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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

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No Camões, gritou-se "Portugal é nosso". O Intendente respondeu com um "We love Portugal"

Membros de movimento nazi convocaram manifestação de repúdio contra imigrantes em Portugal e na Europa. A resposta veio embrulhada em mensagem de amor ao país.

Cartazes de um lado e do outro. Palavras de ordem gritadas ao megafone no Camões ou a sair das colunas no Intendente. Críticas — dos manifestantes de extrema-direita e dos defensores de direitos humanos — dirigidas a Carlos Moedas, pela forma como geriu o protesto convocado pela extrema-direita. Apesar dos pontos em comum, as duas manifestações que marcaram o dia em Lisboa não podiam estar em lados mais distintos da barricada.

Separadas por cerca de um quilómetro e meio, as duas ações ficaram desequilibradas na balança da adesão. No Largo Camões, pouco mais de 100 pessoas responderam à convocatória do Grupo 1143 para gritar “contra a islamização da Europa”. Mais abaixo, bem perto do Martim Moniz, a contra-manifestação convocada para o Largo do Intendente reuniu mais de 200 pessoas numa mensagem contra o racismo e a xenofobia.

Extrema-direita. Duas recusas e um encontro no Largo de Camões. Quem são e o que defendem os promotores da manifestação não autorizada

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“Portugal é nosso”. Manif da extrema-direita durou duas horas e acabou cercada pela PSP na CML

As tochas que o Grupo 1143 comprou com os donativos recolhidos nos grupos das redes sociais foram distribuídas ainda a luz do dia não tinha desaparecido. Mas as chamas só fizeram efeito quando os pouco mais de 100 manifestantes de extrema-direita começaram a sair do Largo Camões, o ponto de encontro escolhido, depois de a decisão do Tribunal Administrativo ter confirmado a proibição determinada pela Câmara Municipal de Lisboa em realizar um protesto no Martim Moniz.

Quem não tinha uma tocha, tinha uma bandeira nacional na mão. E, entre cabeças rapadas, roupa escura, saudações nazis, algumas caras tapadas e casacos com a indicação “The White Race”, as palavras que gritavam não eram muito diferentes daquelas que têm defendido nos últimos dias. “Viva Salazar” ou “Portugal é nosso” eram algumas das frases que davam o mote para a marcha contra “a islamização da Europa”. De olhos postos naquilo que estava a acontecer estavam dezenas de agentes da PSP, que cercaram o grupo durante toda a manifestação.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O hino nacional repetiu-se vezes sem conta e, entre cânticos, foram surgindo as justificações de quem ali estava. “A gente anda em Lisboa e não se sente em Portugal. Não me sinto segura. Não quero daqui a uns anos ter de andar de burca”, disse Catarina Rolo ao Observador. Com 47 anos, esta era uma das poucas mulheres que se encontrava entre os manifestantes. “Transporto pessoas. Uma vez, um arménio cuspiu para os meus pés e recusou ser transportado por mim”, acrescentou Catarina, que vive do transporte de turistas. A questão, para esta mulher, é o cruzamento de culturas. E a exigência é que quem vem viver para Portugal adote todos os hábitos portugueses e largue os de origem. Mas há solução, apesar de ser legalmente impossível: “Se não se adaptam, a solução é extradição.”

Quem passa por Catarina e ouve a conversa tem também uma história para contar, mesmo de passagem. “Na minha zona, hoje tenho medo de ir despejar o lixo. Há assaltos todas as semanas”, diz outra das manifestantes que acabou por desaparecer entre o grupo que se preparava para começar a descer a rua em direção aos armazéns do Chiado. Na mesma linha, Lurdes Rodrigues diz ter ido até à Câmara Municipal de Lisboa pelo mesmo motivo: “Todos os imigrantes que não se adaptam à nossa cultura deviam sair.”

Logo no início do percurso, algumas pessoas que passavam começaram a gritar: “Fascistas! 25 de Abril sempre. Fascismo nunca mais”. Foram afastadas pela PSP, mas nem por isso foram embora. À medida que a manifestação “contra a islamização da Europa” avançava, juntava-se cada vez mais gente anti-manifestação.

Mas a solução da mulher de 59 anos não passar pela extradição de imigrantes — pelo menos, não de forma tão rápida. “Ter vistos mais apertados, não podemos ter os braços abertos. Só deveriam entrar pessoas com visto e, ao fim de 90 dias, têm de ter trabalho. Se não tiverem, são mandados embora”, vai defendendo, enquanto o grupo segue em marcha lenta em direção à Praça do Município.

“Trabalho e atendo muito guineenses e pessoas de leste e falo sempre em português. Os de leste são espetaculares, porque fazem um esforço para entender, mas os outros não. A língua é o nosso primeiro símbolo”, acrescentou, para defender que todas as pessoas que vivem em Portugal deveriam falar português.

Logo nos primeiros momentos do percurso, algumas das pessoas que se cruzam com a manifestação começam a gritar: “Fascistas! 25 de Abril sempre. Fascismo nunca mais”. Foram afastadas pela PSP, mas nem por isso foram embora. À medida que a manifestação “contra a islamização da Europa” avançava, juntava-se cada vez mais gente anti-manifestação, sempre atrás do cordão policial.

– “Morte ao fascismo”, gritavam uns.

– “Morte aos traidores”, respondiam os manifestantes de extrema-direita.

– “Este país é de Abril. Morte aos fascistas”

– “Morte aos comunas”

Por várias vezes, os manifestantes que seguiam na cauda da manifestação paravam, respondiam a quem estava nos passeios a gritar, mas acabavam sempre por ser travados pelas forças policiais.  E, entre interrupções, Mário Machado, neonazi que aparece como um dos promotores desta manifestação, circulava entre o início e o fim da manifestação. “Não liguem a provocações”, dizia. Também no fim do cortejo, de capacete na cabeça, seguia Rui Roque, militante expulso do Chega no ano passado e autor de uma moção polémica e chumbada por larga maioria, numa convenção do partido, que propunha a remoção dos ovários das mulheres que pratiquem aborto.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Rui Roque tirou o capacete quando a manifestação chegou ao ponto final do seu percurso — a Câmara Municipal de Lisboa — e quando a PSP criou mais um cordão para impedir que as pessoas que gritavam “fascistas” se aproximassem dos manifestantes.

Em duas horas, a manifestação da extrema-direita acabou sozinha nos paços do concelho, cercada pela PSP, e rapidamente desmobilizou. Uns saíram em grupo, outros sozinhos, como aconteceu com um dos manifestantes que viajou da zona norte do país para Lisboa. Estava sozinho e não quis ser identificado. “Tenho a cara tapada por causa do trabalho”, explicou. E a justificação para estar ali não foge da regra: “Daqui a cinco anos vamos ser invadidos por ‘eles’.”

Arraial contra racismo e xenofobia juntou centenas no Intendente, que tinham apenas um pedido: “Imigrantes ficam e fascistas vão embora”

A iniciativa no Largo do Intendente foi convocada em resposta à manifestação do Grupo 1143. A meio da tarde, ainda há poucos cartazes no ar, mas as palavras “fascistas” e “racistas” já começam a soar em algumas conversas. Enquanto os participantes se juntam, outros preparam as bancas de comida vegan e distribuem panfletos para os restantes. E há uma frase comum em quase todos eles: “Não passarão.”

Ao mesmo tempo que o Grupo 1143 se mobiliza para ocupar o Largo de Camões, os manifestantes contra o protesto descrito como “nazi” concentram-se no Largo do Intendente, a cerca de um quilómetro e meio de distância. Aqui, não há mensagens de ódio contra os imigrantes, muitos a viver a poucos metros daquela zona. Mensagens de contestação, só mesmo contra os que defendem que os imigrantes “voltem para o seu país”.

“Abaixo Mário Machado, abaixo Grupo 1143”, ecoam homens, mulheres e até crianças, pouco depois das 16 horas, momento para que estava convocado o início do Arraial Contra o Racismo e Xenofobia, uma iniciativa organizada por vários coletivos, entre os quais SOS Racismo, Esquerda Revolucionária e Coletivo Marxista.

Arraial contou com uma oficina de cartazes, onde diversos manifestantes escreveram frases de luta contra o racismo

PEDRO ROCHA/OBSERVADOR

De onde esse vem, surgem muitos outros gritos a apelar à “luta das pessoas imigrantes” e a aconselhar as pessoas ali presentes a manter algumas cautelas na cidade. “Hoje, os fascistas estão em Lisboa. Não estão aqui, porque não foi permitido, mas estão noutro sítio. Por isso, é preciso ter muito cuidado. Não saiam daqui sozinhos, vão acompanhados com pessoas para casa”, pede uma das vozes organizadoras da causa.

O alerta contrasta com a tranquilidade que se sente por ali. Além do reduzido número de polícias presentes para manter a segurança – havendo apenas cerca de uma dúzia localizada junto às barreiras que limitam o protesto –, os manifestantes são logo informados de um posto de socorro no local e dos números de emergência para onde devem ligar caso “vejam alguém a ser detido ou perturbado pela polícia, alguém a ser magoado ou algum fascista a armar confusão”. De resto, são convidados a inscrever-se no microfone aberto para “ler poemas, palavras e canções” e para partilhar o seu testemunho. E há quem não tenha problemas em contar a sua história.

"O Vasco da Gama foi à Índia e a muitos outros sítios do mundo sem um visto. Já nós, temos os documentos todos legais e pagamos todos os impostos"
Malik Saalain, imigrante do Paquistão

Adnan Ahmed, de 33 anos, veio com o irmão do Bangladesh há um ano. Escolheu Portugal por ser “um sítio seguro” e por ter pessoas “muito acolhedoras”. No entanto, e apesar de nunca ter sofrido discriminação, àquela hora assumia algum receio pelo que pudesse seguir-se à manifestação “Contra a Islamização da Europa”. “Eles não gostam de nós. Por agora, sentimo-nos seguros, mas não sabemos como vai ser depois”, conta ao Observador.

“Antes, sentíamo-nos bem, mas não sabemos como vai ser amanhã, na próxima semana ou no próximo mês. Nem depois de 10 de março“, continua. Ainda que o imigrante reclame pelo baixo salário como taxista, que apenas dá para dividir uma casa com outras três pessoas, admite que gosta de viver em Portugal, porque “os portugueses são boas pessoas e são muito cordiais”. No entanto, teme pelo resultado das eleições legislativas.

“Não sei que Governo vamos ter e que partido ganhará”, confessa. “Se eles não gostam de nós, talvez seja melhor irmos viver para outro país.”

Adnan Ahmed não é o único imigrante “a amar este país” e a revoltar-se contra as narrativas que a extrema-direita constrói contra a comunidade, alegando que veio “substituir” os portugueses e “viver do nosso dinheiro”. “Nós temos de seguir todas as regras. Pagamos impostos, somos obrigados a ter uma residência, e temos imensa dificuldade em arranjar emprego“, aponta Malik Saalain, de 29 anos, ao Observador.

O Vasco da Gama foi à Índia e a muitos outros sítios do mundo sem um visto. Já nós, temos os documentos todos legais e pagamos todos os impostos”, acrescenta, enquanto segura um cartaz com a frase “We love Portugal [Amamos Portugal]. Obrigado.”

"Infelizmente, o presidente Moedas não permitiu que esta manifestação acontecesse, porque era problemática. Não porque era grave aquilo que estava escrito, que era inconstitucional.”
José Falcão, fundador do SOS Racismo

O cidadão paquistanês, que chegou há dois anos, conta que se o país decidisse “acabar com a imigração, tal não traria nada de bom”. “As pessoas que vieram para cá estão a trabalhar. E a maioria dos imigrantes está a fazer um bom trabalho e a contribuir para o país”, diz.

“Estas pessoas estão a trabalhar para nós. Estão a dar-nos dinheiro através dos seus impostos”, reforça ao Observador José Falcão, fundador da associação SOS Racismo. “Infelizmente, teve de ser o movimento associativo a organizar-se para impedir-se que os provocadores, que já assassinaram pessoas, viessem aqui provocar estas pessoas.”

O sentimento de revolta inunda a voz do ativista, que, ao lado da banca onde vende o merchandising do movimento que fundou, distribui panfletos a convocar para uma nova manifestação nacional Contra o Racismo a Xenofobia, às 15 horas de 24 de fevereiro – data que coincide com o fim de semana que antecede o arranque do período oficial de campanha para as legislativas de 10 de março –, e apela às pessoas para aderirem à iniciativa.

“É importante mostrar que ainda existe racismo em Portugal“, apela, fazendo críticas ao Governo, que “deixa” que isso aconteça. “Infelizmente, o presidente Moedas não permitiu que esta manifestação acontecesse, porque era problemática. Não porque era grave aquilo que estava escrito, que era inconstitucional.”

PEDRO ROCHA/OBSERVADOR

Quando é a extrema-direita, o Estado não atua. Não atua. A não ser quando morre alguém, mesmo assim vamos a ver…”, acrescenta, dizendo ainda que “se não fosse este movimento, se não fosse a carta aberta que foi escrita e que foi mandada na semana passada, se não fosse a queixa que o SOS meteu no tribunal, eles vinham tranquilamente para aqui manifestar-se“. “Como é que é possível?”, questiona o ativista.

José Falcão não é o único a interrogar-se sobre a posição do Governo em relação a ações como a que o Grupo 1143 promoveu. “Este regime não nos tem muito respeito. O que vemos da parte desta democracia é uma profunda estagnação e um profundo ataque aos nossos direitos”, conta ao Observador António Tonga, membro do coletivo Consciência Negra.

O ativista, que foi uma dos membros organizadores da iniciativa, não saiu de trás do microfone durante todo o protesto. No entanto, não precisou de megafone para atribuir culpas ao crescimento da extrema-direita em Portugal. “Isso deve-se à inação da classe política, quer por parte do PS, quer por parte do PSD. Dizemos inclusivamente aos partidos de Esquerda que é preciso mais na defesa das comunidades imigrantes. É preciso muito mais nesta batalha, que é uma batalha ideológica, pelo espírito e pela identidade portuguesa”, garante.

E é por essa luta e a pensar “num futuro onde não vivemos com os fantasmas do 25 de Abril“, que António Tonga grita: “Fascistas, racistas, chegou a vossa hora. Os imigrantes ficam e vocês vão embora”.

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