Há muito que o Largo do Caldas não via uma coisa assim. Naquele que foi o tiro de arranque para as próximas legislativas, Nuno Melo conseguiu reunir na sede do CDS em Lisboa algumas das principais figuras da história mais e menos recente do partido, incluindo os seus dois líderes (outrora desavindos) mais carismáticos: Manuel Monteiro e Paulo Portas. O objetivo do eurodeputado era ouvir a consciência crítica do CDS e definir a estratégia para o combate eleitoral, sendo certo que o elefante na sala — ir ou não coligado com o PSD — foi domado da única maneira possível: assumir que a solução era útil, mas desdramatizar a aparente indisponibilidade dos sociais-democratas em ter o CDS como aliado.

Apesar de a reunião ter decorrido à porta fechada — só foi possível captar brevemente algumas imagens do friso de personalidade que se dispunha na mesa em forma de ‘u’, com Portas à direita e Monteiro à esquerda de Melo –, o Observador sabe que o tom geral das várias intervenções foi no sentido de que o partido se deve focar em falar para o eleitorado que o conhece e que porventura sentirá falta de um CDS que sempre se apresentou como parceiro sensato e moderado, por oposição aos partidos que entretanto nasceram à direita.

Por isso, e se é verdade que o Chega é, desde o início, um alvo privilegiado do CDS, os democratas-cristãos perceberam que terão muito a ganhar se tentarem e conseguirem demonstrar por “a mais b” que a Iniciativa Liberal só tem dado provas de não ter maturidade para fazer parte da solução.

Aliás, os exemplos mais citados — e que serão levados para a campanha eleitoral — são os Açores, em que os liberais contribuíram ativamente para o chumbo do Orçamento apresentado pelo Governo Regional PSD/CDS, e o que aconteceu em Lisboa, nas autárquicas de 2021, em que a recusa em fazer parte da grande frente protagonizada por Carlos Moedas impediu que o executivo camarário tenha maioria de vereadores e redundou na não eleição de qualquer elemento dos liberais.

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Portas conduz a reunião

Com estes dados, Melo tentará fazer uma espécie de apelo ao voto útil entre os eleitores à direita do PSD: só um voto no CDS servirá para reforçar um parceiro que entra de facto nas contas dos sociais-democratas (e o Chega não entra) e que, entrando nessas contas futuras, dá garantias de poder demonstrar maturidade, responsabilidade e moderação (coisa que, alega o CDS, os liberais não garantem).

Isto, claro, se falhar o plano A. Os democratas-cristãos não escondem que a sua opção preferencial é entrar numa coligação pré-eleitoral com o PSD, mesmo sabendo que Luís Montenegro está pouco inclinado para o fazer. Cá fora, aos jornalistas, Nuno Melo, primeiro, António Lobo Xavier, Cecília Meireles e Manuel Monteiro, repetiram isso mesmo: uma aliança pré-eleitoral entre PSD e CDS faria todo o sentido.

“Por lucidez estratégica, haveria vantagem numa coligação pré-eleitoral”, argumentou o líder do partido. “Pensamos que seria mais útil, em geral, para todo o setor não socialista, que houvesse um entendimento entre o PSD e o CDS”, concordou Lobo Xavier. “Acho que tem óbvias vantagens”, assinalou Cecília Meireles. “Como português, como pessoa direita, como pessoa conservadora, que quer uma alternativa positiva, válida, se isso não acontecer, pessoalmente lamento”, reforçou Monteiro.

Ora, a questão é que, mesmo desejando essa coligação pré-eleitoral, o partido, já bastante enfraquecido depois de ter sido varrido da Assembleia da República, não pode dar sinais de desespero, sob pena de perder ainda maior valor facial para os eleitores que até estariam disponíveis para voltar a confiar nos democratas-cristãos. Lá dentro, Paulo Portas, apurou o Observador, traçou a fronteira, que é ténue: até ao momento da decisão, o partido deve mostrar-se disponível, mas não desesperado.

Cá fora, aos jornalistas, Melo, Lobo Xavier, Cecília e Monteiro repetiriam a mesma ideia: “A mim nunca me verão nem na pedinchice, nem a dizer que o CDS trabalha em estado de necessidade” (Melo); “O CDS não vai fazer campanha a pedir, por amor de Deus, uma coligação (Lobo Xavier); “O CDS está completamente preparado para ir sozinho às eleições (Cecília Meireles); “Os portugueses têm que saber que se amanhã essa alternativa não existir, a culpa não é seguramente do CDS” (Manuel Monteiro).

Resta saber o que fará o CDS num cenário em que tenha de tentar regressar sozinho ao Parlamento. Ao longo da reunião, que demorou sensivelmente três horas, foram várias as ideias deixadas, embora não necessariamente irreconciliáveis. Portas, que, segundo fontes presentes, se comportou como o verdadeiro líder da sessão, com uma grande naturalidade, a chamar as pessoas que se iam inscrevendo, defendeu que o partido devia falar para o eleitorado mais velho e sobre o estado da Saúde, uma forma de captar o eleitorado que mais facilmente (se) reconhece na marca CDS.

Monteiro também elegeu os temas da Saúde e Produção Nacional como prioritários para o país. Terá sugerido que o CDS deve responder ao sentimento de revolta com discurso centrado na esperança de um futuro melhor para o país. Igualmente mais programática, Cecília Meireles argumentou que o partido deve ter uma agenda em função daquilo que considera ser justo e certo, esquecendo os discursos profundamente ideológicos sobre o que é e para que serve o partido. “O CDS, além de saber falar, sabe fazer. E é isso que temos de mostrar“, terá dito no encontro.

Houve, também, quem fizesse uma análise mais focada na tática eleitoral. Adolfo Mesquita Nunes, antigo secretário de Estado do Turismo e ex-vice de Cristas, que se desfiliou do partido durante a liderança de Francisco Rodrigues dos Santos (que não acedeu ao convite de Melo, tal como Ribeiro e Castro), defendeu que o CDS dificilmente vai recuperar os eleitores que foram para o Chega e, como tal, deve tentar provar que é um parceiro capaz, sensato e responsável.

Lobo Xavier pede empenho dos notáveis

Francisco Mendes da Silva, que se desfiliou por motivos idênticos, foi ainda mais longe: o partido deve focar-se nos círculos eleitorais onde têm possibilidade de eleger (sobretudo Lisboa) e ter uma narrativa sobre a competência dos seus quadros, que os outros partidos concorrentes não têm, e falar pouco de temas ou bandeiras — até porque não há tempo até às eleições.

Numa sala onde estavam Nuno Melo, Paulo Portas, Manuel Monteiro, Cecília Meireles, Nuno Magalhães, Isabel Galriça Neto, João Almeida, Adolfo Mesquita Nunes  Francisco Mendes da Silva e Ana Rita Bessa, e a que se vão juntar, na quarta-feira, Assunção Cristas, Mota Soares, Telmo Correia ou Diogo Feio, a intervenção de Lobo Xavier causou particular interesse: em linha com o que defendera Mendes da Silva — a principal marca do CDS é ser um partido de quadros.

Na sua intervenção ,o conselheiro de Estado argumentou que essas figuras com notoriedade tinham de dar o exemplo e demonstrar disponibilidade para integrar as listas de candidatos, uma ideia que foi percecionada por alguns como sendo a assunção da sua própria disponibilidade para o fazer.

De resto, João Almeida, antigo deputado, ex-secretário de Estado da Administração Interna e candidato derrotado nas eleições que deram a vitória a Francisco Rodrigues dos Santos, disse mesmo que estava disponível para dar a cara nos círculos eleitorais onde não fizesse sentido a Nuno Melo investir tempo, atendendo à dificuldade para eleger um deputado. Resta saber se a disponibilidade para ajudar será ou não concretizável e como. Para já, este foi o momento para tentar relançar o partido.