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ILUSTRAÇÃO/ANA MARTINGO

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Marcelo deixa de dar colo para ser o "fiscalizador-mor" da maioria de Costa. O que muda entre Belém e São Bento

Presidente deixa de ser o garante da estabilidade e passa a ser o grande fiscalizador da maioria absoluta. Costa já deixou avisos de que quer que tudo continue na mesma, mas relação "não será igual".

Um dia antes de tomar posse para um segundo mandato, Marcelo Rebelo de Sousa definiu como grande objetivo até 2026 a “estabilidade política”. O Presidente não antecipava, na altura, que existissem eleições antecipadas e muito menos esperava, já depois de as ter convocado, que delas resultasse o fim da utilidade dessa meta: a maioria de um só partido. O novo ciclo político, de acordo com conselheiros do Presidente e fontes próximas ouvidas pelo Observador, vai fazer com que Marcelo deixe de ser o garante da estabilidade e passe a ser uma espécie de watchdog da maioria absoluta de António Costa. Marcelo será, assim, aquilo que o conselheiro de Estado Marques Mendes define, em declarações ao Observador, como “fiscalizador-mor do reino“.

O comentador político e ex-líder do PSD rejeita a ideia de que Marcelo Rebelo de Sousa perdeu poder ou influência com a maioria absoluta do PS. Para Marques Mendes a maioria absoluta do PS liberta o chefe de Estado de “passar uma parte grande do seu tempo a tapar buracos, a dar pontos, a remendar”, uma função “desgastante” que não lhe permitia ter outros objetivos. E é aí que vem aquilo que será o “papel principal” de Marcelo em maioria do PS.

Marques Mendes admite que o Presidente vai ter de ter um papel importante na “fiscalização de abusos e exageros que as maiorias absolutas tendem a ter”, mas que a sua grande função será a de ser um “impulsionador de reformas”, utilizando o seu magistério de influência para obrigar o PS a utilizar a maioria absoluta como um instrumento reformista.

A pressão presidencial pode ser feita através de presidências abertas temáticas ou de declarações estratégicas aos jornalistas. Para não falar, claro, em grandes discursos, sendo o 25 de Abril a primeira oportunidade para Marcelo se afirmar como o tal impulsionador reformista do País. "Só impulsionador", lembra fonte próxima do Presidente, que o poder executivo, já se sabe, é do Governo.

Uma fonte próxima de Belém aponta algumas áreas em que o Presidente poderia impulsionar essas reformas, utilizando nada mais que “o poder da palavra”: sistema eleitoral, reforma fiscal, justiça, saúde e educação. “Mais do que os poderes constitucionais, o maior poder do Presidente é a sua intervenção pública através da palavra”, acrescenta a mesma fonte. A ideia é o chefe de Estado não deixar o Governo acomodar-se à maioria absoluta e exercer pressão política para que essas reformas aconteçam.

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Essa pressão presidencial pode ser feita através de presidências abertas temáticas ou de declarações estratégicas aos jornalistas. Para não falar, claro, em grandes discursos, sendo o 25 de Abril a primeira oportunidade para Marcelo se afirmar como o tal impulsionador reformista do País. “Só impulsionador”, lembra fonte próxima do Presidente, que o poder executivo, já se sabe, é do Governo.

Voltando à função de fiscalizador-mor do reino, Marcelo Rebelo de Sousa tem sempre o poder do veto. O poder é o mesmo que tinha antes de 30 de janeiro, mas agora passa a ter um peso político diferente. Perante uma lei aprovada por um só partido do Parlamento, as atenções mediáticas (e, por arrasto, as dos eleitores ou de quem contesta a lei) viram-se sempre para o Presidente.

O poder do veto — que ganha aqui redobrada importância — tem limitações inerentes já que, se a Assembleia da República insistir na lei, o chefe de Estado tem de promulgá-la na segunda vez que lhe chega às mãos. Marcelo — à exceção dos apoios sociais, em que promulgou contra a vontade do Governo e foi travado pelo Constitucional por violar a lei travão — tem optado por um soft power: não insiste em batalhas que sabe que vai perder. Mas veta quando tem de vetar sendo, aí, um Presidente mais “carnívoro” do que herbívoro. Há ainda a fiscalização sucessiva da constitucionalidade, figura a que o constitucionalista (e constituinte) Marcelo recorre poucas vezes, mas que é outra arma para travar um Governo Costa de suporte absoluto. É o mais próximo de um sistema de checks and balances dos órgãos de soberania, à portuguesa, e em que, numa conjuntura de maioria, o Parlamento conta pouco.

A relação Costa-Marcelo “não será igual”

Os papeis vão seguramente mudar

DR/Clara Azevedo

A relação é de antigo professor e aluno. De habilidoso para habilidoso e meio. De animal político para animal político. Mas com uma hierarquia pelo meio, que se mantém, mas que passa a ser menos desequilibrada. Marcelo Rebelo de Sousa só tinha, até agora, convivido com um António Costa minoritário. Juntando o seu cargo de chefia do Estado à popularidade (reforçada nas urnas em janeiro de 2021 por quase dois terços dos votos), Marcelo nunca deixou de puxar a si os galões de primeira figura do Estado, com lhe disse no último desentendimento em junho: “Por definição o Presidente nunca é desautorizado pelo primeiro-ministro. Quem nomeia o primeiro-ministro é o Presidente, não é o primeiro-ministro que nomeia o Presidente”.

Agora o contexto mudou. Como diz ao Observador fonte próxima do Presidente, “é óbvio que a relação não será igual”. António Costa tem agora o peso eleitoral de ser a escolha de mais de 40% dos eleitores e de ter um Governo com apoio de uma maioria do seu partido. Marcelo tem sempre a sua popularidade, o facto de ser chefe de Estado e de ter sido religitimado há um ano por quase dois terços dos portugueses. Mas isso não muda a reforçada posição de António Costa.

O primeiro-ministro não perde uma oportunidade para associar a reeleição de Marcelo à relação entre ambos. Nos cumprimentos de Natal, António Costa destacou o “prazer” que tinha em trabalhar com o chefe de Estado, mas acrescentou: “É um prazer que assenta nesta experiência já duradoura, que mereceu, aliás, reconhecimento dos portugueses na sua reeleição este ano”. Mas, mais importante que isso, foi uma frase que António Costa disse que passou meio despercebida na noite eleitoral: ”

Quanto ao senhor Presidente da República o que esperamos todos é que continue a exercer o seu mandato presidencial e as suas competências próprias nos termos da Constituição, como tem habituado os portugueses a fazer e como os portugueses ainda há um ano renovaram a confiança no senhor Presidente da República para continuar a exercer. Não havemos de esperar outra coisa, com certeza.”

Parece uma frase banal, mas é um aviso à navegação e a eventuais tentativas de ingerência à Marcelo. António Costa diz claramente que o Presidente deve ter a mesma postura, mesmo que as circunstâncias tenham mudado. E destaca ainda como tem sido bom haver uma relação cordial entre Belém e São Bento, que também não vai ao ponto daquilo que Pedro Adão e Silva chamava de “Bloco central de palácios”: “Se há coisa que os portugueses têm registado é que creio que nunca houve um período tão longo da nossa história onde o relacionamento entre Presidente da República, Assembleia da República e Governo tenha sido não só tão pacífico, como tão construtivo como aqueles que têm existido nos últimos seis anos.”

Mais do que uma 'cooperação estratégica' e muito mais que uma 'coexistência pacífica', ambos têm tido -- como aconteceu na pandemia -- uma "solidariedade estratégica". É isso que agora pode estar em causa, com Marcelo a deixar de ser um membro da "equipa Portugal" e ser mais o árbitro que fiscaliza o poder de uma maioria absoluta.

António Costa prometia assim, na noite da sua maior vitória eleitoral, manter um espírito de “solidariedade institucional com o Presidente da República”. Mais do que uma ‘cooperação estratégica’ e muito mais que uma ‘coexistência pacífica’, ambos têm tido — como aconteceu na pandemia — uma “solidariedade estratégica”. É isso que agora pode estar em causa, com Marcelo a deixar de ser um membro da “equipa Portugal” e ser mais o árbitro que fiscaliza o poder de uma maioria absoluta.

O próprio António Costa legitimou essa intervenção de Marcelo antes das eleições, ao utilizá-lo como trunfo eleitoral para desmistificar o papão da maioria absoluta: “Os portugueses escolheram um novo Presidente da República. Toda a nova legislatura será exercida no mandato do Presidente. Quem acredita que uma maioria do PS poderia pisar o risco com Marcelo Rebelo de Sousa? Todos sabem que é de outra família política”. Isto apesar de, em entrevista ao Observador, Costa ter referido algo que repetiria na noite eleitoral já com a maioria no bolso: “Para já, conto comigo próprio [para uma maioria absoluta do PS não pisar o risco]”.

A relação entre ambos será assim feita de novas tensões, já que são também diferentes os papéis que cada um vai desempenhar.

O que a direita espera de Marcelo

A família política de Marcelo espera, precisamente, que o Presidente da República exerça um poder mais fiscalizador do Governo. O vice-presidente do PSD, Salvador Malheiro, disse na terça-feira à TSF que espera que o Presidente seja o “garante da estabilidade” e que consiga “fiscalizar a ação do Governo de todas as formas”, naquelas que serão “condições completamente distintas do primeiro mandato.” O dirigente do PSD destacou ainda que conta com o facto de o Presidente ser uma pessoa “ponderada”, mas simultaneamente com “coragem de intervir” quando é necessário.

O antigo ministro de Pedro Passos Coelho, Miguel Poiares Maduro também afirmou, no jornal Público, que embora a maioria liberte o Presidente do “ónus de ser o garante da estabilidade”, ao mesmo tempo “dá-lhe mais responsabilidades no escrutínio do executivo assente numa maioria absoluta”. Fica, na perspetiva do governante, com uma missão: “[O] controlo de uma certa ‘mexicanização’ do regime.”

Há uma ideia tradicional na política nacional — já algumas vezes contrariada — de que os portugueses não gostam de “colocar os ovos todos no mesmo cesto” e que preferem que em Belém esteja uma cor política diferente da que está em São Bento. À parte dessa ideia generalizada nos partidos políticos há, de facto, um historial de confrontação entre a Presidência da República e governos maioritários. Mário Soares na segunda maioria absoluta de Cavaco Silva (com episódios como a “crise dos corredores” no Parlamento ou o “caso das escutas” em Belém no final da primeira maioria absoluta de José Sócrates (que colocou fim à célebre cooperação estratégica) são exemplos de momentos de tensão entre Belém e São Bento. Uma parte do PS temia que Marcelo tivesse um segundo mandato mais escrutinador o que, até agora, não aconteceu.

 
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