É o quarto dia da greve dos trabalhadores da produção automóvel nos Estados Unidos. Esta é a primeira vez que o sindicato United Auto Workers (UAW) convoca uma paralisação simultânea contra as fabricantes que são conhecidas como “as três de Detroit”: General Motors, Ford e Stellantis (esta marca europeia dona da Peugeot Citroen é liderada pelo português Carlos Tavares).
Por trás do protesto estão reivindicações salariais, mas os grevistas não exigem apenas salários mais altos, pedem uma redistribuição mais equilibrada dos ganhos do setor, entre trabalhadores e gestores ou acionistas. A mesma linha de argumentação tem alimentado uma greve que dura há meses dos trabalhadores da indústria do cinema que reclamam uma repartição dos ganhos dos estúdios com a distribuição de conteúdos em streaming. “É ganância desregulada”, denuncia o ator americano Chris Marrone.
“O executivo de topo recebe 400 milhões enquanto os criativos que geram o dinheiro recebem menos de 0,5% disso.”
Nas negociações com os gigantes do setor automóvel, o sindicato tem exigido um aumento salarial de 40% ao longo de quatro anos. Um valor que, segundo o The New York Times, a organização acredita que corresponde aos aumentos salariais médios recebidos nos últimos quatro anos pelos principais executivos da General Motors, da Ford e da Stellantis.
Por enquanto, esta ainda é uma greve “limitada e “direcionada”, que não abrange os cerca de 150 mil membros do sindicato. São cerca 12.700 os trabalhadores de três fábricas distintas, a da General Motors no Missouri, a da Ford no Michigan e a da Stellantis em Ohio, que estão parados. No futuro, se não existir um acordo nas negociações que decorrem desde que o entendimento entre empresas e UAW acabou, existe a possibilidade de a paralisação ser alargada.
A CNN indica que a paragem das três fábricas vai interromper a produção de vários veículos, por exemplo o Jeep Wrangler, o Chevrolet Colorado e o Ford Ranger. Mas o impacto poderá ser mais amplo se mais trabalhadores de outras instalações se juntarem à greve.
O que pretende o sindicato?
Shawn Fain é presidente do United Auto Workers há cinco meses. O progresso nas negociações, afirma, tem sido lento, o que o leva a não descartar a possibilidade de uma “paralisação total”. Para além das reivindicações salariais, as conversações com as empresas incidem igualmente sobre o restabelecimento das pensões para todos os trabalhadores, melhores benefícios para os reformados, uma semana de trabalho de quatro dias, proteções de segurança no trabalho e para os trabalhadores afetados pelo fecho de fábricas, mais folgas remuneradas e limite de trabalhadores temporários são outras das reivindicações. Além disso, o UAW quer o fim dos sistemas salariais de dois níveis distintos, nos quais as novas contratações recebem uma remuneração mais baixa para realizar o mesmo trabalho que os funcionários mais antigos.
O The Guardian salienta ainda que a disparidade salarial entre os trabalhadores e os seus patrões é um dos maiores pontos de discórdia e, para exemplificar, apresenta os seguintes números:
- Mary Barra, CEO da General Motors, ganhou 29 milhões de dólares (27 milhões de euros) em 2022, número que equivale a 362 vezes o salário médio praticado na empresa.
- Jim Farley, CEO da Ford, ganhou 21 milhões de dólares (19,7 milhões de euros) no ano passado, montante equivalente a 281 vezes o salário médio praticado na empresa.
- O CEO da Stellantis, Carlos Tavares, ganhou 24,8 milhões de dólares (23,2 milhões de euros) em 2022, 365 vezes o salário médio do trabalhador da empresa.
Qual a perspetiva das empresas?
As três empresas têm negociado com o sindicato individualmente. Embora se tenham mostrado disponíveis para negociar, as principais propostas que fizeram ficaram àquem dos números pretendidos pelo United Auto Workers.
Este sábado, a Stellantis revelou que a sua oferta mais recente previa um aumento salarial imediato de 10% e posteriores aumentos de um total de 21% ao longo dos próximos quatro anos, que deverá ser o período de vigência do novo acordo (quando as duas partes chegarem a um entendimento). A empresa, que considera que as suas propostas têm sido “muitas justas e altamente competitivas”, mostrou-se ainda disponível para estabelecer um mecanismo que permita às novas contratações chegarem ao salário mais alto ao longo de quatro anos, ao invés dos atuais oito.
As propostas feitas pela Ford e pela General Motors são semelhantes, uma vez que também atingem o limite dos 20% de aumentos ao longo de quatro anos. À CNN, Jim Farley disse que a oferta feita pela Ford é a mais vantajosa que a empresa apresentou ao sindicato em 80 anos. A estação televisiva nota que o sindicato tem feito exigências imediatas de aumentos de 20% e quatro aumentos adicionais de 5% até 2027.
As três empresas, segundo o The New York Times, criticaram as propostas do UAW, considerando que não são “viáveis”. Já o líder sindical Shawn Fain pede sejam compensadas “décadas de queda de salários” e os “enormes lucros” gerados por essas firmas.
Em que ano ocorreu a última greve?
Há quatro anos, em 2019, quando terminou o acordo que estava em vigor até ao momento, a Ford e a Stellantis conseguiram chegar a acordo com o sindicato sem que tivesse existido uma greve. O mesmo não aconteceu com a General Motors. A paralisação dos trabalhadores durou 40 dias e custou à empresa 3,6 mil milhões de dólares.
Qual é a posição da Casa Branca?
Horas após o início da paralisação, o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que os “lucros empresariais recordes devem ser partilhados em contratos recordes” com o UAW. Apesar disso, lamentou que a greve não tenha sido evitada e instou as partes a regressarem às negociações: “Ninguém quer uma greve, mas respeito os direitos dos trabalhadores” e “compreendo as suas frustrações”.
De acordo com a agência Reuters, um funcionário do governo norte-americano (que não foi identificado) disse que Biden acredita que o novo acordo deve garantir que os empregos na produção automóvel sejam bons para a classe média, no futuro. Além disso, o Presidente dos EUA terá pedido a Julie Su, secretária do Trabalho, e ao conselheiro Gene Sperling para falarem tanto com a UAW como com as empresas durante as conversações que decorrem ao longo dos últimos dias.
A Ford poderá estar em apuros também no Canadá
“Há muito trabalho a ser feito para chegar a um acordo até à meia-noite de segunda-feira”. As palavras são de Lana Payne, presidente da Unifor, o sindicato que representa os trabalhadores da indústria automóvel no Canadá. De acordo com a CNN, esta organização rejeitou as duas primeiras ofertas feitas pela Ford, o que poderá levar a uma greve dos funcionários da empresa no Canadá.
Ao contrário do United Auto Workers, que expôs as suas exigências quanto às negociações, a Unifor não abriu muito o jogo quanto à sua posição, mas poderá estar também à procura de melhorias nas pensões e aumentos salariais. Ao contrário do que aconteceu nos EUA, o sindicado do Canadá escolheu concentrar-se nas negociações com a Ford, concedendo prorrogações do entendimento às outras duas empresas.
Quando chegar a um entendimento com a Ford, que tem uma fábrica de montagem no Canadá com 3.400 trabalhadores, a Unifor vai focar-se na negociação com a General Motors e a Stellantis, para que seja possível fechar um novo acordo. A CNN escreve que esta é a primeira vez desde 2009 que o sindicato canadiano e o norte-americano negoceiam ao mesmo tempo.