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Mário Centeno. Antes da fama

As olheiras são de família (com fama de comunista), o jeito para o râguebi nasceu na faculdade. A história de Mário Centeno desde Vila Real de Santo António os conselhos lhe deixa o antigo treinador.

(Este perfil de Mário Centeno, agora reeditado e atualizado por causa da eleição do ministro para a presidência do Eurogrupo, foi publicado a 28 de novembro de 2015, quando o atual Governo tomou posse.)

O relógio já prometia namorar as 16h00. Quatro cotovelos no balcão mais seis olhos, de dois senhores e da dona de um café da Avenida da República, em Vila Real de Santo António, esperavam a tomada de posse do XXI Governo de Portugal. Sabiam que por lá andava alguém da terra, mas desconheciam quem era. O tom, tão português, era sarcástico, irónico e com requintes de malvadez. Ainda não era possível saber quem jogava em casa, se o Governo cessante, se o novo. Mas as dúvidas dissiparam-se quando começaram a disparar, qual Lucky Luke, mais rápido do que a própria sombra, quando as primeiras imagens começaram a dançar na televisão…

Olha o dos submarinos!
— Olha o Cavaco, já tomou o Xanax…
— Ohhhh, o Mota Soares, agora vai voltar para a vespa!

Bom, por esta altura já estava claro por que lado puxavam, pelo menos contra quem. Faltava saber o que aconteceria quando vissem o filho emprestado da terra. Mário Centeno nasceu em Olhão, em 1966, mas viveu em Vila Real de Santo António durante toda a infância e parte da adolescência, até aos 15 anos.

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Olha, é este, é o novo ministro das Finanças. É de Vila Real!
— É de Vila Real, mas foi para os Estados Unidos…
— Eu não sei, nunca o vi mais gordo!
— Ao menos é simpático, está para ali a rir-se para todos…
— Mas para quê 17 ministros e 41 secretários de Estado!?
— Para chularem mais! — disse alguém que por ali só passava para ir buscar mais uma mini.
— Olha, esta [Francisca Van Dunem, nova ministra da Justiça] não se ri para ninguém.
— Cuidaaaado! Dizem que manda naquilo tudo, pá!
— E é a primeira negra no Governo. É como o Costa… Não vês o Obama?

A tomada de posse do XXI Governo português foi seguida num dos cafés da Avenida da República, em Vila Real de Santo António (D.R.)

A conversa — que aconteceu há dois anos no dia da tomada de posse do novo Governo — foi serenando com o desenrolar das assinaturas e o aborrecimento da cerimónia. Antes, numa esplanada de outro café, já se ouvira: “Ele vai descer o IVA. Vai lá pedir-lhe dinheiro…” Lá dentro, alguém ao balcão preferia gritar: “O Passos Coelho já foi despedido!”, mas a conversa rapidamente evoluiu para os pontos conquistados pelo Benfica na Liga dos Campeões. No dia de tomada de posse do novo Executivo liderado por António Costa, o Observador tinha passado o dia em Vila Real de Santo António, no Algarve, para saber mais sobre Mário Centeno, o novo homem forte das Finanças.

O contexto familiar, a sugerida influência do irmão mais velho, as lições do râguebi e os desafios são algumas peças do puzzle. E as memórias, claro, a servir de cola.

Vila Real, guerras das associações de estudantes, as olheiras e histórias antigas

Esta é uma cidade simpática, desafogada e que vive calmamente. O Rio Guadiana ombreia com a belíssima Avenida da República, a protagonista entre todas as outras ruelas e vielas de sentido único que vão dar à Praça Marquês de Pombal, onde está a Câmara Municipal. Curiosamente, a autarquia está abraçada por três ruas com nomes assinaláveis: 1.º de Maio, 5 de Outubro e General Humberto Delgado. “A fachada de Vila Real de Santo António é constituída por uma série de sete quarteirões compostos pela Alfândega, ao centro, e pelas Sociedades de Pescarias, e rematados por Torreões a norte e a sul, com uma evidente função de se impor face a Espanha”, pode ler-se num cartaz. A fachada pombalina e a calçada não deixam enganar: ali acontecia Portugal há muito tempo.

3 fotos

O pequeno Mário morava algures perto do Largo da Bica, que é também conhecido por Praça da Fonte, mais recentemente renomeado Largo Lutegarda Guimarães de Caires, homenageando a poetisa e socióloga natural da cidade. Na escola secundária, a única existente nos anos 70, perto da repartição de Finanças, há quem se lembre do novo ministro das Finanças. A desconfiança inicial de funcionários e professores perante a presença do Observador, rapidamente deu lugar a simpatia e a ajuntamentos. A conversa era amena, a missão só uma: saber quem tinha partilhado o mesmo metro quadrado com um homem.

— Quem é que conhecia o Mário Centeno?
— Eu lembro-me do Luís, o irmão…
— Ó professora, você que é das mais velhas…
— Obrigado por me lembrares…
— Não se lembra do Mário Centeno?
— Sim, moravam perto de nós, ali perto do Largo da Bica.
— Aquilo está dividido, está a ver. Há o Largo da Bica e o Largo da Forca, eu era do outro lado. O teu ex-marido é que o deve conhecer.
— Mas eu lembro-me. Era bom rapaz. Bom, era como os outros. Aqui em Vila Real é tudo boa gente!
— Eu acho que ele namorava com a Judite… Ela morava perto de mim.
— Sim, também me recordo de algo. Até fiquei admirada de o ver outro dia na televisão, está muito mais velho, pesado. As olheiras dos Centenos foram sempre assim, têm aquele ar mais carregado.

As pistas eram poucas, mas o tom convidava a ficar. Até que um senhor bem-parecido, impecável, sorridente, levantou-se da cadeira e ajeitou as calças. “Sim, eu conhecia. Dava-me com o irmão, o Luís. O contexto da família era muito político. A cultura e a política existiram desde sempre naquela casa“, explicou, com os olhos mais abertos, gesto que parece conferir mais veracidade à coisa. “Até lhe posso contar uma história”, continuou. “O irmão do Mário era conotado com o PCP e chegou a levar um ou dois tiros numa rua de Vila Real. Foi em 75, penso, o Mário era pequeno. Até sei quem foi, trabalha em Faro agora. Isso foi a tribunal.” O Observador não garantiu a confirmação deste episódio. Luís Centeno é hoje economista e membro do Conselho de Finanças Públicas.

“O Mário estava na lista conotada com o PCP. Tinha o dom da palavra, era muito respeitado. O rigor, aquele que se vê hoje, leva desses tempos", lembra Paulo, um ex-colega de escola.

Quem partilhou os pátios da escola e as lutas com Mário Centeno foi Paulo, o marido de uma funcionária da escola, que surgiu através de um telefone quase por magia. “Sim, lembro-me bem dele. Na altura, nas guerras de associações de estudantes, era a ferro e fogo!”, recorda, puxando a fita atrás. “Metiam-se cartazes por cima de cartazes, era assim! Houve alturas em que chegou a aquecer…”, deteve-se, rindo, insinuando confrontos físicos. “Mas tudo se resolvia”, garante. E continuou: “O Mário estava na lista conotada com o PCP. Tinha o dom da palavra, era muito respeitado. O rigor, aquele que se vê hoje, leva desses tempos.” Quanto à paixão pelo Benfica, que salta à vista em todos os perfis escritos sobre o novo homem forte da pasta das Finanças, Paulo garante que era assunto menor. “Tenho ideia que já gostava do Benfica, mas não falávamos nisso. Só de política, de educação, sobre o que era melhor para os alunos.”

Na mesma escola, um ex-professor que agora trabalha nos Serviços de Ação Social, amigo de Luís Centeno, tem algumas pistas, mas não levanta muito o véu. “Não acredito que o pai deles fosse comunista. Naquela altura diziam que quem era contra o regime era comunista. O Luís era muito ativo, era um revolucionário como todos os garotos da idade dele”, recordou. “Eles tinham uma boa relação de irmãos, era normal.”

O restaurante Joaquim Gomes, que chegou a ser do avô de Mário Centeno (D.R.)

Com mais ou menos lembrança, com um tom mais favorável ou nem por isso, houve um Centeno que ficou imortal em Vila Real de Santo António: o avô de Mário. Joaquim Gomes, dono de um restaurante, é tido em boa conta por muita gente e ninguém o cola a uma fervorosa veia política. À hora de almoço, o Observador percorreu o centro histórico, praticamente deserta e despida, e sentou-se numa cadeira do renovado restaurante, com paredes amarelas e sem vestígios da família Centeno. O bife à casa, com um belo molho, fiambre e ovo quase fizeram esquecer o propósito da visita, mas os cabelos brancos do senhor Carlos, um funcionário discreto e eficaz, acertaram-nos o passo. “Trabalho aqui há 30 anos, mas já não apanhei o avô, só um tio. Não tenho lembranças do Mário.”

A seguir, tornou-se irresistível uma caminhada. É que estava sol, apesar do fresquinho, aquele branco das casas, a calçada, as fachadas pombalinas, o desafogo do rio, as calma das pessoas, eram tudo boas razões para por ali queimar sola. Afinal, é tentar fazer um exercício mental para imaginar a infância de um rapaz naquelas ruas estreitas, sem internet, sem consolas ou tecnologias reconfortantes. E lá fomos batendo a umas portas. Havia quem nem sequer soubesse quem é o futuro ministro das Finanças. Mas o vento a favor de Centeno mudaria quando o Observador entrou num cabeleireiro…

— Pshhhht! Pshhhhht! Nem me fale desse homem… Fora, fora, fora!

Uma repetição e dez segundos de silêncio desconfortável depois, a serenidade. O tom era áspero, crispado, prometia alguma história do passado. “A minha opinião? Não é uma pessoa simpática, não é humilde, mas também não é pessoa de se meter em barulhos e confusões. Foi toda a vida um homem de esquerda, um comunista. Eles eram todos comunistas!“, atira, empolgando-se. Ludovina é vizinha da família de Centeno e não se importa de ser identificada, pois “toda a gente” sabe como ela pensa. “Eu via o Mário em pequenino com outros colegas. Era um rapaz só, na minha opinião, era muito só. Era tímido, não é muito dado. Muitos rapazes metiam-se aqui na droga, ele não! Nunca foi pessoa que se metesse nessas coisas”, diz.

“Eu via o Mário em pequenino com outros colegas. Era um rapaz só, na minha opinião, era muito só. Era tímido, não é muito dado. Muitos rapazes metiam-se aqui na droga, ele não! Nunca foi pessoa que se metesse nessas coisas”
Ludovina, vizinha da família Centeno e proprietária de um cabeleireiro

Mas a tal crispação tem, segundo Ludovina, razão de ser. Nos tempos em que o pai de Mário Centeno trabalhou no Banco Português do Atlântico teve divergências com a família desta cabeleireira, que viu uma casa ser hipotecada. “Não tenho boas recordações, podia ter perdido uma vida de trabalho.” A má imagem que tem do pai de Centeno, admite, pode refletir-se na forma como vê Mário, alguém que diz não ser “vaidoso nem presunçoso”. Então e o avô? “Era uma excelente pessoa! Era alguém muito bem visto em Vila Real. Tinha um restaurante, toda a gente o conhecia e era simpático para todos”, diz, com um ar menos irritado. Mas a expressão fechada e revoltada voltaria: “Politicamente, [Centeno] vai ser um fracasso. Não tem expressão de político. Pode ser bom economista, mas não é político“.

A conversa com esta mulher afeta ao PSD, com discurso apaixonado e informado, navega por muitos tópicos. “Você fez-se repórter para ouvir, não é?” Pouco depois de acusar António Costa de formar um Governo ilegítimo, entrou uma cliente e amiga. “Esta é pior que eu”, avisa. Em jeito de provocação, o Observador pergunta se iriam ver a tomada de posse na televisão. “‘Tá sem sinal, homem!”, responde a cliente, já sentada e com a touca na cabeça, apontando para o ecrã negro da televisão. E estava.

Lisboa, o râguebi e o início da caminhada galopante

Mário Centeno deixou Vila Real e trocou-a pela capital aos 15 anos. A decisão da família visava permitir que os filhos fossem para a faculdade e ganhassem ferramentas para vingarem na vida, conta a Visão. Ao liceu Patrício Prazeres, seguiu-se o Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Seria aqui que Mário, um muito competente aluno, alinharia na aventura do râguebi, levado pelo irmão Luís.

“O Luís era mais gordinho, era mais forte — jogava a avançado. O Mário era magro, não era muito alto e começou a treinar com os [da posição] três quartos. Ele corria muito, tinha uma boa velocidade”, começa por recordar José Carlos Simões ao Observador. Este arquiteto lembra Centeno como alguém “muito reservado e muito tímido”, eventualmente por ser dos mais novos da equipa. “Mesmo fora do campo, quando convivíamos, ele ficava envergonhado quando brincávamos com ele.”

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José Carlos lembra que Centeno acabava sempre por ser dos melhores marcadores, graças à velocidade. “Era um bom amigo, bom atleta, mas não fantástico. Tinha uma velocidade apreciável, tinha alguns pontos fracos, talvez fruto do percurso académico. Faltava aos treinos, não era muito assíduo. Jogava a três quartos e ficava esquecido lá [na frente] muitas vezes. Faltava-lhe agressividade, mas fazia muitos ensaios.” Quanto à forma como reagia na hora da vitória e do fracasso, José Carlos lembra alguém pouco expressivo, pouco emocional.

O râguebi do Económicas era “uma equipa de rapazes de Economia, e não só, que tinha começado a sua atividade nos anos 60, 70”, explica Francisco Mesquita, antigo jogador-treinador. “Essa equipa acabou e regressou nos anos 80. Esta rapaziada foi o renascer de uma equipa que já tinha existido na segunda divisão.” E de Mário Centeno, que lembranças? “Penso que o treinei quatro anos, entre 86 e 90. Era dos mais jovens da equipa, um rapaz de 20 anos. A maioria era mais velha. Era alegre, um tipo muito educado, de trato muito fácil, mas não era extrovertido. Era um bocado tímido. (…) Estudava no ISEG, fazia parte da associação de estudantes. Ele era fundamental, porque conseguiu uma verba para pagar ao treinador. Era ele quem me dava o cheque, acho que os outros jogadores nem sabiam disso.”

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Francisco Mesquita jogou no Benfica muitos anos e levou alguns jogadores depois para vestir a camisola do Económicas. O futebol, mais uma vez, não era assunto e a paixão pelo Benfica, hoje tão famosa, não dava sinais nos radares dos colegas. A curiosidade, pela origem e influência por tal amor, deve-se ao facto de Mário Centeno ter dito à Visão que o clube e a sua família são as únicas coisas que o definem. Afinal, o novo ministro das Finanças nasceu em 1966, ano de consagração de Eusébio e de uma seleção composta por muitos jogadores do clube da águia. Mais: o benfiquista natural de Olhão nasceu a 9 de dezembro, entre duas vitórias do seu Benfica: 3-1 vs. Sanjoanense e 3-0 vs. CUF. Eusébio marcou quatro desses seis golos. O primeiro onze do Benfica com Centeno vivo contou com Nascimento, Cruz, Jacinto Santos, Raúl Machado, Coluna, Cavém, Jaime Graça, José Augusto, Eusébio, José Torres e Iaúca​. O treinador, futuro campeão, era o chileno Fernando Riera.

As memórias, as brincadeiras, as fotografias e os convites para jantar vão surgindo num grupo de Facebook, onde os elementos da equipa estão inseridos. Há até uma história engraçada relativamente a este grupo. “Quando queríamos marcar o Mário Centeno, alguém marcou um Mário Centeno que é cantor mexicano!“, conta bem disposto José Carlos. Desde a tomada de posse, alguns deles já vão lançando umas graçolas e já se referem ao senhor da fotografia como “senhor ministro”, pedindo algum respeito.

O três quatros ponta — é este o nome da posição em que atuava no râguebi — concluiu o ISEG com 16 valores. No perfil escrito pelo Sol, é descrito como um aluno brilhante, que terá sido influenciado pelos professores Vítor Constâncio e Maria Teresa de Almeida, que optou por não falar com o Observador. Seguiu-se um mestrado em Matemática Aplicada no ISEG (1993) e mais um em Economia (1998), em Harvard (ver aqui o seu currículo no portal do Governo). Com 27 anos, já casado e com um filho — teria mais dois — a sua vida tomaria um rumo que mudaria para sempre o seu destino.

Harvard, Banco de Portugal e XXI Governo de Portugal

“Em Harvard fizeram-nos sentir que tínhamos a obrigação de desempenhar um papel de confluência entre a política e o mundo académico. Crescer em Vila Real, ver Espanha ali do outro lado do Guadiana, gerou uma enorme curiosidade em mim, e fez com que quisesse aprender, viajar, aprender idiomas. Gosto de expandir as minhas fronteiras, interagir com outros mundos, encontrar outras maneiras de ver as coisas”, disse Mário Centeno ao El Español, em 19 de novembro de 2015.

E foi isso mesmo que lhe pediram: um jogo de anca de alto gabarito para esboçar um programa de Governo que permitisse piscar o olho à esquerda, puxando para o mesmo barco Bloco e PCP, enquanto não deixava o centro e as responsabilidades europeias fugirem aos pés do PS. A esta jigajoga política juntaram-se ainda a movimentação nos bastidores para sossegar os tão badalados “mercados” e a declaração taxativa de que “acabou a austeridade em Portugal”. O primeiro desafio estava à vista: tranquilizar a Europa prometendo um cinto menos apertado aos portugueses. Não se livraria, no entanto, de uma colagem, inevitável para muitos, qual reflexo de Pavlov, à primeira versão de Alexis Tsipras e ao fracasso do Syriza. Garantiu, em entrevista à RTP3, a 11 de novembro, que Portugal não seguiria as pisadas da Grécia. “Definitivamente, não.”

O doutoramento em Harvard, entre 1995 e 2000, transformou-o. “Foi uma revolução na minha forma de ver a economia em quase tudo. Tornei-me muito mais sensível à relação entre a economia e as pessoas“, disse à Visão. De volta a Portugal em 2000, foi convidado para integrar o Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal. Por lá ficaria entre 2000 e 2013. Neste último ano, Mário Centeno, que já era diretor-adjunto desde 2004, tentou ascender ao pináculo da instituição. Sem sucesso: a versão oficial apontava que os candidatos não reuniam os atributos necessários, mas paira no ar que tal não aconteceu devido às suas posições menos discretas. Finalmente, em 2014, Carlos Costa indicou-o para consultor da administração.

“[Harvard] foi uma revolução na minha forma de ver a economia em quase tudo. Tornei-me muito mais sensível à relação entre a economia e as pessoas”, disse Mário Centeno à Visão

O seu currículo no portal do Governo informa ainda que Centeno teve outros cargos relevantes: membro do Comité de Política Económica da Comissão Europeia (2004-2013); presidente do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento das Estatísticas Macroeconómicas, no Conselho Superior de Estatística (2007-2013); professor catedrático do ISEG; membro do Editorial Board do Portuguese Economic Journal (desde 2001); membro do Executive Committee da European Association of Labor Economists (2003-2005).

Chris Foote, um dos três orientadores da sua tese de doutoramento em Harvard, recorda-o com palavras simpáticas. “A minha relação com o Mário não era muito próxima, não fui o orientador principal”, comentou ao Observador o professor da conceituada universidade norte-americana, numa troca de emails. “No entanto, lembro-me do estudante Mário como excecionalmente amigável e humilde, assim como alguém dedicado. O Mário convidou-me para dar um seminário no Banco de Portugal pouco depois de ser contratado. Ele pareceu-me alguém que se importava profundamente em fazer um bom trabalho de pesquisa para o banco. Embora as minhas interações com o Mário tenham sido limitadas, especialmente recentemente, estou orgulhoso por ter estado no comité de tese dele, e não estou surpreendido que tenha ascendido a uma posição de destaque de serviço público.”

António Costa e Mário Centeno (Mário Cruz - LUSA)

MÁRIO CRUZ/LUSA

A sua especialidade é o mercado de trabalho. As investigações e livros publicados, nomeadamente “O Trabalho, uma Visão de Mercado”, com Álvaro Novo, tornaram-no alguém influente na temática. O novo ministro das Finanças considera, no livro, que a má qualidade das instituições portuguesas poderia ser resolvida com uma simplificação contratual e pela criação de incentivos para investimentos das empresas e trabalhadores. Centeno defende um contrato único de trabalho e recusa o aumento do salário mínimo, por exemplo, algo que o levará eventualmente a chocar de frente com a esquerda clássica. Por essa razão e outras posições, há quem diga que é liberal, como explicou o Dinheiro Vivo.

Mário Centeno acabaria por ser convidado por António Costa para coordenar e liderar o programa macroeconómico do Partido Socialista, que resultou de reuniões e debates entre 12 economistas. O novo ministro e o novo primeiro-ministro conheceram-se em 2007, segundo o Sol, pela mão de Fernando Medina, o sucessor de Costa na câmara de Lisboa. E esse triângulo só teve lugar porque Vieira da Silva, novo ministro da Segurança Social, convidou o economista para a Comissão do Livro Branco sobre as Relações Laborais, que existiu entre 2006 e 2007, contou a Visão.

Uma das primeiras aparições de Mário Centeno como homem forte de Costa, quem sabe até como futuro ministro das Finanças, desenrolou-se com tanto mediatismo que o terá feito acusar a pressão. Esqueceu e trocou números, parecia nervoso, riu-se como quem está perdido. Estava sozinho e precisou de uma muleta que estava longe das câmaras.

Entretanto, as entrevistas e posições passaram a ser mais sólidas e fluidas. É mais político. Mas qual é, afinal, o estilo de comunicação de Mário Centeno? “Pareceu-me, nalgumas intervenções, nomeadamente no Parlamento, que não só apresenta o perfil técnico, como também um discurso mais político“, começa por analisar ao Observador o politólogo e professor António Costa Pinto. “Em relação a Vítor Gaspar, a diferença é evidente. No entanto, o facto de ir desempenhar as funções de ministro das Finanças apontará para ter um modelo de mensagem mais técnico, muito embora, pelo que temos conhecido até agora, aqui e acolá, haverá uma retórica mais política”, explica.

E como o veem lá fora? O El Español, o jornal digital espanhol onde, numa entrevista, foi taxativo quanto ao fim da austeridade, descreveu-o como o “negociador Centeno”. E mais: “Com o seu desordenado cabelo cinzento, bons modos portugueses e um enorme sorriso, o deputado socialista Mário Centeno parece ser a pessoa menos conflituosa do mundo. O seu ar de professor cordial transmite tranquilidade, e, apesar da tensão a que está sujeito, o ex-conselheiro do Banco de Portugal mostra-se relaxado nesta sala (…)”.

A Bloomberg preferiu vincar o doutorado em Harvard que promete que Portugal não será “definitivamente” como a Grécia. A Reuters anunciou-o como um especialista em mercado de trabalho, que fez o doutoramento em Harvard. As opiniões sobre o mercado de trabalho, nomeadamente quanto à oposição à subida do salário mínimo e excessiva proteção do trabalho, mereceram destaque da agência noticiosa. Já o Político quis vincar também a distância que Centeno quis marcar em relação à Grécia, referindo que não será um ator que lutará contra a ortodoxia europeia. O título do artigo é “Portugal’s new finance minister is no Varoufakis” (O futuro ministro das Finanças de Portugal não é um Varoufakis). O Político chamou-lhe ainda “arquiteto do programa económico do Partido Socialista”, com um tom “mais sóbrio” do que o extravagante observado no ex-ministro das Finanças grego. E este jornal assume: podem estar céticos, mas os ministros das Finanças da zona euro não enfrentarão um choque cultural que se observou com o Syriza.

“É um perfil muito comum em vários ex-ministros das Finanças, entre académico e Gabinete de Estudos do Banco de Portugal. O seu perfil académico é mais próximo, curiosamente, de ministros das Finanças do PSD, como Braga de Macedo e Miguel Beleza”, explica o professor António Costa Pinto

O perfil de Mário Centeno, analisa Costa Pinto, não se distancia do que tem sido a fornada de ministros das Finanças. “É um perfil muito comum em vários ex-ministros das Finanças, entre académico e Gabinete de Estudos do Banco de Portugal. O seu perfil académico é mais próximo, curiosamente, de ministros das Finanças do PSD, como Braga de Macedo e Miguel Beleza“, explica. À exceção de Maria Luís Albuquerque, que “iniciou carreira no PSD e foi deputada”, Costa Pinto considera que, normalmente, a atuação dos ministros das Finanças com este perfil é mais técnica.

E se Francisco Mesquita pudesse voltar a ser treinador de Mário Centeno, o que lhe diria? Com sorrisos pelo meio, agarrou-se às lições do passado. “Diria que seguisse os princípios que ele aprendeu no râguebi, que seriam úteis: a perseverança e coragem. É ir em frente. Ele tem é de ter uma atitude muito frontal. Um ministro das Finanças tem de estar na primeira linha, não pode ceder. É isso que tem de fazer, seria o meu conselho.” Dito isto, a bola (oval) fica do lado do novo ministro das Finanças, Mário José Gomes de Freitas Centeno, 49 anos, natural de Olhão.

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