A chuva dificultou o trabalho, mas não impediu que PSP e GNR não estivessem em peso para controlar a circulação entre concelhos. A medida foi definida pelo Governo como forma de combate à propagação da Covid-19 e o número de agentes de segurança mobilizados ilustra o apertar das regras: 35 mil nas estradas em todo o país.
Desde a meia-noite desta quinta-feira e até à próxima segunda-feira estão proibidas todas as deslocações para fora do concelho de residência, salvo algumas exceções que exigem uma declaração a justificar o motivo da saída do concelho — como motivos de saúde ou trabalhos essenciais.
Paulo Claro foi um dos vários camionistas que seguiu viagem depois da fiscalização, mas não sem antes esperar na longa fila que se formou na Segunda Circular. No Porto o cenário foi idêntico — incluindo as buzinadelas — e teve também um reforço das forças de segurança nos transportes públicos que atravessam diferentes concelhos. Maria Cândida viu o seu comboio para Ermesinde suprimido. No Metro, ninguém passou para Vila Nova de Gaia sem uma declaração.
Em Lisboa e no Porto, o primeiro dia de operações de fiscalização trouxe muito trânsito, milhares de viaturas fiscalizadas, mas também um cenário em que grande parte cumpriu as regras.
Lisboa: Milhares de viaturas e uma viagem de camião pela Segunda Circular
7h da manhã. Ainda o sol não tinha acordado e as forças de segurança já se preparavam para o movimento que começava a surgir nas principais estradas de Lisboa. À mesma hora, o Observador chegava à Segunda Circular, uma das vias mais movimentadas do país, mas que esta quinta-feira era interrompida — como tantas outras — pela operação “Páscoa em Casa”, na fronteira entre o concelho de Lisboa e Loures.
A missão era clara: todos os carros que passassem por aquela zona, no sentido Sul-Norte e junto à saída para o Prior Velho, teriam de ser fiscalizados. Um perímetro com cerca de 300 metros era bem visível para todos os condutores, muitos deles preparando-se para o momento da verdade: teriam ou não justificação para passar para outro concelho?
À semelhança das filas que se foram formando, foram também milhares as declarações mostradas aos agentes da PSP no posto de controlo da Segunda Circular. Entre 00h e as 17h, as forças de segurança fiscalizaram cerca de sete carros por minuto. Ao todo, passaram 7.700 viaturas naquele perímetro e apenas 24 foram impedidas de passar a fronteira concelhia.
Num camião robusto e barulhento, Paulo Claro percorre a Segunda Circular. No lugar do pendura está o Observador — com as devidas normas de proteção. A viagem foi acompanhada desde o início da longa fila até à abordagem da polícia. Naquele “preciso momento”, Paulo estava em horário laboral. “A empresa passou-nos uma declaração para que pudéssemos continuar a trabalhar”, refere.
Paulo é um dos muitos camionistas que podem seguir viagem, desde que cumpra a regra de ter uma declaração escrita de que está em trabalho. A viatura não engana, mas a PSP está na estrada e ninguém pode atravessar o cordão dos agentes, que agora usam também luvas e viseiras de plástico.”Os condutores estão a ser ordeiros, corretos e educados”, assegura ao Observador o chefe da PSP Luís Virgílio.
A chuva que se fez sentir em toda a cidade não ajudou em nada o trabalho das forças de segurança. Poderá ter sido esse o motivo que levou ao cancelamento de uma operação semelhante prevista para a Ponte 25 de Abril. Durante duas horas, entre as 9h e as 10h da manhã, os jornalistas ficaram suspensos, nos carros, à espera que chegassem novidades vindas de uma única carrinha da PSP, parada à entrada do tabuleiro da ponte. Nesse período, a chuva foi muita e menos foram os carros que passaram — feitas as contas, em média, apenas 25 viaturas por minuto passavam naquela altura, numa estrada que, em condições normais, é das mais movimentadas do país.
No IC2 a operação continuou. E aqui não só a chuva não apareceu, como também não houve incumprimentos — pelo menos até às 13h. O chefe Luís Teixeira referiu ao Observador que dos 700 condutores obrigados a parar naquele posto desde as 7h até esse período, nenhum foi impedido de cruzar a fronteira concelhia entre Lisboa e Loures. Com a Ponte Vasco da Gama a servir de cobertura, ficava no ar o sentimento de dever cumprido de ambas as partes — sem buzinadelas, urgências ou conflito.
Por volta das 15h começou, finalmente, a operação de fiscalização na Ponte 25 de Abril. O trânsito intensificou-se, e, à hora de ponta, as filas tornaram-se quase intermináveis. Na Avenida de Ceuta, ouvem-se buzinas de condutores precipitados e é caso para dizer que o joelho dói de estar tanto tempo no travão. O Observador também esteve na estrada, retido no trânsito. A saída de Lisboa foi às 17h30, mas a entrada na A2 só aconteceu uma hora depois. E tarde demais: a operação tinha terminado.
Entre as 15h e as 18h foram fiscalizados mais de dois mil carros, sendo que apenas 16 foram mandados para trás, desviados para Alcântara. Ao Observador, a sub-comissária da PSP Cátia Brás refere que “de um modo geral, todos estão a colaborar”. A responsável pela operação deixa mesmo a nota de que “os portugueses estão a saber cumprir as regras”. Pelo menos no primeiro dia de fiscalização.
Porto: As filas na VCI, os comboios suprimidos e controlo no Metro
Quem percorre com frequência a Via de Cintura Interna (VCI), no Porto, não estranha os dias em que o trânsito chega a fazer quilómetros de fila. Afinal, esta é uma das principais artérias de ligação da cidade a outros concelhos. Mas esta quinta-feira, no primeiro dia em que as regras do estado de emergência apertaram, o cenário ganhou outro significado: começou a Operação “Páscoa em Casa”, com a PSP e GNR em peso nas estradas e transportes públicos para controlar a circulação entre concelhos.
Uma fila sem fim à vista de carros, camiões e carrinhas de transporte de mercadorias pintaram a VCI no sentido Arrábida/Freixo durante todo o dia. A contrastar com o silêncio dentro da cidade, o desespero de muitos pelas horas à espera naquela estrada era demonstrado com a típica “buzinadela” dos camiões. Em frente, na rotunda de Bonjoia, cerca de 30 elementos da PSP mandavam parar, um a um, todos os automóveis que por ali passavam. De viseiras e com a garantia de que a menos de um metro de distância ninguém estava, as filas não impediram que a operação de fiscalização decorresse com normalidade.
“Este ponto de fiscalização em concreto é o ponto onde temos maior pressão a nível de controlo rodoviário e onde há alguma afluência acrescida de trânsito porque é um dos pontos principais de ligação à cidade do Porto e de ligação do Norte ao Centro do país. É natural que haja aqui alguma acumulação de trânsito”, explicou ao Observador o comissário José Ferreira, da unidade de trânsito da PSP do Porto.
O percurso durante a fiscalização tinha apenas dois desfechos: o condutor possuía uma declaração válida para a sua saída do concelho e podia continuar o percurso ou, pelo contrário, a justificação não era válida — ou não existia — e o automobilista era encaminhado para outro local e convidado a voltar para trás. A maior parte dos condutores, acrescenta o comissário José Ferreira, “está informada das necessidades e das proibições que acontecem” e, apesar de terem negado a saída a algumas pessoas, não houve nenhum caso mais grave durante a manhã.
A operação de fiscalização foi também realizada noutros pontos da cidade: “A divisão de trânsito está a efetuar fiscalização nos principais eixos rodoviários. Além da ligação da cidade do Porto a Vila Nova de Gaia através das pontes da Arrábida e do Freixo temos também operações a decorrer entre a ligação do Porto e Gondomar e também no limítrofe da área do concelho da Maia”, esclareceu o comissário José Ferreira.
O controlo, no entanto, não chegou apenas às estradas. Também nos metros, autocarros e comboios que circulam entre concelhos as forças de segurança estiveram presentes. Na Estação Ferroviária de São Bento dois elementos da PSP rondavam o local para garantir que ninguém escapava ao controlo. Maria Cândida olha com desalento para o quadro dos horários com comboios suprimidos. “Nunca venho de comboio e quando venho acontece isto. Venho sempre de Ermesinde para o Porto com o meu marido e hoje calhou ter de vir de comboio”, comenta. Consigo traz a declaração de como trabalha no Hospital de Santo António e precisa de se deslocar de um concelho para o outro.
Com as ligações de longo curso canceladas e vários comboios regionais e urbanos suprimidos devido ao estado de emergência, Maria Cândida não teve outra opção: “Apanhei um autocarro, saí no Bolhão e fui a pé até à Maternidade Júlio Dinis. Levei um treino nas pernas que se soubesse não tinha repetido”, confessa ao Observador. Agora, e como não tem comboio de volta para Ermesinde, espera que um membro da família — também profissional de saúde — a venha buscar de carro.
Mais à frente, na estação de Metro de São Bento, a operação também foi pensada ao detalhe. Cada entrada para a linha em direção a Vila Nova de Gaia tinha o controlo de um membro da PSP. Quem descia as escadas rolantes percebia o que estava a acontecer. E houve quem tivesse de voltar para trás. Para garantir que estava mesmo tudo a ser cumprido, os metros só arrancavam depois de todos lá dentro também mostrarem a sua justificação.
“Se não tiver a declaração em como está autorizado a fazer a deslocação de trabalho pela empresa e outras situações de pessoas que estão a passear ou que querem ir visitar um familiar e não têm qualquer outra justificação, são todas convidadas a sair do metro”, explica ao Observador o comissário Rogério Silva, da PSP do Porto, que está a ajudar nesta ação de controlo. As pessoas, assegura, “têm acatado e compreendido” as ordens e os polícias “têm feito um excelente trabalho nesta missão”.
À semelhança da ligação entre Porto e Gaia, a PSP tem também operações de fiscalização a decorrer em vários pontos de limite de concelhos, nomeadamente na transição para Gondomar, Maia e Matosinhos. Será assim até segunda-feira.