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Mais de 40 anos depois, o que fazem os ex-FP-25 de Abril

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Entre os antigos militantes das FP-25 há, hoje em dia, um professor, um empresário e um agricultor. E há candidatos partidários.

Luís Gobern Lopes foi jornalista e concorreu às autárquicas de 2021 pelo Bloco de Esquerda...

... e António Manuel Baptista Dias é professor e foi deputado municipal pelo PS.

José Ramos dos Santos diz que continua a ter "muito orgulho" no seu papel como operacional...

... mas a maior parte dos ex-FP não quer hoje falar sobre a organização: "Sobre essa matéria, ponto final".

Este artigo é a quarta parte da série multimédia “Os Anos de Chumbo das FP-25 de Abril”, constituída por quatro artigos e três episódios de um podcast especial. No dia 1 de janeiro, ouça o primeiro podcast. Para ter uma experiência multimédia mais completa, veja este artigo num computador.

Atende o telefone com um característico “alô” e o sotaque de quem já vive naquela parte do mundo há mais de meia vida. Tinha 33 anos quando, em 1987, chegou ao Brasil, com os seis mil contos que o Estado português lhe atribuiu, como recompensa pelo testemunho que prestou enquanto principal arrependido do processo das FP-25 — agora, tem 67. Na altura, chamava-se João Carlos Faria Macedo Correia, agora responde por outro apelido, apenas um, com uma dupla consoante que de português não tem nada — mas com que há décadas se tem apresentado naquele país, com uma história de vida que não viveu e que em momento algum faz referência ao grupo terrorista de extrema-esquerda de que fez parte e que acabou por denunciar em tribunal.

Está escondido à vista de todos: apesar de usar outro apelido, abriu empresas com o nome verdadeiro; ainda que nunca tenha feito qualquer cirurgia para mudar de feições, como na altura a imprensa portuguesa chegou a relatar, dá a cara nas redes sociais e em entrevistas a meios de comunicação locais. O que significa que, na era da internet, só não o encontra quem não quer.

Talvez por isso, quando do lado de lá da linha ouve o seu nome verdadeiro, Macedo Correia hesita mas não diz que é engano, limita-se a pedir reserva sobre apelido, localização e profissão atuais . “Evite falar sobre isso. Pode dizer que sou um intelectual”, concede ao Observador, a imodéstia que antigos camaradas das FP-25 lhe apontam a vir ao de cima.

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A seguir, endurece o tom para garantir que, apesar de manter cuidados, já não tem medo, como tinha quando teve de fugir de Portugal, depois de o seu testemunho ter sido essencial para condenar 56 dos 73 arguidos do primeiro grande julgamento do caso, que ocorreu no Tribunal de Monsanto, com sentenças que, no seu conjunto, chegavam a mais de 500 anos de prisão — Otelo Saraiva de Carvalho recebeu 15, Macedo Correia ficou-se pelos 20 meses com pena suspensa.

"Hoje pouca gente sabe quem eu sou e estou-me lixando para isso, mas se alguém se aproximar leva um tiro na cabeça”
Macedo Correia, arrependido que se estabeleceu no Brasil com outro nome

“Na altura tinha a cabeça a prémio, tinha de dormir armado. Foi assim desde que disse que queria sair. Tentaram matar-me no sindicato dos pescadores em Matosinhos e só não conseguiram porque o Mário Lamas [outro operacional detido que seria julgado no segundo grande processo] me avisou. Sobrevivi a isso e saí por cima. Hoje pouca gente sabe quem eu sou e estou-me lixando para isso, mas se alguém se aproximar leva um tiro na cabeça”, ameaça do outro lado do telefone.

Mais de três décadas depois de ter saído de Portugal, o principal arrependido do processo das FP-25, autor de “As Cinzas dum Tempo Perdido — Ascensão e Queda das FP-25”, escrito entre agosto de 1984 e maio de 1985, continua a publicar livros. Sob o novo apelido, tem mais de uma dezena de títulos, em vários géneros e sobre os mais variados temas — e tem sido por causa deles que tem sido chamado a dar entrevistas e palestras, no Brasil e na Argentina, e que, diz, vem pelo menos uma vez por ano a Portugal, fazer conferências a convite de grupos privados.

[Veja a reconstituição da história do “Poeta” que nunca perdoou Otelo:]

Na cidade brasileira onde se instalou, o ex-operacional tem direito a colunas de opinião nos jornais e é tratado com deferência — um dos candidatos à prefeitura local chegou a chamar-lhe, em 2019, “um dos maiores pensadores do mundo”.

Também são vários os textos publicados na internet em que outros autores fazem referências elogiosas ao “intelectual luso”, uma versão aprimorada do João C. do livro de 1985, que fumava cachimbo, praticava ioga, lia a revista “Cahiers du Cinema”, escrevia poesia e ouvia Stravinsky. Já na altura assumia a diferença para os demais operacionais do grupo terrorista. “Apesar de ser quem sou, acusado de ser um chefe operacional das FP-25, recusei-me sempre a matar! E isto porque quando entrei para a organização o fiz com o espírito da criação dum Exército Revolucionário. Ora, isto difere das operações pontuais em que um comando liquida um patrão pelo simples facto de ele não pagar salários e de reprimir os trabalhadores. A criação dum Exército Revolucionário é algo muito mais importante que todas as operações pontuais que as FP-25 façam”, explicou o personagem principal de “As Cinzas dum Tempo Perdido”, escrito à laia de romance policial sobre a história verdadeira da organização — ou sobre a forma como o operacional João Macedo Correia, o “Alexandre” ou o “Poeta”, a viveu e pensou.

REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de Otelo Saraiva de Carvalho
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de José Ramos dos Santos
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de António Fulgêncio Lopes
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de José Martinho da Mouta Liz
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de António Manuel Baptista Dias
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de José Henriques Marques de Oliveira Ricardo
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de Humberto Dinis Machado
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de Albino Francisco Mendes Pinto
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de Manuel Albino da Conceição Soares
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de César António Sanches Escumalha
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de Manuel Antunes Gomes
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de José António de Sousa Moreira
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Ficha de detenção da PJ de Helena Neto da Costa Pereira
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Arrependidos receberam apoio do Estado e foram para o Brasil

Macedo Correia, cuja viagem para o Brasil foi apoiada pelo Estado português por ter colaborado com a Justiça, acabou por ser um dos únicos quatro condenados no processo principal das FP-25, que depois da amnistia se resumiu aos crimes de sangue julgados no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, no ano 2000. Com ele foram também condenados outros dissidentes da organização (denominados de arrependidos), Mário Lamas e José António Sousa Moreira, que confessaram em que atentados tinham participado e o que tinham feito.

Ouça aqui o primeiro episódio do podcast especial.

“Porquê? Porquê?” As vítimas das FP-25 de Abril

O quarto condenado foi António Manuel Baptista Dias. Apesar de não ter estatuto de arrependido e de não ter colaborado com as autoridades, foi condenado pela tentativa de homicídio do agente da PSP que, em outubro de 1985, o abordou dentro de um carro parado nos Olivais, em Lisboa, e foi recebido com uma saraivada de tiros — que, por sorte, só lhe furaram a camisa. Até setembro de 2021, fez parte da Assembleia Municipal de Setúbal, eleito pelo PS. Também integrando listas socialistas, foi presidente da Assembleia de Freguesia de São Sebastião.

Os restantes arguidos, entre eles Otelo Saraiva de Carvalho, que tinham sido condenados a penas entre os sete meses e os 17 anos e meio de cadeia e que viram o crime de associação terrorista ser amnistiado, acabaram absolvidos no julgamento por crimes de sangue por não ter sido possível determinar quem fez o quê em cada operação.

Mário Lamas e Macedo Correia foram condenados a pagar indemnizações no valor de oito mil contos aos familiares do bancário da Marinha Grande que ficou paraplégico. José António Sousa Moreira também foi condenado ao mesmo pagamento a par de uma pena suspensa de dois anos e meio de cadeia por ter participado no plano que levou à morte do administrador da Louças de Sacavém, Monteiro Pereira. Também Baptista Dias, condenado a três anos de cadeia suspensos por tentativa de homicídio, foi condenado ao pagamento de uma indemnização de 500 contos à vítima. Estas indemnizações acabariam por ser pagas anos depois pela Comissão Nacional de Proteção às Vítimas de Crimes.

“Os crimes foram praticados por alguns dos senhores que estão aqui à minha frente, mas o tribunal não consegue identificar os autores”
Coletivo de juízes presidido por Elisa Sales, no Tribunal da Boa Hora, onde foram julgados os crimes de sangue

“Passaram cerca de 15 anos sobre os últimos crimes cometidos pelos membros da organização; os réus depuseram as armas, não cometeram mais crimes, verificou-se uma pacificação social, o que tudo aponta desde logo que se encontram reinseridos socialmente, aqui se incluindo também em termos laborais, pois muitos foram os réus que no decurso da audiência requereram a sua dispensa a julgamento, ou a algumas sessões, por motivos profissionais”, justificou o coletivo de juízes na sentença que absolveu Otelo Saraiva de Carvalho, Pedro Goulart e restantes réus.

“Os crimes foram praticados por alguns dos senhores que estão aqui à minha frente, mas o tribunal não consegue identificar os autores”, acabou por assumir a presidente do coletivo de juízes, Elisa Sales, já com a sessão encerrada, mas ainda com os jornalistas na sala, que no dia seguinte acabaram por imprimir a frase que não chegou a ser registada em ata e que se transformaria numa espécie de símbolo do falhanço da justiça portuguesa no processo.

Em 2021, no Brasil, João Macedo Correia continua a indignar-se com este desfecho: “Esse país não merece sequer reescrever esta história”, exalta-se ao telefone. Apesar de há 20 anos ter dito à imprensa portuguesa que estava a preparar-se para voltar ao país, hoje não quer nem ouvir falar no regresso, tal é a desilusão com a justiça, que amnistiou os crimes das FP-25, e a sociedade, que os deixou cair no esquecimento.

Os outros planos que chegou a revelar, ele que sempre se disse contra execuções, também não passaram disso mesmo. Nunca colocou em prática o plano de vingança que arquitetou contra Otelo Saraiva de Carvalho e que comunicou publicamente numa carta enviada ao jornal Público poucos dias depois da sentença. “Não vou permitir que Otelo e a sua trupe, assim como alguns magistrados, riam de mim. Aprendi no exílio que o eu ferido é um animal social com direito a dar o troco político, nem que essa página tenha de ser escrita com sangue. Não tenho pressa, sei que o meu dia chegará”, ameaçou no início de abril de 2001 e voltou a fazê-lo um mês depois, ao mesmo jornal. “Se o matar faço um belo serviço à nação”, disse à jornalista com quem se encontrou pessoalmente, num parque de estacionamento da linha do Estoril.

Vinte anos depois, ao telefone com o Observador, numa conversa que decorreu dois meses antes da morte do militar considerado o estratega do 25 de Abril, Macedo Correia mantém que Otelo foi o principal fundador e dinamizador das FP-25, projeto de que diz que se desvinculou quando percebeu que tinha sido esvaziado de qualquer propósito revolucionário: “O próprio Otelo virou costas a tudo, a única coisa em que tinha interesse era em ter dinheiro para se candidatar”.

FP-25 de Abril. As bombas, as balas e os “inimigos a abater”

Um antigo dirigente das FP-25, sob anonimato, desacredita ao Observador o operacional, que acusa de ter exagerado o papel que realmente desempenhou na organização — e não só. Mesmo tendo a PJ e o Ministério Público afirmado ao Observador que ele foi fundamental para a investigação. “É megalómano e mitómano, cria umas falsas realidades à volta dele”, acusa este antigo membro destacado do grupo terrorista, para depois recordar o caso amoroso que Macedo Correia chegou a manter durante alguns anos com uma das procuradoras-adjuntas responsáveis pela instrução do segundo processo das FP-25, que deixou tudo para trás para se juntar a ele no exílio no Brasil, mas acabou por regressar a casa, sozinha, no ano 2000. “Ela saiu de lá muito traumatizada, mais tarde deve ter percebido que aquilo era tudo bluff.”

O namoro, apurou o Observador, terá surgido na altura em que os arrependidos do processo foram instalados, para sua própria segurança, no edifício da Direção Central de Combate ao Banditismo, em Lisboa.

A braços com a investigação do segundo processo, o apoio que continuava a prestar ao primeiro e a ligação que tinha de assegurar entre os arrependidos, a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Judiciária, Cândida Almeida decidiu pedir ajuda a uma colega para esta última tarefa. “A paixão foi mantida em segredo, só se soube quando ele foi para o estrangeiro. Ela contou-me pouco antes, disse-me que ia deixar o Ministério Público. Viveram durante uns seis ou sete anos lá no Brasil. Ela era filha única, paparicada, materialmente tiveram as suas dificuldades, mas adaptou-se”, disse ao Observador uma amiga da magistrada. No regresso a Portugal, a procuradora, então com 45 anos, voltou ao Ministério Público e foi colocada no DIAP de Lisboa. Hoje tem 66 anos e está jubilada desde outubro.

Seis interrogatórios e um encontro secreto. O frente a frente que durou meses entre Otelo e um juiz

Mário Lamas, o arrependido que acabou a matar outro arrependido no Brasil

João Macedo Correia não foi o único arrependido das FP-25 a mudar-se para o Brasil. José Alexandre Figueira, o pescador da Costa da Caparica que foi detido em fevereiro de 1983 no Jardim do Carregal, no Porto, juntamente com o amigo José Manuel Barradas, e que acabou por se assumir como o segundo arrependido do processo, também escolheu o mesmo destino depois do julgamento de Monsanto.

Considerado um apoiante da organização, mais do que um seu operacional, o “Patrício”, natural de Almodôvar, não teria um conhecimento muito profundo sobre as FP-25 — poderá ou não ter sido por isso que não foi executado, como Barradas. Mas o que é certo é que, de acordo com o despacho de pronúncia do juiz, tanto um como o outro foram ameaçados de morte, através de uma carta que Baptista Dias lhe entregou em mãos na prisão: se testemunhasse, não viveria para contar a história.

Libertado a 31 de agosto de 1984 com termo de identidade e residência e direito a vigilância por parte da PJ, Figueira foi para o Brasil e abriu um snack-bar em Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro. No final da década de 1990, na sequência de um ataque cardíaco, acabou por morrer de causas naturais quando tinha pouco mais de 50 anos. Luís Gomes, um dos seus sócios no snack-bar, também arrependido mas do segundo processo, o dos operacionais, morreria às mãos de Mário Lamas, o quarto arrependido exilado naquele país.

Envolveram-se numa discussão — ambos estavam armados, como sempre, e a justiça brasileira acabou por determinar que os disparos do “Operário”, como era conhecido Lamas, tinham sido feitos em legítima defesa, resume ao Observador António Coutinho, o inspetor da PJ que entre 1984 e 1985 correu Portugal a investigar as atividades da organização terrorista (muitas vezes na companhia de Macedo Correia, José Manuel Barradas e Mário Lamas). O incidente, confessa, não o surpreendeu. “O Lamas era muito impulsivo. Avisei-o uma vez: ‘Um dia qualquer vais fazer uma asneira, matas para aí alguém e é uma chatice’.”

“Eles estiveram aqui na DCCB, num andar, e o tal Luís saía e arranjava umas miúdas, umas namoradas. Não sei porquê, tinha uma tendência para arranjar umas namoradas, a mulher vinha passar o fim de semana com ele e ele inventava uma desculpa, dizia que ia sair com pessoal da PJ para colaborar numa investigação. Acho que foi para lá para o Brasil e fez o mesmo. O Lamas era um indivíduo muito contrário a essa situação — tinha lá a baixinha dele, que ele respeitava muito, e, portanto, ninguém podia dizer mal dela. Numa discussão dessas, o outro disse-lhe que as fulanas com quem ele andava eram iguais à mulher dele, ele não concordou muito com isso e olha…”, explica o antigo inspetor.

O corpo franzino de Mário Lamas, que aos 77 anos vive num bairro nos arredores do Porto, não deixa adivinhar os assaltos à mão armada em que há quase 40 anos esteve envolvido — muito menos que nessa altura  andava sempre de pistola e com uma granada no bolso. Quem o conhece de perto conta ao Observador que o “Operário” ficou entretanto viúvo de Dina, a mulher que conheceu ainda antes de integrar as FP-25 e que chegou a viajar com ele para o Brasil. Esteve sempre ao seu lado. O casal teve um filho, que vive ainda com o pai, e que muitas vezes lhe aponta o dedo pelo passado na organização terrorista.

No Brasil, Mário Lamas e Luís Gomes, dois arrependidos das FP-25, envolveram-se numa discussão — ambos estavam armados, como sempre, e a justiça brasileira acabou por determinar que os disparos do “Operário”, como era conhecido Lamas, tinham sido feitos em legítima defesa

No dia da Operação Orion, Mário Lamas viu o amigo que o tinha convidado a trabalhar com as FP-25, e com quem fizera alguns assaltos, ser levado pela polícia. Só teve tempo de dar meia volta e fugir. Andou a dormir em parques de campismo e em casas de outros elementos da organização que também estavam, como ele, fugidos à polícia. Foi assim que chegou a Madrid, de onde apanhou um avião rumo a Moçambique, o país que fizera um acordo com Otelo Saraiva de Carvalho para apoiar todos os membros da organização que lá procurassem refúgio.

Lamas estava lá há semanas quando percebeu que a casa que lhe davam em troca de trabalho não seria a casa onde iria viver no futuro. Por isso, mal pôde, ofereceu-se para vir a Portugal, com outros dois homens que vinham fazer mais “uma recolha de fundos”. O plano era fazer um assalto na zona de Leiria, mas Mário Lamas conseguiu seguir caminho e chegar ao Porto para ver a família. Acabou detido algum tempo depois num parque de campismo.

Era já setembro e a investigação ia avançada quando Lamas foi interrogado pelo juiz de instrução Martinho Almeida Cruz , que o convenceu a colaborar com a justiça. O operacional acabaria a recordar vários encontros em que esteve Otelo e a trazer mais prova para o processo. Ainda hoje fala ao telefone com Cândida Almeida, a procuradora do processo. E sempre que ela ia ao Porto, contactavam-se para um café.

Responsável por assegurar que nada faltava aos familiares dos operacionais que entretanto tinham sido detidos, Mário Lamas, que tinha passado o último ano a monte, acabou por se desencantar da organização e das próprias FP-25 e por se tornar um arrependido, com casa atribuída para si e para a sua mulher nas instalações da Direção Central de Combate ao Banditismo da PJ, na Avenida José Malhoa, em Lisboa.

Entrevista a Cândida Almeida. Grande reportagem sobre as FP-25. Forças Populares 25 de Abril foram uma organização terrorista de extrema-esquerda que operou em Portugal entre 1980 e 1987. Parte significativa dos seus militantes procediam das antigas Brigadas Revolucionárias, organização portuguesa de extrema-esquerda criada no início dos anos 70 por dissidentes do PCP. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Cândida Almeida, a procuradora do processo, continua a manter contacto telefónico com Mário Lamas, um dos arrependidos das FP-25

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Pela lealdade que demonstrou, tornou-se rapidamente um dos arrependidos mais estimados pelas autoridades. Cândida Almeida recorda um episódio que ele próprio lhe contou: depois do assalto dos 108 mil contos, Lamas ficou responsável por guardar mais de “3 mil contos” e “não lhes mexeu, porque eram da organização”. Dormiu toda a noite cheio de fome num colchão no chão, ao lado de uma metralhadora, uma granada e um saco de dinheiro, apurou o Observador. Mas não gastou um único tostão em comida.

Já em liberdade, Mário Lamas conseguiu voltar a trabalhar no setor da mecânica, mas nunca abandonou alguns dos cuidados da vida na clandestinidade. Ainda hoje não aponta nomes nem números de telefone em agendas ou papéis, memoriza-os ou grava-os no telemóvel com nomes falsos. E quando anda na rua continua a olhar para trás para ver se está a ser seguido.

Durante muito tempo foi comum vê-lo junto à Polícia Judiciária do Porto, onde todos o conhecem: queria trabalhar como informador. Nunca aconteceu. Agora está reformado e arrependido de algumas coisas que fez — sobretudo de ter confiado nos responsáveis das FP-25.

Moçambique, país-refúgio de operacionais a monte

Antes e depois da Operação Orion, tal como Mário Lamas, uma série de outros membros do grupo terrorista seguiram para Moçambique, país com que as FP-25 mantiveram relações desde o início, e onde a organização tinha casas de recuo, em que estiveram escondidos vários operacionais procurados pelas autoridades.

Em fevereiro de 2000, a propósito do julgamento dos crimes de sangue, o Expresso entrevistou Luís Gobern Lopes, o primeiro FP-25 a ser detido — e também o primeiro não arrependido a assumir no Tribunal de Monsanto pertencer à organização.

Na altura, o “Anarquinho” era, de entre os vários réus que estavam a ser julgados à revelia em Lisboa, um dos sete com morada em Moçambique, onde mantinha alguns negócios, que não estariam a correr bem, admitiu. Não era a primeira vez que passava pelo país, onde se tinha escondido depois de fugir do Estabelecimento Prisional do Linhó, em 1980, e onde tinha regressado em 1993. Carlos Ferreira, Vítor Duarte Neves, José António Sousa Moreira, Álvaro Sousa Monteiro, António Fulgêncio Lopes e Luís Veloso Pinheiro eram os outros seis — se bem que Sousa Moreira e Sousa Monteiro já não respondessem, na altura, por esses nomes; foram dos poucos condenados do processo que preferiram mudar de identidade, tal como o arrependido João Macedo Correia.

machel e otelo

O então presidente moçambicano, Samora Machel, com Otelo Saraiva de Carvalho, com quem chegou a firmar um acordo que previa apoio naquele país para os operacionais das FP-25 procurados pela PJ

DIREITOS RESERVADOS

Já Fulgêncio Lopes e Luís Veloso Pinheiro, o “Jacques”, membro do comando do Sul das FP-25 que costumava levar o filho, ainda pequeno, para as reuniões de operacionais — os terroristas escolhiam alvos e preparavam atentados, a criança divertia-se a tentar encontrar o pai entre os encapuzados, contou o autor de “Guerrilha do Asfalto”, um dos dez que se evadiram em setembro de 1985 do Estabelecimento Prisional de Lisboa —, acabaram por nunca regressar, tendo-lhes entretanto sido atribuída a nacionalidade moçambicana.

António Jorge Céu, ex-júnior do Benfica condenado a 13 anos de prisão, que nos mais de dez anos que passou em Maputo chegou a ser dirigente do Estrela Vermelha, onde também alinhou na equipa de futebol de veteranos, ou Maria Susete Ribeiro, a operacional “Ana”, que em março de 1985 fugiu da Cadeia das Mónicas, com uma corda improvisada com lençóis onde escreveu “FUP – FP-25 e ECA / FP-25”, foram outros dos membros da organização que passaram por Moçambique mas acabaram por regressar a Portugal ainda antes da viragem do milénio.

“Ana”, que enquanto membro das FP-25 foi condenada por crimes de falsificação, roubo, assalto a bancos, sequestro e terrorismo e homicídio na forma tentada, viveu em Moçambique entre 1986 e 1994, onde chegou a ser funcionária do Ministério da Agricultura, contou o Expresso em fevereiro de 2000. Quando se entregou voluntariamente às autoridades portuguesas, relatou António José Vilela em “Viver e Morrer em Nome das FP-25”, o crime de fuga à prisão já tinha prescrito, pelo que só lhe restava responder pelos 14 anos de pena a que tinha sido condenada, à revelia, no julgamento de Monsanto — o que também não chegou a acontecer porque entretanto foi alvo de um indulto.

Helena Carmo, da luta armada para o poder local

Tirando o chamado “Bando dos Cinco”, composto por Aldino Mendes Pinto, José Ramos dos Santos, Manuel Couto Ferreira, Teodósio Alcobia e Helena Carmo, todos os restantes condenados do processo das FP-25 acabaram por ser libertados sem cumprir as penas a que tinham sido condenados, por meio de indultos ou amnistias.

“Os revolucionários não podem renegar a luta armada sob pena de se traírem”, disseram os Cinco em março de 1990 ao Expresso, numa entrevista concedida no hospital-prisão, onde então estavam internados, a recuperar dos efeitos de mais uma greve de fome, para explicar por que motivo recusaram sempre pedir ao Estado português que os indultasse.

“Os termos em que o pedido de indulto era escrito eram incompatíveis com aquilo que eu penso sobre o enfrentamento político e as contradições de classe que se colocam na evolução da atividade política. O que se pedia é que as pessoas reconhecessem que a violência não era um caminho para fazer política”, explica, 31 anos depois, Helena Carmo ao Observador, garantindo que, se fosse hoje, voltaria a fazer o mesmo e frisando que cumpriu na íntegra a pena a que foi condenada, como dirigente das FP-25, no Tribunal de Monsanto.

Entrevista a Helena Carmo, ex operacional das FP-25. Grande reportagem sobre as FP-25. Forças Populares 25 de Abril foram uma organização terrorista de extrema-esquerda que operou em Portugal entre 1980 e 1987. Parte significativa dos seus militantes procediam das antigas Brigadas Revolucionárias, organização portuguesa de extrema-esquerda criada no início dos anos 70 por dissidentes do PCP. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Helena Carmo foi acusada de ser dirigente das FP-25 e condenada a 12 anos de prisão
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Entrevista a Helena Carmo. REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Diz que quando saiu da cadeia, em 1991, não voltou a ter “nenhuma envolvência em nenhuma ação de violência”
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Nenhum de nós dois foi objeto de amnistia, nós cumprimos a pena integralmente. Fui condenada a 12 anos e saí em 1991 com base num estatuto prisional que é o da liberdade condicional.”

Ao todo, passou cinco anos na prisão, quatro deles na companhia da filha mais nova, de quem estava grávida quando foi detida. Na altura, tinha-se mudado com os dois filhos mais velhos para casa dos pais, para onde tinha voltado depois de o companheiro, Teodósio Alcobia, ter sido também ele preso. Foi lá que as autoridades a foram buscar, naquela madrugada de 1985, já o julgamento das FP-25 tinha arrancado no Tribunal de Monsanto.

“Fui acusada com base numa declaração de um elemento que estava a colaborar com a polícia. Fui presa, acusada de ser dirigente das FP25”, explica Helena Carmo, que, apesar de já o ter feito antes, nomeadamente em programas de televisão, prefere agora não confirmar nem desmentir ter pertencido à organização terrorista que entre 1980 e 1987 fez 17 mortos em Portugal, quatro deles entre as próprias fileiras — mas que garante terminantemente que sua dirigente não foi.

“Não vou ser eu a dar uma indicação pública de que os tribunais tinham razão quando me condenaram no primeiro processo ou tinham razão quando me absolveram no segundo processo”, justifica-se, apontando para aquilo que considera uma “contradição”: os réus terem sido condenados por associação terrorista, mas absolvidos dos crimes de sangue que lhes eram imputados como membros dessa mesma associação. “Não existe uma organização terrorista que não faça atos de violência, eu pelo menos não consigo engendrar a coisa. Ora, se eu fui condenada por ser de uma organização terrorista e absolvida nas ações de violência de que essa organização era acusada — umas reivindicadas, outras não —, acho que isso é uma contradição óbvia que eu não vou ajudar nem a polícia nem o Ministério Público a resolver. Até porque a realidade política hoje não é nada no sentido de fazer a ajuda a essa atitude de esclarecimento”, elabora.

Os réus foram condenados por associação terrorista, mas acabaram por beneficiar da lei da amnistia em relação a esse crime. E na base dessa amnistia esteve sempre a discussão sobre se havia ou não autores morais e materiais do crime, uma vez que a organização tinha vários patamares e cada um cumpria as suas tarefas. Os chamados operacionais cometiam os crimes, mas tinham o aval e até o planeamento dos dirigentes das FP-25, segundo provou o tribunal.

“Nenhum de nós dois foi objeto de amnistia, nós cumprimos a pena integralmente. Fui condenada a 12 anos e saí em 1991 com base num estatuto prisional que é o da liberdade condicional”
Helena Carmo, condenada no processo das FP-25

Por isso, depois da amnistia, quando se decidiu juntar vários processos dos crimes de sangue num só, que seria julgado em 2000 no Tribunal da Boa Hora, esta distinção foi novamente posta em cima da mesa. Com o coletivo de juízes a concluir que, de facto, o grupo tinha cometido os crimes, mas que era impossível saber quem fez o quê, pelo que só quem assumiu no que participou acabou condenado.

Ao longo de mais de uma hora de conversa, na redação do Observador, Helena Carmo não baixou a guarda. Mas já não demonstrou ser a operacional implacável que em 1995, no programa da SIC que juntou Otelo Saraiva de Carvalho, inspetores da PJ, familiares de vítimas e antigos membros das FP-25 — incluindo o operacional e arguido Daniel Horácio de keffiyeh palestiniano enrolado à volta da cabeça com uns Ray-Ban pretos por cima, a esconder os olhos —, fez questão de não lamentar a execução do antigo diretor-geral dos Serviços Prisionais, Gaspar Castelo-Branco.

Na altura, justifica agora, tinha ainda frescos na memória os anos passados na prisão: “Claro que hoje olho a realidade das ações de violência com um distanciamento que implica os 63 anos que tenho. Não tenho hoje aquela garra revolucionária de que muitas vezes as pessoas falam. Se calhar era fria. Tinha acabado de sair da prisão, o meu companheiro estava ainda na prisão. Havia um contexto”.

Um contexto que os autos do processo descrevem com muitas greves de fome como formas de reivindicação dos arguidos para terem outras condições nas cadeias. Desde o início, os arguidos do processo FP-25 pautaram a sua defesa pelo argumento de que eram presos políticos, pelo que lhes deveriam assistir direitos e condições que não estavam ao alcance dos chamados presos de delito comum. A primeira greve de fome que fez, recorda Helena Carmo ao Observador, foi por um motivo bastante prosaico: conseguir autorização para receber iogurtes selados para os lanches da filha entretanto nascida na prisão.

Quando saiu da cadeia, aos 33 anos, tinha três filhos ainda pequenos e comprometeu-se consigo própria a prestar-lhes “todo o apoio emocional e económico” de que até então tinham sido privados. Começou a trabalhar na Associação José Afonso e fez uma pausa naquele que descreve como o seu “percurso político”  — iniciado aos 16 anos, em 1974, fê-la abandonar o liceu um ano mais tarde e não acabou na prisão. Ainda na cadeia, em 1989, Helena Carmo chegou a candidatar-se ao Parlamento Europeu, como independente, pela Frente de Esquerda Revolucionária (FER).

Garante que, desde 1991, não voltou a ter “nenhuma envolvência em nenhuma ação de violência”, o que não significa que renegue o que fez no passado ou que se arrependa de alguma coisa. Para justificar as FP-25, Helena Carmo escuda-se no desmantelamento da indústria em Portugal, no desemprego, na pobreza, nos suicídios que, defende, começaram a surgir como resposta desesperada entre muitos dos que, de repente, se viam sem trabalho.

Questionada sobre Gaspar Castelo-Branco, diretor-geral dos Serviços Prisionais e o mais alto detentor de um cargo público assassinado pela organização a que pertenceu, Helena Carmo assume que, agora, já consegue empatizar com a dor da família. O que não significa que lamente a sua morte. Argumenta que também ela “pagou o preço” pelas opções que fez nessa altura da vida ao cumprir pena de prisão e que “as mortes nunca se justificam, mas acontecem em contexto”.

“Apresentei a minha demissão formal por incompatibilidade absoluta com outro tipo de decisões que vi serem tomadas — ou, antes, que vi não serem tomadas — pela atual direção do Bloco de Esquerda”
Helena Carmo, condenada no processo das FP-25

Só depois de os filhos estarem crescidos é que voltou à atividade política —  ao “enquadramento legal da atividade política”, faz questão de ressalvar. Juntamente com o companheiro, o eletricista Teodósio Alcobia, aderiu ao Bloco de Esquerda, partido onde rapidamente ganhou relevância como uma das principais opositoras ao fundador Francisco Louçã, coordenador do partido entre 2005 e 2012.

Foi eleita várias vezes para a Mesa Nacional do partido e, em 2014, já sob a liderança bipartida de Catarina Martins e João Semedo, foi um dos 18 nomes escolhidos para a Comissão Política, que viria a abandonar formalmente em 2017, apesar de ter mantido até maio de 2021 o mandato como deputada à Assembleia Municipal de Sintra. “Apresentei a minha demissão formal por incompatibilidade absoluta com outro tipo de decisões que vi serem tomadas — ou, antes, que vi não serem tomadas — pela atual direção do Bloco de Esquerda”, explica ao Observador. “O meu trabalho autárquico foi das coisas que mais gozo me deu fazer”, diz Helena Carmo, que foi também uma das faces mais visíveis do Movimento Nacional Contra as Linhas de Alta Tensão em Zonas Habitadas, formado em 2008 a partir dos vários grupos locais que na altura se mobilizaram em todo o país contra a REN (Redes Energéticas Nacionais).

“Começou em Monte Abraão e São Marcos e está praticamente em coma, mas não é um problema resolvido. O Estado acabou por reconhecer que tínhamos razão, houve o reconhecimento numa lei de que tudo aquilo tinha implicações para a saúde, que a situação não estava suficientemente estudada e confirmada, portanto havia que pôr em prática o princípio da precaução”, detalha, para depois voltar a repetir: os fins que a movem são os mesmos, os meios de que se socorre é que já são radicalmente diferentes dos utilizados pelas FP-25. “Olho sempre a minha atividade política nesse ângulo: é possível transformar a realidade. Desde que saí da cadeia tenho-o feito sempre balizada pelos condicionamentos que a lei me impõe. Sempre.”

“Anarquinho”, o candidato autárquico que já foi jornalista

Como Helena Carmo, foram vários os antigos membros das FP-25, condenados em tribunal, que aderiram ao Bloco de Esquerda — logo a começar em Teodósio Alcobia, seu companheiro e pai dos dois filhos mais novos. Além de já ter tido lugar na Comissão de Direitos do partido, foi o cabeça de lista do BE à união de freguesias de Agualva e Mira-Sintra em 2017 e também nas três eleições autárquicas antes dessa — foi eleito de todas as vezes, tendo terminado em 2021 mais dois mandatos como vogal, da junta e da assembleia da freguesia, atividade que acumulou com outro cargo de vogal, mas na Associação José Afonso, onde Helena Carmo trabalha.

António Jorge Céu, que no julgamento da Boa Hora acabou a ser ilibado pelo próprio Ministério Público, que pediu a sua absolvição e a de outros dez arguidos por falta de provas, é militante do Bloco de Esquerda; Eduardo Alberto Seiceira, condenado no processo dos operacionais, também. Já o dirigente Luís Filipe Gobern Lopes, o “Anarquinho”, que em 2010, numa entrevista à Lusa para assinalar os 30 anos da organização, fez questão de garantir que não se arrepende das FP-25, apesar de reconhecer que o objetivo inicial não seria o que acabou por ser trilhado — “Situando-me na altura em que as coisas ocorreram, considerando a forma como eu pensava, como eu sentia, como eu via, não posso dizer que me arrependa de nada. Não tenho de que me arrepender. Talvez o trajecto que depois as coisas levaram se tenha desvirtuado”, disse —, chegou a ser cabeça de lista pelo Bloco de Esquerda.

Nas autárquicas de 2017, numa altura em que ainda trabalhava como jornalista, na TVI, canal onde se manteve entre 2003 e 2018 — e para onde acabou por levar como comentador o ex-inspetor da PJ José Barra da Costa, que fazia a segurança do arrependido José Manuel Barradas —, foi o candidato do partido à junta de freguesia de Santo António da Charneca, no Barreiro. Ficou em quarto lugar, depois de PS, PCP-PEV e PSD, com 7,56%, 361 votos, mas conseguiu um lugar na Assembleia de Freguesia.

Agora, nas autárquicas de 2021, já tinha noticiado o Observador, voltou a ser candidato na mesma freguesia mas em vez de à cabeça surgiu apenas no sétimo lugar de uma lista de 13 nomes. Não foi eleito — nem ele nem nenhum dos candidatos do Bloco de Esquerda, que não foi além de 221 votos naquela freguesia (4,5% do total).

Antigo dirigente das FP-25 é candidato do Bloco de Esquerda a uma junta de freguesia do Barreiro

Álvaro de Sousa Monteiro, ex-operacional do comando do Norte, mais conhecido como “Chinês” ou “Álvaro dos Carvalhos”, que já estava detido quando foi a Operação Orion e que acabou por ser condenado a 12 anos de prisão, por associação terrorista, também não conseguiu ser eleito nas últimas autárquicas. Hoje com 67 anos e estabelecido mais a sul, foi sexto numa lista de sete candidatos bloquistas à União de Freguesias de Santa Vitória e Mombeja, no concelho de Beja — a que só concorreram outros dois partidos, PS e CDU, que partilharam entre si o grosso dos votos e dos lugares disponíveis. De entre os 530 eleitores, só 17 votaram no BE. Já Fernando Pinto Lacerda, como último suplente da lista do partido à Câmara Municipal de Gaia, à partida não teria qualquer hipótese. No fim, não foi eleito o ex-FP-25, membro da OUT e da FUP no Porto, que foi condenado a 12 anos de prisão, nem qualquer outro vereador do Bloco.

REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Álvaro de Sousa Monteiro integrou as listas do Bloco de Esquerda a uma freguesia de Beja nas últimas autárquicas,

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Nas eleições de 2017, um pouco mais a sul, José Ramos dos Santos, que na década de 1980 tinha feito parte do Comando Sul das FP-25 — era, aliás, em seu nome que estava o carro onde Gobern Lopes foi apanhado e detido em Martim Longo, Alcoutim, na sequência do homicídio do GNR Agostinho Ferreira —, também foi cabeça de lista dos bloquistas, mas na corrida à simbólica Câmara Municipal de Grândola.

Na altura era o coordenador da concelhia e apareceu ao lado da eurodeputada Marisa Matias, que um ano antes se tinha candidatado pela primeira vez à Presidência da República e que marcou presença na Feira de Grândola, onde se deixou fotografar abraçada aos candidatos do partido, com o ex-dirigente das FP-25 à direita.

Tal como já tinha acontecido nas eleições autárquicas de 2009 e de 2013, em que tinha sido candidato à Assembleia Municipal, José Ramos dos Santos não foi eleito — só conseguiu 91 votos, num universo de 7.532 votantes. Apesar de continuar a garantir que ainda faz parte do partido, de que começou a discordar publicamente em 2019, o Bloco de Esquerda disse à revista Sábado, em maio de 2021, que José Ramos dos Santos já não é seu militante.

Questionado quatro meses depois pelo Observador, não apenas sobre a filiação de José Ramos dos Santos no partido mas de todos os ex-FP-25 referidos neste artigo, o Bloco enviou a seguinte declaração: “A ação das FP-25 foi condenável a todos os títulos e nenhuma das correntes fundadoras do Bloco cultivou qualquer ambiguidade sobre isso. Na continuidade dessas posições, o Bloco sempre condenou a violência política em democracia. A adesão ou desfiliação do Bloco de pessoas que cumpriram pena e estão há quase trinta anos reintegradas na vida coletiva é um facto muito posterior a todo esse processo”.

Grande reportagem sobre as FP-25. Forças Populares 25 de Abril foram uma organização terrorista de extrema-esquerda que operou em Portugal entre 1980 e 1987. Parte significativa dos seus militantes procediam das antigas Brigadas Revolucionárias, organização portuguesa de extrema-esquerda criada no início dos anos 70 por dissidentes do PCP. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
A ficha de Luís Filipe Gobern Lopes, o "Anarquinho", no processo das FP-25
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Luís Gobern Lopes, um dos fundadores das FP 25 e o primeiro a assumir-se em julgamento como membro da organização, afirmou, em entrevista à Lusa, que "no contexto em que surgiram, as FP-25 tinham um propósito forte", acrescentando que, embora não se sinta arrependido, reconhece que houve momentos em que a organização perdeu o pé, 19 abril 2010. (ACOMPANHA TEXTO) JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
Entre 2003 e 2018 Gobern Lopes trabalhou como jornalista, na TVI
JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

As publicações no Facebook de José Ramos dos Santos

De entre todos os ex-operacionais das FP-25 que acederam falar ao Observador, José Ramos dos Santos é o único que mantém um discurso idêntico ao que teria nos anos em que a organização espalhou o terror por Portugal — e isso valeu-lhe recentemente uma queixa-crime, apresentada pelo filho de uma das vítimas do grupo, Gaspar Castelo-Branco.

Através do Facebook, em janeiro, José Ramos dos Santos fez a seguinte publicação: “A Direita estava a portar-se mal como agora, 15 de fevereiro de 1986 as Forças Populares 25 de Abril matam o diretor dos serviços prisionais, resposta eficaz”. Quatro meses depois, quando soube da denúncia feita por Manuel Castelo-Branco, Ramos dos Santos respondeu de forma despreocupada e também num post naquela rede social: “Disseram-me que o  filho do Diretor Castelo Branco que foi abatido  pelas Forças Populares 25 de Abril fez queixa ao Ministério Público. Que venha o Processo!”.

“Foi por isso que durei tanto tempo na clandestinidade. Chegava a um amigo e dizia-lhe: 'Dá-me aí o teu bilhete de identidade'. Ele dava e depois dizia que tinha perdido e renovava. Bastava meter calor por cima, aquilo abria e a gente punha lá a fotografia”
José Ramos dos Santos, ex-operacional das FP-25

Ao Observador, que recebeu numa tarde de maio na Herdade da Figueira, o brejo de 12 hectares que herdou após a morte da mãe e onde tem burros, porcos e ovelhas, disse exatamente o mesmo. Não só não está preocupado com as consequências do que escreveu como não guarda qualquer arrependimento ou peso na consciência sobre aquilo que fez enquanto operacional das FP-25. “Tenho muito orgulho”, garantiu o homem que entretanto viria a admitir ter “coordenado a ação” em que morreu o bebé Nuno Dionísio, num atentado que chocou o país e revoltou até uma série de elementos da organização terrorista.

Aos 68 anos, pai de três filhos crescidos e em processo de divórcio há mais de um ano, José Ramos dos Santos continua a trabalhar como marceneiro, a profissão que aprendeu ainda adolescente, quando os pais se mudaram daquela vila alentejana para o bairro operário da Venda Seca, em Belas, e que entretanto deixou em pausa quando entrou para a clandestinidade, primeiro como membro das FP-25, depois na ORA, a Organização Revolucionária Armada, que diz que fundou com outros operacionais dissidentes, que como ele recusaram parar depois das prisões e do julgamento de Monsanto.

REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Nas FP-25, José Ramos dos Santos era o "Rui" ou o "António
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Retrato a José Ramos. Grande reportagem sobre as FP-25. Forças Populares 25 de Abril foram uma organização terrorista de extrema-esquerda que operou em Portugal entre 1980 e 1987. Parte significativa dos seus militantes procediam das antigas Brigadas Revolucionárias, organização portuguesa de extrema-esquerda criada no início dos anos 70 por dissidentes do PCP. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Manuel Castelo-Branco, filho de uma das vítimas da organização, apresentou este ano uma queixa-crime contra José Ramos dos Santos
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Foi após o “Anarquinho” ser apanhado pela primeira vez, a 13 de maio de 1980, que Ramos dos Santos passou à clandestinidade — como nunca quis andar com documentos falsos, conta, pediu a dois amigos que lhe dessem os respetivos bilhetes de identidade, o que fez com que numas zonas do país passasse a ser o “António”, e noutras o “Rui”.  “Foi por isso que durei tanto tempo na clandestinidade. Chegava a um amigo e dizia-lhe: ‘Dá-me aí o teu bilhete de identidade’. Ele dava e depois dizia que tinha perdido e renovava. Bastava meter calor por cima, aquilo abria e a gente punha lá a fotografia”, recorda o ex-operacional, que garante que não só chegou a votar com os documentos dos amigos como a apanhar aviões para fora do país com eles.

Hoje, José Ramos dos Santos utiliza o Facebook para tentar manter viva a memória desses tempos, partilha fotografias dos anos em que tinha de mudar frequentemente de visual para escapar à polícia e vai, a espaços, apelando à violência e à insurreição. “A Direita não se combate com pacifismo mas sim com respostas robustas e algum letal”; “Preparemos um Pólo Popular Revolucionário e Socialista” escreveu já em 2021.

Pelos comentários que recebe, dá para perceber que está praticamente sozinho: há quem o acuse de anacronismo e quem chegue a questionar a sua sanidade mental. Da parte de ex-militantes das FP-25, também não recebe qualquer sinal de força ou concordância. “Ele que não esteja à espera que as pessoas sejam solidárias se ele for entalado aí em alguma coisa, porque ninguém vai ser solidário. Ninguém acha que as coisas devem ser ditas da forma como ele as diz”, afirmou ao Observador um antigo fundador e dirigente da organização, sob anonimato.

Em 2017, José Ramos dos Santos foi o cabeça de lista do Bloco de Esquerda à autarquia de Grândola

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“Perfeitamente reinseridos”: o diretor de escolas do PS e o agricultor presidente de associações

Como percebeu o Observador através dos inúmeros telefonemas que fez para antigos membros do grupo terrorista, a maior parte acha até que as coisas não devem ser ditas de todo, que o assunto FP-25 faz parte do passado e é lá que deve permanecer. “Sobre essa matéria, ponto final”, respondeu António Manuel Baptista Dias, o operacional que fez parte do grupo de dez que escaparam do Estabelecimento Prisional de Lisboa em setembro de 1985 e que só voltou a ser capturado em agosto de 1987 junto ao Cais da Matinha, em Lisboa, depois da perseguição que custou a vida ao agente Álvaro Militão dos Santos, da Polícia Judiciária, então com 32 anos.

Preso pela primeira vez a 12 de fevereiro de 1982, dia de greve geral — foi um dos três operacionais apanhados em flagrante pela PSP a tentar pôr no ar uma emissão de rádio clandestina, a partir de um Ford Taunus carregado de metralhadoras e granadas estacionado em pleno Parque Eduardo VII —, António Manuel Baptista Dias, que de acordo com a acusação do Ministério Público participou em vários assaltos e atentados à bomba, acabou por ser um dos últimos da organização a cair. Isto apesar de ter sido detido, julgado e absolvido várias vezes ao longo dos anos anteriores.

Hoje com 63 anos, o “Professor” mantém a profissão que lhe valeu a alcunha. Não é o único ex-FP a dar aulas no ensino básico: também Honório Marques, o operacional que terá dado o tiro que em 1980 matou o GNR Agostinho Ferreira, é professor de História.

O único não arrependido a ser condenado em 2001, no Tribunal da Boa Hora — pela tentativa de homicídio do agente da PSP João Castanho, recebeu uma pena de três anos de prisão, suspensa pelo mesmo período de tempo —, Baptista Dias já tinha sido indultado em 1991 pelo então Presidente da República, não cumprindo por isso mais do que quatro anos de prisão dos 15 a que tinha sido condenado pelo Supremo Tribunal.

Hoje com 63 anos, o “Professor” mantém a profissão que lhe valeu a alcunha. Não é o único ex-FP a dar aulas no ensino básico: também Honório Marques, o operacional que terá dado o tiro que em 1980 matou o GNR Agostinho Ferreira, é professor de História. Contactado pelo Observador através da escola e via e-mail, Honório Marques, hoje com 63 anos, nunca deu qualquer resposta ao pedido de colaboração neste trabalho. Também ele é um dos vários antigos membros do grupo terrorista que entretanto aderiram ao Bloco de Esquerda.

Já António Manuel Baptista Dias é militante do PS e secretário coordenador de uma secção do partido em Setúbal, onde até às autárquicas de setembro de 2021 foi deputado à Assembleia Municipal. Em 2009 e em 2013 já tinha sido o cabeça de lista dos socialistas a uma freguesia — perdeu das duas vezes para a CDU, que governa a cidade há 20 anos, mas entre 2013 e 2017 chegou a ser presidente da Assembleia de Freguesia.

Em 2020, foi galardoado pelo município com a medalha de honra da cidade, na classe Ciência e Tecnologia. Não foi uma estreia: na categoria Cultura, já tinha recebido a medalha de ouro, a mais alta distinção do município, em 2001, exatamente uma década após o indulto de Mário Soares.

Nessa altura, Alberto Teixeira de Carvalho, o “Xavier”, com quem tinha sido detido em 1987, já estava estabelecido nos negócios há muito tempo — numa entrevista que deu em 1999 ao Público, que o descreveu como um “floricultor bonacheirão”, o homem que a Polícia Judiciária capturou finalmente na  sequência do tiroteio que culminou na morte do agente Militão, depois de dez anos a monte, revelou-se “perfeitamente reinserido”.

Agora, 22 anos depois, aos 66, Alberto Teixeira de Carvalho recusou regressar ao tema e falar com o Observador: “Estou noutra, estou dedicado ao movimento associativo”, justificou, prontificando-se, ainda assim, a receber a equipa do Observador — desde que o assunto FP-25 não fosse referido.

Na altura, de regresso a Barcelos, à quinta dos pais, já tinha 4 mil metros de estufas, onde cultivava cravos, kiwis e vinha, e também já era dirigente de várias associações de agricultores — tinha provado que sabia trabalhar e que não era “um lobisomem, nem um super-homem, nem um assassino”, disse àquele jornal.

Agora, 22 anos depois, aos 66, recusou regressar ao tema e falar com o Observador: “Estou noutra, estou dedicado ao movimento associativo”, justificou, prontificando-se, ainda assim, a receber a equipa do Observador — desde que o assunto FP-25 não fosse referido.

Condenado pelo Supremo Tribunal a 16 anos e meio de prisão, considerado um dos dirigentes das FP-25, saiu da prisão em dezembro de 1991 — quatro anos, várias greves de fome, 24 quilos perdidos e um indulto depois. Menos de um ano mais tarde, com um curso de floricultura financiado por fundos comunitários no currículo, submeteu ao então IFADAP (Instituto Financeiro de Apoio à Agricultura e Pescas), do Ministério da Agricultura, um pedido de financiamento no valor de 11 mil contos para um projeto a desenvolver em Barcelos — que lhe foi concedido, tal como viriam a ser outros dois subsequentes, no total de quase 30 mil contos. Hoje, além de manter os negócios, é presidente da direção do Centro de Gestão Agrícola de Barcelos, de uma cooperativa agrícola e de uma associação recreativa e cultural.

Condenado a pagar uma indemnização a Alexandra Abreu, a viúva do agente Álvaro Militão dos Santos, nunca chegou a fazê-lo. Em 1997, contou o jornalista António José Vilela, no livro “Viver e Morrer em Nome das FP-25”, a entretanto criada Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes Violentos acabou por dar o caso como perdido: “O Alberto é agricultor, não tem bens imóveis, possui um veículo automóvel e não tem vencimento certo, dada a atividade a que se dedica”.

Grávida quando o marido morreu, Alexandra Abreu teve o bebé, a que chamou Álvaro, como o pai, mas a criança acabou por morrer com apenas dois anos, em maio de 1990, com uma insuficiência cardíaca. Contou o jornal i em 2015 que, vários anos depois, tentou finalmente refazer a vida e candidatou-se a uma linha de crédito de apoio a novas empresas — tinha um curso de estética, queria abrir um estabelecimento em nome próprio. A resposta foi negativa.

O doutorado “Tozé”, que avaliou juízes, a recusa de “Dani” e as comparações com o “terrorismo da direita”

Sexto da lista de 78 acusados pelo Ministério Público de pertencer às FP-25, José Soares da Silva Neves, o “Tozé”, também conhecido por alguns como “Conceição”, foi dirigente da organização terrorista e esteve em todos os seus momentos mais marcantes, do congresso de fundação da OUT à Operação Orion, com passagem pelo Conclave da Serra da Estrela — na altura, era “Tozé” quem escrevia à mão todas as atas das reuniões da Direção Político-Militar do Projeto Global. Companheiro de Maria Helena Alcalde Marques, também ela integrante do Projeto Global e irmã do operacional Honório Marques, José Soares da Silva Neves foi descrito pelo juiz Martinho Almeida Cruz, nas memórias que ditou aquando da fase de instrução do processo e que mais tarde mandou datilografar, como “o intelectual do grupo, com boa presença, bem falante, embora se encontrasse perfeitamente fora de si na altura do interrogatório”.

Condenado a 15 anos de prisão, foi libertado em 1989 e não muito tempo depois ingressou na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde em 1993 acabou a licenciatura em Sociologia. Hoje doutorado em Sociologia da Comunicação, da Cultura e da Educação, José Neves é professor do departamento de Sociologia do ISCTE, em Lisboa, e investigador e subdiretor do CIES, o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia daquela universidade. Entre 2017 e 2019, com o aval do juiz que dirige o Centro de Estudos Judiciários (CEJ), chegou mesmo a fazer, por quatro vezes, parte dos júris que avaliaram e escolheram os novos candidatos a juízes e magistrados do Ministério Público.

Questionada pelo Observador sobre se o passado de José Neves nas FP-25 era do conhecimento do CEJ aquando da inclusão nas listas de jurados e se esse não deveria ser um critério de afastamento, tendo em conta a natureza do trabalho de seleção, a direção do Centro de Estudos Judiciários não respondeu. Contactado via e-mail, José Soares da Silva Neves também não.

Ao telefone, em dois momentos diferentes, Daniel Horácio Martins Tavares, o “Dani”, que em 1995 aceitou ir aos estúdios da SIC para o programa “À Lei da Bala” — se bem que com o rosto coberto —, ainda hesitou mas, no final, também não quis falar ao Observador. Mais de quarenta anos depois da fundação das FP-25, critica o tempo de antena concedido ao grupo de extrema-esquerda, que considera excessivo, sobretudo na comparação direta com o “terrorismo da direita, que as precedeu”, e que praticamente não tem cobertura mediática, diz.

Condenado a 15 anos de prisão, "Tozé" foi libertado em 1989. Entre 2017 e 2019, com o aval do juiz que dirige o Centro de Estudos Judiciários, chegou mesmo a fazer, por quatro vezes, parte dos júris que avaliaram e escolheram os novos candidatos a juízes e magistrados

Entre maio de 1975 e abril de 1976, a chamada rede bombista é acusada de ter sido responsável por 566 ações em Portugal, que causaram a morte a mais de uma dezena de pessoas. A vítima mais conhecida de entre elas terá sido Maximino Barbosa de Sousa, o padre de esquerda que tinha defendido o fim das aulas de Religião e Moral nos liceus, era candidato da UDP às primeiras eleições livres, e que, em Vila Real, tanto dava aulas a adultos analfabetos como apoiava os trabalhadores nas greves e lutas contra o patronato.

Só em 1999, 23 anos depois do assassinato do Padre Max, a 2 de abril de 1976, é que a sentença do processo foi finalmente lida — o MDLP, Movimento Democrático de Libertação de Portugal, foi condenado “enquanto organização que planeou e financiou o atentado”, conta Miguel Carvalho no livro “Quando Portugal Ardeu – Histórias e segredos da violência política no pós-25 de Abril”.

O general Spínola, fundador do movimento, não viveu para assistir à conclusão do processo: tinha morrido três anos antes com uma embolia pulmonar. De resto, todos os operacionais alegadamente envolvidos no atentado foram absolvidos por falta de provas. “À esquerda, as associações que tinham processos de luta armada viram sempre incriminadas as respetivas partes políticas. Por essa lógica, no processo da rede bombista tinham de ter prendido muita gente que não prenderam. Ao nível da direita foi sempre diferente”, assinalou um outro operacional e ex-dirigente das FP-25 em conversa com o Observador, a propósito da comparação, que foi, aliás, recorrente em praticamente todas as entrevistas feitas para este trabalho.

Em 1976, estava o MDLP no auge da atividade, Daniel Horácio, ex-aluno dos Pupilos do Exército e militante do PRP, também já era procurado pelas autoridades por assaltos a bancos, mas ainda assim conseguiu participar na campanha de apoio a Otelo Saraiva de Carvalho, que se candidatava à Presidência da República.

O padre Max e Maria de Lurdes Correia foram as vítimas mais célebres do MDLP. Vários ex-militantes fazem paralelismos entre a forma como foram tratadas as FP-25 e a chamada rede bombista

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Até ser condenado, em 1988, pelo Supremo Tribunal a 13 anos de prisão pelo crime de organização terrorista, “Dani” assumiria ainda o papel de tesoureiro da DIMA, o órgão de cúpula das FP-25, e viria a confirmar-se como um dos seus operacionais com mais fugas no cadastro: em janeiro de 1983, com a ajuda de um comando composto por Macedo Correia, Gobern Lopes e Fernando Rodrigues da Silva, o “Faia”, escapou da sala de espera da consulta de fisioterapia do Bloco de Celas dos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde andava em tratamento a um braço baleado; e em setembro de 1985 evadiu-se do Estabelecimento Prisional de Lisboa, para três meses depois reaparecer como um dos cinco terroristas encapuzados na célebre conferência de imprensa que ainda hoje os jornalistas que foram vendados e levados até lá não conseguem localizar no mapa da Grande Lisboa.

Para trás, no EPL, “Dani” deixou a mulher, Maria Manuel Alves de Lara Everard, e o filho mais velho, que tinha nascido em cativeiro, apenas um mês e onze dias antes. Só seria capturado quase dois anos depois, quando a polícia, à procura de traficantes de droga, invadiu o bar de Portimão onde, por acaso, estava com Baptista Dias a beber um copo. À data descrito pela imprensa como engenheiro de eletrotecnia e máquinas, Daniel Tavares trabalha agora, aos 67 anos, no ramo dos seguros: é sócio-gerente de uma empresa de peritagens. Desde o fim das FP-25, não se lhe conhece qualquer atividade política — a Maria Manuel Everard, com quem, já depois do indulto, teve outra filha, também não.

Mouta Liz, o sócio de Otelo que interrompeu Sócrates em público e foi repreendido por Soares

José Luís Martinho da Mouta Liz, o sindicalista do Banco de Portugal e dirigente do Projeto Global que, antes de apoiar Otelo nas eleições presidenciais de 1976, tinha estado no MES (Movimento de Esquerda Socialista) e no MSU (Movimento Socialista Unificado), para depois lançar a OUT e a FUP, também não teve grande atividade política visível desde as prisões. Isto se não contarmos com o episódio de 11 de maio de 2008, em que, num debate sobre “dinâmicas sociais e sindicalismo” na Fundação Mário Soares, interrompeu José Sócrates, então primeiro-ministro, com um grito de “Propaganda!” e foi repreendido pelo próprio antigo Presidente da República: “O senhor, cale-se! Está aqui como convidado, mas também pode ser convidado a sair”.

Contactado pelo Observador, Mouta Liz, hoje com 82 anos, escudou-se na natureza deste trabalho para não prestar declarações: se fosse o único entrevistado, ponderaria falar, para ser integrado num “trabalho muito completo, com a participação de várias pessoas”, não.

Condenado a 13 anos de prisão, por organização terrorista, Mouta Liz sempre garantiu não ter nada a ver com as FP-25, apesar dos inúmeros apontamentos nos cadernos apreendidos a Otelo Saraiva de Carvalho com referência às suas intervenções em reuniões que se provou serem da organização — umas vezes como M. L., outras sob o pseudónimo “Faustino” —, e dos depoimentos incriminatórios prestados pelos arrependidos do processo.

No julgamento de Monsanto, João Macedo Correia acusou Mouta Liz, funcionário do Banco de Portugal, de ter sido a fonte das informações que possibilitaram o célebre assalto dos 108 mil contos. O bancário e sindicalista, tesoureiro da Direção Político-Militar do Projeto Global, que em 1975 o Ministério das Finanças nomeou responsável pelos saneamentos no banco central português, respondeu-lhe que era um “aldrabão”: “Se eu quisesse resolver, por meios desonestos, os problemas financeiros da organização, bastava uma assinatura minha para levantar o dinheiro da caixa-forte do Banco de Portugal”. José Ramos dos Santos garante que foi numa “conversa casual”, num café entre o Marquês de Pombal e a Duque de Loulé, mesmo em frente à então dependência do Banco Fonsecas e Burnay, onde vários operacionais das FP-25 se reuniam uma vez por mês, que ficaram a saber que ali se “carregava muito dinheiro todos os dias”.

Mouta Liz vive entre Portugal e Angola, país onde entre 1961 e o início de 1964 esteve mobilizado, no leste, em Sanza Pombo, província de Uíge, e onde a empresa que abriu em 1991 com Otelo Saraiva de Carvalho e Romeu Francês, advogado de ambos no processo das FP-25, tem uma delegação, na capital — a Roteliz

Fernando Cavaleiro Ângelo, autor do livro “DINFO — A Queda do Último Serviço Secreto Militar”, conta ao pormenor o episódio em que os serviços secretos militares começaram a “desvendar a posição de destaque de Mouta Liz” nas FP-25, em março de 1983, no Hotel do Vimeiro, onde, por ocasião do primeiro congresso da FUP, estiveram ali reunidas várias dezenas de operacionais do grupo terrorista. Tudo sob o olhar atento de um único espião, identificado ainda hoje apenas como Sierra Papa, que foi acompanhado da mulher — que até achava que estava num fim de semana romântico em vez de em plena missão de vigilância.

As coisas começaram a correr mal no terraço do hotel, quando alguns operacionais das FP-25 perceberam que Sierra Papa lhes estava a tirar fotografias, com a câmara que trazia ao pescoço, qual turista. Em poucos minutos, o casal viu-se cercado por cerca de 20 homens, que exigiam o rolo da máquina fotográfica — Otelo Saraiva de Carvalho, presente no hotel, não fazia parte do grupo, mas José Luís Martinho da Mouta Liz, sim. Aliás, foi com ele que Sierra Papa, que mais tarde confessou ter temido que o empurrassem do terraço, no último piso do hotel, ou que lhe raptassem a mulher, no momento em que tentaram separá-los, um em cada elevador, acabou por chegar a um entendimento, já junto à receção.

Quando o espião, a quem o gerente entretanto chamado se dirigia deferentemente como  “senhor engenheiro”, insistiu em chamar a Polícia Judiciária, para fazer queixa dos homens que tão indelicadamente queriam ficar-lhe com as “fotografias da lua de mel”, foi Mouta Liz quem interveio: “Eh pá, não vale a pena chamar as autoridades!”. Quando percebeu que Sierra Papa estava irredutível, chamou-o à parte, pediu-lhe desculpas, apresentou-se, disse-lhe que trabalhava no Banco de Portugal e ainda se disponibilizou para o ajudar no futuro, “se precisasse de alguma coisa”: “Por favor não chame a polícia. Não há necessidade. Isto fica assim. Enganámo‐nos. Peço imensa desculpa por tudo”.

REPORTAGEM FP25: Fotografias dos processos do caso FP25, detidas pela polícia judíciaria. 21 de Dezembro de 2021 JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
José da Mouta Liz, funcionário do Banco de Portugal, foi o último dirigente das FP-25 a ser detido
JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
Otelo Saraiva de Carvalho cumprimenta Mouta Liz, momentos antes de se dar inicio o julgamento do processo FUP/FP25, esta manha no Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa. Lisboa, 13 de dezembro de 1999. FOTO ANDRE KOSTERS/LUSA
Os amigos e sócios Otelo Saraiva de Carvalho e Mouta Liz em 1999, à porta do Tribunal da Boa-Hora, em Lisboa, onde foram julgados os crimes de sangue das FP-25
ANDRÉ KOSTERS/LUSA

Hoje, 38 anos passados, Mouta Liz vive entre Portugal e Angola, país onde entre 1961 e o início de 1964 esteve mobilizado, no leste, em Sanza Pombo, província de Uíge, e onde a empresa que abriu em 1991 com Otelo Saraiva de Carvalho e Romeu Francês, advogado de ambos no processo das FP-25, tem uma delegação, na capital — a Roteliz, que presta serviços de importação e exportação, deve o seu nome a uma conjugação de sílabas dos nomes e apelidos dos três sócios, e trabalha em vários países africanos, mas é, desde há vários anos, pertença apenas da família Mouta Liz, explicou o próprio ao Observador.

Um dos seus filhos, Luís de Assunção Pedro da Mouta Liz, agora com 57 anos, é o Vice-Procurador-Geral da República de Angola.

Almoços, documentários, livros e o tempo da História

Em 2014, os antigos membros das FP-25 começaram a juntar-se, com as respetivas famílias, amigos e até advogados, para um almoço de confraternização anual. A edição de 2018, num restaurante de beira de estrada no Pinhal Novo, a escassos quilómetros de Valdera, onde foi descoberto um dos cárceres subterrâneos preparados pela organização para acomodar as vítimas dos raptos que nunca chegaram a fazer, foi testemunhada pelo Correio da Manhã, que deu conta da chegada ao local de cerca de uma centena de pessoas — mas só conseguiu que três delas dessem a cara. Sendo que apenas uma tinha sido efetivamente membro das FP-25.

Vladimir José Rocklaia, então com 72 anos, apresentou-se como ex-membro das Brigadas Revolucionárias; a advogada Lídia Leitão Correia, que havia de morrer oito meses depois, aos 70 anos, recordou como chegou a defender 23 operacionais das FP-25 em simultâneo no julgamento dos crimes de sangue; e Luís Filipe Gobern Lopes, fundador e dirigente do grupo terrorista, hoje com 66 anos, explicou por que motivos decidiu começar a organizar os encontros. “Somos todos sexagenários, septuagenários e octogenários. Só nos encontrávamos nos funerais. Decidimos que era preferível de vez em quando fazer um almoço apenas para confraternização. Ninguém fala de política e não há pretensão política”, garantiu ao jornal.

“Anarquinho” nunca entregou qualquer outro membro das FP-25, tendo considerado sempre os arrependidos “figuras amorais”, que falaram não por terem sido torturados ou maltratados mas “porque se quiseram safar”. A aversão aos antigos camaradas que colaboraram com a justiça era tal que, no julgamento de Monsanto chegou a ameaçar Manuel Guedes Monteiro e a gritar em pleno tribunal: “Quando te apanhar lá fora hás-de apanhar várias rajadas de metralhadora nesses cornos, seu porco de merda”

Apenas três anos mais tarde, contactado pelo Observador, Gobern Lopes, que em tribunal até foi o primeiro membro das FP-25 a assumir-se como tal — afirmando sempre que a organização e o Projeto Global de Otelo eram coisas diferentes —, preferiu manter-se em silêncio.

Apesar de ter confessado o seu papel nos atentados levados a cabo pela organização, o “Anarquinho”, como era conhecido, nunca entregou qualquer outro membro das FP-25, tendo considerado sempre os arrependidos “figuras amorais”, que falaram não por terem sido torturados ou maltratados mas “porque se quiseram safar”. A aversão aos antigos camaradas que decidiram colaborar com a justiça era tal que, no julgamento de Monsanto, à 138.ª sessão, chegou a ameaçar Manuel Guedes Monteiro e a gritar em pleno tribunal: “Quando te apanhar lá fora hás-de apanhar várias rajadas de metralhadora nesses cornos, seu porco de merda”.

Agora, em conjunto com Fernando Rodrigues da Silva, o “Faia”, que hoje tem 62 anos e vive fora do país, Gobern Lopes está na fase final de produção de um documentário e de dois livros, um sobre as Brigadas Revolucionárias e o PRP, outro sobre as FP-25. É por isso que, desta vez, ele que ao longo das últimas décadas acedeu sempre falar sobre a organização, prefere manter-se calado.

Não é o único: quem também diz que já tem um livro praticamente pronto a publicar, não apenas sobre as FP-25 mas sobre todo o Projeto Global, é José Mouta Liz, em co-autoria com Romeu Francês, seu ex-sócio na Roteliz e o advogado que assumiu a sua defesa em 1985, quando Salgado Zenha largou os casos que tinha em mãos para se dedicar à corrida à Presidência da República, em janeiro de 1986. “É a versão não oficial dos factos, a ‘versão dos vencidos’, chamemos-lhe assim”, diz o antigo funcionário do Banco de Portugal ao Observador.

Por muito que também assegure que a história das FP-25, tal como tem sido contada, a partir do processo liderado pela Polícia Judiciária e pelo Ministério Público, que ficou provado em tribunal, “não passa de uma ficção”, Helena Carmo não tem qualquer projeto do género em mãos. Aliás, acredita que ainda não é altura de todos os factos sobre a organização, tal como aconteceram, virem a público.

“Continuo a achar que ainda não chegou a hora. Para já porque ainda estou viva e sou sempre uma das partes, mas sobretudo porque a realidade que se vive hoje em Portugal é muito pouco propícia a que as pessoas que viveram esse processo possam esclarecer — ou não esclarecer —, pormenorizar — ou não pormenorizar —, tudo aquilo de que tiveram conhecimento — ou de que não tiveram conhecimento. É muito cedo ainda. Está aí todo um mundo de gente interessada em ajustar contas e em fazer a História andar para trás. Há toda uma área que esquece tudo o que foi antes do 25 de Abril e que se lembra com muita facilidade do que foi aquele período do chamado PREC”, diz ao Observador a ex-operacional das FP-25. “Um dia, gente suficientemente distante, de um lado, e, de outro, suficientemente interessada na História do país naquela época, acabará por fazê-lo.”

Até lá, ficam os livros escritos pelas mãos de meia dúzia de arguidos, entre eles Otelo Saraiva de Carvalho, e de advogados, ou mesmo do Ministério Público, que logo em 1987 decidiu publicar em livro as suas alegações finais. Há também uma dupla de antigos operacionais que garante que em breve trará a público um documentário sobre o que eram verdadeiramente as FP-25. E até Otelo Saraiva de Carvalho estava a colaborar num livro quando o seu estado de saúde se agravou e acabou por morrer.

Se nada disto bastar, há sempre a história do tribunal — a única que ficou provada e que determinou que o Projeto Global de Otelo Saraiva de Carvalho, suportado num partido político legal que era a Força de Unidade Popular, estava afinal nas mãos das FP-25, um grupo terrorista que entre 1980 e 1984 reivindicou vários atentados à bomba e foi a principal fonte de financiamento desta organização política liderada pelo estratega do 25 de abril.

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