Marcação homem a homem. Carlos Moedas está a colher todos os sinais de bloqueio da oposição para alimentar a narrativa que Aníbal Cavaco Silva imortalizou com duas palavrinhas: “Deixem-nos trabalhar”. Para já, o atual presidente da Câmara Municipal de Lisboa não planeia forçar a demissão para tentar crescer nas urnas e virar maioritário. Mas uma coisa é certa: não vai perder oportunidades para culpabilizar a oposição, em particular o PS, pela indefinição em torno das políticas para a cidade.

O último episódio chegou embrulhado com trânsito, limites de velocidade e Avenida da Liberdade. “A oposição não está a perceber que aquilo que o que as pessoas querem em Lisboa é poder decidir. Ainda não perceberam que foi o PSD quem venceu as eleições”, lamentou Carlos Moedas, antes de deixar a promessa de que tudo fará para que a limitação de velocidade e a proibição de circulação ao domingo não avance.

Os socialistas já perceberam o jogo e temem que Moedas tenha a “vertigem de atirar a toalha ao chão”. Ainda assim, as queixas do social-democrata não fazem com que o PS mude um milímetro na estratégia de oposição: não há margem para dar passos em falso, o ciclo de quatro anos é para respeitar e 2025 será o ano de ajustar contas com Moedas.

Moedas não quer precipitar eleições, mas vai dramatizar governação

A hipótese de deixar a liderança da autarquia é para o executivo que suporta Carlos Moedas “um cenário longínquo que não vale a pena antecipar”. “Não nos sentimos obrigados a acompanhar a maioria, mas também não vemos qualquer necessidade de equacionar o cenário [de demissão]”, garante um dos homens que trabalham lado a lado com Carlos Moedas.

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“Temos condições políticas, embora exigentes, para trazer novos tempos à cidade. Há várias propostas, o orçamento foi aprovado, a gratuitidade dos transportes foi aprovada e foi aprovado um conjunto de medidas que acreditamos que farão a diferença na vida dos lisboetas”, diz ao Observador a mesma fonte.

Ao mesmo tempo, no executivo de Moedas, reconhece-se que, dada a hostilidade da oposição, será preciso “rever calendário”. “Teremos que rever algum do calendário que não seria necessário se estivéssemos na condução plena da Câmara. O calendário dos Novos Tempos seria mais célere, mas vem para ficar”, garante fonte próxima de Carlos Moedas.

O adiamento da decisão de alienar 40 imóveis da autarquia é um dos exemplos que o executivo aponta para demonstrar uma “contradição com a política até do anterior executivo”. “Fizeram aprovar na Assembleia Municipal o programa para alienação de fogos, realizaram algumas dezenas de milhões de euros e agora revogam”, indigna-se fonte da autarquia.

Mesmo assim, a estratégia é para manter: agigantar os obstáculos, engrandecer os feitos e esperar por 2025 para que os lisboetas deem uma maioria absoluta (ou reforçada) à coligação de direita. “Vamos evidenciar sempre que for justificável, com exemplos concretos, que há tentativa de obstaculizar e criar dificuldades de atuação ao executivo”, diz fonte do Executivo.

“PS não vai provocar eleições antecipadas”

No PS, a perceção é de que Moedas “não tem condições para provocar eleições”. Desde já, porque um executivo municipal só pode cair por falta quórum e, para isso, era preciso que também os vereadores da esquerda (socialistas incluídos) se demitissem.

Ora, essa não é uma opção na cabeça dos socialistas nesta altura. “O PS não provoca eleições antecipadas e o calendário com que está a trabalhar é o de eleições em 2025″, diz ao Observador fonte do partido.

Além disso, os socialistas insistem que Carlos Moedas não tem do que se queixar nestes primeiros sete meses de governação, começando por apontar a viabilização do primeiro Orçamento do presidente da Câmara eleito pelo PSD.

“Os documentos de gestão provisória foram aprovados e também os de gerência”, insiste a mesma fonte, dizendo que a Moedas “faltam condições políticas” para provocar eleições intercalares em Lisboa, tentando obter condições de governação diferentes das que tem hoje. “Não há motivo nenhum”, garante-se.

No PS /Lisboa, o caso de António Costa, que conseguiu governar a autarquia sem maioria, depois de ganhar as eleições intercalares realizadas em 2007 após a queda do executivo liderado por Carmona Rodrigues, é usado para acalmar as eventuais tentações de Moedas: o contexto era muito diferente e fórmula Costa não se repete todos os dias.

Não só pelo processo judicial em que estava envolvida a oposição de Costa, que fragilizava (e muito) o PSD, mas também porque António Costa entrou na autarquia sempre com o horizonte temporal de dois anos (2007-2009). Logo, ainda a gozar de algum estado de graça, começou rapidamente a trabalhar na reeleição. Moedas surpreendeu uma vez; passar dois ou quatro anos a lamuriar-se, será um brinde, pensam os socialistas.

Assinaladas as respetivas diferenças, em teoria, a estratégia discursiva não é muito diferente. Nos tais dois dois anos de governação intercalar, António Costa também fez por carregar nas tintas da dramatização de falta de condições para aprovar obra em Lisboa — tecla em que Moedas começa a bater cada vez mais. Resultado: Costa foi a votos e ganhou com maioria absoluta.

Nessa altura, Costa não só não tinha maioria na Câmara, como tinha também uma Assembleia Municipal liderada pelo PSD (este órgão não foi a votos nas intercalares, já que só tinha caído o executivo camarário). Na cidade, o agora primeiro-ministro mandou pendurar cartazes em obras paradas a acusar a Assembleia Municipal (maioria PSD) de obstaculizar a governação do PS. Nas eleições que se seguiram, em 2009, Costa chegou à maioria absoluta.

De resto, o Observador sabe que os socialistas não têm pressa para voltar ao poder na capital –, não por esta via, pelo menos. No PS, ninguém desconsidera que uma estratégia de obstaculização permanente e frontal poderia fragilizar resultados eleitorais futuros — o PS não arrisca ser castigado por contribuir para a instabilidade política

Nem seria coerente com o discurso nacional. Nas eleições legislativas, António Costa fez-se absoluto, em grande medida, graças ao facto de o Governo ter caído depois de a esquerda ter chumbado o Orçamento do Estado para 2022. Em Lisboa, o PS não quer ser o Bloco e o PCP de Carlos Moedas.

Além disso, antes de derrubar Carlos Moedas, é preciso arrumar a casa. Duarte Cordeiro, um a das personalidades apontadas com maior insistência para uma eventual candidatura a Lisboa, acabou de assumir funções em março como novo ministro do Ambiente e da Ação Climática. Foi o diretor de campanha da maioria de Costa e tem capital político (e experiência camarária) para ser  candidato no futuro; mas a saída do Governo e corrida autárquica, a acontecerem, só será oficializada mais perto das eleições.

Romper estragaria contas nacionais

Existe um dado que torna toda esta equação mais complexa: o calendário nacional. Carlos Moedas foi muito pressionado para entrar já na corrida à liderança do PSD. O autarca ouviu todos os argumentos e acabou por resistir ao canto da sereia.

Mas isto não quer dizer que tenha deixado de ter aspirações a ser líder social-democrata e candidato a primeiro-ministro. Entre alguns dos seus mais próximos apoiantes, há quem aposte que, terminado o primeiro mandato, em 2025, Moedas terá tudo para se intrometer na luta pela liderança do partido e disputar as próximas legislativas.

Este cronograma tem duas óbvias fragilidades. Primeiro, é preciso que a legislatura dure quatro anos — um imponderável, mesmo depois de António Costa ter afastado os sonhos europeus. Depois, é preciso que Carlos Moedas ganhe as próximas autárquicas e esteja ainda na crista da onda para tomar o partido.

Precipitar eleições a meio do mandato, baralharia todas as contas — uma coisa é terminar o mandato de quatro anos e depois seguir para palcos nacionais; outra coisa é ir a votos a meio, ser reeleito e abandonar a autarquia depois da dramatização.

Para já, os calendários de Moedas e do partido estão alinhados assim o autarca queira aparecer como candidato a primeiro-ministro em 2026; mexer nas datas pode desbaratar o bilhete dourado que aparenta ter no PSD.

As queixas de Moedas nestes mais de sete meses

Já com algumas promessas eleitorais cumpridas e riscadas da to do list para os próximos quatro anos, Carlos Moedas tem visto os restantes partidos com vereadores unirem-se para fazer passar opções contrárias ao seu plano de governação.

Na última semana, por proposta do Livre, com a abstenção do PCP e o voto contra dos vereadores dos Novos Tempos, todos os restantes vereadores conseguiram aprovar uma proposta que, com o ângulo nas alterações climáticas, pretende diminuir a velocidade máxima de circulação na cidade e encerrar ao trânsito uma vez por semana a Avenida da Liberdade e outras artérias das várias freguesias. Moedas apressou-se a criticar a proposta e a oposição e já garantiu que não fará alterações sem fundamentação.

Mas este é só mais um capítulo na história da difícil relação de forças na autarquia de Lisboa neste mandato. Do lado do executivo, Moedas já concluiu com sucesso três das promessas que fez em campanha: aumentou a percentagem de devolução de IRS para os lisboetas, aprovou a gratuitidade de transportes públicos para os jovens e idosos e realizou o primeiro Conselho de Cidadãos de Lisboa.

Ainda assim confronta-se com as aprovações conseguidas pela oposição ou pelas propostas que tentou passar e viu chumbadas, como por exemplo a suspensão imediata de alojamento local na capital (aprovada em janeiro); o hastear a bandeira trans no edifício da câmara, o impedimento à redução da duração das reuniões de câmara; ou a alteração de regras no acesso à habitação em Lisboa.

É perante este cenário que, na oposição, há quem equacione que Moedas possa ter uma “vertigem de mandar a toalha ao chão” para precipitar eleições intercalares, mas garanta que o executivo dos Novos Tempos contará sempre com a viabilização do PS nos Orçamentos.

“Este é um momento político especialmente delicado, há um clima político de exaustão, ninguém quer saber de política, mas estamos em maio, em setembro o cenário pode ser outro“, diz ao Observador fonte da oposição, apontando o dedo a Carlos Moedas por fazer “o jogo do empurra”.

“Manda tudo ou contra a oposição ou contra o Governo. O que é essencial para a governação está viabilizado. No há razão nenhuma para câmara cair, a não ser que Moedas queira que isso aconteça”, equaciona fonte da oposição.

Oposição garante não ter estratégia para derrubar Moedas

Já sobre de existir uma alegada uma concertação à esquerda, que possa estar a dificultar a tarefa do executivo de Moedas, a mesma fonte socialista rejeita que haja “um esforço sistemático pensado para incomodar o presidente”.

“Há articulação em determinadas matérias, porque são partidos da esquerda com pontos programáticos em comum, mas também há com o PSD/CDS em questões concretas. Não é um esforço concertado de deitar coisas do presidente Carlos Moedas abaixo”, diz a mesma fonte ligada á oposição.

Ainda assim aponta críticas a Carlos Moedas: “Tem feito o discurso do diálogo, mas tem havido muito pouco diálogo, o que há e a constante vitimização de que ganharam as eleições e a oposição não deixa avançar as propostas”.

“As coisas não são aprovadas porque a maioria dos vereadores não concorda, podia haver um esforço antes de concertação que podia levar a um desbloqueio, mas é preciso que haja vontade de negociar”, acrescenta o socialista.

Com as principais propostas a receberem luz verde — como os transportes gratuitos aprovados por unanimidade, o Orçamento, a delegação de competências ou a nomeação dos vários responsáveis para as empresas municipais –, a oposição destaca que “há incoerências até da parte deles [executivo] em matérias que para a esquerda são essenciais”.

“Apresentou um plano de ação climática que é basicamente um copy&paste do que vinha do mandato anterior — nem sequer atualizaram o documento que tinha a composição da câmara anterior. Há questões sobre as alterações climáticas que não querem avançar, está lá ZER e ele [Carlos Moedas] diz que não quer avançar”, exemplifica.

Um dos principais pontos de desacordo entre o executivo liderado por Carlos Moedas e a oposição de esquerda são as questões de mobilidade. E há quem duvide que Carlos Moedas realmente acredite nas políticas que tem vindo a defender (ou a contrariar, como no caso do corte de trânsito na Avenida da Liberdade): “Apesar de não acreditar na política de mobilidade que está a forçar, só fala para a sua base social de apoio”.