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O primeiro-ministro indigitado, Luis Montenegro (E), conversa com o deputado do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, no final da eleição para o presidente da Assembleia da República, que sucederá a Augusto Santos Silva, que falhou a eleição pelo círculo Fora da Europa nas últimas legislativas, na Assembleia da República em Lisboa, 26 de março de 2024. TIAGO PETINGA/LUSA
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Luís Montenegro encontra-se esta sexta-feira com todos os partidos com assento parlamentar

TIAGO PETINGA/LUSA

Luís Montenegro encontra-se esta sexta-feira com todos os partidos com assento parlamentar

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Montenegro e Pedro Nuno têm margem negocial. Mas capitulação não é hipótese

Primeiro-ministro e líder do PS vão para a mesa das negociações num clima de algum otimismo, mas de muita desconfiança. Se não tiver marca no OE, Pedro Nuno chumba. Montenegro não abdica de bandeiras.

Agora é para valer. Depois de meses de ameaças e de demonstrações de força, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos chegaram à primeira ronda de negociações do decisivo Orçamento do Estado garantindo, ambos, que estão de boa-fé e com vontade de encontrar soluções. Mas a desconfiança de parte a parte é muita e ninguém sabe exatamente o que esconde o adversário.

No Governo, paga-se para ver a real disponibilidade do líder do PS para engolir tudo o que andou a dizer dos últimos meses. Entre socialistas, há quem continue a desconfiar que o primeiro-ministro quer mesmo esticar a corda e provocar eleições. O primeiro encontro, que acontece esta sexta-feira, servirá para medir a temperatura da água; depois, será preciso partir muita pedra.

Entre sociais-democratas e democratas-cristãos, a confiança está nos píncaros. Já muita gente se convenceu de que Pedro Nuno Santos não terá mesmo coragem de derrubar o Executivo de Luís Montenegro. “Pedro Nuno Santos já percebeu que seria penalizado nas urnas. E mesmo que ganhasse eleições não tinha como formar governo à esquerda. Perdia as eleições e no dia seguinte era corrido do PS. Não tem outra hipótese a não ser aprovar o Orçamento”, sugere um membro do Governo. Agora, argumenta-se, falta encontrar uma proposta boa o suficiente para que Pedro Nuno, entre a espada e a parede, não escolha, de forma irrefletida, a espada.

De resto, e apesar do otimismo assumido que prevalece no interior do Governo, ninguém ignora que, se é mesmo para evitar eleições, é preciso encontrar uma forma de Pedro Nuno Santos reclamar alguns ganhos de causa no processo negocial. E, garante-se, há genuína vontade de chegar a um entendimento com os socialistas e a um o Orçamento que, de alguma forma, permita margem de manobra ao líder socialista — fazer tudo para vergar Pedro Nuno não é, insiste-se, interesse de Luís Montenegro.

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Coisa diferente é permitir aos socialistas que dominem o processo negocial e que façam do Governo refém. Aliás, é esse o argumento que é dado para justificar o tom acintoso que Luís Montenegro levou para o debate do Estado da Nação — na mesma semana em que Pedro Nuno Santos formalizou a vontade de negociar o Orçamento do Estado, o primeiro-ministro apareceu no Parlamento a acusar os socialistas de “deslealdade”, de “contorcionismo político” e mais um par de mimos.

Segundo os sociais-democratas ouvidos pelo Observador, esse discurso serviu, essencialmente, para definir os termos das negociações: Luís Montenegro está disposto a chegar a um entendimento mas, como disse publicamente no Parlamento e vai sendo repetido à boca pequena por elementos do seu Governo, não estará disponível para apresentar e viabilizar um Orçamento a qualquer custo, descaracterizado e descolado do programa eleitoral com que foi a votos. Era preciso fazer uma demonstração de força e mostrar quem manda.

Passado esse ato, o momento agora é para negociar. De preferência com discrição. A primeira ronda de negociações desta sexta-feira servirá, essencialmente, para ouvir as prioridades dos demais partidos e perceber que margem existe para acomodar algumas propostas. Com duas certezas, porém: o PS é o partido preferencial de negociações (há muito que os sociais-democratas deixaram de ter a mínima esperança na capacidade de André Ventura respeitar compromissos); e o Orçamento será mesmo do Governo — chegou a circular a tese de seria mais vantajoso fechar o documento com o PS antes de o levar ao Parlamento, mas o núcleo duro do Governo não vê vantagens nessa estratégia.

Para já, em São Bento, assinala-se a disponibilidade demonstrada por Pedro Nuno Santos e espera-se para ver o que é que o líder socialista vai de facto levar para a mesa das negociações. Até ver, o secretário-geral do PS deixou apenas princípios gerais que quer de ver refletidos no Orçamento: uma redução do IRC direcionada e não transversal como propõe o Governo; que o IRS Jovem (tal como está pensado, pelo menos) desapareça da equação; que se avance com a redução dos impostos indiretos; se garanta o aumento das pensões contributivas; e que se assegure melhorias no acesso ao Ensino Superior. Nem todas estas propostas, naturalmente, terão o acolhimento de Montenegro. E começam aí os problemas.

Pedro Nuno Santos assumiu como prioridade a redução de impostos indiretos. No Governo, além de se notar a ironia, garante-se que Luís Montenegro não estará disposto a trocar a redução de impostos diretos por esse caminho. E dificilmente haverá margem orçamental para jogar nas duas frentes

Pedro Nuno não quer ser responsabilizado por crise

No PS, a reunião desta sexta-feira é vista como apenas um primeiro passo. Pedro Nuno Santos vai sobretudo preparado para ouvir, não leva propostas concretas e muito menos fechadas. O objetivo central do líder do PS é sair desta negociação — leve ela o tempo que levar — sem mazelas. Se for para viabilizar, é um imperativo ter marcas do partido no Orçamento; se for para chumbar, pelo caminho não pode deixar um único argumento para, mais tarde, vir a ser responsabilizado pelo falhanço do processo negocial e consequente instabilidade política. Ou seja, se tiver de escolher a espada, Pedro Nuno fá-lo-á.

Os socialistas estão a contar ter nesta primeira reunião umas luzes sobre a margem orçamental de que o Governo quer dispor para a negociação, isto para além de esperarem conhecer com as regras do jogo e a metodologia de negociação iniciada pelo Governo. Na noite de quinta-feira, o líder do PS não tinha sequer fechada a equipa que vai levar consigo (além da líder parlamentar, Alexandra Leitão) à residência oficial do primeiro-ministro para o encontro de trabalho com Luís Montenegro.

Entretanto, Pedro Nuno Santos foi deixando no terreno algumas das suas “áreas de preocupação” para o Orçamento do Estado do próximo ano. Numa entrevista esta quarta-feira, imediatamente a seguir ao debate do Estado da Nação, no canal Now, o líder do PS falou em três aspetos específicos: a preferência por aliviar carga via impostos indiretos (em vez do IRS), a atualização das pensões da carreira contributiva (para lá dos apoios às não contributivas) e ainda as condições para a igualdade no acesso ao Ensino Superior.

Alguns sociais-democratas ouvidos pelo Observador quase saltaram da cadeira quando ouviram Pedro Nuno Santos a defender, na já referida entrevista ao Now, a redução dos impostos indiretos como uma das prioridades do próximo Orçamento do Estado. Afinal, ao longo de oito anos, a oposição à direita acusou sistematicamente António Costa de dar com uma mão (aumento de pensões e salário mínimo) o que tirava com a outra (aumentando impostos indiretos). De resto, o argumento utilizado por Pedro Nuno (os impostos indiretos são regressivos, logo mais injustos e afetam particularmente os mais pobres) era exatamente aquele que a direita foi usando nos debates contra António Costa.

Apesar desta aproximação por parte de Pedro Nuno Santos, e de concordar em linhas gerais com a posição do socialista, a verdade é que a Aliança Democrática dificilmente disporá de margem para, pelo menos para já, acomodar uma eventual descida substantiva dos impostos indiretos. Muito menos, como o líder socialista pareceu sugerir, privilegiar a redução desse tipo de impostos em detrimento de uma redução dos impostos diretos sobre rendimento. Se for essa a exigência de Pedro Nuno Santos, ficará a falar sozinho, garante-se a partir do Governo.

O objetivo central do líder do PS é sair desta negociação -- leve ela o tempo que levar -- sem mazelas. Se for para viabilizar, é um imperativo ter marcas do partido no Orçamento; se for para chumbar, pelo caminho não pode deixar um único argumento para, mais tarde, vir a ser responsabilizado pelo falhanço do processo negocial e consequente instabilidade política. No Governo garante-se que não há qualquer vontade de fazer vergar Pedro Nuno - querem dar-lhe margem para reclamar algumas vitórias

Aumento das pensões pode ser estudado

No caso das pensões, o programa eleitoral socialista apontava sobretudo para os escalões mais baixos, comprometendo-se em “aprofundar a trajetória de valorização das pensões, em particular dos escalões mais baixos”. E isto não só pelo cumprimento anual da fórmula de atualização, como também pela “valorização adicional nos grupos mais desfavorecidos”.

No debate de quarta-feira, aliás, o PS juntou-se ao coro da esquerda na acusação a um Governo que “governa para os ricos“, colocando-se como defensor dos mais pobres — e ouvindo até de Montenegro uma tirada sobre a “eternização” de pessoas na pobreza para ganhos eleitorais, que pretendia atingir toda a esquerda. O PS prometeu ainda, na campanha para as legislativas, a “garantia de aumentos mínimos, prevenindo a estagnação dos valores das pensões mais baixas”.

Nesta matéria, a divergência entre PS e PSD é ainda mais antiga. Durante o período de intervenção da troika, Pedro Passos Coelho privilegiou o aumento das pensões mínimas das mínimas, aquelas que não dependem da carreira contributiva, com o argumento de que era a forma mais justa de proteger os mais vulneráveis. O PS sempre discordou desta abordagem e assim que António Costa chegou ao poder houve uma preocupação de atualizar e de aumentar de forma extraordinária as restantes pensões.

Na mudança de ciclo, uma das primeiras medidas de Luís Montenegro foi o aumento do Complemento Solidário para Idosos e alteração das regras para o acesso a este apoio — o rendimento dos filhos, fator que excluía muitos potenciais beneficiários, deixou de contar para este efeito, por exemplo. Todavia, não existe ainda um compromisso de aumentar as pensões de forma extraordinária para lá da atualização que resulta da inflação e do cumprimento da lei. No entanto, e segundo apurou o Observador, não é um assunto tabu ou uma porta completamente fechada para o Governo. Vai ser preciso perceber que margem existe.

Já no Ensino Superior, o programa socialista previa “reforçar as condições de frequência” através, por exemplo, do “reforço do número de bolsas de estudo e complementos até 100 mil bolseiros” e da simplificação da sua atribuição. Isto além do reforço do Fundo de Ação Social, com o objetivo de chegar aos 150 milhões de euros no fim da legislatura.

As medidas que o PS defendeu nessa altura passavam ainda pelo “reforço das condições de alojamento estudantil”, com a meta de “atingir em 2028 as 30 mil camas em oferta pública de alojamento”. Para o núcleo mais duro do Governo, que partilha desta preocupação, dependendo do que estiver exatamente em causa, será possível estudar e, provavelmente, acomodar as propostas de Pedro Nuno Santos.

No Largo do Rato ainda se sonha com "o cenário ideal" de ter AD e Chega a entenderem-se e o PS ficar onde Pedro Nuno Santos o quis colocar logo na noite de 10 de março: a fazer oposição. O problema é que a AD não confia em André Ventura, não quer ficar dependente do Chega e quer privilegiar as negociações com o PS - para não libertar Pedro Nuno da responsabilidade 

Impostos são problema bicudo

Na fiscalidade, o assunto é mais delicado e parece ser onde há uma diferença de princípio, com o PS a recusar “descidas de impostos cegas e transversais” — que acusa a direita de promover — preferindo olhar “para a fiscalidade como um instrumento de política pública, indutora ou desincentivadora de comportamentos de trabalhadores e consumidores, o que exige uma utilização muito mais seletiva – e inteligente – dos diferentes impostos”.

O PS tem, aliás, recusado toda a linha de descida de impostos diretos tal como é proposta pelo PSD, seja no IRS, seja no IRC, seja no IRS Jovem, sempre com o mesmo argumento: descidas generalizadas acabam por beneficiar os que mais ganham e não quem tem menos rendimentos. A forma de contornar isto, segundo Pedro Nuno, é reduzir antes impostos regressivos.

O caderno de encargos futuro do PS não ficará por aqui (haverá propostas para a Saúde e a Educação, por exemplo), mas uma coisa é certa: a redução transversal do IRC ou o IRS Jovem — que a AD está a colocar fora do Orçamento através de pedidos de autorização legislativa ao Parlamento — trará um impacto orçamental significativo na receita do Estado, condicionado a margem orçamental para o próximo ano. Por mais que o Governo tente desviar estas pedras do caminho, os socialistas recusam ignorá-las e a oposição do PS a estas medidas é para levar a sério.

Para já, da parte do Governo, existe alguma benevolência na forma como vão sendo recebidas as exigências de Pedro Nuno Santos — a convicção que existe é de que, nuns casos, o líder socialista acabará por ceder em grande medida às propostas da AD em matéria de fiscalidade; e, noutros casos, será possível encontrar soluções criativas que não façam desesperar os socialistas. Resta saber quais.

Aliás, a manifestação de disponibilidade de Pedro Nuno Santos para discutir a redução do IRC foi celebrada no Governo. Mas falta saber exatamente qual é o grau de flexibilidade do socialista — e aí é que pode residir o problema. Atendendo ao que vão dizendo em privado e em público alguns dirigentes da Aliança Democrática (veja-se a entrevista de Paulo Núncio ao Observador) abdicar da proposta de redução transversal do IRC não é uma hipótese para o Governo.

Portanto, sobra uma de duas hipóteses: fazer fé que Pedro Nuno Santos ignora a medida por esta não constar do Orçamento do Estado (o que é pouco provável) e esperar que o Chega a aprove no Parlamento; ou encontrar uma outra hipótese que, não violentando o espírito do programa eleitoral da Aliança Democrática, permita uma aproximação à posição de princípio do PS. Não será um debate fácil.

Também não será fácil convencer Pedro Nuno Santos dos méritos da redução do IRS para os jovens até aos 35 anos. Os socialistas têm defendido insistentemente que esta é uma medida injusta e discriminatória, mas sociais-democratas e democratas-cristãos não estarão dispostos a abdicar de uma das principais bandeiras eleitorais e programáticas. No núcleo duro do Governo vai-se acreditando que Pedro Nuno Santos acabará por não comprar todas as guerras e que esta medida vai passar de alguma forma.

O Governo tem alguma margem para rever a redução do IRC, tal como reivindicou Pedro Nuno Santos. No entanto, sociais-democratas e democratas-cristãos dificilmente abdicarão de uma descida transversal do imposto, uma bandeira assumida durante a campanha eleitoral e no Programa de Governo

PS sonha que o Chega o liberte

Até lá, vão-se fazendo contas. Se na Aliança Democrática já ninguém acredita que Pedro Nuno Santos consiga fugir à responsabilidade de viabilizar o Orçamento do Estado, o PS vai fazendo outros cálculos. Na direção do partido foi notado “um Chega muito mais apagado” (nas palavras de um dirigente) no debate do Estado da Nação do que em todos os outros debates desta legislatura. E isso levantou algumas pistas.

No Largo do Rato, rapidamente se começou a sonhar com “o cenário ideal” de ter AD e Chega a entenderem-se e o PS ficar onde Pedro Nuno Santos o quis colocar logo na noite de 10 de março: a fazer oposição. Enquanto vê esse pássaro a voar, o PS tem de tentar ter já algum ganho na mão e é dessa forma que encara estas negociações: Pedro Nuno em nenhum momento quererá passar a imagem de que não esteve disponível para encontrar uma solução para o país e permitir a Luís Montenegro que alimente a narrativa da vitimização.

Acontece que esse voto favorável do Chega não é, aos olhos da equipa de Montenegro, o cenário mais provável. Há muito sociais-democratas e democratas-cristãos deixaram de considerar Ventura um parceiro digno sequer do benefício da dúvida. Ao mesmo temo, continuam convictos de que não podem ficar dependentes do líder do Chega, sob pena de viverem condicionados pelos humores de Ventura. Esperar que o Chega vote favoravelmente o Orçamento (ao contrário do que acontece com Pedro Nuno, que teria apenas de se abster, Ventura teria mesmo de votar a favor) é um risco que a equipa de Montenegro não quer correr.

Para o Governo, o ideal é manter todos os pratos a girar ao mesmo tempo e, no último minuto, quando já não existir margem de recuo, fechar o Orçamento e garantir a sobrevivência até, pelo menos, 2026. Mas isso coloca um problema que há muito vai preocupando os mais céticos no Governo: de tanto esperarem um pelo outro, Pedro Nuno Santos e André Ventura podem mesmo acabar por dizerem os dois ‘não’ ao Orçamento do Estado e precipitarem o país numa crise política. Ciente dessa possibilidade, esse é, ainda assim, um risco que Montenegro estará disposto a correr.

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