Miguel Guimarães, primeiro vice-presidente da bancada parlamentar do PSD e antigo bastonário da Ordem dos Médicos, não teria colocado o lugar à disposição se fosse ministro da Saúde, ainda que entenda que Ana Paula Martins vai ter de tomar a decisão que “achar mais adequada” quando houver conclusões das investigações que estão em curso às mortes que poderão ter sido causadas pelos constrangimentos anormais do INEM durante a greve. “Será sempre uma decisão da ministra da Saúde ou do primeiro-ministro”, aponta.
Em entrevista ao Observador, no programa Vichyssoise, recorda, ao mesmo tempo, que houve uma cadeia de decisões que vão para lá da ministra da Saúde e sugeriu que será Ana Paula Martins a fazer uma “avaliação” e a “tirar conclusões” sobre o grau de responsabilidade da sua secretária de Estado e do próprio presidente do INEM, que decidiu não reforçar os serviços mínimos.
O antigo bastonário da Ordem dos Médicos comenta ainda a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa, reconhecendo que a pressão do Presidente da República é “muito grande”. “É o estilo a que o nosso Presidente da República nos habituou”, relativiza.
Miguel Guimarães fala ainda sobre o seu próprio futuro político e, com uma abertura surpreendente, não esconde: “Se me for lançado o desafio, obviamente que, muito provavelmente, poderia aceitá-lo. Mas depende das circunstâncias, como é óbvio”.
[Ouça aqui a Vichyssoise com Miguel Guimarães]
“Ministra tomará a decisão que achar mais adequada”
A conjugação de duas greves provocou constrangimentos anormais no INEM que podem estar associados a 11 mortes. Antes de ser deputado, é médico e foi bastonário da Ordem dos Médicos. Se estivesse no lugar da ministra da Saúde, teria colocado o seu lugar à disposição?
Acho que não. A ministra da Saúde tem de resolver a situação do INEM e foi isso mesmo que foi dizer ao Parlamento. As mortes que aconteceram estão a ser investigadas e temos de aguardar serenamente .
Se ficar provado que uma ou mais mortes estão de facto relacionadas com esta greve, a ministra tem outra alternativa a não ser apresentar a sua demissão?
Será sempre uma decisão da ministra da Saúde ou do primeiro-ministro. Mas aproveito para recordar que o INEM vai tendo falhas nos tempos de resposta. As pessoas provavelmente não sabem isto, mas os tempos de resposta definidos quer em termos de atendimento, quer em termos de mobilização do meio de socorro, nem sempre se conseguem cumprir por vários motivos: o técnico vai fazer algumas perguntas, existe um algoritmo para perceber exatamente o que é que se passa e que meio é que vai ser mobilizado para prestar socorro, o tempo de atendimento da chamada, o meio adequado pode não demorar exatamente o tempo que está previsto por vários motivos que são conhecidos – o trânsito, por exemplo… Se um ministro da Saúde for demitido ou se demitir porque ocorreu uma morte numa situação em que o INEM foi ativado… Não conseguíamos ter ministros durassem mais de dois ou três meses. Infelizmente, estas situações podem acontecer. O INEM pode até ser devidamente ativado, pode correr tudo dentro do que é esperado, e mesmo assim não se conseguir salvar uma vida.
Mas, em política, a palavra tem um peso. A ministra disse que assumiria total responsabilidade. Se ficar provado que houve um nexo de causalidade entre as greves que poderiam ter sido evitadas e estas fatalidades, na sua opinião, enquanto deputado, mas sobretudo enquanto médico, a ministra da Saúde tem condições para se manter no cargo?
Depende das circunstâncias. É muito difícil, neste momento, estar a dar uma resposta concreta àquilo que são as investigações. Quando chegar o momento, a ministra, tal como disse no Parlamento, tomará a decisão que achar mais adequada. Estas decisões são sempre difíceis.
Sabemos, até porque foi isso que aconteceu imediatamente a seguir, que a greve podia ter sido perfeitamente evitada. O Governo foi suficientemente previdente?
Tentar estabelecer um acordo de negociação que valorizasse a carreira destes técnicos e todas as outras medidas associadas, como, por exemplo, aumentar o número de técnicos na emergência médica, podia ter acontecido há um ano, há dois, há três, há quatro… Esta situação já tem muito tempo e o governo anterior não cumpriu a sua obrigação: reunir-se com estes técnicos.
A questão é que houve uma comunicação entre sindicatos e o gabinete da ministra da Saúde, em que os sindicatos manifestavam vontade de negociar. Aparentemente, a secretária de Estado disse que não havia disponibilidade e que essa negociação só deveria ocorrer para 2026. Entretanto, a ministra da Saúde, já depois da greve, decidiu atuar e a greve foi interrompida. Portanto, é possível concluir que se tivesse sido feito um esforço, esta greve poderia ter sido evitada.
Sim, mas acredito na palavra da ministra da Saúde. [Ana Paula Martins] só se apercebeu de greve na segunda-feira da semana passada. Na terça-feira, estava a reunir-se com o sindicato e entraram numa negociação que agora vai continuar. Mas percebo o que está a dizer. A comunicação foi para várias pessoas: foi para a ministra da Saúde, foi para a secretária de Estado, para o chefe de gabinete e para o presidente do INEM. É preciso tentar perceber exatamente o que é que aconteceu porque o ministro normalmente não faz a gestão do email oficial que tem ao seu cargo – e recebe milhares de emails todos os dias. Mas há aqui de facto uma falha interna, sem dúvida.
“É uma pressão grande do Presidente da República”
Se a ministra cair, admite vir a suceder a Ana Paula Martins?
Essa pergunta, neste momento, não faz sentido. Acho que a ministra vai continuar. Está a fazer um bom trabalho, está a tentar fazer, em tempo recorde, aquilo que não foi feito durante muito tempo.
Mas é apontado como um dos primeiros ministeriáveis caso seja necessário encontrar um novo nome para o lugar. Não tem essa ambição?
Neste momento, a minha ambição é fazer o trabalho que estou a fazer. Estou a trabalhar como deputado na Assembleia da República, é um trabalho estimulante, um trabalho a que eu não estava propriamente habituado e é o compromisso que tenho com os cidadãos do distrito do Porto.
O Presidente da República já veio exigir consequências políticas. Utilizou até a expressão: “Doa a quem quem doer”. No passado, este tipo de intervenções de Marcelo Rebelo Sousa motivaram a queda de ministros. Acha que é isso que espera o presidente da República?
Não sei exatamente do que é que está à espera o Presidente da República. Mas palavras do Presidente da República são palavras de um desejo profundo que esta questão do INEM se resolva o mais rapidamente possível, que esta situação fique rapidamente resolvida.
Há quem entenda – e não é exclusivo deste Governo – que este tipo de declarações do presidente da República acabam por ser uma pressão inaceitável. Concorda?
É uma pressão grande. É o estilo a que o nosso Presidente da República nos habituou. Mas não iria por aí.
“Presidente do INEM? Ministra deve tirar as conclusões”
Relativamente ao INEM, sabemos que não reforçou os serviços mínimos e que o podia ter feito. Sérgio Janeiro tem condições para se manter como presidente do instituto?
É uma boa questão, mas é uma questão que tem que ser colocada à ministra da Saúde. O presidente do INEM está em funções há pouco tempo. Em funções que, neste momento, são transitórias. Julgo que brevemente vai existir um concurso para o cargo de presidente do INEM e portanto a avaliação daquilo que aconteceu internamente compete à ministra da Saúde, que deve daí tirar as conclusões.
Mas era preciso outro perfil?
O perfil do atual presidente do INEM é bom. É uma pessoa que tem alguma experiência em termos de decisões, que vem da área militar, que está habituado a ser rigoroso e a ser mais rápido a tomar decisões. Agora, está há muito pouco tempo no lugar. Esta situação, como foi dito no início, não envolve apenas a ministra da Saúde, embora a ministra seja a responsável pela Saúde em Portugal. Mas envolve eventualmente outras pessoas que também receberam o email [dos sindicatos] e que podiam ter alertado.
Mas cometeu ou não um erro ao não reforçar os serviços mínimos?
Os serviços mínimos foram comunicados muito em cima da hora, é verdade. Essa situação terá que ser avaliada pela ministra da Saúde.
No seu livro mais recente, Aníbal Cavaco Silva defendeu que, e passo a citar, “culpar o governo anterior para além do período seis meses mostra incapacidade do primeiro-ministro”. Já nesta entrevista, falou várias vezes sobre o legado que a Aliança Democrática recebeu dos anteriores governos. Este Governo não foi seguramente apanhado de surpresa pelos problemas no SNS. Já não deveria estar a apresentar resultados?
E já está a apresentar resultados em algumas áreas. Ainda sobre o INEM: a ministra já abriu há algum tempo um concurso para 200 técnicos de emergência para hospitalar e brevemente vão começar a trabalhar. Já tem também um concurso preparado para mais 200 técnicos de emergência pré-hospitalar, que será aberto em janeiro. Isto não está parado.
Mas o que foi feito nos últimos meses foi suficiente?
Repare: quando temos vários problemas ao mesmo tempo, como a questão dos serviços de urgência e, em especial, das maternidades, quando temos problemas sérios no INEM… Há várias coisas que estão a ser feitas, mas estas coisas demoram algum tempo. Ainda assim, por exemplo, nesses concursos helicópteros, é bom dizer que se estão a contratar quatro helicópteros, o concurso é para quatro helicópteros, para funcionamento de 24 horas.
A ministra da Saúde, depois de um verão problemático e depois deste episódio com o INEM, tem força política, terá tempo e esse estado de graça para imprimir essas reformas?
Julgo que sim. A senhora ministra está motivada no cargo de ministra da Saúde e já fez algumas alterações importantes. Já está tudo resolvido? Não está tudo resolvido, porque não se consegue resolver uma situação que envolve todos os portugueses, centenas de unidades, hospitais, centros de saúde, cuidados continuados, uma série de equipamentos que obviamente demoram algum tempo a estarem a funcionar como o Governo quer. Há coisas que já foram feitas e acho que a senhora ministra está motivada para isso. Neste momento, aliás, está a começar a ter até resultados objetivos, por exemplo, no número de cirurgias e no número de consultas, que aumentaram bastante nos últimos seis meses.
“Porto? Se me for lançado o desafio, muito provavelmente poderia aceitá-lo”
Sobre eleições autárquicas no Porto, é frequentemente apontado como possível candidato. Admite sê-lo?
Sim. Neste momento não sou candidato à Câmara Municipal do Porto, mas é uma situação da qual não fujo. Se me for lançado o desafio, obviamente que, muito provavelmente, poderia aceitá-lo. Mas depende das circunstâncias, como é óbvio.
Acredita que vai receber o convite para abraçar esse desafio?
Não sei, não sei.
Mas era algo que manifestamente desejava ou via com bons olhos?
Dentro daquilo que posso fazer para a sociedade neste momento, para ajudar as pessoas… A primeira coisa é ser médico, e, aliás, o meu lugar, no Hospital de São João, que neste momento está a suspenso, porque sou deputado, é sempre um lugar que eu abraço com a maior alegria, porque aquilo que, até hoje, mais felicidade me deu, foi ser médico, estar na questão dos transplantes, foi fazer aquilo que sei fazer melhor e que gosto de fazer. Agora, para ajudar a sociedade, para ajudar uma determinada população, já o fiz enquanto bastonário da Ordem dos Médicos, já o fiz enquanto presidente do Conselho Regional, estou agora a tentar fazê-lo também dentro daquilo que são as funções que tenho no grupo parlamentar, como deputado, e obviamente que as autarquias têm um papel que vai ser cada vez mais importante em ajudar as pessoas que mais precisam. Temos grandes desigualdades sociais no país e os autarcas têm aqui um papel que o Governo não consegue ter, que é o papel de proximidade.
“Entre Centeno e Gouveia e Melo, votava Gouveia e Melo”
Avançamos agora para o segmento Carne ou Peixe, em que só pode escolher uma de duas opções. Preferia descer a Rua de Santa Catarina, no Porto, ao lado do candidato presidencial Luís Marques Mendes ou Pedro Passos Coelho?
Pedro Passos Coelho.
Está numa segunda volta presidencial e tem que escolher um dos dois candidatos, Mário Centeno e Gouveia e Melo, em que quadradinho é que punha a cruz?
Entre Mário Centeno e Gouveia e Melo, Gouveia e Melo.
A quem oferecia o álbum Kind of Blue, pelo que sabemos é um dos seus favoritos: Marta Temido ou Manuel Pizarro?
Manuel Pizarro.
Quem exilava nos Galápagos: André Ventura ou Mariana Mortágua?
Essa pergunta é mais difícil de responder. Muito provavelmente, Mariana Mortágua.