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Andreia Reisinho Costa/Observador

Andreia Reisinho Costa/Observador

"Não me via a fazer o que o Ricardo fez, mas não digo que não"

Entrou a um minuto do fim em 2000, não saiu do banco em 2004 e o pulso traiu-o no último treino antes do arranque em 2008. Quim é a oitava de dez entrevistas que publicamos até ao Europeu.

É preciso ter azar. O treino estava a dar as últimas e, no campo, apenas restavam alguns jogadores, poucos, os que gostam de fazer uns remates à baliza no final. Por isso, Quim ficou na baliza e lá estava a atirar-se para defender as bolas que lhe chegavam. Uma delas, rematada por Nani, até “nem vinha com força” e o guarda-redes conseguiu esticar uma mão para desviar a bola. Mal o fez sentiu uma dor. Pensou que “não era nada de especial”. Mas tornou-se especial à noite, quando não o deixou dormir na cama do hotel. Era o dia anterior à estreia de Portugal no Europeu de 2008, contra a Turquia.

Um raio-x confirmou o pior e Quim saiu da competição no dia em que a seleção entrava nela. Foi azar. Algo que não teve em 2000, quando Humberto Coelho lhe disse que jogaria contra a Alemanha e cumpriu a promessa. Também se considera sortudo por ter estado bem dentro da aventura de 2004, no Europeu caseiro em que não jogou, mas viu de perto como a seleção apenas parou na final, com uns penáltis contra a Inglaterra pelo meio. Quim lá estava, no banco, a ver como “passou pela cabeça” de Ricardo ver-se livre das luvas para não deixar a bola rematada por Darius Vassell entrar na baliza. Também viu como, logo a seguir, o guarda-redes passou para o outro lado e “assumiu” o penálti que atirou Portugal para as meias-finais. “Teve essa oportunidade e chegou-se à frente”, recorda. Quim diz que se via a fazer o mesmo. A bater um penálti, não a tirar as luvas para defender um.

Entrar a um minuto do fim contra a Alemanha, em 2000. Rica surpresa, não?

Foi sim. Mas mais antes do jogo. Portugal já estava apurado e o selecionador tinha-me dito que, em princípio, eu iria entrar. É sempre importante para um jogador de futebol estar durante uns minutos num Europeu. Ainda por cima quando se é jovem, estava nos primeiros tempos de seleção A.

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Tinhas 24 anos.

Naturalmente que, seja um ou dois minutos, é sempre bom.

Não foi estranho levantares-te do banco e começares ali a aquecer quando estava tudo bem com o Pedro Espinha?

Não é uma questão de ser estranho, fiquei feliz por estar presente e entrar. Foi importantíssimo para mim, queria era entrar o mais rápido possível.

Ainda para mais com o jogo que estava a ser.

É lógico que o resultado também ajudou um bocadinho. Estávamos a vencer 3-0, o jogo estava feito, naturalmente que isso me deu confiança para entrar com tranquilidade.

Portugal a substituir o guarda-redes. Achas que os alemães viram a tua entrada em campo como uma humilhação?

Não vi por aí. A seleção já entrou com jogadores que normalmente não eram titulares, Portugal já estava apurado e o selecionador quis dar oportunidade aos que não estavam a jogar. Uma delas foi para mim, não vejo isso como uma humilhação. Claro que entrou o terceiro guarda-redes, mas são oportunidades que surgem e nós tentamos aproveitá-las.

Chegaste a tocar na bola?
[Ri-se] Não me recordo, sinceramente. Mas acho que sim. Não sei quantas vezes. Se não tivesse tocado na bola acho que me lembraria disso hoje, ficava na memória.

Quim levado em ombros pelos jogadores do Benfica, em 2009, na final da Taça da Liga, que se decidiu nos penáltis

FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images

Trocavas esses minutos contra a Alemanha por uns minutos em 2004, no Europeu em Portugal?

Não é uma questão de trocar. São Europeus diferentes, alturas diferentes. A minha presença já era motivo de enorme orgulho, jogando ou não, essa foi sempre a minha maneira de pensar. Com o Scolari até houve uma fase que não jogava no Benfica e ia sendo convocado para a seleção, talvez tenha sido pela minha maneira de ser, que sempre foi a mesma. Claro que jogar num Europeu em Portugal seria inesquecível. Infelizmente não joguei, mas estive presente, estava lá. Só não conseguimos vencer aquela final, que ficará na cabeça dos portugueses por muito tempo.

Também terias tirado as luvas nos penáltis dos quartos-de-final, contra a Inglaterra?

Não. Conheço bem o Ricardo e já na altura não imaginei o porquê de ele fazer aquilo. Ele também não o disse, não foi nada planeado. Foi um momento em que resolveu fazer aquilo, não sei porquê, passou-lhe pela cabeça. Não me via a fazer o que o Ricardo fez, mas não digo que não. São coisas do momento, do instinto, e deu certo. As coisas correram bem e o Ricardo foi feliz.

E a marcar um penálti, já te imaginavas?

Hmmm, se tivesse que ser marcava, sem problemas. O Ricardo assumiu a responsabilidade, ele gostava, era um guarda-redes com muita postura, gostava de assumir. Teve essa oportunidade e chegou-se à frente, e nem foi no 11.º penálti, foi no sexto ou sétimo. Não foi nos últimos. Ele quis assumir e correu bem.

Um guarda-redes tem vantagem nessas alturas por saber como é estar do outro lado, na baliza?

Acho que não. Um guarda-redes não tem responsabilidade nenhuma de defender um penálti. É muito difícil. Marcar, seja guarda-redes ou não, aí a responsabilidade já é muita. Nunca tive oportunidade de o fazer, mas acredito que seja bem diferente.

Gostas de defender penáltis? Dá-te pica?

Naturalmente que sim. É uma altura difícil, um momento do jogo complicado, a equipa pode estar a ganhar nos últimos minutos, por exemplo. Há sempre uma moral acrescida para um guarda-redes parar um penálti num momento decisivo. Dá sempre um estímulo. Felizmente já parei alguns penáltis e claro que ficam na memória.

Ser o segundo ou o terceiro guarda-redes num Europeu ou Mundial é a posição mais ingrata de uma seleção?

Sim, é muito difícil virem a jogar. Só há meia dúzia de jogos e, se a seleção não passar a fase de grupos, são apenas três. Se não houver castigos ou lesões é difícil que as oportunidades apareçam. Mas os guarda-redes que vão ao Europeu só têm de estar orgulhosos por serem os três melhores do país. O pensamento tem que passar por aí. Depois o selecionador toma opções e os outros só têm de continuar a trabalhar e estarem preparados para ajudar o país.

Já te aconteceu o inverso, em 2008, que é seres convocado e abandonares o Europeu devido a uma lesão.

Isso é que é difícil para um jogador, seja qual for a posição. Tive a infelicidade de, ainda por cima, me ter magoado no último treino antes do primeiro jogo. Não foi uma brincadeira, mas foi quase.

Quim a correr entre Ricardo, Luiz Felipe Scolari e Rui Patrício, em 2008, antes de um remate de Nani o magoar no pulso

FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images

O que se passou?

Foi durante uma finalização, no final do treino. Alguns jogadores gostam de ir chutar à baliza e eu pronto, num remate que até nem foi muito potente…

De quem?

Do Nani [ri-se]. Nem foi com força, eu é que meti a mão mal na bola e senti logo uma dor, pouca, nada de especial. Achei que não era nada, mas à noite nem consegui dormir, tinha imensas dores. No dia seguinte, o do jogo, fiz um raio-x e vi que tinha uma fissura no pulso, que me obrigou a abandonar a seleção. O meu nome nem consta nesse Europeu. Fiquei fora no dia do primeiro jogo.

O Gabór Király, guarda-redes da Hungria, e o Shay Given, da Irlanda, têm a tua idade. Imaginavas-te a estar com 40 anos num Europeu? Estarias em forma para isso?

Não tenho dúvidas [ri-se]. Sinto-me ainda com qualidade, mas isso nunca me passou pela cabeça. Se estivesse a jogar na primeira liga, num bom clube, e a jogar, poderia ter essa esperança. Mas a partir do momento em que estou numa segunda liga é muito difícil. Mas fico feliz por haver guarda-redes com a minha idade ainda na alta competição e a jogarem nas suas seleções. Quer dizer que ainda brilham.

Mas, nesta idade, o corpo não começa a dar de si nas quedas na relva?

Sim, mas o trabalho físico de um guarda-redes não é muito grande. Com a experiência que adquirimos durante os anos vamos compondo as coisas. O problema disto é a mentalidade dos portugueses. Chegamos aos 30, 31 e já somos veteranos. Olhamos lá para fora, para uma Espanha, Itália ou Inglaterra, e pensam de maneira diferente. Em Portugal, passas dos 30 e parece que tens de pensar no fim da carreira. Sinceramente, só aos 32 ou 33 anos me senti no auge das minhas capacidades.

Dizem que é o normal para um guarda-redes.

Exatamente. É um posto específico, estar entre os postes, na baliza. Quanto mais jogos fizermos, mais aprendemos. Ainda hoje continuo a aprender. Mas as pessoas pensam de forma diferente. Demasiado, em Portugal.

Se pudesses estar no corpo de algum jogador neste Europeu, quem escolhias?

[Ri-se]. Todos os que estão lá são precisos. Se pudesse, claro que escolhia estar lá eu. Mas todos os que estão com a seleção têm qualidade para lá estarem. Gostaria, naturalmente, era de estar a apoiar, a gritar por fora. É isso que sempre vou fazer. Acredito que este Europeu será bom para todos nós. Espero que consigamos chegar à final e vencer. Agora, quanto ao encarnar, deixo-me ficar no meu cantinho a apoiar a seleção.

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