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KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

"Não conheço o pensamento político de Fernando Medina e Pedro Marques"

A pergunta até foi sobre Medina, mas Francisco Assis fez questão de falar do seu sucessor na lista às Europeias. Não quer ser deputado por causa da "geringonça", embora lhe anteveja vida curta.

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Está de saída do Parlamento Europeu e não quer ir nas listas a deputado nas legislativas. São duas eleições de peso, mas Francisco Assis avisa já que é carta fora do baralho: “A minha perspetiva no imediato é não estar na vida política”. Quer dedicar-se à academia, mas sem deixar de marcar espaço no PS, o partido que não larga ainda que permaneça desavindo por causa da solução governativa dos últimos quatro anos e que acredita agora ter os dias contados. Quando esse tempo terminar, o socialista não descarta vir a integrar o Governo. E se for na típica pasta bem do centrão político? “É interessante”.

Garante não ter ficado zangado com António Costa, faz os mais rasgados elogios ao primeiro-ministro e diz até que esta solução de esquerda foi apenas uma fatalidade. Ao mesmo tempo, mostra mais consideração pela ala esquerda do PS do que pela outra, a que fica mais perto do seu espaço político no partido, e que Costa também está a promover. É lá que estão Fernando Medina e o homem que lhe sucede no topo da lista às Europeias: Pedro Marques. Dois nomes que potencialmente podem vir a contar para o futuro do PS — e cujo pensamento político Assis faz questão de dizer que desconhece (mesmo que não lhe tenhamos feito exatamente essa pergunta).

[“Projetar na Europa o modelo da geringonça, é um disparate.” Veja o ‘best of’ da entrevista:]

“Demiti-me por uma questão de salvaguarda da dignidade pessoal”

Acusou recentemente os socialistas europeus de censura e demitiu-se do cargo da Assembleia Parlamentar EURO-Latino-Americana por não lhe ter sido dada a palavra num debate sobre a Venezuela. Foi um mal entendido ou houve tentativa de o silenciar?
Houve um conjunto de coincidências que me leva à demissão que foi um bocadinho mais do que um mal entendido. Mas não tendo nenhuma prova para sustentar esta tese, entendi apenas que não tinha condições para continuar a desempenhar aquelas funções de coordenador do grupo socialista no Eurolat.

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Que incómodo poderia criar aos socialistas europeus a sua intervenção?
Não quero especular, é um assunto que está ultrapassado.

Mas uma acusação de censura não é coisa pouca. 
Estou em final de mandato e considero o assunto plenamente encerrado.

Com que suspeita é que ficou?
Acho que há uma série de coincidências, eu nunca tinha deixado de falar, foi a primeira vez que não falei.

Por já não ser cabeça de lista nas próximas eleições?
Não sei, não quero especular. Só tomei aquela atitude por uma questão de salvaguarda da dignidade pessoal.

Sai incomodado, então?
Nesse caso específico fiquei, no resto até saio bastante tranquilo.

"Julgo que neste momento começa a haver razões muito sólidas para que o grupo socialista europeu se pronuncie em relação ao que se está passar na Roménia, em Malta e na Eslováquia."

E o que é que queria ter dito sobre a situação da Venezuela que não disse?
O que tenho a dizer é que se foi degradando ano após ano ao longo dos últimos tempos. Hoje vive-se uma crise política tremenda, uma crise económica de expressão indescritível, uma crise social dramática e até humanitária. Quando estive numa visita à fronteira do Brasil com a Venezuela pude aperceber-me disso mesmo. As pessoas fugiam, algumas por razões puramente políticas, porque são perseguidas, muitas outras por situações de fome e de inexistência de medicamentos.

Portugal devia ser mais firme na posição sobre a Venezuela?
Tem acompanhado as posições da União Europeia.

E bastam?
São as possíveis neste contexto. Não podemos ignorar que a situação é complexa porque é um poder de facto que continua a ser exercido por Maduro e os seus acólitos. O Governo, apesar de tudo, reconheceu a legitimidade de Guaidó como Presidente interino e com a incumbência de marcar eleições. Por outro lado, tem tido uma atividade muito positiva no apoio à comunidade portuguesa. Temos a preocupação de que se exerça uma pressão grande sobre um regime completamente obsoleto e ultrapassado e que começa a adquirir características criminosas, mas evitando uma situação que leve a uma intervenção externa. Isso significaria uma guerra civil na Venezuela, já que o poder militar continua fiel a Maduro. A única ingerência que existe na Venezuela é a cubana e é ao nível das forças armadas e serviços secretos que é suficientemente poderosa para garantir a manutenção do regime.

“O grande problema da Europa são os extremismos”

O Partido Popular Europeu (PPE) suspendeu o partido de Orbán da sua família política. Fez o que devia ser feito ou podia ter ido mais longe, expulsando-o?
A suspensão é um sinal importante. Pode ser um meio caminho que leve à expulsão. Claro que ficaríamos todos mais satisfeitos, mesmo alguns partidos do PPE, se se tivesse verificado a expulsão. Orbán já não tem nada a ver com aquilo que é a tradição política do PPE, que resulta de uma agregação de partidos muito europeístas, defensores do Estado de Direito, do modelo das democracias liberais. Por isso teria preferido que se tivesse optado por uma expulsão.

Seria um sinal político que os socialistas deviam dar relativamente aos regimes da Roménia, Malta e Eslováquia?
Há razões para a família socialista ponderar uma solução desta natureza. Embora sendo situações distintas, temos razões para pensar que quer na Roménia, quer em Malta, quer na Eslováquia, não há o devido respeito pelo Estado de direito. Nalguns casos, há mesmo suspeitas de envolvimento de responsáveis políticos em atos criminosos, de corrupção e de um assassinato. O grupo socialista europeu tem de encarar claramente o problema e não o tem feito. Algumas vozes têm chamado a atenção para essa questão, mas julgo que neste momento começa a haver razões muito sólidas para que o grupo socialista europeu se pronuncie em relação ao que se está passar nesses países.

E em que medida? Suspensão?
Porventura, não sei. Tem de ser avaliado caso a caso.

Porque é que ainda não aconteceu?
Há discussões. Eu, por exemplo, numa proposta recente contra a Roménia votei num sentido mais radical. Mas a verdade é que há no grupo socialista algumas divisões, como havia no PPE em relação a Orbán. No caso dele, o discurso é de rutura com o modelo democrático europeu. Nestes casos, não havendo uma rutura discursiva tão evidente, há práticas políticas e governativas que nos devem levar a ponderar uma solução dessa natureza. O S&D terá de o fazer e espero que o faça rapidamente.

"O grande problema da Europa são os extremismos. O de direita e o de esquerda."

A questão do Brexit, e este impasse longo, ameaça as Europeias, nesta vertente de crescimento do populismo e do discurso anti-Europa e anti-sistema?
Tem contribuído menos do que eu esperava. Temíamos que na sequência do Brexit pudesse haver outros movimentos no mesmo sentido. Não só não apareceram, como os países europeus revelaram uma inesperada unidade em resposta ao britânicos.

Mas esta instabilidade não faz o populismo ganhar raízes?
O populismo tem várias origens, eu até prefiro falar no extremismo, porque o grande problema da Europa são os extremismos. O de direita e o de esquerda. Em relação ao Brexit, é um processo que se está a arrastar demasiado, com consequências muito negativas para o Reino Unido e que está a evidenciar uma coisa: verdadeiramente não estavam preparados para sair da União Europeia, não sabem verdadeiramente o que querem.

E a culpa é de quem?
Algumas correntes de opinião dizem que a culpa é das duas partes. Não é verdade. A UE não está a dificultar saída nenhuma. Evidentemente que há consequências quando um Estado-membro diz que quer sair e opta pela saída. É preciso arcar com essas consequências e os britânicos queriam sair sem arcarem com as consequências. Em relação aos extremismos, o projeto europeu não subsiste se os extremismos progredirem. Um exemplo claro: se há dois anos, em França, a segunda volta tivesse sido entre Le Pen e Mélenchon, teríamos dois extremistas: uma radical de direita e um de esquerda, profundamente anti-europeus, com uma cultura anti-liberal e qualquer um deles, a ganhar, poria em causa a permanência de França.

“Portugal não pode ser a porta aberta para os interesses chineses na Europa”

Outra das questões que tem marcado a agenda europeia tem a ver com o novo domínio chinês. No mês que vem, o Presidente da República tem visita de Estado marcada à China. A Europa e Portugal estão a ser demasiados permissivos e confiantes nesta relação económica?
Sou a favor de uma relação económica o mais aberta possível. Nos últimos anos, a China assumiu-se claramente como um grande ator global, com projeção global a todos os domínios e com vontade de exercer influência em todos os planos. Isso pode conflituar com interesses europeus e não podemos perder de vista que os nossos modelos de organização política são muito distintos. Por outro lado, nós europeus, somos muitas vezes vítimas de práticas de concorrência ilícita aos mais diversos níveis promovidos pelo Estado chinês.

Neste momento discutem-se as questões da segurança, do investimento, da abordagem tecnológica.
São questões que merecem reflexão, tem de haver uma atitude que não é de fechamento. Não sou pela lógica de protecionismo radical. Isso é prejudicial para o quadro internacional. Um dos temas para o próximo ano no Parlamento Europeu é precisamente a nossa posição em relação aos tratados com outras zonas do mundo. Há cada vez há mais gente no Parlamento que defende uma Europa fechada. Sou completamente contra isso. A Europa, a meu ver, é um espaço aberto e deve continuar a sê-lo. Devemos procurar até concorrer para a regulação da globalização, por via dos acordos comerciais e das várias cláusulas que conseguimos introduzir nesses acordos. Com a China é uma relação que será sempre difícil e complexa, mas é uma relação que não ganha nada em ser fechada, cheia de preconceitos. Também não ganha nada em ser uma relação demasiado aberta e permissiva.

KIMMY SIMÕES/OBSERVADOR

Mas Portugal faz bem em estar lá na primeira linha a celebrar acordos, como o Belt and Road?
Aí tenho algumas reservas.

Que tipo de reservas?
A Itália está a fazer o mesmo. Acho que Portugal não tem vantagens especiais. Ouvi uma vez uma declaração de uma secretária de Estado que, virando-se para os chineses, disse: “Utilizem-nos como cobaias. Estamos aqui para ser as vossas cobaias na presença na integração europeia”. António Costa também já disse publicamente que achava que havia excessivo protecionismo relativamente à China, portanto ele próprio também acha isto. Mas não há excessivo protecionismo.

Traz mais riscos ou vantagens para nós esta relação aproximada, a quantidade acordos firmados, as visitas recíprocas?
Portugal é um país com uma tradição internacional fortíssima, historicamente com presença no mundo asiático, e portanto é natural que promovamos essa relações. Ao mesmo tempo, não podemos perder de vista que também temos responsabilidades enquanto país membro da União Europeia e que devemos concertar muitas das nossas posições no quadro europeu. Espero, aliás, que isso venha a suceder no futuro.

Há alguma divergência que o preocupe especialmente?
Acho que estamos a abordar mal a questão russa. Não devemos perder a Rússia para a China e corremos esse risco. A Rússia tem grandes problemas a nível de Estado de Direito, violações de diretos humanos. É sabido. Teve-os sempre. O processo de democratização será lento e complexo. Também não é o pior dos regimes políticos à face da Terra e, sobretudo, é um vizinho importantíssimo para nós. Acho que a União Europeia tem adotado em relação à Rússia, em grande parte por pressão de países que viveram historicamente situações complicadas do ponto de vista desse relacionamento, uma posição demasiado fechada e radical. A aproximação à Rússia é vital para que ela não caia para o lado chinês. Se cair, alguns equilíbrios internacionais ficam prejudicados em prejuízo da parte europeia. Portugal também pode ter aí um papel. Não devemos é ser uma espécie de porta aberta para os interesses chineses no espaço europeu.

Geringonça: "Foi um período em que vivemos uma espécie de suspensão do tempo. Houve uma descrispação da sociedade portuguesa, as pessoas recuperaram alguns rendimentos, superou-se a ideia de um ambiente de crise tremenda. Mas não se foi muito além disto, nem se podia ir."

Uma das questões que o preocupa, a nível europeu, tem a ver com o risco de “morte do centro político”. É o que está a acontecer?
É o grande problema da Europa. Os extremismos estão a progredir não só a partir dos partidos extremistas, mas também nas grandes formações políticas mais tradicionais. Uma parte do S&D (família europeia a que pertence o PS) está a aproximar-se de posições mais à esquerda do que era tradicional e uma parte do PPE (família europeia do PSD e do CDS) que também se aproximou de posições muito mais à direita. Esta invasão talvez seja o maior risco do próximo Parlamento Europeu e é um risco enorme para o projeto europeu. Há o extremismo de direita, que é perigoso, racista, xenófobo e tem algumas dimensões proto-fascistas, mas também há o extremismo de esquerda que está a regressar e que é profundamente anti-liberal e anti-europeu.

“A ‘geringonça’ é um modelo quase irrepetível”

Em Portugal aconteceu o mesmo, o centro político morreu?
Não, temos uma situação diferente.

Mas desde há quatro anos que um partido de esquerda que tradicionalmente se aliava à direita, foi para os extremos à sua esquerda.
E como sabe eu tenho até uma perspetiva crítica em relação a isso, é a minha grande divergência em relação ao PS e a razão pela qual me tenho mantido afastado da direção do partido.

Estes quatro anos de “geringonça” não acabaram com o centro político?
Não. Apesar de tudo, continua a haver, mesmo em termos parlamentares, uma maioria tradicional, em torno das questões europeias que agrega o PS, o PSD e o CDS. Do ponto de vista do respeito pelas regras europeias, isso não teve qualquer efeito na governação. O PS conseguiu um equilibro muito precário e instável que também tem as suas limitações, mas conseguiu manter a tese das duas maiorias que apesar de tudo vigorou. Há uma maioria parlamentar de sustentação do Governo nos orçamentos do Estado, mas há noutras questões outras maiorias parlamentares à direita e o PS colocou-se nessa posição.

Nomeadamente em questões internacionais e muitas de política europeia
E muitas de política económica. Onde houve uma aproximação à esquerda foi na recuperação de rendimentos. O PS fez uma opção: governar com estes partidos era a única forma que tinha para assegurar a governação do país e isso teve como consequência uma reposição mais rápida dos rendimentos. A economia portuguesa tinha começado a crescer, o cenário internacional era bastante favorável e foi possível avançar com esse tipo de políticas. E essas suscitaram a adesão e o apoio dos partidos mais à esquerda. Já tudo o que tem a ver com equilíbrio orçamental ou a posição perante a dívida pública, a proximidade é com os partidos à direita.

É inevitável que no futuro próximo se regresse ao centro, sobretudo quando o BCE está a fazer avisos de abrandamento da economia?
Estou convencido que um modelo de governação como tivemos até aqui, que explora um conjunto de circunstâncias altamente favoráveis que se conjugaram num tempo, é um modelo quase irrepetível.

Tem os dias contados?
Sim. Não é o discurso do PS, nem a posição do PS, mas é a minha convicção profunda. Estamos num contexto de abrandamento da economia, em que teriam de ser tomadas decisões mais difíceis, num país com uma dívida pública elevadíssima, que tem uma carga fiscal elevada, e não pode apontar nem no sentido de aumentar as receitas nem as despesas. Ainda por cima com uma perspetiva de crescimento económico relativamente medíocre.

NUNO NEVES/OBSERVADOR

No congresso do PS disse que este Governo tinha governado com “constrangimentos”. A incapacidade de reformar de que falou foi por culpa da esquerda, houve falta de vontade do PS ou o tempo era de repor rendimentos e não dava para mais?
A resposta é a última. Vivemos uma espécie de suspensão do tempo. Estou a falar de um reformismo permanente, de uma sociedade em mudança constante.

E estagnou?
Não diria que tenha estagnado. Houve uma descrispação da sociedade portuguesa, as pessoas recuperaram alguns rendimentos, superou-se a ideia de um ambiente de crise tremenda, mas não se foi muito além disto. Nem se podia ir.

Então acaba por ver mérito na “geringonça”. Os receios iniciais que tinha…
Não, mantenho esses receios de quando ela foi fundada. O preço a pagar por uma solução desta natureza é um relativo imobilismo.

“Quando o PS falar de projetar a ‘geringonça’ na Europa, é um completo disparate”

Só não percebo é qual era, afinal, a alternativa nesse período concreto de que estamos a falar. 
As sociedades, por vezes, também podem parar. Não vem problema nenhum ao mundo se durante dois ou três anos, em nome da descrispação, se atenuar qualquer ritmo de reformas.

Então porque é que achou que não podia ser assim?
Acho que só funciona durante algum tempo. O principal sucesso da “geringonça” é a circunstância de ela própria não ter sido uma catástrofe e ter sobrevivido.

Mas isso é mau? 
É limitado e essa limitação vai-se projetar no tempo. Não estou a ver no futuro que se possa governar, num contexto de abrandamento da economia, com um Governo alicerçado de novo no apoio do PCP e do Bloco de Esquerda, que não mudaram praticamente nada. O BE volta com um discurso anti-capitalista, radical, de demonização do modelo de organização em que estamos inseridos. Esta solução funciona num lapso de tempo de quatro anos, cinco, seis. Não estou a dizer que vai acabar amanhã. Mas esgota-se.

"António Costa é substancialmente um moderado que acidentalmente teve de fazer estes entendimentos mais à esquerda."

O que dizia antes é que estes quatro anos seriam nocivos. 
Nunca disse que não sobreviveriam. O único receio que felizmente não se concretizou, e que a dada altura temi, foi que, em nome da solução governativa, houvesse menos empenhamento na nossa participação europeia. Talvez esse seja o maior mérito. António Costa é substancialmente um moderado que acidentalmente teve de fazer estes entendimentos mais à esquerda e às vezes tem de fazer um grande discurso de contentamento com uma solução governativa que é a possível, e que eu respeito embora divirja dela. O primeiro-ministro foi firme nesse domínio.

Ate já o coloca como possível presidente da Comissão Europeia no futuro.
No âmbito da esquerda democrática, ele é sem sombra de dúvidas uma das maiores figuras e referências. É um homem com pensamento sobre a Europa. E nesse domínio reconheço-me até no pensamento de António Costa. Já não me reconheço no discurso que o PS faz quando diz que vamos projetar na Europa o modelo da “geringonça”. Isso é completamente delirante.

Porquê?
Porque é impraticável. A Europa é inviável se não houver o mínimo de entendimento ao centro. Se não houver um entendimento mínimo entre o PPE, os socialistas, os liberais e os verdes, a Europa desaparece de um momento para o outro, pela própria natureza do projeto político europeu, da sua complexidade, das suas dificuldades, a necessidade de gerar consensos no processo de decisão. Os extremismos são letais para a Europa. Falar de projeção da “geringonça” na Europa é um completo disparate, não tem qualquer viabilidade. A Europa que gosta de António Costa não gosta dele por causa da “geringonça”, até é apesar da geringonça. Alguns temeram que ele fosse fortemente condicionado pela “geringonça” a ponto de pôr em causa as suas próprias convicções europeias. Ele não fez isso e fez discursos muito fortes e corajosos no Parlamento Europeu. Os discursos mais interessantes que me recordo de ter ouvido foram três: o de Macron, o do António Costa e o de Merkel. Curiosamente com muitíssimos pontos de coincidência.

Sem maioria absoluta, modelo devia ser governo PS a dialogar com todos

Isso demonstra que António Costa está a fazer um jogo aqui dentro?
Não está a fazer um jogo. Ele entendeu que o Partido Socialista tinha obrigação de formar governo a partir do momento em que as outras formações políticas se disponibilizaram para o apoiar.

E num cenário semelhante nas próximas legislativas, que já não estão tão longe quanto isso? O centrão é o caminho a seguir?
Eu não digo que o centrão seja o caminho a seguir. Vamos esperar pelos resultados eleitorais.

A maioria absoluta do PS é difícil…
Isso é difícil. Há condições para o PS reforçar o seu peso eleitoral, todas as sondagens o indicam. Mas sem maioria. E, portanto, a solução que eu preconizaria seria um PS que se desvinculasse desta solução governativa à esquerda e dissesse: “Nós ganhámos as eleições, governaremos com base numa maioria relativa no Parlamento e dialogaremos com todos os partidos políticos em pé de igualdade, procurando garantir a estabilidade política num contexto desses”.

E com Rio ou preferia um PSD com um líder mais do estilo de Passos Coelho?
São PSD distintos. Não temos que ter preferências relativamente aos outros partidos.

É normal que tenha…
Mas não temos que as divulgar.

Governo minoritário: "Em 2011, Guterres estava de tal maneira cansado e farto que entendeu ir-se embora. E portanto, não está provado que este modelo não possa funcionar"

Ainda por cima tem um passado algo conturbado, já houve alguns problemas entre os dois na Câmara do Porto, há muitos anos.
Não houve problemas nenhuns, houve uma disputa democrática. Tenho um bom relacionamento pessoal com o Rui Rio. Mas eu não estou a falar do PSD, estou a falar do PS e como é que eu acho que o partido deve fazer. Acho que deve, ganhando as eleições, assumir esta posição. Fizemo-lo com António Guterres e funcionou, durante quatro anos. Com méritos, com defeitos, mas funcionou.

Mas depois não funcionou mais, não é?
Se o António Guterres, naquela altura, mesmo depois da demissão, se tivesse apresentado ele próprio, teríamos ganho com maioria absoluta. O Guterres foi sempre uma figura popular no país, as pessoas aderiam àquele governo.

Naquelas eleições autárquicas (2001) não havia nada que indiciasse uma maioria absoluta do PS, antes pelo contrário…
A seguir, mesmo depois de ter mudado de líder, num processo complicado, o PS ficou a dois pontos do PSD. O António Guterres podia ter feito um discurso ao país, dizendo: “Não há condições para governarmos, as oposições sistematicamente se coligam para inviabilizarem as nossas propostas”. Se ele o tivesse feito com energia, com combatividade, ele que era popular, estou convencido que teríamos ganho as eleições com maioria absoluta.

“O centrão é o lugar maldito da vida política portuguesa”

E porque é que isso não aconteceu?
O que aconteceu ali foi uma desistência. Estava de tal maneira cansado e farto que entendeu ir-se embora. Portanto, não está provado que este modelo não possa funcionar. Do meu ponto de vista, esse é o mais adequado às necessidades que o país tem no futuro. Governação do PS solitariamente falando com os diferentes partidos, consoante as necessidades. Tornando até a vida política portuguesa mais transparente e mais clara.

Aconteceram muitos momentos assim no Parlamento apesar de haver a “geringonça”. Por exemplo, em questões laborais os próprios partidos da esquerda queixam-se que o PS se aproximou sempre da direita. E conseguiu chumbar algumas alterações com a direita.
Verdade, mas num contexto destes isso funciona mais pela negativa, no sentido de chumbar iniciativas. Num contexto diferente, poderia funcionar pela possibilidade de se estabelecer alguns entendimentos de fundo e promover alterações. Qual é o grande problema do país, neste momento? É o crescimento económico. Não podemos estar contentes com a perspetiva de termos ritmos de crescimento económico de 1,5% nas próximas décadas. Até porque já vimos de muitos anos de crescimento económico débil.

Como é que se acautela isso?
Estamos a crescer ligeiramente acima da média europeia por uma razão muito simples, porque os principais países europeus estão com níveis de crescimento muito baixos. Por outro lado, estamos a crescer menos que a generalidade dos países que estão mais ou menos ao nosso nível, ou que estão próximo de nós. E estamos a ser sistematicamente ultrapassados por outros. É um problema que deve suscitar em Portugal um debate sério e uma busca de alguns entendimentos. Melhorámos muito o peso das exportações, mas temos de reforçar essa dimensão. Maior presença em mercados externos, melhorar a produtividade. Há respostas à la longue, como a aposta na educação, na formação profissional. Mas também há respostas no imediato que a meu ver deviam ser tema de debate nacional.

E não são porquê?
Nos últimos anos fomos colonizados de tal maneira quer à esquerda, quer à direita, que a ideia de centrão passou a ter uma conotação negativa. Ou é ser demasiado tíbio nas convicções ideológicas, ou perigoso no domínio da satisfação de interesses. O centrão é, por definição, o lugar maldito da vida política portuguesa.

"Estamos a discutir a Lei de Bases da Saúde. Eu preferia que o PS fizesse um entendimento de fundo com o PSD , que não acho impossível, a fazer um entendimento de fundo com o Bloco de Esquerda e o PCP."

E qual é a sua definição de centro?
É a possibilidade de os grandes partidos, mesmo tendo divergências em algumas matérias, se entenderem e fazerem alguns pactos em torno de questões fundamentais. Um exemplo concreto: estamos a discutir a Lei de Bases da Saúde. Eu preferia que o PS fizesse um entendimento de fundo com o PSD , que não acho impossível, a fazer um entendimento de fundo com o Bloco de Esquerda e o PCP.

Porquê? Permitiria um plano mais duradouro?
Corresponde melhor aos interesses do país. Não vejo no PSD uma fúria de privatização absoluta na área da saúde, acho que é um partido que vai do centro ao centro direita, mas que integra um conjunto de preocupações sociais (acho que a direita portuguesa tem essa dimensão). Estamos mais próximos de um modelo que privilegia uma intervenção estruturante do Estado, mas não aponta que o Estado seja o prestador exclusivo, não demoniza a intervenção dos privados, não demoniza as PPPs, que têm de ser avaliadas caso a caso.

“Respeito a personalidade de Medina e Pedro Marques, mas não conheço o pensamento político deles”

Mas há muita gente dentro do PS que é partidária dessas matérias que o Francisco Assis rejeita. E que estão a ser promovidas dentro do PS por António Costa, nomeadamente nas últimas remodelações governamentais. Pedro Nuno Santos promovido a ministro, Duarte Cordeiro…
Eu estou precisamente a explicitar uma divergência profunda que tenho. Há uma tendência para, quer no discurso, quer na promoção de algumas figuras, se estar aparentemente a fazer uma valorização das chamadas correntes mais à esquerda do PS. Mas há um contraponto de moderação que é exercido pelo próprio primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças.

É o travão da esquerda?
Esse fator de moderação é o próprio primeiro-ministro. Agora, não há dúvida de que a última remodelação, do ponto de vista dos sinais políticos que também são importantes para além da substância, colocou o PS mais à esquerda do que era tradicionalmente e do que eu acho desejável que ele fosse.

Também há sinais para o futuro. Não só no governo, mas também no cabeça de lista das europeias, que é o Pedro Marques. Qual é o seu papel no meio desta renovação, já que foi o anterior cabeça de lista do PS?
É o de alguém que nunca deixou de exprimir as suas posições, que se bate por elas, que assume as suas responsabilidades e que extrai as respetivas consequências das suas posições. Eu tenho uma conceção do que é hoje o socialismo democrático ou a social-democracia bastante distinta daquela que acabou de referir.

"Há uma tendência para, quer no discurso, quer na promoção de algumas figuras, se estar aparentemente a fazer uma valorização das chamadas correntes mais à esquerda do PS, mas depois há um contraponto de moderação que é exercido pelo próprio primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças."

Mas não gostava de estar naquele grupo de pessoas que estão na calha para o futuro?
Vamos lá ver, o PS ainda é um partido democrático.

Acha que António Costa está a tentar fazer isso? A escolher um futuro líder? Um Fernando Medina, um Pedro Nuno Santos?
Está a promover algumas figuras a quem reconhecerá qualidades, para que elas tenham um papel ativo no futuro. Outra coisa é a questão das lideranças e aí não há um papel de cooptação dos líderes, ficando depois os militantes com o papel de escolher entre um leque de candidatos que são apresentados.

Acha interessante esta promoção de Pedro Nuno Santos, feita por António Costa?
Parece-me que António Costa tem tido a preocupação de promover algumas figuras emergentes no espaço do PS e Pedro Nuno Santos é inquestionavelmente uma delas. Curiosamente até tenho uma relação pessoal de proximidade com ele. Desta nova geração, talvez seja aquele que eu conheço melhor e por quem tenho mais simpatia do ponto de vista pessoal.

Reconhece-lhe capacidades de liderança ou ainda é cedo para isso?
Acho que ele tem capacidades de liderança.

Da visão discorda.
Em muitas coisas assim. Mas uma coisa é a avaliação das qualidades políticas das pessoas — e eu reconheço ao Pedro Nuno Santos que é desde sempre um lutador, um homem com convicções que luta por elas. Um político. Não é um produto de laboratório, é alguém que se construiu a ele próprio e ao seu percurso. Respeito porque eu próprio fiz o mesmo. Não é alguém que tenha saído agora de repente da mente genial seja de quem for como uma solução para aqui ou para ali. Foi alguém que fez um percurso e foi-se impondo sobre o seu percurso. Outra coisa são as nossas posições sobre a realidade.

Nessa linha se calhar está mais próximo de Fernando Medina?
Não sei, porque — e não vou dizer isto com cinismo –, mas eu conheço muito mal o pensamento político de algumas correntes hoje no interior do PS. Aquela que eu conheço melhor até é, de facto, a de Pedro Nuno Santos.

A de Medina não conhece?
Conheço mal. Não sei muito bem quais as posições que essa corrente tem em relação ao PS ou ao país. Pedro Nuno tem esse mérito, que é ter posições mais claras. Tal como as minhas. Respeito a personalidade de Medina, do Pedro Marques e essas outras pessoas, mas de facto não conheço bem o pensamento político deles. Será um problema meu, mas não conheço.

Pedro Marques e Fernando Medina: "Será um problema meu, mas não conheço o pensamento político deles"

TIAGO PETINGA/LUSA

O Francisco Assis tem lugar dentro desse círculo que pode disputar uma liderança no futuro?
Não me atribuo a mim próprio a predestinação de vir a exercer esta ou aquela função, mas a minha voz e o meu pensamento têm lugar no Partido Socialista. Há muita gente que pensa como eu, embora a maior parte das pessoas que estão nesta linha não tenham tido uma atividade muito grande, até porque perceberam que havia uma orientação noutro sentido e respeitaram.

Tiveram falta de coragem?
Não, há pessoas que têm mais disponibilidade para aparecer e outras menos. Eu tinha responsabilidades.

E onde é que ficou aquela corrente alternativa ao PS que disse que ia criar, a dada altura?
Fiz um apelo logo no momento de constituição da “geringonça” a quem não se reconhecia nesse caminho. Fiz uma reunião na altura e apareceram as pessoas que quiseram aparecer, algumas, não muitas.

Achou que não tinha expressão para avançar?
Não tinha, de facto.

E teve pena?
Acho que o PS perde. Continuo a acreditar que há um lugar para todas estas sensibilidades e que há aspetos de fundo em que nos identificamos, mas há um desequilibrio no interior do PS. Eu nem sequer me considero uma ala direita por oposição a uma ala esquerda. Mas há um conjunto de pessoas que pensam de determinada maneira e que asseguram uma hegemonia enorme do ponto de vista do discurso político no interior do PS. Tenho pena que não haja um certo contraponto que, de certa maneira, eu vou fazendo um bocado sozinho.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Falta o quê? Aquele roteiro da carne assada que alguns estarão disponíveis para fazer e o Francisco Assis não?
É um espaço político que está um bocadinho desocupado, apareço eu e mais dois ou três.

Mas porque é que não ocupa mais espaço dentro do PS?
Eu? Eu ocupo todo o espaço que posso. E tenho a convicção que há mais gente a pensar como eu.

Então porque é que não aparecem? Porque é que não tem mais gente ao seu lado?
Porque o país também é o que é. As pessoas têm muita dificuldade em produzir um discurso que potencialmente desagrade ao poder, a quem detém funções de direção. Por razões culturais, na melhor das hipóteses, por razões de interesses, na pior. É muito difícil, quando um partido está no poder, que a perspetiva crítica gere uma grande corrente de apoio. Mas as coisas mudam muito depressa. O importante é que cada um se mantenha fiel ao seu ponto de vista. Eu, por exemplo, fui à convenção nacional dizer que votaria no PS e farei, se entenderem útil, campanha pelo Partido Socialista.

“Estamos presos no discurso da guerrilha partidária”

Houve muitos movimentos que apareceram nos últimos tempos com a ideia de aproximar eleitos e eleitores, porque o sistema político está contaminado, mas que depois não vão a eleições. Equaciona meter-se numa coisa destas?
A minha perspetiva é continuar no PS e não afastar-me. Eu tive a noção clara de que não iria na lista do PS. E mesmo participando na campanha, participarei sempre com a minha própria visão e autonomia. Não vou aparecer a mimetizar em absoluto o discurso oficial do partido socialista com o qual, sob alguns pontos de vista, não concordo. A ideia de que vamos projetar a “geringonça” na Europa ou, como ouvi há dias a um dirigente, a de que houve um momento decisivo que foi o das sanções – não é verdade, felizmente os deputados portugueses estiveram todos do mesmo lado, todos contra. De resto nunca se aplicaram sanções e elas não se destinavam a censurar o Governo atual. Era porque tinha havido um incumprimento, aliás, plenamente justificado, por isso não entro nesse discurso.

Não está a gostar do que vai ouvindo ainda antes da campanha arrancar?
Porque estamos presos no discurso da guerrilha partidária. Vivemos uma fase da vida das sociedades democráticas em que se pode correr o risco de pagar um preço elevadíssimo do ponto de vista do prestígio das instituições por esse tipo de discurso, que os partidos estão a fazer muito. Estou a olhar com a lucidez de quem está de fora e fico perturbado, porque tendo o país grandes protagonistas ao nível das eleições europeias, cabeças de lista bastante qualificados, o debate não se está a gerar  com a qualidade que seria de esperar. É uma oportunidade perdida.

"Conheço muito mal o pensamento político de algumas correntes hoje no interior do PS. Aquela que eu conheço melhor até é, de facto, a de Pedro Nuno Santos."

Estes movimentos agregadores de vários partidos supostamente servem também para libertar disso. À direita apareceu este de Miguel Morgado. E à esquerda, há espaço?
Acho interessantes esses movimentos e respeito-os, mas não tenho essa pretensão.

À esquerda não há este espaço de alternativas à “geringonça”?
Isso é o que eu estou a fazer, é o meu papel no PS. É o meu discurso, que tem sido minoritário.

Mas dentro do PS, não fora.
Dentro do PS, não tenciono fazer nada fora do PS.

Ainda continua com o plano do movimento?
Nem sequer é um plano, é uma convicção profunda de que isso faz falta ao PS.

Em que formato? Numa corrente interna?
Não é formar uma corrente que depende das pessoas aderirem ou não. Eu existo e digo o que penso e estou a falar consigo para tornar pública esta posição. E este também é o meu contributo. Vou votar no PS nas eleições Europeias e nas Legislativas, acho importante que o PS ganhe as eleições e estarei a apoiar António Costa a quem reconheço inegáveis qualidades de liderança e moderação. Ele é muito moderado e só acidentalmente teve de fazer acordos com alguns sectores mais extremistas. Mas a minha perspetiva é diferente da da maioria dos socialistas e tenho obrigação de a dizer.

Ainda relativamente a esta questão da proximidade entre eleitos e eleitores. António Costa tinha a reforma do sistema eleitoral no programa, com círculos uninominais. Voltou a ficar na gaveta. Acha que tem de avançar?
Acho que é desejável que avançasse.

Em que modelo?
Um modelo misto, em que haveria uma parte que seria eleita por um círculo nacional e proporcional e outra parte por círculos uninominais.

"Respeito a personalidade de Medina, do Pedro Marques e essas outras pessoas, mas de facto não conheço bem o pensamento político deles. Será um problema meu, mas não conheço."

Com redução de número de deputados?
A redução não é necessária, e até pode ser perigosa porque pode prejudicar o respeito pela proporcionalidade. É importante que o princípio da proporcionalidade que, aliás, está protegido em termos constitucionais, seja garantido. Até porque os partidos mais pequenos têm de estar no Parlamento. Se fossem excluídos por uma lei eleitoral, haveria um extremar de posições na rua que seria negativo.Tem de ser uma reforma que garanta um alteração efetiva na relação que os portugueses têm com o seu Parlamento. As pessoas não conhecem os seus deputados. E isso é fatal. Não há sistemas eleitorais perfeitos, nem totalmente imperfeitos, mas têm de corresponder às necessidades de cada momento. Os portugueses sentem que não escrutinam o processo de escolha. Não é só uma questão de escrutinar depois a ação que o Estado desenvolve.

Deputado não. E futuro ministro?

Sente saudades do Parlamento português?
Não. Foi uma época da minha vida. Gostei imenso do que fiz. Fui líder parlamentar duas vezes, em contextos completamente diversos. Quase toda a minha vida no Parlamento foi como líder parlamentar. Gostei imenso, mas não sinto nenhumas saudades.

Portanto, se o convidarem para listas não está para aí virado?
Não. A razão é muito simples: o PS prepara-se para se apresentar nas próximas eleições dizendo que quer repetir a “geringonça”. Como acho que essa é uma solução errada, que comporta mais perigos do que virtualidades, obviamente que não posso participar. Como é que eu poderia fazer este discurso que estou a fazer agora?

Em 2015, o PS também passou boa parte da campanha a atacar a esquerda e depois acabou por se coligar com a ela no governo. Depois de constituído um governo, não podia integrar esse elenco governativo?
Dependeria sempre das circunstâncias. Num governo que estivesse assente numa maioria parlamentar com estas características, não poderia participar.

Se o convidarem para listas não está para aí virado? "Não. A razão é muito simples: o PS prepara-se para se apresentar nas próximas eleições dizendo que quer repetir a geringonça." 

E num governo que procure entendimentos aqui e ali, como o Francisco Assis defende?
Aí, em teoria, podia. Se depois teria condições concretas para participar, isso já é outra história.

Um político que está na vida política, se não tem um cargo político também não pode pôr em prática o seu pensamento. Pelo menos não tem o mesmo impacto.
A minha perspetiva no imediato é não estar na vida política. Portanto esse problema não se me coloca, na medida em que ao abandonar o Parlamento Europeu também estou a abandonar a política ativa. Não sei se para sempre. Isso nunca sabemos. Não estou preocupado com isso. Não tenho nenhum projeto nem de sair em definitivo, nem de voltar algum dia.

Mas a minha questão nem é se tem o projeto, é se é uma coisa que gostava.
Eu fui convidado, não vou dizer para quê, por duas vezes, para integrar o Governo, e das duas vezes não aceitei.

Este Governo?
Não. Nunca se colocou a hipótese neste Governo porque, à partida, fui logo contra a solução em si. Mas fui convidado no passado duas vezes para integrar o governo e…

De António Guterres?
… preferia permanecer…

Ou de José Sócrates?
Com António Guterres. Com Sócrates nunca se colocou a questão porque ele convidou-me para líder parlamentar e a questão ficou encerrada. No tempo do Guterres fui duas vezes convidado, e na altura as funções que me solicitaram não vou dizer quais são… As pessoas estão vivas… Sabem o que se passou… Preferi permanecer como líder parlamentar…

Mas agora é outro tempo, já passaram muitos anos. Tem muito interesse por relações internacionais. Uma pasta como os Negócios Estrangeiros, que é uma pasta de centrão, não é aliciante?
Tenho muito interesse, não só por relações internacionais, como pelas mais diversas questões. Mas para ser membro do Governo são precisas estar criadas demasiadas condições que neste momento estão longe de serem criadas. E eu tenho consciência disso.

Também não é uma carta que ponha fora do baralho?
Nos próximos tempos eu digo: “Não há grandes possibilidades”. Se me perguntar se eu acho que é impossível vir a fazer parte, num futuro, de um governo do PS, aí eu digo: “Não”. Evidentemente que é possível porque tenho experiência, tenho projeção do país, tenho um pensamento político.

E tem um pensamento em relações internacionais. Uma pasta como a dos negócios estrangeiros era aliciante?
Todas as pastas governativas em determinadas circunstâncias podem ser interessantes. Depende das circunstâncias…

A dos Negócios Estrangeiros era…
Essa e outra qualquer.

Há mais alguma?
Todas elas são interessantes.  Não vou agora estar aqui a dizer nenhuma, se não vão pensar que eu queria exercer essa função. Quem está na política e tem vocação para a política não desdenharia desempenhar funções governativas.

"Se me perguntar se eu acho impossível vir a fazer parte, no futuro, de um governo do PS, eu digo: "Não". Evidentemente que é possível porque tenho experiência, porque tenho projeção do país, porque tenho um pensamento político."

A verdade é que nunca exerceu funções executivas.
Não, as únicas que tive foi como presidente da Câmara em Amarante. Talvez porque também não senti até aqui uma vontade excessiva de dar esse passo. Não é uma questão determinante para mim.

Também não é uma questão fechada.
Não é fechada, mas a minha vida não ficará do ponto de vista pessoal seriamente abalada, e prejudicada, mal resolvida por isso mesmo. A minha preocupação nos próximas tempos é ter uma intervenção no Partido Socialista. Deixar claro qual é a minha identidade, as minhas posições, nunca deixando de lado essa questão fundamental: eu sou um militante empenhado. Este é o meu lugar e este é o meu partido, mas esta também é a minha especificidade no PS e acho que esse é o meu melhor contributo que posso dar.

Pedro Marques é o candidato ideal? “É o candidato do PS e eu respeito essa opção”

António Costa explicou-lhe porque é que já não o queria como cabeça de lista no Parlamento Europeu?
Não precisava de explicar, porque era evidente que eu não podia ser cabeça de lista no Parlamento Europeu, porque eu não podia agora aparecer ao lado de António Costa a fazer uma campanha, depois de ter dito claramente que não concordava com o discurso político do PS e com a solução…

"António Costa, que é um homem inteligente e capaz, ao escolher o Pedro Marques reconheceu nele qualidades indiscutíveis. E, portanto, eu confio na escolha do António Costa"

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ainda assim, nas Europeias o vosso discurso é muito parecido, que é o que tem tido nesta entrevista.
Nas Europeias é parecido e, por isso, não teria inviabilizado em absoluto que eu fosse na lista, que é uma coisa diferente…

Daí a pergunta. Ele explicou-lhe com que argumentos? Com as divergências dos últimos tempos?
Não. Isso é uma conversa privada e eu não queria estar a publicitá-la. Entendi que a razão de fundo pela qual eu não vou na lista do Partido Socialista para o Parlamento Europeu, obviamente, é porque divergi seriamente da direção do partido.

Pedro Marques é um melhor candidato do que Francisco Assis?
Obviamente que eu não vou responder a isso.

Então faço-lhe a pergunta de outra maneira: é o candidato ideal para o Partido Socialista nesta altura?
É o candidato do PS e eu respeito a opção.

Mas isso é uma resposta pequena à pergunta, que tinha mais do que isso.
É uma resposta poucochinha, mas é a resposta que eu tenho que dar. É o candidato do Partido Socialista.

É a pessoa ideal para estar lá?
Eu conheço mal o Pedro Marques. É até paradoxal, mas conheço melhor os cabeças de lista dos outros partidos do que conheço o Pedro Marques, porque com os outros convivi durante estes cinco anos.

Mas vai votar no Pedro Marques.
Vou! Em primeiro lugar, porque há uma convergência doutrinária e política muito maior. Apesar das divergências, este é o meu partido e esta é a minha gente, digamos assim. Fazemos parte das mesma família política. Segundo lugar: o António Costa, que é um homem inteligente e capaz, ao escolher o Pedro Marques reconheceu nele qualidades indiscutíveis. E, portanto, eu confio na escolha do António Costa. Politicamente correto, era eu vir dizer: “Ah, é um grande candidato! É um candidato excelente! Não há melhor!”. Não, isso não posso dizer, enquanto pessoa, porque verdadeiramente não tenho esse grau de conhecimento. Mas tenho um grau de confiança na capacidade de discernimento do António Costa, para confiar que ele escolheu um bom candidato ao Parlamento Europeu, que é de resto um homem que já desempenhou várias funções.

Já se fala na possibilidade de ele ser mesmo candidato a comissário europeu.
Sim, tenho lido coisas sobre isso.

Acha que é possível e desejável?
Possível é. Desejável depende da perspetiva que o Governo português tem em relação ao tipo de áreas que o Governo entenda que Portugal deve assumir na próxima comissão.

Mas tem ideia?
Não. Essa questão de comissários é uma questão mais complexa. Acho que vai haver uma pressão enorme sobre Portugal para que seja indicada uma mulher. Estou convencido de que vai existir essa pressão e nós temos mulheres…

Maria Manuel Leitão Marques?
Essa conheço um pouco melhor e tenho dela a melhor das opiniões e acho que é uma pessoa que se, porventura, houver uma pressão grande para que Portugal apresente uma mulher, ainda por cima sendo da lista… Se não for da lista há outras. Há a Maria Elisa Ferreira, que é uma figura altamente capaz, e com prestigio na sua área específica, nas áreas económicas e monetárias do Parlamento Europeu e na Europa. Acho que aí vai haver uma discussão, a coisa não é linear. Nesse sentido até confesso que não percebi porque é que apareceu logo esta ideia de que o Pedro Marques não era só cabeça de lista ao Parlamento Europeu mas também candidato a comissário europeu. Isso introduz um fator de perturbação da disputa política que não favorece o Partido Socialista, do meu ponto de vista, mas posso estar enganado…

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