Gelo nos pulsos e não reagir a marcelices. Depois de tantos choques frontais com Marcelo Rebelo de Sousa, esta ideia tornou-se uma espécie de mantra na direção do PSD: é preciso evitar a todo o custo alimentar o bate-boca entre a São Caetano e Belém. Não por qualquer receio de afrontar o Presidente da República, insiste-se no PSD, mas antes para evitar o ruído que isso traz à mensagem.
Atentos aos sinais de Marcelo, os homens de Montenegro têm ordens para não reagir, nem alimentar qualquer guerra (pública ou privada) com o Presidente da República, garante ao Observador fonte próxima de Luís Montenegro.
Esta semana foi mais um exemplo disso mesmo. Quando os sociais-democratas tentavam marcar a semana com o seu próprio pacote de medidas para Habitação, Marcelo apareceu em público para dar um puxão de orelhas a Luís Montenegro e a Carlos Moedas a propósito das declarações de ambos sobre a imigração.
Se este último não resistiu em dizer que não aceitava “lições de ninguém” em matéria de imigração, Montenegro tentou matar o assunto de vez. “Não ouvi as declarações do Presidente da República, mas posso ter a certeza absoluta de que não se dirigiam a mim”, cortou o líder social-democrata.
Na verdade, a direção social-democrata sabe perfeitamente que Marcelo Rebelo de Sousa se dirigia a Luís Montenegro. De resto, as declarações do Presidente da República causaram particular perplexidade no núcleo duro do líder social-democrata, que não aceita de todo ser associada uma agenda populista ou radical em matéria de imigração .
E foi exatamente isso que Marcelo sugeriu, quando veio comentar as palavras de Montenegro sobre imigração. “Declarações muito emocionais – alguns dirão mais populistas – feitas em cima de casos correm o risco de ser irracionais e de irem a reboque de posições mais emocionais que essas terão sempre mais sucesso em termos de captar a opinião pública. A cópia perde sempre para o original”, advertiu Marcelo, colando de forma óbvia Luís Montenegro à agenda de André Ventura e do Chega.
O tema “Chega” já tem trazido muitos amargos de boca à atual direção do PSD, que se vai mantendo fiel à estratégia traçada desde o minuto zero: insistir até à exaustão que as possíveis e futuras alianças à direita são um não-assunto e espera que jornalistas, comentadores e adversários políticos desistam por cansaço. Desta vez, no entanto, foi Marcelo a trazer o tema para agenda, sugerindo que o PSD queria ser cópia do Chega e logo num tema sensível como a imigração.
De resto, esta nem sequer é a primeira vez que Belém dá recados ao PSD sobre Chega. No Expresso, na edição de 3 de fevereiro, escrevia-se o seguinte: “A ambiguidade alimentada pelo discurso do PSD em relação ao Chega preocupa Marcelo. Na opinião do Presidente, Luís Montenegro já devia ter deixado claro que não fará acordos com o partido de André Ventura. Em Belém receia-se que, com o prolongamento da ambivalência, o PSD acabe por sofrer uma dupla perda de votos. Por um lado para o Chega, por outro para a Iniciativa Liberal, que sempre disse não estar disponível para entendimentos com Ventura”.
O mesmo semanário acrescentava ainda: “‘O PSD já devia ter arrumado esta questão. Assim, arrisca-se a perder para o Chega e para a IL e a abrir divisões no partido’, confirma-se na Presidência, onde os rumores de um eventual regresso de Passos Coelho se o partido falhar nas europeias são monitorizados de perto”.
Entre os mais destacados dirigentes do PSD, a convicção é de que entrar no jogo do Chefe de Estado só servirá para desviar as atenções: além de alimentar o lado mais palaciano da política e de evitar que o Governo seja chamado a prestar contas, torna também muito mais difícil ao partido marcar a agenda mediática e política com propostas concretas.
Miguel Relvas atira-se a Marcelo
Posição diferente teve Miguel Relvas, figura próxima da atual liderança do PSD, ainda que nem sempre em linha com Luís Montenegro. No seu habitual espaço de comentário na CNN, o antigo ministro atirou-se à jugular de Marcelo Rebelo de Sousa. “[Marcelo] tirou o fato de Presidente da República e vestiu o fato de comentador e atacou diretamente o presidente do PSD de uma forma inaceitável, e o presidente da Câmara Municipal de Lisboa”, disse Relvas.
Já depois de ter recordado que Marcelo era “filho de uma elite do antigo regime”, logo tinha poucos pergaminhos para dar lições a pessoas como Carlos Moedas, o antigo ministro deixou ainda um aviso ao líder do PSD: “Se Montenegro quer ser primeiro-ministro, conviva pouco com o Presidente da República. Siga o seu caminho e as suas políticas”.
Aliás, para Relvas, este “ataque” de Marcelo a Moedas e Montenegro teve um único propósito: desviar as atenções mediáticas as conclusões da comissão independente que investigou os abusos sexuais cometidos por elementos da Igreja Católica.
“O Presidente da República teve um dia difícil. Sai o relatório da situação trágica – e vergonhosa – dos crimes dentro da Igreja e houve um jovem que disse ‘decidi falar porque vi o Presidente da República a querer desvalorizar este processo’. E o Presidente arranjou um clima de [querer atacar] o presidente do PSD e o presidente da CML”, sugeriu Miguel Relvas.
No passado, quando estava sob muita pressão a propósito dos abusos na Igreja, o Presidente da República já tinha feito declarações sobre o PSD que irritaram (e muito) a direção social-democrata. Na altura, Marcelo aproveitou a presença de Pedro Passos Coelho nas comemorações do centenário de Agustina Bessa Luís para lançar, nas entrelinhas, a candidatura presidencial do antigo primeiro-ministro, o que foi visto como um gesto desesperado para sacudir as críticas e criar um facto político.
“Quando o país devia estar a discutir o Orçamento do Estado, está a falar da candidatura presidencial de Passos Coelho. Infelizmente, o PSD tem de perceber que não pode contar com Marcelo. Vai continuar a fazer estes números”, desabafava então com o Observador um destacado dirigente do PSD.
Depois veio a defesa pública de Marcelo a António Costa à boleia das revelações do livro “O Governador” sobre a relação do socialista com Isabel dos Santos e também com o Banif. “Já se tornou ridículo. Roça o non sense total. Parece que já tem saudades de ser Presidente da República e tem esta necessidade permanente de dizer que existe”, queixava-se um outro dirigente social-democrata.
A partir daí, no entanto, as ordens foram para refrear as críticas (mesmo que privadas ou sob anonimato) a Marcelo Rebelo de Sousa, sob pena de alimentar um folhetim que em nada ajudava à consolidação do partido. E mesmo com Miguel Relvas a dar fogo à peça, na cúpula do PSD regista-se apenas o ataque, lamenta-se o episódio, mas ninguém arrisca fazer juízos sobre as verdadeiras intenções do Presidente da República. É seguir em frente.
O Observador sabe, ainda assim, que para muitos na família social-democrata, sobretudo entre a linha mais passista do partido, este caso foi mais uma prova de que Marcelo nem sequer pode ser visto como um não aliado, um árbitro neutro que ora decide a favor de um, ora decide a favor de outro – Marcelo é mesmo um adversário à afirmação do PSD.
Socialistas aplaudem defesa de Marcelo, PSD irrita-se: “Já roça o nonsense total”