O chamado “fosso salarial” entre homens e mulheres, pelo menos nos países desenvolvidos, é frequentemente explicado pelas diferentes opções de estudo e carreira que homens e mulheres tendem a tomar, isto é, pela ideia de que as mulheres, em média, tendem a escolher profissões menos bem remuneradas. Mas a pesquisa de Claudia Goldin, laureada com o Prémio Nobel da Economia, revela que a realidade pode não ser bem essa. O que os dados mostram é que não existe um grande “fosso” entre homens e mulheres quando estes ainda não foram pais – mas o fosso surge, e agrava-se, muitas vezes, a partir do momento em que as mulheres têm o primeiro filho.
Claudia Goldin tornou-se nesta segunda-feira a terceira mulher premiada com o Nobel da Economia, que começou a ser atribuído em 1969. Mas é a primeira mulher a ganhar o prémio de forma individual – as outras duas tinham sido distinguidas por trabalhos feitos em parceria com outros investigadores (homens).
A economista também já tinha sido a primeira mulher convidada a liderar o Departamento de Economia da Universidade de Harvard, em 1989. Foi ao serviço dessa universidade norte-americana que Goldin, hoje com 77 anos, se dedicou a estudar a interligação entre a participação feminina no mercado de trabalho (e as respetivas remunerações) e as várias fases de progresso económico e social.
O grande mérito da investigadora é que conseguiu basear a sua pesquisa em dados que ou não estavam disponíveis publicamente ou, então, existiam mas de forma dispersa. E nunca ninguém tinha cruzado ao ponto de poder tirar conclusões sobre qual era a verdadeira participação das mulheres no mercado de trabalho, uma matéria onde até os censos tinham informação insuficiente, em alguns momentos da história.
“Compreender o papel das mulheres no mercado de trabalho é importante para a sociedade”, afirmou Jakob Svensson, que lidera o comité que atribui o Prémio Nobel da Economia. “Graças ao trabalho revolucionário de Claudia Goldin, sabemos agora muito mais sobre os fatores subjacentes e que barreiras terão de ser derrubadas no futuro”, acrescentou.
Se salários e economia crescem, o “fosso salarial” estreita-se?
Estudando mais de 200 anos de história económica, com enfoque nos EUA, a investigadora conseguiu demonstrar que a participação das mulheres não tem uma relação direta com o progresso ou o crescimento económico.
Se hoje for tirada uma fotografia ao chamado “fosso salarial” entre homens e mulheres, regra geral, esse fosso será menor quanto mais desenvolvidas são as economias. Mas podemos, com base nisso, presumir que à medida que as economias crescem e se desenvolvem, esse fosso tenderá sempre a reduzir-se?
Não podemos, segundo Claudia Goldin. E perceber exatamente porquê – porque é que estes dois fenómenos não caminham sempre em sintonia – é essencial para se evitarem medidas políticas erradas no combate às desigualdades salariais entre homens e mulheres.
Historicamente, a participação de mulheres (casadas) no mercado de trabalho, revelou a pesquisa de Goldin, não cresceu de forma linear mas, sim, numa curva em “U”. Essa participação reduziu-se na passagem de uma economia de base agrícola para a era industrial, no início do século XIX. Depois, a participação voltou a aumentar com o crescimento do setor dos serviços, no início do século XX.
Claudia Goldin notou que os níveis de educação e formação das mulheres aumentaram ao longo do século XX e, em muitos países desenvolvidos, já superam os níveis dos homens, em termos agregados. Porém, o século também ficou marcado por “alterações estruturais” e mudanças nas normas sociais relacionadas com as responsabilidades das mulheres para com o lar e com a família. Por outro lado, a invenção da pílula contracetiva foi outra variável que induziu grandes mudanças nos níveis de participação das mulheres no mercado de trabalho.
Pedro Martins, investigador da Nova SBE, explica à Rádio Observador que Claudia Goldin “trabalhou ao longo dos últimos 40 anos numa área que está na fronteira entre a economia do trabalho e a história económica”. “Tem um trabalho de análise de arquivos em que procura documentar a evolução da participação das mulheres no mercado de trabalho ao longo dos últimos dois séculos. E tem trabalhos mais recentes que procuram explicar o que é que determina a participação das mulheres na educação, porque é que há diferenças em relação aos homens e, também, trabalhos sobre a diferença salarial entre homens e mulheres”, afirma o investigador.
Mais do que apresentar soluções de política pública, Goldin “focou-se em documentar padrões e em perceber porque é que diferenças surgem“. Porém, acrescenta Pedro Martins, a pesquisa agora premiada com o Nobel “levou indiretamente ao desenvolvimento de várias ideias nesta área das políticas públicas ao ter inspirado um conjunto alargado de investigadores que seguiram as análises que ela desenvolveu e que as procuraram aprofundar”.
Um dos padrões que a pesquisa de Claudia Goldin identificou está relacionado com “a importância de a mulher ser mãe para o aparecimento e o crescimento dos diferenciais salariais entre homens e mulheres“, diz Pedro Martins.
“As análises recentes indicam que quando se fazem comparações entre homens e mulheres em que tanto um como outro não são ainda pais os diferenciais praticamente não existem”, afirma Pedro Martins. Porém, “a partir do momento em que a mulher passa a ser mãe, esse diferencial começa a aparecer e a agravar-se com o tempo – ao contrário do que acontece com o homem quando se torna pai”.
Para este investigador, este resultado sugere que existem, de facto, “questões relacionadas com a maternidade e a paternidade entre homens e mulheres” que será importante o poder político conhecer e, eventualmente, corrigir ou mitigar.
“Surpreendida” e “muito, muito satisfeita”
Na conferência de imprensa de atribuição do prémio Nobel, não foi possível estabelecer o tradicional contacto telefónico com a laureada. Mas o presidente do organismo, Jakob Svensson, indicou que, tendo falado com Claudia Goldin cerca de uma hora antes, ela estava “surpreendida” pela distinção e “muito, muito satisfeita”.
Este é o último prémio entregue pela Real Academia Sueca de Ciências nesta temporada de 2023, depois de na sexta-feira a iraniana Narges Mohammadi ter sido homenageada com o Prémio Nobel da Paz. Dias antes, o Prémio Nobel da Literatura foi entregue ao romancista, poeta e dramaturgo norueguês Jon Fosse.
Também este ano, o Prémio Nobel da Química foi atribuído a três investigadores de instituições norte-americanas — Moungi G. Bawendi, Louis E. Brus e Alexei I. Ekimo. E o Nobel da Física foi atribuído a Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier: os cientistas que (quase) ultrapassaram Flash, o super-herói da DC Comics, e conseguiram ver eletrões ultrarrápidos.
O Prémio Nobel da Medicina 2023 foi atribuído a Katalin Karikó e Drew Weissman pelas descobertas que permitiram o desenvolvimento de vacinas de mRNA, tecnologia que foi utilizada na vacinação contra a Covid-19.
Ao contrário dos outros prémios, o Nobel da Economia não estava entre as cinco distinções científicas definidas no testamento de Alfred Nobel, que morreu em 1896. Ainda assim, o prémio começou a ser atribuído a partir de 1968 graças a um donativo feito pelo banco central sueco – e a metodologia de seleção é exatamente a mesma.
No ano passado, o Prémio Nobel da Economia foi entregue aos investigadores Douglas Diamond, Philip Dybvig e Ben Bernanke. Este último, além da pesquisa académica pela qual foi premiado, foi presidente da Reserva Federal dos EUA no momento em que começou a crise financeira de 2008.
Nobel da Economia. Resgatar bancos é mau, mas deixá-los cair é pior