“Eu sei que querem ouvir-me falar do Fifty Seconds Martín Berasategui, mas gosto sempre de explicar de onde venho, primeiro” — foi desta forma que o cozinheiro espanhol com mais estrelas Michelin (oito, no total) começou a apresentação oficial do seu novo projeto lisboeta que vai morar no topo da antiga Torre Vasco da Gama, atual hotel Myriad. Com data de inauguração prevista para outubro de 2018, este Fifty Seconds Martín Berasategui é uma das novidades gastronómicas mais aguardadas dos últimos tempos — afinal, é a primeira vez que um dos maiores chefs do mundo decide aventurar-se, a título próprio (o peruano Diego Muñoz veio para Lisboa em parceria com José Avillez), em terras lusas. Contudo, muito antes desta recente visita do basco, o Observador foi ter com ele a Barcelona, ao Lasarte (um dos seus dois restaurantes com três estrelas), para conhecer melhor o homem que diz ter nascido para ser cozinheiro porque em pé tem o mesmo tamanho que os clientes que estão sentados.
Na sala privada do restaurante catalão, emoldurado pela janela de vidro que dá para a cozinha, Martín Berasategui falou, emocionou-se e até roubou o caderno de apontamentos do Observador para explicar a curiosa história por trás da sua assinatura (mais sobre isso dentro de umas linhas).
No final dessa noite, depois de mostrar um pouco daquilo que é a sua cozinha, o chef sentou-se ao balcão do bar do Monument, o hotel onde mora o Lasarte. “Não te esqueças de uma coisa muito importante!”, disse antes de se despedir. “Na vida não se conquista nada sem garrote!”, continuou. A expressão utilizada, que já se tornou numa espécie de catchphrase (é “um símbolo de positivismo, força, garra. Fome de fazer as coisas bem”), fez-se seguir de um “agora vemo-nos em Lisboa”.
[Vídeo de apresentação do projeto lisboeta de Berasategui]
Uma taberna, a escola da vida
“Os restaurantes são a minha vida desde que nasci”, começa Martín por explicar. Nascido na cidade basca de San Sebastián, o cozinheiro de 58 anos (nasceu a 27 de abril de 1960) é descendente de uma família intimamente ligada à comida. “Eu sou da parte velha de San Sebastián. No mesmo quarto onde dormia eu e a minha irmã dormiam também as empregadas de mesa que trabalhavam no restaurante da minha família, o Bodegón Alejandro”, conta. Entusiasmado, o chef desencosta-se da cadeira, põe as mãos em cima da mesa e continua a explicar que moravam no andar de cima dessa tal “casa de comidas populares”. “Descias 25 degraus e à tua esquerda havia uma sala de refeições. Ao fundo ficava a cozinha ‘a carvão’ onde estava sempre imenso calor — foi aqui que comecei a aprender a cozinhar.”
O pai de Martín, que “muita gente acha que era cozinheiro” mas na verdade “era talhante”, aprendeu o seu ofício no Mercado de la Bretxa, que ficava “a 50 metros” do Bodegón Alejandro. “Ele [o seu pai] era o mais popular do Bodegón, comandava as grelhas enquanto as cozinheiras eram a minha mãe e a minha tia. Ele é que era o famoso, o que tinha o dom de falar com as pessoas. Os amigos dele enchiam o restaurante e era nas mesas que acontecia tudo, até apostas em desportos rurais como cortar troncos, levantar pedras…”, foi explicando. “Não imaginas como era ser criança num ambiente desses em que nem sequer havia uma televisão a preto e branco, nada”, disse. As mesas de que Martín falava funcionavam quase como estratos sociais: havia a dos pescadores, a dos talhantes, dos taxistas… Todos os dias, religiosamente, dezenas de homens “de bigode” invadiam o restaurante depois de largarem o trabalho. O próprio chef, quando saía da escola, ia a correr para o Bodegón enquanto os seus amigos “iam para casa brincar”. Emocionado, Berasategui diz que “aquele restaurante era a minha casa, a minha universidade, o meu tudo.”
Quem nasce num meio onde toda a gente faz e sempre fez a mesma profissão — como era o caso de Martín e a restauração –, pode criar uma aversão natural a esse status quo, mas neste caso, tal nem chegou perto de acontecer. Olhando para a forma solta, confiante e bem-disposta como o chef circulava pela sua cozinha poucos minutos antes da conversa como Observador, era bastante óbvio que o espanhol nasceu para trabalhar na restauração. Falava com toda a gente das suas brigadas, dava dicas sobre a melhor forma de empratar as manteigas do couvert (pequenos tubos coloridos colocados sobre uma pedra polida), inspecionava os lombos de vaca que seriam servidos ao jantar… Tudo isto com o ar de quem queria poder fazer tudo ao mesmo tempo, meter as mãos em todas as massas e fazê-lo de sorriso rasgado. Esta forma de ser tão particular, confirmou Martín, começou a moldar-se no restaurante que ainda hoje existe, na mesma ruela que nasce da Praça Bretxa, mas que entretanto saiu das mãos da família Berasategui (“só fiquei com uma mesa de madeira, tenho-a no meu escritório”). “Quando és muito miúdo és como o miolo do pão, absorves tudo e , aos poucos, vais ganhando a côdea, que aparece com o decorrer da vida. Eu ganhei a minha côdea a ouvir os amigos do meu pai falar, lá no restaurante. Todos contavam-me da sua vida, ouvia histórias impressionantes que nunca mais esqueci.”
A conversa seguia a bom ritmo quando de repente o semblante de Martín fica mais carregado. Olhando para o vazio, atira: “Eu tenho o mesmo nome que o meu pai, sabias? Ele também se chamava Martín Berasategui.” Os seus olhos humedeceram e começou a falar do “grande azar” que teve quando ainda era miúdo, um eufemismo que remete à grave e misteriosa doença que, aos poucos, lhe roubou o pai. “A única pessoa que não viu nada do que consegui conquistar ao longo destes anos foi ele. Todos os meus familiares viveram muitos anos, tanto da parte do pai como da parte da mãe. Ele não”, conta. Ainda hoje, revolta é aquilo que sente sempre que fala deste tema — “Quando queres fazer algo na vida, trabalhas e quando achas que tudo corre bem, a saúde falha-te, bolas…” — mas, ironicamente, foi a partir desta tragédia pessoal que a sua vida começou a mudar.
Todos sempre disseram que pai e filho eram iguais, não só no nome mas também na forma de ser, “todos despachados”, “teimosos” e com “uma cabeça tramada”. A junção destas semelhanças com o facto de Martín “ser o único interessado no ofício”, aquele que desde cedo se dispôs a abdicar “de muita coisa” para poder ser cozinheiro, fez cair no chef todo o peso psicológico do “ter de andar para a frente”, de levar consigo “o carácter da família” e de ajudar a mãe e a tia. “Quando perdemos o meu pai, sendo jovem e tendo ganas, percebi que tinha de passar a ser o primeiro a levantar-me e o último a ir dormir, que tinha de lutar como um cabrão. Se não o fizesse, nunca conseguiria calçar os mesmos sapatos que ele.” Seria a partir daqui que a carreira gastronómica de Martín Berasategui começava a nascer.
Tirar a merda trouxe a estrela
Começava a primeira semana de setembro de 1975 quando Gabriela e María decidem ter uma conversa com Martintxo (o petit nom de Martín). Ainda meio abalado com a morte do pai, o adolescente baixinho de 15 anos senta-se à mesa (a tal de madeira que ainda hoje guarda) com as duas matriarcas, mãe e tia, respetivamente. “Ainda hoje me lembro perfeitamente daquilo que elas dissera: ‘Queres ser cozinheiro? Amanhã vens connosco às oito da manhã e ficas até à noite, quando acabarmos de trabalhar lá para as 24h ou 00h30′”. Convencidas de que não iria aguentar o rimo duro da cozinha, as duas mulheres desafiaram o jovem rebelde que de vez em quando vendia revistas porno à socapa para ganhar uns trocos.
Ao contrário do que as suas orientadoras achavam, o jovem Martín deu-se muito bem. Trabalhava mais de 12 horas seguidas, quase todos os dias, e isso era algo de excecional, tendo em conta que a sua carreira escolar, por exemplo, que esteve longe de ser bem sucedida — “Aquilo que me tentavam ensinar na escola era uma seca, aborrecia-me muito. Com os clientes do Bodegón isso não acontecia, sentia que eles me enriqueciam muito mais. Aquilo podia ser a minha casa, mas também era a deles.” Dois anos depois da tal conversa que o pôs, oficialmente, a cozinhar, Martín começava a dar um passo importantíssimo. “Com 17 anos tive a oportunidade de usar o meu dia de descanso semanal para ir à França aprender com o pasteleiro Jean-Paul Heynard. Fui o primeiro espanhol a ter aulas com ele”, disse o cozinheiro. Essas primeiras aulas no mundo dos bolos e sobremesas acabaram por dar lugar a umas outras de charcutaria, de padaria e assim sucessivamente. Meio tímido e sem dominar o francês, o jovem Martín ia aceitando que “não podia ser como os outros” e “tinha de trabalhar, estudar muito”. E assim foi: manteve este registo, durante 12 anos, deslocando-se a terras gaulesas para aprender sempre que tinha folgas ou férias. Hoje, apesar de reconhecer o incalculável valor desta fase na sua vida, Berasategui não consegue esconder alguma melancolia: “Tenho recordações dessa altura super, super bonitas, mas olhando para a vida, percebo que tive de amadurecer muito mais cedo do que qualquer outra pessoa da minha idade.”
Em 1981, quando Martín já levava seis anos de Bodegón Alejandro, a famosa mesa de madeira volta a ser chamada ao barulho para conversas importantes, a diferença é que desta vez foi o basco a querer desafiar as matriarcas. “Mamã, tia, trabalharam como leoas, eu tenho estaleca para levar isto em frente. Quero que descansem.” E foi assim que a casa popular de comida mudou de mãos. No pico máximo da sua impetuosidade e dedicação, aos 21 anos, Berasategui e Oneka, a sua namorada na altura e atual mulher — “Estamos juntos desde os 17 anos, ela é 50% de todo o sucesso que já alcancei. Não conto muitas coisas da minha vida pessoal por causa da timidez e do facto de me emocionar com facilidade, mas digo-te, ela deixou os estudos para se meter na comida comigo. Pouca gente sabe isto.” — assumem o controlo das operações.
[Vídeo interativo onde o próprio Berasategui mostra o seu restaurante homónimo]
“Assim que fiquei com o restaurante decidi corrigir alguns problemas que sempre tinham existido no Bodegón”, começou o chef por dizer. Segundo a sua descrição, a cozinha ficava num piso inferior e o único WC que existia morava no topo deu mas escadas. “Não haviam canalizações de jeito, por isso, a cada 15 dias, amigos do meu pai levavam umas bombas para tirar a merda toda que se tinha acumulado na fossa.”, explicou. Este problema, a par da cozinha pequena demais, foi aquilo que Martín quis resolver mais rapidamente. O resto foi acontecendo.
Aos 25 anos (Oneka tinha 23), a sua vida volta a dar uma cambalhota quando o avisam de que o Bodegón Alejandro tinha ganho uma estrela Michelin. Muito mais tarde, Martín veio a saber que o guia já o seguia desde os 20 anos, mas naquela altura, tudo pareceu demasiado incrível para ser verdade. “Nunca na minha vida imaginei que aquele Bodegón viesse a receber uma estrela. Foi uma super surpresa que me fez sonhar e perceber que aquele sítio era limitado para continuar a crescer.” E foi assim que os seus olhos se viraram para um terreno na terra natal dos país, Lasarte-Oria, que fica nos arredores de San Sebastián. Seria aí que nasceria o seu atual porta-estandarte, o restaurante chamado Martín Berasategui que lhe deu as primeiras três estrelas.
É nesse imponente espaço feito à medida que mora o centro nevrálgico do império MB (tem um banco de provas, uma produtora,…) que já soma mais de 15 restaurantes em várias partes do mundo. Oficialmente foi inaugurado em maio de 1993 e em novembro do mesmo ano ganhou a primeira estrela Michelin. A segunda apareceu em 95 e, finalmente, a tão desejada terceira chegou no ano do sexto aniversário, em 1999.
Estes miúdos são frescos
O telemóvel de Martín toca: “Desculpa, não costumo interromper estas coisas, mas é a minha filha. Deixa-me só ver se está tudo bem”, explica. “Sim, querida, não te preocupes, falamos depois que agora estou numa entrevista, OK? Beijinhos.” Ane Berasategui começou a trabalhar com o pai há sensivelmente dois anos, e é a prova de que este chef se mantém fiel à base familiar que sempre levou em frente os negócios da família. “Nunca te podes esquecer de onde vens. Quem enche o peito a dizer que é autodidata é um merdas, aprendemos sempre com alguém! Eu aprendi muito com a minha família, primeiro, e depois com outros mestres cozinheiros. Não podes ser um mal agradecido”, explica. De facto, o respeito pelo passado é algo que Martín leva muito a sério e acompanha-o em todo o lado — ou melhor, em todos os restaurantes. De sorriso matreiro nos lábios, o basco começa a explicar que como não era muito bem sucedido na escola, muitas vezes tinha de forjar a assinatura do pai, seu homónimo. Quando chegou a altura de definir a sua própria marca, estes episódios tiveram o seu peso: “A minha assinatura é uma homenagem ao meu pai, elas são praticamente iguais. Todos os 15 restaurantes que tenho pelo mundo tem sempre uma ligação à marca do meu pai, seja na assinatura completa seja em letras específicas, que surgem sempre no mesmo lettering que a mão dele fazia.”
Esta espécie de código que Martín foi espalhando tornou-se tradição — e já não se restringe apenas ao falecido progenitor, como o cozinheiro depois explicou: “A minha tia morreu há dois anos, o apelido dela era Olazabal. Nos últimos tempos, sem contar com Lisboa, tive dois novos projetos: o Ball em Madrid, no Estádio Santiago Barnabéu, e o Ola, em Bilbao. Os nomes desses dois sítios nasceram do apelido da minha tia — no caso do do Real Madrid, o Florentino obrigou-me a juntar-lhe mais um “l”. Caso para dizer que se esta forma de batizar for para ser levada mesmo a sério, o próximo espaço do chef chamar-se-à “Za”, seguramente.
À medida que a conversa ia abandonando temas do passado, o chef começou a abrir-se mais sobre muito daquilo que considera errado nos dias de hoje. Uma das coisas que começou logo por destacar foi, por exemplo, a forma impressionante como a ideia de “ser cozinheiro” mudou drasticamente desde que ele tinha começado. Muito antes de todo o alarido que hoje em dia se dá aos chefs de cozinha, esta profissão (ou arte, como tantos a consideram) tinha tudo menos o glamour a que hoje lhes associamos. Apontando para o autêntico batalhão de miúdos cozinheiros que se via da janela, Martín começa a dizer: “Antigamente, quando dizias que querias ser cozinheiro, toda a gente achava que eras uma merda e que só por causa disso é que ias para a gastronomia, um ofício menor. Além do mais, este é um ofício duro e muitos pais não queriam isso para os filhos. Agora é o contrário, se um miúdo hoje te disser que quer ser cozinheiro é quase o mesmo que ser um médico. Antes ninguém sabia quem eram os cozinheiros, era um tipo que ficava preso em quatro paredes e pronto. Olhando para as coisas de hoje, 43 anos depois desde que comecei, é impossível não ficar espantado com a forma como as coisas mudaram completamente.”
Hoje abrem restaurantes novos quase todos os dias, qualquer pessoa que faça bifanas numa roulotte, por exemplo, seguramente usa uma jaleca branca e é tratada por chef. “Nos anos 80, se por acaso saísse uma notícia qualquer sobre um cozinheiro, tinhas de esperar uma década para que isso voltasse a acontecer. Hoje, qualquer pessoa que faça uma coisinha qualquer já aparece em todo o lado.” Mas isto é necessariamente mau? “Claro que não”, muito pelo contrário: “Isto só mostra que os jovens cozinheiros vivem na velocidade correta dos dias de hoje.”
Qualquer pessoa que visite a cozinha de um restaurante de fine dining ficaria impressionada pela baixíssima média de idades de quem lá trabalha. Rapazes e raparigas entram muito cedo nesta vida — um bocado como antes, embora em muito maior escala — e aos 17/18 anos já estão a fazer turnos de 12 horas e a folgar um (se tanto) dia por semana. Martín reforça a ideia de que ele foi assim também, que começou “a ser aprendiz de cozinheiro aos 17 anos”, que “trabalhava seis dias por semana” e que, ainda assim, “aproveitava todas as folgas para ir aprender mais”. As duas realidades descritas, a de “ontem” e a de “hoje”, podem parecer semelhantes, mas o chef é assertivo ao dizer “nunca vi uma juventude que valesse tanto com esta.”
“Qualquer cozinheiro da minha geração que diga que nós éramos como eles são hoje é um mentiroso. Sim, tínhamos de trabalhar muito, mas hoje é diferente. Não concordo nada, por exemplo, com o argumento que muitos usam de que estes novos cozinheiros não se esforçam. Como podem dizer isso se centenas de miúdos e miúdas vem de todos os cantos do mundo (muitas vezes sem conhecer absolutamente nada nem ninguém do sítio para onde vão) para trabalhar connosco?” Facilmente se nota que os miúdos de hoje são algo pelo qual Martín tem imensa estima. Descreve-os como sendo “muito mais frescos” do que ele era naquela altura e a tecnologia, por exemplo, é um grande fator que justifica tudo isto — “ela dá-te muito mais do que aquilo que nós conseguíamos terna altura”. Esta linha de pensamento acaba por explicar aquilo que Martín acha ser um dos grandes segredos do seu sucesso atual: ” Unir a minha experiência com a frescura deles.”
As estrelas e a equipa
O sucesso e a forma de o atingir foi o tema principal das últimas perguntas que o chef respondeu, lá naquela espécie de sala/aquário onde as horas passaram em forma de conversa. Ora como no mundo da cozinha nenhuma outra distinção é tão sinónimo de vitória como as estrelas Michelin, começamos por ai mesmo. “Quantas pessoas conheces que passem a vida inteira a viajar para comer nos melhores restaurantes do mundo?”, pergunta Brasategui assim que começámos a tocar neste tema. “Ninguém, muito provavelmente”, responde logo de imediato. Esta pergunta retórica lançou a sua teoria sobre o famoso “Guia Vermelho”. Martín defende que não há quase ninguém que tenha tanto contacto com o mundo da alta gastronomia como a Michelin e os seus inspetores e isso, para ele, é a prova definitiva de que não há melhores avaliadores do que eles.
Muitos defensores de que a Michelin é um guia desatualizado e pouco moderno nos seus critérios de avaliação vão certamente discordar desta visão das coisas, mas Martín não quer saber disso para nada. Aquilo que o irrita em relação às estrelas, isso sim, são algumas posições que colegas seus adotam em relação às famosas distinções — como a de que elas são sinónimo de pressão.
“Quando me falam disso fico passado! Pressão? Qual pressão? Eu tenho como filosofia a ideia de desfrutar tudo o que a vida me dá, estou aqui a falar contigo com todo o gosto, e espero que sintas que tens aqui um amigo que se está a abrir contigo para que o conheças melhor. Sou assim sempre: como filho, neto, irmão… Quando és assim é muito bonito. Se cozinhar é aquilo que te faz feliz, se amas a tua profissão, como podes sentir que ela te pressiona? O amor que tens por aquilo que fazes sente-se “do outro lado”, mesmo que não falem contigo e provem só a tua comida. A felicidade transporta-se.”
O chef é um feroz defensor da ideia de que a vida está para aqueles que lutam e este tema da suposta pressão, para ele, mostra uma total ausência desse instinto: “Quando oiço essas balelas da pressão só vejo uma falta de raça tremenda, uma falta de superação pessoal.” Martín volta a usar a família como exemplo explicando que os avós dele “vieram dos montes”, sem saber falar castelhano (“só sabiam o basco cerrado das aldeias mais isoladas”) e arriscaram tudo por uma vida melhor. Na sua lógica, esta fome de vencer, de nunca desistir, é a chave-mestra da vida. “Tens de ter raça. Não posso chegar aqui a Barcelona sem a enorme vontade de dar felicidade às pessoas que fazem tudo acontecer.” — e assim chegávamos ao último tema da conversa, as suas equipas.
“Eu, sozinho, não sou absolutamente nada. Nunca me vais ouvir a falar no ‘Eu’. Martín Berasategui somos todos nós, sem eles, não valho uma merda. E todos os outros grandes cozinheiros são assim também, se te disserem o contrário, estão a mentir-te.”, atira logo de rompante. O chef emprega várias centenas de pessoas um pouco por todo o mundo e é incansável na defesa de todas elas. Sem qualquer prurido afirma: “Eu sou um montão de gente, eu sou todas as pessoas que trabalham comigo, sem eles não sou nada.”