo na perfeição. Eu tive essas oportunidades.

"É impossível uma criança aos 9 anos dizer que quer ser maestro sem os pais terem incutido a formação musical. Uma criança só diz isso porque sabe o que é um maestro – porque toca numa orquestra, porque vai assistir a concertos. Tenho de estar grata aos meus pais por isso"

Quem foram as pessoas-chave que olharam para si e perceberam todo o seu talento e a apoiaram?
No princípio, os meus pais. E digo-o objetivamente, não é só emocional. É impossível uma criança aos 9 anos dizer que quer ser maestro sem os pais terem incutido a formação musical. Uma criança só diz isso porque sabe o que é um maestro – porque toca numa orquestra, porque vai assistir a concertos. Tenho de estar grata aos meus pais por isso. É evidente que foi uma altura muito imatura da minha vida, não sabia bem o que o maestro fazia, mas havia ali uma curiosidade. Sempre estimularam a música.

Até criaram uma pequena orquestra em casa…
Nessa altura o maestro era o meu irmão Pedro. Mas quando comecei a estudar direção de orquestra rapidamente invertemos ali os papéis. [risos] O meu irmão também compunha para nós, mas depois foi estudar para Chicago, e assumi eu o papel. Ter uma família que investe na educação musical e continuamente nos diz que “se é essa a tua vocação, então muito bem”. Ainda por cima estudei Medicina ao mesmo tempo e, por um momento, pensei em parar de estudar direção de orquestra para me dedicar a Medicina. Os meus pais acharam muito estranho. Claro que, passado uma semana, desisti da Medicina e dediquei-me a maestro. Portanto, os meus pais em primeiro lugar.

E depois, os professores que tive: o maestro Jean-Marc Burfin foi uma pessoa que investiu muito no princípio, ensinou-me muito. E as orquestras que investiram em mim desde o principio: a OML (Orquestra Metropolitana de Lisboa) – formei-me em julho, penso eu – e tive o meu primeiro concerto profissional poucos meses depois com a OML, a Orquestra Gulbenkian (OG), com a qual comecei a trabalhar desde muito cedo, e a Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP), com quem trabalho há cinco anos e ainda sou muito jovem no mundo da direção de orquestra.

Pode começar-se a ser maestro aos cinquenta anos ou sessenta e ter-se sucesso…
Exatamente! E, por isso, estas instituições culturais — a OML, a OG e a OSP — têm sido chave para este meu desenvolvimento. Sem esta ajuda, teria sido impossível para mim ter esta oportunidade no estrangeiro porque é muito importante nós termos a prática. Só desenvolvemos se o fizermos.

"A grande aprendizagem, quando saí de Portugal e fui para o estrangeiro, ia com uma preparação muito boa. Acho que Portugal tem um ensino da música. O Yampolsky foi a primeira pessoa que me falou de dirigir de formas diferentes, de estar aberta a essa diferença sonora depois de ter essa base tão importante que levei de Portugal"

Mas ninguém aposta em vão, Joana. Qual acha que é a sua marca como maestrina?
Não posso dizer, porque não sei mesmo. Não sou a pessoa indicada para responder a isso.

E nunca ninguém lhe disse, como o maestro Yampolsky?
Não! O Yampolsky era o meu professor! E quem conhece o mestre Yampolsky sabe que ele não seria uma pessoa para isso. Seria sempre uma pessoa para fazer uma analogia com comida. “O teu tempo é como um cheesecake fora de prazo.” [risos] Fazia umas analogias muito difíceis e nós ficávamos muito traumatizados. Mas tinha um sentido de humor muito interessante e aprendi muito. Quando saí de Portugal e fui para o estrangeiro ia com uma preparação muito boa. Acho que Portugal tem um ensino da música. O Yampolsky foi a primeira pessoa que me falou de dirigir de formas diferentes, de estar aberta a essa diferença sonora depois de ter essa base tão importante que levei de Portugal.

Por falar em aprendizagem: é verdade que um maestro aprende em silêncio? Ou seja, se abrirmos uma sala de aula está um a dirigir e o outro a corrigir? A dizer: aqui enganaste-te, aqui o tempo não está certo.
Isso é uma parte da aprendizagem. Chama-se ‘Teoria da Direção de Orquestra”. Cada um tem a partitura toda na cabeça e transmite-a através do seu corpo. E há um professor que vai dizendo “isso não foi claro”. E na próxima parte, quando se vai para junto de uma orquestra já temos essa base forte. Saber através do corpo transmitir a mensagem.

O que é um erro crasso? Tanto quanto vejo como espectadora, há uma parte do corpo que tem de estar muito estável – os pés, as pernas e até à cintura – e o tronco e os braços mexem e estão mais controlados. Mas depois há maestros que mexem imenso e há outros que vão saltitando.
Eu talvez pertença a esse grupo. [risos]

Não me parece, não.
Não? Sou uma pessoa bastante expressiva.

"Como o selecionador, nós temos um grupo altamente qualificado de pessoas. Cada um prepara a sua parte, com muita qualidade. Com os jogadores de futebol é a mesma coisa, cada um deles sabe o que tem de fazer. E depois o selecionador, como o maestro, tem de juntar estas pessoas e tornar uma linguagem, que pode ser heterogénea, numa linguagem homogénea"

Mas há uma regra?
Não, cada pessoa encontra a sua linguagem. Existem gestos universais: a dois, a três, a quatro. A forma de mostrar como o tempo está no espaço. Mas, de resto, tem a ver com a noção física que cada pessoa tem do seu corpo e a forma que encontra para transmitir a mensagem.

E quando o Bernstein dirige de braços para baixo, de olhos fechados e com aquele sorriso?
Isso é maturidade. São muitos anos, é uma lenda viva. À medida que vamos envelhecendo — noto isso com muitos maestros, e que adoro – vejo muitos vídeos em que se nota que há uma economia que vem com a sabedoria. Com a idade aprendemos.

Outra coisa que gostava de conversar consigo: a orquestra é a metáfora, por excelência, da liderança, da equipa. As pessoas podem nem dar-se bem, podem nem gostar umas das outras. Mas quando a orquestra começa a tocar não se podem atrasar no tempo, nem desafinar, nem ‘tramar’ o colega. Reverteria a seu desfavor. O tempo, a exatidão, a performance, o coletivo… ultrapassa o individual. Mas como se consegue chegar aí? Há umas semanas entrevistei o selecionador nacional que não tem uma equipa – é um conjunto de jogadores que vem e treina. Numa orquestra, tem de se fazer isso com os músicos.
Mas como o selecionador, nós temos um grupo altamente qualificado de pessoas. Cada um prepara a sua parte, com muita qualidade. Com os jogadores de futebol é a mesma coisa: cada um deles sabe o que tem de fazer. E depois o selecionador, como o maestro, tem de juntar estas pessoas e tornar uma linguagem, que pode ser heterogénea, numa linguagem homogénea. Mas está subentendido em qualquer orquestra que o objetivo é esse. Não interessa o que pensamos uns dos outros. O maestro Darenboim criou a orquestra West Divan e tem pessoas que professam diferentes religiões e muitos deles dizem: na estrada ou na rua, o nosso encontro seria com armas. Mas aqui, em conjunto, temos de criar algo belo. E eu acho que esse é o grande poder da música, obriga-nos a fazer isso porque há um bem muito maior que nós próprios. Como desenvolvemos a liderança? Preparação e noção de que estamos a servir o compositor e o nosso público e a única forma de o fazer é criar a beleza em conjunto. Num ensaio, nenhum músico fala dos seus sentimentos, é muito raro. É o que achamos que é a verdade. Qualquer músico pensa desta forma.

Falámos de maestros e de produzir beleza, mas sugiro aqui uma mudança radical. Produzir beleza familiarmente. A Joana tem quatro filhos, três gémeos de dois anos e um bebé de um ano. Como consegue manter a lucidez, capacidade de produzir beleza no pódio e a harmonia em casa?
Daqui a 10 anos, acho que vou responder a isso e dizer “já não me lembro como é que era”. Ou responder com outra distância, porque acho que é importante. No dia a dia, como devem imaginar, é complicado… Existe uma logística muito difícil porque os meninos ainda não vão à escola, estão em casa.

"Temos ajuda 24h por dia, porque temos quatro pessoas a trabalhar em rotação em nossa casa. É a única forma de conseguir continuar a trabalhar, viajar… ter alguma sanidade no nosso casamento. Conseguir ir jantar fora. Quando é para sair com todos também levo todos"

Não há braços para todos…
[risos] Mas já percebi que como há duas pernas e dois braços, é possível ter os quatro ao meu colo. Em primeiro lugar, é muito importante ter muita ajuda. E é ótimo ter a minha família por perto, são maravilhosos. Avós muitos presentes, e sem eles seria impossível. Os meus filhos têm essa referência preciosa. Vivemos ao lado da minha sogra e muito perto dos meus pais. Portanto, temos esta sorte de ter esta disponibilidade, e são pessoas maravilhosas, têm estado presentes nas nossas vidas. A minha cunhada já teve gémeos, a minha mãe também tem gémeos, uma das minhas irmãs… têm alguma prática. E o meu pai e o meu sogro também são avôs muito dedicados. É uma fase da vida em que estão muito presentes.

Essa é a parte do dia… E a parte da noite?
Há crianças que dormem a noite toda. Não é o caso dos meus filhos. [risos]. Os três gémeos… há sempre algum que acorda. E o mais pequenino ainda acorda de duas em duas horas.

Feitas as contas, uma noite vossa é: dormir um bocadinho de duas em duas horas e, entre cada duas horas, quando estão a dormir, podem acordar os outros três.
Exato. Mas temos ajuda 24 horas por dia, porque temos quatro pessoas a trabalhar em rotação em nossa casa. É a única forma de conseguir continuar a trabalhar, viajar… ter alguma sanidade no nosso casamento. Conseguir ir jantar fora. Quando é para sair com todos também levo todos. Ou vamos ao parque ou ao supermercado ou ao jardim. Tento sempre fazer alguma coisa com eles porque, como costumo dizer, eles não têm culpa de serem tantos. E eles são muito próximos em idade e têm necessidades muito parecidas. Mas com muita ajuda, disciplina e organização… É radical.

Quantas fraldas é que se compram para aquela casa?
Entre 500 a 600 por mês. Os meninos já comem quase tudo o que os adultos comem, o que facilita. Mas olho sempre com grande felicidade para tudo o que tenho. Claro que é muito cansativo e, durante muitos anos, dizia ao meu marido: “Temos tanta energia, só faltam os filhos”. E agora, percebemos [as dificuldades]. Acho que é preciso ter muito boa disposição, muita calma, muita tranquilidade. Mesmo nos momentos em que estão muito agitados, estão a chorar, há birras e tal… estão ‘naquela’ fase. É preciso ter muita calma e é isso que tentamos durante 24h por dia. É preciso é arranjar tempo para tudo. É muito difícil estar com os meus amigos de uma forma regular, mas creio que toda a gente compreende. No fim do dia, é maravilhoso. Há vezes em que estou muito cansada, mas estou sempre muito feliz.

"Fui mãe aos 40 e aos 41 anos. Ter quatro filhos saudáveis apesar da idade, ter três gémeos que nasceram saudáveis às 30 semanas. Se não é um milagre, depois de tantos naufrágios… Depois ter outro bebé espontâneo aos 41 anos. Eles cantam, falam, correm. São felizes. Uma pessoa só se pode encantar com este milagre"

Mas está em forma. Se calhar é porque não tem tempo para comer.
Fui mãe aos 40 e aos 41 anos. Ter quatro filhos saudáveis apesar da idade, ter três gémeos que nasceram saudáveis às 30 semanas. Se não é um milagre, depois de tantos naufrágios… Depois ter outro bebé espontâneo aos 41 anos. Eles cantam, falam, correm. São felizes. Uma pessoa só se pode encantar com este milagre. Costumo dizer: “Quem não acredita em Deus devia ouvir estar história”. Tive muita dificuldade em começar a falar deste assunto, mas é importante transmitir esta esperança às pessoas.

Muitas mulheres…
Muitos casais! É muito duro. Mas há uma esperança.

Disse que eles cantam. Qual é a relação deles com a música? O que fazem em casa que os ponha em contacto com a música?
Agora estamos na fase de tirar as fraldas. É uma forma muito boa de os persuadir a sentarem-se no penico. É estarem a ver vídeos de música. Esta fase está a ser tranquila, porque a música tem ajudado. Mas ajuda desde pequenos, quando eles estavam na neonatologia… digo que é um milagre mas também é por causa da Medicina, teve um papel fundamental.

Metade ciência, metade fé.
Sim, se não fosse a nossa médica, e a equipa em Santa Maria que cuidou tão bem dos nossos filhos. Uma delas nasceu com menos de um quilo. Mas a música desde esse momento que está presente. Porque a enfermeira dizia “cante!” e eu ia para cada uma das incubadoras e cantava – sempre as mesmas canções. E  canto muito com eles. Eles já inventam canções e letras. É uma vida a cantar.

Era o que fazia em casa com os seus irmãos. Voltando à música, Joana. O silêncio, a pausa… é essencial para quem é música, não é?
Sim, é a interrupção do som e do ritmo. Sem silêncio, o som não faz sentido. Precisamos do silêncio para mudar de ideia, pôr um ponto final. O silêncio na música faz parte, mas também na vida do maestro em si. Estudamos sozinhos, viajamos sozinhos. Agora viajo quase sempre com os meus filhos.

Contratualmente, consegue isso?
Consigo. Tem havido uma grande abertura das instituições que me comove muito: fazem tudo para tornar a logística o mais simples possível.

Até onde vai com eles?
Com o mais novo, demos agora a volta ao mundo. Fui eu, o meu marido, e o João [filho mais pequeno] fomos de Lisboa a Ottawa. Demos lá uns concertos, fomos até Pequim, na China. E depois voltámos. Portanto, numa semana, o nosso pequenino já deu a volta ao mundo. Mas agora trabalho sobretudo na Europa.

"Eles agora como já têm dois anos, cada um tem um lugar. E levo sempre alguém da família por cada um deles. Normalmente, as avós. Mas às vezes não dá, porque têm as suas vidas"

O que tem de fazer? Comprar quantos bancos de avião?
Eles agora como já têm dois anos cada um tem um lugar. E levo sempre alguém da família por cada um deles. Normalmente, as avós. Mas às vezes não dá, porque têm as suas vidas…

Se algum dia precisar, posso ir consigo… [risos]
A minha madrinha também tem sido ótima, para a semana vem connosco para Aveiro. Vou lá fazer um projeto muito importante para mim, o Estágio Gulbenkian para Orquestra, com jovens músicos. E sempre duas funcionárias, porque seria impossível de outra forma.

Fale-me desse projeto.
O Estágio Gulbenkian para Orquestra acontece todos os anos, com sede em Aveiro. Uma orquestra que eu chamo de pré profissional, para pessoas até aos 27 anos e junta jovens músicos portugueses ou estrangeiros que estejam a estudar em Portugal. Encontramo-nos uma vez por ano. Por vezes, eles tocam com a orquestra profissional e fazemos uma tournée pelo país.

Quem é que se candidata? É aberto?
Há concursos no primeiro trimestre do ano, em vários pontos do país e depois são selecionados e vêm tocar connosco. Durante uma semana ficam com um mentor, da orquestra da Gulbenkian ou de outras. Ficamos juntos a ensaiar, a falar sobre música, às vezes fazem os concertos deles. É muito bonito estar em contacto com a juventude.

O que acha desta vinda do Viotti, com apenas 27 anos, para a Gulbenkian?
Ele é um excelente músico. Já deu mais do que provas que é uma presença importante no nosso panorama cultural. É maravilhoso tê-lo cá.

"Fui mãe de quatro crianças em 15 meses e isto dá uma volta grande ao nosso íntimo. E este afeto que tenho sentido, por exemplo da Orquestra Sinfónica Portuguesa, estou lá há cinco anos. Sinto uma generosidade enorme dos músicos, da administração e do teatro. Sinto gratidão especialmente por aqueles que sinto que me dão tempo para ser quem sou"

Também ajuda os jovens perceberem que pessoas mais seniores ou mais formadas olham para eles. Há qualquer coisa que cativa, prende e seduz neles.
Acho que ele na forma de comunicar, na música… Há ali qualquer coisa de inexplicável. Quando estamos a assistir a um concerto há uma ligação com o maestro, com a música, com a orquestra… uma simbiose que sentimos num concerto dele. Vem de uma família de músicos, tem uma experiência muito grande a todos os níveis. Ópera, concertos, música sinfónica. É uma mais valia muito grande para a nossa cultura.

Joana, já recebeu tantos prémios e tão importantes… O que sente hoje quando recebe um prémio?
Uma grande responsabilidade. E alguma surpresa, e é mesmo genuína. Isto não é superficial, é bastante profundo na minha vida. Especialmente agora que sou mãe, fui mãe de quatro crianças em 15 meses e isto dá uma volta grande ao nosso íntimo. E este afeto que tenho sentido, por exemplo da Orquestra Sinfónica Portuguesa, estou lá há cinco anos. Sinto uma generosidade enorme dos músicos, da administração e do teatro. Sinto gratidão especialmente por aqueles que sinto que me dão tempo para ser quem sou. E acreditam que, investindo, vou ser também uma melhor artista.

Faz isso com alguém? Nestas master classes, ou em Aveiro? Sente que faz aos outros aquilo que fazem e fizeram consigo?
Sem dúvida. E o meu nível de preparação quando trabalho com jovens tem que ser igual ou superior. Não tenho a capacidade de ver isso por mim própria, o meu marido que está ao meu lado, o meu marido, que me vai manter calma naqueles momentos em que estou mais desesperada e acho que vai ser impossível conseguir preparar-me. Ele relembra-me das oportunidades que me foram dadas, sobretudo nestes últimos três anos da minha vida.

Quem é que mais admira dentro e fora da música?
Uma pessoa que admiro muito é o Papa Francisco. Tem uma linguagem muito pertinente, humana. O Papa Bento XVI tinha uma relação com a música que achava muito interessante. E o Papa Francisco transmite-nos uma mensagem de ternura, aproximação ao outro. Até dos chamados irregulares da nossa igreja… Os que vivem separados, por exemplo. E eu já me senti irregular e acho que o discurso de unificação do Papa Francisco está a ter uma forma ternurenta de olhar para todos nós. Sem condescendência e exemplar. Reviver aquele mandamento de “amar o próximo” de forma muito real.

O rótulo… “Irregular”. É brutal, não é?
Muito difícil. Digo-o e tenho uma proximidade enorme com a igreja e com a minha fé. Mas passei uma fase da minha vida em que fui uma pessoa “irregular” e era muito difícil. Mas o discurso de ternura do Papa Francisco é o discurso que me faz sentir bem-vinda sempre. Sempre me senti, mas o Papa Francisco tem esse cuidado de carinho, ternura com todos.

O que gostaria de estar a fazer daqui a 20 anos?
Gostaria de estar cá. A única coisa que peço a Deus é que me dê 20 anos para estar cá para os meus filhos. Mas o meu sonho era ver aqueles que são próximos de mim realizados, o meu marido e os meus filhos. Estar cá com os meus pais e os meus sogros. E ver a Orquestra Sinfónica Portuguesa realizada nos seus sonhos, quase a cumprir os 50 anos, pelo mundo fora, a gravar e a tocar. Olhando para trás entendo que estas últimas décadas foram um tempo de crescimento e de beleza.

"É óbvio que quero é que os meus filhos tenham saúde e sejam boas pessoas. Farei tudo o que puder para que se tornem independentes"

Não se imagina a fazer outra coisa a não ser dirigir?
Acho que a minha hesitação na resposta me denuncia. Podia fazer outra coisa, estudei Medicina. Mas é difícil imaginar-me. Não tenho essa aspiração, e enquanto me quiserem, continuarei a fazê-lo.

Se os seus filhos com 9 anos lhe disserem que querem ser maestros ou astronautas ou o que for… O que vai fazer, o mesmo que os seus pais?
Claro que sim!

Independentemente se concorda ou se for de acordo com as suas expectativas?
Óbvio que quero é que eles tenham saúde e sejam boas pessoas. Farei tudo o que puder para que se tornem independentes.

É impressivo que não diga “quero que eles sejam felizes”.
Quero que tenham saúde. Bons para os outros. Gostava muito que assim fosse. Agora, passou pouco tempo da minha vida a pensar nas escolhas das outras pessoas. E se eu vir que os meus filhos são felizes em qualquer uma dessas profissões, só me interessa isso.

Tem algum lema ou um mantra, uma frase ou citação preferida?
Perguntaram-me isso há pouco tempo. Portanto, vou dar a mesma resposta que o meu avô me dizia: “A vida é sempre para a frente.” Temos de olhar para o passado e para o presente com um olhar crítico, mas sempre com esperança.

[Veja a entrevista na íntegra:]

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