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Luís Montenegro não exclui nada: no dia em que for a votos em legislativas, se falhar a maioria absoluta, admite fazer entendimentos com o PS (nunca com o PS de António Costa), admite entender-se com o Chega (embora não queira) e até admite governar se ficar em segundo lugar se existir uma maioria de direita no Parlamento (embora não o pretenda, nem defenda por princípio).
Em entrevista ao Observador, o antigo líder parlamentar volta a deixar todas as portas abertas em relação a futuras alianças políticas à direita, tema que o adversário, Jorge Moreira da Silva, elegeu como prioritário nesta corrida a dois. A frase escolhida para rematar o assunto não exclui de todo qualquer entendimento com o Chega. “Não quero perpetuar o PS no poder”, diz.
Sobre Jorge Moreira da Silva, que o acusou de ter traído Paulo Rangel na reta final das últimas eleições internas do PSD, a ordem é para cortar a eito: “A adesão do meu estimadíssimo amigo à liderança de Rui Rio foi a maior surpresa dos últimos tempos, quiçá da minha vida política. Nem queria acreditar”, ironiza.
Como projeto para o país, Montenegro defende a importância de reduzir impostos, sobretudo para os mais jovens, e chega a assumir que a política de aumento de rendimentos seguida pelos socialistas está a ser bem feita e deve continuar. Por cima disso, até fixa uma meta própria se for eleito primeiro-ministro: “Gostaria que chegássemos a 2030 com 1200 euros de salário mínimo”.
Noutras frentes, defende a reprivatização da TAP a 100%, dossiê em que António Costa cometeu um “erro colossal”, assume que votaria contra a despenalização da eutanásia e da legalização do uso de drogas leves para fins recreativos.
[Veja aqui a entrevista na íntegra a Luís Montenegro]
“Tenho um pensamento para o país”
Defende a criação de uma taxa máxima de IRS de 15% para os jovens até aos 35 anos. Ontem, numa entrevista, disse que “não sabe quanto é que isso custa”. Planeia descobrir até às eleições?
A resposta é muito simples: não temos uma informação da Autoridade Tributária que possa responder a essa questão. O que sabemos é que a receita de IRS ronda os 14 mil milhões de euros. E também sabemos que 10% dos contribuintes pagam 70% dessa receita. Ora, é muito pouco expectável que neste patamar de pessoas que é mínimo face ao volume de receita arrecadada estejam jovens. Não estamos a falar de uma receita por arrecadar com significado global muito significativo. Tem é um grande significado político: dar aos jovens, sobretudo os mais qualificados que entram no mercado de trabalho, a oportunidade de terem condições para se fixarem aqui. Ou seja, não tenho uma conta para apresentar, porque ela não é possível, mas tenho a expectativa que para caso concreto de um jovem entre os 25 e os 35 anos, com rendimento médio, pode ter aqui uma vantagem que o faça optar por ficar cá.
Com rendimento médio ou com qualquer rendimento?
Não, não é com qualquer rendimento. Não temos um desenho final da medida, apresentámos a ideia. Posso dizer, por exemplo, que quando o fizermos não vamos integrar os jovens que, apesar de serem jovens, estão no último escalão de IRS. Nessa franja, a questão já não tem ratio legis, já não se justifica. Há outra coisa que tenho a certeza: um casal jovem que hoje pague 30 ou 32% tem uma contribuição; se emigrar, a contribuição para a receita é zero.
Mas, ao reduzir para 15%, vai perder receita.
Não se sabe. É possível até que a medida, se tiver um efeito muito positivo de retenção de jovens qualificados, possa vir a gerar mais receita.
É um bocadinho um exercício de fé.
Não, não é de fé.
Fé de que as contas darão certo.
Não, não é verdade. É evidente que, detendo a política orçamental e financeira na mão, e depois de ter a máquina fiscal à sua disposição, qualquer governo terá de arranjar as compensações que forem necessárias. E há uma coisa que temos de perceber: temos de fazer qualquer coisa na fiscalidade em Portugal. Não é possível continuarmos a ter um Estado que cada vez tira mais recursos e cada vez oferece menos. Não podemos asfixiar mais as pessoas, as famílias e as empresas sob pena de sermos cada vez menos competitivos e menos produtivos.
[Ouça aqui a entrevista em Podcast]
Defende que alguns trabalhadores que atualmente pagam zero de IRS deveriam receber um reembolso relativo a esse imposto. É aquilo a que chama IRS negativo. Que reembolso seria este e, mais uma vez, quanto é que custaria?
Podemos estar a falar de benefícios fiscais, de deduções à coleta, de soluções que, do ponto de vista fiscal, não asfixia as pessoas de mais baixos rendimentos.
Mas é ainda uma proposta muito aberta. Não a fechou, é isso?
Repare: só vamos ter eleições legislativas daqui a quatro anos e meio. Vamos ter umas eleições internas onde é suposto que os candidatos apresentem orientações de política. Não estamos a apresentar um programa eleitoral. Estamos a apresentar os nossos objetivos, naturalmente de uma forma responsável — não estamos a propor nada que seja inexequível.
Apresentou duas propostas abertas e ainda por definir em concreto. Também não apresentou contas… Acha que é por isso que o seu adversário diz que está pouco preparado para liderar o PSD?
Por amor de Deus… Não há nenhuma razão para dizer isso e muito menos essa que está a apontar.
O seu adversário diz que não tem um plano para o país.
Não vou estar aqui a entrar nesse debate. Posso dizer o seguinte: tenho muitas ideias para o país, tenho muitas ideias para o PSD e tenho também a capacidade e a humildade de ir à procura de contributos que venham de dentro do PSD e que venham da sociedade civil.
Prefere não responder às críticas do seu adversário.
Eu respondo. Claro que me sinto preparado e claro que tenho um pensamento para o país. Agora, não vou andar aqui a fazer apreciações pessoais nem sobre mim, nem sobre o meu adversário.
“PSD não é apenas para governar quando o país está de pantanas”
Defende uma reforma do sistema fiscal. Se só pudesse descer um imposto primeiro, se tivesse que priorizar algum, começava pelo IRC ou pelo IRS? Acabou por ser um tema que dominou a última campanha para as legislativas.
Começava pelo IRS das classes médias e das classes com mais baixo rendimento.
Foi buscar para coordenar a sua moção estratégica Joaquim Miranda Sarmento, que foi também o co-autor do programa eleitoral de Rui Rio, onde se defendia, precisamente, que a prioridade devia ser uma descida do IRC. Não é uma contradição?
Não, não é uma contradição. Perguntou a minha prioridade e a minha prioridade é descer o IRS. Mas acho que as duas coisas devem ser feitas em simultâneo.
Faria as duas em simultâneo?
Faria as duas em simultâneo. Está provado no caso do IRC, aconteceu em 2014, que baixámos a taxa e a receita aumentou. Às vezes, o efeito das taxas de imposto não é necessariamente a perda de receita. Também não é necessariamente obrigatório termos uma resposta direta de quanto é que as coisas custam quando estamos a falar de estimativas. A baixa do IRC é importante, não na perspetiva de favorecer os empresários, mas para sermos competitivos e atrativos para termos investimento interno e investimento direto estrangeiro. E essa proposta [de Miranda Sarmento] não está mal concebida, nem acho que o PSD tenha perdido as eleições por causa do programa.
Foi mal explicada?
O programa teve muito pouco tempo de maturação, de explicação e de apreensão por parte dos eleitores. Por isso quero inovar preparando um programa com antecedência, em 2024, para termos dois anos para interagirmos. As pessoas têm de perceber que o PSD não é apenas o partido para governar Portugal quando o PS deixa o país de pantanas, que é o que tem acontecido desde 1995.
“Gostaria que chegássemos a 2030 com 1200 euros de salário mínimo”
Ainda sobre a fiscalidade. Excluindo a atual conjuntura, que é excecional, entende que para responder aos desafios das alterações climáticas o imposto sobre o carbono deve ser mantido mesmo que isso implique preços mais elevados nos combustíveis ou, pelo contrário, deve ser encontradas soluções que não a fiscalidade, que não penalizem esse tipo de consumo?
A taxa de carbono é necessária para descarbonizar a economia e do ponto de vista de uma estratégia global que vise combater as alterações climáticas. Neste momento concreto, a suspensão da aplicação da taxa de carbono sobre os combustíveis é uma inevitabilidade.
Esquecendo este contexto: como ficam as pessoas que precisam de combustível para manter os postos de trabalho? Acha que estamos a ir demasiado longe nessa parte fiscal?
Tínhamos um princípio de neutralidade fiscal que estava subjacente à reforma da economia verde e da fiscalidade verde, protagonizada — e bem — pelo meu oponente nestas eleições, Jorge Moreira da Silva, que definia que as receitas que advinham das taxas se deviam refletir numa descida em idêntico montante nos impostos sobre as pessoas e as empresas. Esse princípio está correto, mas foi abandonado. Agora, as circunstâncias do momento não permitem que possamos carregar com mais impostos.
Defende também “o aumento do salário mínimo, dentro do que é compaginável com as condições económicas”. O Governo quer aumentá-lo para 900 euros até 2026. Qual é que é o seu valor?
Gostava que pudéssemos atingir, no final desta década, mais ou menos o dobro do salário mínimo que tínhamos no início desta década. Iniciámos esta década com o salário mínimo a rondar os 600 euros. Gostaria que chegássemos a 2030 com 1200 euros de salário mínimo nacional.
1200 euros até 2030, é isso?
Parece-me exequível. É importante clarificar o seguinte: no PSD, temos insistido muito que os salários devem acompanhar a capacidade de criação de riqueza e de crescimento. E isso é indesmentível, não podemos pagar os valores que não sejam gerados pela atividade económica. Mas também é verdade que os últimos anos mostraram que a economia portuguesa consegue ter alguma adaptação, nomeadamente naquilo que é a fixação do salário.
Portanto, os aumentos que o Governo está a fazer têm sido bem feitos?
Têm sido bem feitos e devem continuar. Se possível subir até um pouco.
Dentro desse espaço temporal que define, em 2026 o salário até pode estar acima dos 900 euros que o Governo estipula, é isso que defende?
Se a economia tiver um nível de crescimento e desempenho… Temos de esperar. As nossas empresas têm capacidade de adaptação. Elevar o salário mínimo nacional é condição para que tenhamos uma sociedade mais justa, mais equilibrada. Mas não quero que só o salário mínimo suba e os outros salários não, que é o que tem acontecido. O que está a acontecer em Portugal é que há cada vez mais pessoas a ganhar o salário mínimo e cada vez mais o salário mínimo a aproximar-se do salário médio, ou seja, tudo nivelado por baixo. Não desejo que a governação do PS corra mal. Desejo ganhar as eleições em 2026 apesar de a governação do PS trazer benefícios para o povo português e a economia portuguesa. Não quero que o PSD volte a ser governo apenas e só porque o PS desbarata oportunidades em cima de oportunidades
“Não podemos despedir funcionários públicos tout court”
Já percebemos que pretende aumentar o salário mínimo, também reduzir o IRS para uma fatia da população. Até promete um IRS negativo. Promete aumentar médicos, professores, polícias, militares e funcionários públicos. Como é que se paga isto?
Temos de procurar ter um crescimento médio da nossa economia de 4% nos próximos anos, estimular o investimento, atrair capacidade produtiva, inovar, estimular o aumento das exportações. Foi o que fizemos com Cavaco Silva desde 1985 a 1995. Foi por isso que conseguimos ter o país a infraestruturar-se, dar aos pensionsistas a maior valorização de sempre nas pensões, ter o maior programa de sempre de intervenção na habitação. Tínhamos um crescimento económico que podia acomodar todas estas medidas. Agora, temos de ter também outras áreas de atuação. Temos de eliminar gorduras, redundâncias no Estado para ter mais meios para pagar.
Quais?
Várias. Ao nível dos recursos humanos julgo que é prioritário olhar para todo o universo dos funcionários públicos, ver onde há a mais e onde há necessidades, havendo mobilidade interna para ir buscar onde estão em excesso.
Sabe perfeitamente que não é possível pegar num funcionário público do sítio X e transformá-lo num polícia ou num militar. As coisas não são assim.
É possível requalificá-lo.
Mas vai despedir funcionários públicos?
Na polícia, que é um exemplo que conheço bem, é possível colocar mais polícias nas atividades operacionais e as atividades administrativas serem exercidas por não polícias.
Vai despedir funcionários públicos ou não?
Não podemos despedir tout court. Podemos ter uma política de recursos humanos, de entradas, de saídas, de cessação de contratos de trabalho, podemos ter uma política que possa, no resultado final, conjugar menos funcionários públicos.
Portugal tem funcionários públicos a mais?
Não tenho a certeza.
Não sabe isso?
Não tenho a certeza disso porque não há, em Portugal, um estudo que nos possa dizer onde estão em excesso e onde estão a menos.
Está na política há anos, foi líder parlamentar durante um período em que o seu partido esteve no Governo. Mesmo assim, não tem informação sobre o Estado português e se é preciso cortar em funcionários públicos?
Há informação que não temos e essa é uma delas. Na Administração Pública, não temos um estudo que nos possa evidenciar, do ponto de vista da política de recursos humanos, onde é que há excesso e como é que se podem requalificar para ter essa mobilidade que falava.
Os últimos dados apontam para mais 15 mil funcionários em relação ao ano anterior. Parece-lhe uma tendência positiva?
O que a Administração Pública tem feito é: quando há uma necessidade, contrata. Não vai aos locais, aos serviços onde pode haver excesso e redundância de funcionários para poder requalificá-los e redirecioná-los.
Porque isso, obviamente, é muito difícil.
Se fosse fácil já estava feito.
Se faltarem funcionários públicos na Guarda, não se vai buscar funcionários públicos a Faro. Essas contas são simpáticas de dizer em entrevistas, mas as coisas nunca foram feitas dessa forma porque se calhar é impossível.
Não, é possível fazer. É possível haver mobilidade dentro da Administração Pública. Nem é preciso haver uma mobilidade tão extrema como aquela que exemplificou, podemos ter serviços descentralizados que contribuam para a maximização do capital humano que temos na Administração.Depois, há várias medidas que podem ser tomadas, algumas foram tomadas no passado. Por exemplo: tivemos, durante vários anos, uma prática em que por cada dois funcionários que saíam só entrava um.
Defende a “adoção do índice de Felicidade Interna Bruta”. O único país que aplica esse índice de forma consistente é o Butão. Na definição desse índice de Felicidade são feitas perguntas como: “Com que frequência reza?” Outra pergunta: “Com que frequência tem discussões com a sua família?” Outra: “Confia nos seus vizinhos?” Pretende fazer perguntas tão intrusivas como estas em Portugal?
Não. Sabe que esse índice é hoje já adotado pelas Nações Unidas.
O que as Nações Unidas fazem é uma coisa muito diferente.
Esse índice é hoje já utilizado em vários países, mesmo na União Europeia. Por exemplo, a Alemanha fá-lo. Até o Instituto Nacional de Estatística em Portugal já faz isso.
Então, não quer fazer nada de novo.
O que quero é dizer o seguinte: o desenvolvimento de um país não pode aferir-se apenas pelo crescimento da economia, pelo crescimento do PIB. É também preciso saber se as políticas públicas geram bem-estar e qualidade de vida nas pessoas em vários domínios: no acesso ao lazer, na prática desportiva, nos cuidados de saúde, na educação. E o Índice de Felicidade Bruta quer avaliar os vários parâmetros da vida concreta das pessoas. Não devemos meter a cabeça na areia e pensar que o país está sempre melhor ou pior apenas porque a economia cresce mais ou cresce menos.
“Não quero esse acordo com o Chega, mas também não quero perpetuar o PS no poder”
Se ficar em primeiro lugar nas legislativas mas precisar de mais apoios para ter uma maioria estável no parlamento, admite fazer um acordo com o Chega semelhante ao que existe nos Açores?
Admito que o objetivo do PSD deve estar focado em combater o PS e em obter uma maioria. Para isso, deve ter uma abrangência eleitoral que lhe permita, dentro da moderação do PSD, captar votos de votantes socialistas que se vão desiludindo e frustrando com a governação do PS; de abstencionistas; e também daqueles que votaram à direita do PSD. O segundo princípio é que eu, enquanto líder do PSD, não quero contribuir para perpetuar o PS no poder. Nas eleições legislativas de 2026, vamos ter oportunidade de discutir o assunto das alianças políticas antes das eleições, durante a campanha e depois das eleições, mediante a composição do Parlamento. Mas estamos a quatro anos e meio e há fatores que não domino. Por exemplo: é preciso saber que PS vamos ter. Partindo do princípio que o PSD ganha as eleições mas não tem maioria absoluta, o PS pode ser o primeiro partido a viabilizar esse governo. O professor Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto líder do PSD, viabilizou durante quatro anos os orçamentos de um governo do PS.
Rui Rio também dizia isso e uma parte do PSD discordava em larga medida.
Nem me lembro de Rui Rio ter dito exatamente assim. O PS de António Costa não tem esta disponibilidade — perdeu as eleições em 2015 e quis fazer um governo com o PCP e com o BE. Fez o contrário do que o PSD tinha feito com Marcelo Rebelo de Sousa. Não sei se, nas próximas eleições, o candidato do PS é António Costa. Se for, tenho o primeiro pressuposto: acabou, não há conversa, o assunto está arrumado. Se for outro líder, temos de saber qual é a posição dele. Também não sei que representação vai ter o Chega ou a Iniciativa Liberal. Há uma coisa que sei: não vou pisar aquela que é a minha linha vermelha, que são os princípios e os valores do PSD.
E sente-se confortável com a solução dos Açores?
E sinto-me confortável com a solução dos Açores. E mais: estive nos Açores, dialoguei com o presidente do Governo Regional e o entendimento que foi feito com os deputados do Chega (agora é só um) não fere em nada — em nada — o programa político do PSD. Não tenho uma visão fechada: não tenho intenção nenhuma de estar a negociar nada com o Chega, mas não vou agora estar a dizer, com quatro anos e meio de antecedência, que opção é que o PSD deve tomar.
Em síntese, não exclui um eventual acordo de entendimento com o PS, nem com o Chega.
Não quero esse acordo, mas também não quero perpetuar o PS no poder.
Se ficar em segundo lugar nas próximas eleições, mas existir uma maioria de direita, fará entendimentos para se tornar primeiro-ministro?
Muito dificilmente. Tenho uma visão segundo a qual o primeiro-ministro deve ser o vencedor das eleições. É evidente que é preciso assegurar condições de governabilidade ao país e é preciso que o principal partido da oposição decida se quer apresentar uma governação alternativa mesmo sendo relegado para segundo lugar nas eleições. Não mudei de opinião e sigo o princípio segundo o qual o governo deve ser liderado por quem vence as eleições. Esse deve ser o princípio que deve preponderar. Se algum dia me confrontar com essa situação, colocarei o assunto ao partido e decidiremos conjuntamente, mas não é claramente o cenário onde me sinto confortável.
“Não é obrigatório que, perdendo as europeias, o líder saia”
Até esse dia chegar haverá mais eleições. Na moção de estratégia que apresenta como objetivo vencer todas. Se perder as europeias, demite-se?
Creio que temos condições para as podermos vencer. Se não vencermos, teremos eleições diretas no partido e terá de ser feita uma avaliação do mandato em função de todo o desempenho da direção política, da liderança e também do resultado. Não é obrigatório que, perdendo as eleições, o líder saia; nem é obrigatório que, ganhando, tenha de ficar. Será uma avaliação que faremos nessa altura. A minha intenção é estar quatro anos e meio à frente do PSD para disputar eleições legislativas. Aí, sim: se for primeiro-ministro, ficarei líder o tempo que me conceberem para exercer essa função; se não ganhar as eleições e não formar governo em 2026, é evidente que terei de dar a vez a outro.
Mantendo-se à frente do PSD pelo tempo que deseja, ainda antes das legislativas, será chamado a pronunciar-se sobre um candidato presidencial. Marcelo Rebelo de Sousa já falou em conversas com partidos sobre a hipótese Paulo Portas: seria uma boa escolha à direita?
Não sei se falou ou não falou. Sei que o líder do PSD que estiver em funções em meados de 2025, terá de ver que personalidades estão disponíveis na nossa área política e tomar uma opção. Não posso responder sem saber que personalidades serão essas.
Mas conhece bem Paulo Portas.
Conheço-o e faço um juízo muito positivo da sua capacidade política, intelectual e de intervenção. Se for uma dessas personalidades, será ponderado.
Não exclui a hipótese de apoiar alguém que não seja do PSD.
Não excluo.
“Se fosse deputado, votaria contra a despenalização da eutanásia”
Vamos a mais algumas das suas ideias em diferentes áreas. A TAP deve ser privatizada o mais depressa possível?
Deve. Fazer a reversão da privatização foi um erro colossal do governo do PS e de António Costa, que não foi ainda responsabilizado o suficiente por isso. O ideal para Portugal, mesmo, é que a TAP seja 100% privatizada. É estratégico e é aquilo que interessa a Portugal. E devo até dizer que há um certo provincianismo no argumentário segundo o qual uma companhia de bandeira garante, por si só, o cumprimento do desígnio estratégico de termos determinadas rotas. Não é verdade: há a possibilidade de os Estados poderem contratualizar e de alguma forma facilitar operações de empresas privadas que cumpram esses objetivos.
Outro caso clássico quando se fala em privatizações é a banca. Logo no início da liderança de Pedro Passos Coelho falou-se na possibilidade de privatizar a Caixa Geral de Depósitos? O banco público deve ser privatizado?
Nesse caso acho que não. Uma Caixa Geral de Depósitos que possa ser o garante do sistema bancário, da confiança dos depositantes e, de alguma maneira, não sendo essa a sua vocação principal, também um certo farol daquilo que pode ser feito de apoio à economia é uma vantagem do sistema financeiro que não devemos desperdiçar.
A disciplina de Cidadania nas escolas tem levantado alguma polémica. Acha que deve ser obrigatória?
Não. Deve ser facultativa, completamente despolitizada e não deve ser usada com intuitos mais ou menos subreptícios como tem acontecido com os governos de esquerda.
O Estado deve garantir que os cidadãos possam ter a liberdade para escolher a escola dos filhos, seja publica ou privada, e fazer o financiamento através do cheque-ensino?
Sim. O Estado deve fazer isso no ensino e na saúde, mas aproveitando a capacidade instalada porque não pode ser uma liberdade total. Imagine uma região onde há dez escolas públicas e uma escola privada, não faz sentido que as pessoas tenham a liberdade total de abandonar todas as escolas públicas para irem para a única escola privada. Temos de adequar as medidas àquilo que é a capacidade instalada no terreno.
Defende o referendo à eutanásia, mas a lei vai ser votada na Assembleia da República. Se fosse deputado como é que votava?
Votava contra.
E a legalização do uso de drogas leves para fins recreativos?
Também votava contra.
“Traição a Rangel? É uma mentira”
Foi um dos maiores críticos de Rui Rio desde o início da liderança. Mas, nas últimas diretas, não anunciou publicamente a preferência por Paulo Rangel. Nem consegue dizer se votou em Rangel ou Rio. Ou seja: Rio era mau; mas Rangel não foi suficientemente bom para que o apoiasse publicamente?
Nas últimas eleições diretas decidi não tomar uma posição, apesar de toda a gente perceber que as pessoas que pensam como eu e que estiveram comigo estavam na candidatura de Paulo Rangel. As candidaturas tiveram um processo de campanha, o partido teve uma certa divisão, Rui Rio foi eleito e não vejo que tenha de estar a esclarecer mais nada sobre isso. Não estou a ver qual é a questão.
Criticou sempre Rui Rio.
Critiquei sempre a nível estratégico e fi-lo com toda a lealdade e frontalidade desde o primeiro minuto.
A 4 de outubro de 2021, logo depois das autárquicas, deu uma entrevista ao Jornal de Notícias em que dizia que Rui Rio não estava preparado para ser alternativa a António Costa.
E tinha razão.
Porque é que não fez campanha pública por Paulo Rangel?
O que disse nessa entrevista é que o PSD e o seu líder não estavam a ser interpretados do ponto de vista eleitoral como alternativas ao PS e que isso iria ter um custo. Isto não significa que não tivesse apoiado o PSD e o seu líder. Fui à campanha quando me pediram e não tenho dúvidas de que Rui Rio seria muito melhor primeiro ministro do que António Costa.
E Paulo Rangel também seria melhor primeiro do que Rui Rio?
Paulo Rangel também seria melhor do que António Costa.
E do que Rui Rio?
Se lhe responder a essa pergunta vou estar a declarar aquilo que não quis declarar na altura e acho que isso não é delicado da minha parte. Podem-me acusar de muitas coisas, mas não me podem acusar de não ser direto ou de não responder às questões que me colocam.
Neste caso, não está a responder.
Não estou a responder porque não respondi na altura. Decidi na altura não apoiar ninguém publicamente e não vai ser agora que o vou fazer. Isto é responder.
Mas se Rui Rio é tão mau, porque não apoiar publicamente Paulo Rangel?
A minha opção foi não tomar posição nessas eleições. Vou dizer-lhe porquê: tive um período de afronta à liderança de Rui Rio que redundou num certo extremar de posições, numa crispação dos relacionamentos entre militantes e dirigentes que roçou quase o ódio. Nunca tive intenção disso, por isso entendi estar dois anos em silêncio precisamente para esvaziar esse clima quase tribal que havia no PSD. No fim desse período, entendi que não devia intervir no processo de escolha do líder para dar o meu contributo para a reconciliação interna do partido. Estou muito satisfeito porque acredito que o partido está muito mais coeso e muito mais unido. Agora não há esses extremismos, as pessoas estão mais próximas umas das outras, uma condição sem a qual o próximo líder não terá sucesso.
Entre muitos apoiantes de Paulo Rangel há quem acredite que Luís Montenegro tirou o tapete ao antigo eurodeputado. Jorge Moreira da Silva, o seu adversário, disse que Paulo Rangel foi traído na reta final da campanha por si e por apoiantes de Luís Montenegro.
Por respeito a mim e às pessoas que conheço, isso só tem uma palavra: mentira. É uma mentira que se repete quando está aos olhos de todos que os principais apoiantes e operacionais de Rui Rio são hoje o sustentáculo da candidatura que é adversária à minha. Isso não faz sentido.
Esclareceu isso com Paulo Rangel?
Nunca tive dúvidas com Paulo Rangel, tenho uma ótima relação com ele. Tive antes, durante e depois dessas eleições diretas. O que foi mais surpreendente nas palavras do meu adversário sobre eleições internas foi ter declarado, com tanta veemência, que tinha votado em Rui Rio há dois anos. Isso é que foi a maior surpresa dos últimos tempos, quiçá da minha vida política. Nem queria acreditar na adesão que o meu estimadíssimo amigo Jorge Moreira da Silva tem hoje à liderança de Rui Rio. Sinceramente não sei de onde é que isso vem, certamente não vem das opiniões públicas e privadas que sempre ouvi dele, públicas e privadas.
Vai voltar a escolhê-lo como cabeça de lista às europeias?
Escolheremos atempadamente as nossas candidaturas.
Tem resistido muito em dizer se mantém ou não Paulo Mota Pinto como líder parlamentar.
Não é uma questão de resistir. A direção do partido e a frente parlamentar têm que estar em articulação.
Compreende que o primeiro gesto do novo líder parlamentar tenha sido apresentar uma proposta de revisão constitucional a meio de umas eleições diretas?
O primeiro ato que tenho que ter como presidente do PSD é reunir com o líder parlamentar e a sua equipa e garantir que conseguimos manter essa articulação.
Sobre o projeto de revisão constitucional, Rui Rio acabou por culpá-lo.
Assumo a responsabilidade toda. Acharia insensato que o PSD, a duas ou três semanas de eleições internas, entregasse na mesa da Assembleia da República um projeto de revisão da lei eleitoral e da Constituição. E disse isso ao presidente do partido. Ele acolheu a minha opinião, disse que se houvesse um candidato que se opusesse, isso não aconteceria. Foi isso que aconteceu. Vou pegar nesses projetos, vou discutir isso com a direção partidária, com os órgãos eleitos no congresso e com a bancada e a seu tempo tomaremos a posição sobre quando e com que conteúdo apresentaremos os projetos.
“Debates? Não vamos estar a bater mais no ceguinho”
Falou sobre a necessidade de aliviar a crispação interna, mas estamos com uma campanha onde nem sequer se conseguiu entender com o seu adversário sobre uma data para debates. Acha que esta é a boa imagem que o PSD tem para passar?
Lamento isso. Era melhor haver debates, mas houve circunstâncias que não permitiram porque tínhamos programado um debate televisivo esta semana, mas infelizmente o meu oponente ficou infetado pela Covid-19. Na próxima semana tínhamos um debate previsto para a rádio num dia em que não era compatível com a agenda dele e o dia seguinte também não era compatível com a minha, acabámos por não ter oportunidade para o realizar.
Não tem 40 minutos para um debate?
Temos muito tempo, mas é preciso ressalvar que já estivemos juntos com as Mulheres Social Democratas e os Trabalhadores Social Democratas, vamos estar no sábado com a JSD. Temos todos muitas capacidades de intervir e de esclarecer os nossos posicionamentos em entrevistas como esta. Esta é a 14ª entrevista que dou nesta campanha eleitoral e ainda tenho mais umas seis para realizar.
Afinal, já não fazem falta debates.
Os debates são importantes, mas não são o único meio de esclarecer os militantes. Não vou estar a dramatizar uma situação que é não conseguirmos chegar a esse entendimento que dependia de nós e também dos órgãos de comunicação social. É andar para a frente.
Temo-lo aqui a si, temos um órgão de comunicação social disponível para fazer o debate. Se quiser avançar um dia e uma hora, nós depois falamos com a outra candidatura para se fazer esse debate. São 40 minutos.
Já tivemos essa discussão e não foi possível chegar a esse entendimento. Não vamos estar a bater mais no ceguinho. Vamos andar para a frente.
Sem debate.
Infelizmente sem debate.