Luís Montenegro conseguiu recrutar importantes rioístas (Hugo Carneiro, Catarina Rocha Ferreira e Ricardo Batista Leite) para a nova liderança da bancada do PSD, num processo de montenegrização da bancada do qual sobram poucos focos de resistência. As escolhas que vão a votos esta quarta-feira devem ser aprovadas por larga maioria, mas há uma fação de insatisfeitos. A saída do vice-presidente André Coelho Lima da direção de bancada foi descrita ao Observador por alguns dos apoiantes de Rui Rio como um “saneamento“. O desfecho que levou Carlos Eduardo Reis a não ficar em nenhum cargo, também caiu mal junto de vários deputados — incluindo de muitos dos que aceitaram cargos.

Os mesmos críticos, oriundos da ala rioísta, continuam a garantir que não vão fazer “guerra interna” até às eleições europeias (“o partido não aguentaria”), mas admitem que este afastamento posiciona André Coelho Lima, a par de Paulo Mota Pinto, como um potencial rosto para desafiar, no futuro, a liderança de Montenegro. Isto, claro, a juntar a Jorge Moreira da Silva, que não fechou a porta a regressar ao combate no futuro.

Até a ala rioísta reconhece que Luís Montenegro conseguiu recrutar figuras próximas de Rui Rio, mas não deixa de registar “afastamentos diretos”. André Coelho Lima era vice-presidente do partido e da bancada e — apesar de ter deixado claro que não queria integrar a direção nacional de Luís Montenegro — deixou sempre a porta aberta a continuar na direção da bancada, quer no discurso que fez no Congresso, quer em entrevistas na comunicação social.

No Congresso do PSD, à Rádio Observador, André Coelho Lima dizia que a transição na bancada ser ou não tranquila iria “depender do que ele [Luís Montenegro] vá fazer agora, na escolha das pessoas”. E deixava esse desejo de unidade: “Imagino que vai transportar para a direção futura a mensagem que sai deste congresso. Portanto, vamos deixar espaço para que façam estas escolhas”. Mas o convite não chegou.

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“É uma comissão política forte”. André Coelho Lima em entrevista à Rádio Observador

O acordo coletivo entre rioístas e não-alinhados com Montenegro, para já, é para não se criar guerras internas na bancada. Mas isso não significa que não admitam ir à luta se houver condições para isso. “O que desejamos é que corra bem ao PSD, mas se ficarmos abaixo dos 20%, aumenta muito as hipóteses de alguém desafiar o Luís Montenegro em 2024”, diz um deputado da ala rioista. As diretas vão cair em cima das Europeias: maio/junho de 2024.

Sobre quem seria esse alguém, um outro deputado não-alinhado diz que “o Mota Pinto sempre foi um nome falado e o André [Coelho Lima] sai daqui como uma espécie de mártir que ganha capital para protagonizar essa candidatura”. Um outro deputado da ala rioísta é mais cético e diz que, nem um nem outro teriam   “força para arrancar”.

André Coelho Lima, quando contactado pelo Observador, sobre o afastamento e a hipótese de um dia ser candidato a líder não quis fazer qualquer comentário. No entanto, os seus mais próximos dizem que tem um lema de vida, que já referiu em entrevistas e que se aplica a uma eventual futura candidatura à liderança: “Nunca está interessado em nada, mas está sempre disponível para tudo.

A “azia” de Mota Pinto pode transformá-lo em líder da oposição interna?

Paulo Mota Pinto até chegou ao lado do presidente do PSD antes da primeira reunião da bancada, na última quinta-feira, mas ao longo de todo o processo do seu afastamento não disfarçou o incómodo pela forma como foi substituído. No Congresso do PSD. saiu assim que Miguel Albuquerque tomou o seu lugar como presidente da Mesa e nem sequer ficou para ouvir o discurso de encerramento de Luís Montenegro.

Paulo Mota Pinto mostrou-se disponível para continuar a liderar a bancada, depois de ter sido eleito há três meses com 92%, mas Luís Montenegro pediu-lhe que saísse. A ideia dos rioístas até era que Mota Pinto cavalgasse a onda desse afastamento, mas o timing não ajudou: nesse dia Pedro Nuno Santos esteve para sair do Governo e a saída do líder parlamentar do PSD quase passou despercebida no plano mediático. Faltavam dois dias para o Congresso.

Rui Rio sempre disse que gostava de preparar um sucessor se tivesse tempo para isso. Não teve. Ainda assim, na fase final do seu mandato puxou o mais que podia por Paulo Mota Pinto. Levou-o ao Congresso do PPE a Roterdão  e a todos os principais palcos mediáticos onde esteve. Mota Pinto era visto como um potencial herdeiro da máquina rioísta e estava a fazer o seu próprio caminho: marcou almoços com jornalistas que acompanhavam a área e começou a ser mais responsivo e disponível para a comunicação social.

Depois disso, o Congresso correu-lhe mal. Ainda assim, pelo estatuto, os rioístas ainda o apontam como um nome possível para uma futura candidatura à liderança. No caso de Mota Pinto a dúvida é se levará o mandato de deputado até ao fim. Caso saia, isso reduz muito a margem para ser candidato ao que quer que seja no partido a nível nacional. E mais: tanto Mota Pinto como Coelho Lima terão tantas possibilidades de vingar quanto seja a vontade de Salvador Malheiro de se empenhar por um ou por outro.

Nas contas do que fica do rioísmo também conta Carlos Eduardo Reis. O deputado não só foi uma peça fundamental nas diretas que elegeram Rui Rio, mas também foi protagonista cimeiro (diretor de campanha) de Jorge Moreira da Silva nas últimas diretas. Seria ele, na bancada, o herdeiro dos quase 30% do “moreirismo” de maio. Além disso, tem uma rede no grupo parlamentar que excede lógicas de ismos ou de apoios circunstanciais, que construiu nos tempos da ‘jota’, através das suas célebres listas ao Conselho Nacional ou já durante o mandato de Rio em que se empoderou como nunca a nível do PSD nacional.

Carlos Eduardo Reis, ao contrário de André Coelho Lima, foi convidado a continuar coordenador da comissão de Defesa, mas terá rejeitado esse convite por entender não ter as condições para desempenhar o cargo. O deputado não quis prestar declarações, mas o Observador sabe que na base da recusa do cargo está não o terem deixado escolher o vice-coordenador e passar a ter um vice-presidente acima dele a coordenar a área. Para continuar coordenador teria então de aceitar duas coisas: esvaziar a sua função como ‘homem da Defesa’ do grupo e deixar sacrificar o amigo Rui Vilar.

Como Montenegro dominou a bancada

O facto de haver posicionamentos para o futuro, não significa que as coisas estejam a correr mal ao novo líder. Há poucas semanas a bancada era maioritariamente rioísta, mas Luís Montenegro já conseguiu que esta se tornasse montenegrista. O convite para cargos de destaque de figuras da antiga liderança como Joaquim Miranda Sarmento, Hugo Carneiro, Catarina Rocha Ferreira, Paulo Rios Oliveira, Paula Cardoso ou Ricardo Batista Leite limitaram muito o espaço para que o rioísmo se mantivesse unido e indivisível. A posição de Rio — que, garante um antigo membro da sua direção, “não deu instruções a ninguém para não aceitar cargos de Montenegro” — ajudou que assim fosse.

É certo que há quase irrecuperáveis para a direção de Montenegro, onde está José Silvano, Maló de Abreu, Lina Lopes ou Isabel Meirelles. Esta última deputada, segundo contam rioístas ao Observador, terá mesmo sugerido organizar uma lista alternativa à de Miranda Sarmento ou, no mínimo, um movimento pelos votos em branco na votação desta quarta-feira, mas as ideias não ganharam tração.

Até isso, Luís Montenegro tem confirmado. Entre direção da bancada, coordenadores e vice-coordenadores há 43 pessoas envolvidas. Isto, numa bancada de 77, significa que a votação parte de uma base de cerca de 60% de votos, aos quais se juntam ainda apoiantes que ficaram de fora e deputados que consideram importante o partido não entrar em guerras. “Eles estão a trabalhar para bater a votação do Mota Pinto”, diz um deputado rioísta ao Observador. Mas é difícil: bastam sete deputados votarem em branco para ser garantido que Miranda Sarmento tem menos que Mota Pinto. Ainda assim, é certo que a votação será elevada. Esta é mais uma prova que Luís Montenegro tem a bancada na mão.