O Prémio Nobel da Física 2023 foi atribuído a Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier pelo desenvolvimento de “métodos experimentais  que geraram pulsos de luz em attosegundos para o estudo da dinâmica dos eletrões na matéria”, anunciou esta terça-feira a Academia Real das Ciências Sueca, em Estocolmo (Suécia).

Dito de outra forma, os eletrões movem-se e trocam energia de uma forma tão rápida que nenhuma tecnologia conseguia captar esses processos — como o coiote que tenta apanhar o papa-léguas Bip Bip, rápido demais para qualquer armadilha. O que estes cientistas conseguiram foi criar uma ‘armadilha’ rápida o suficiente para registar o que acontece em poucas dezenas de attosegundos. [Um attosegundo é 0,000000000000000001 segundos ou 10-18 segundos.]

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Um attosegundo é tão curto que há tantos attosegundos num segundo quantos os segundos que passaram desde a origem do universo”, lê-se no comunicado de imprensa da Academia Real das Ciências Sueca.

Se nunca tinha ouvido falar de attosegundos, talvez não seja fã dos super-heróis da DC, como Flash, conhecido pela velocidade e reflexos sobre-humanos. Numa das tiras cómicas Flash afirma: “Posso pensar à velocidade da luz, posso observar eventos que acontecem em menos de um attosegundo, posso correr mais rápido do que o tempo”. Ora, os cientistas agora laureados ainda não conseguiram isolar um attosegundo, mas foram os primeiros a estar perto de o fazer.

Este é o segundo Prémio Nobel para a física de lasers nos últimos anos: em 2018, Arthur Ashkin, Gérard Mourou e Donna Strickland receberam o Nobel da Física por usarem os lasers como ferramentas em miniatura. Ashkin criou “pinças óticas” que podiam ser aplicadas nos sistemas biológicos e Mourou e Strickland desenvolveram um “método para gerar impulsos óticos ultra-curtos e de alta intensidade”.

Usar lasers como ferramentas em miniatura foi distinguido com o Nobel da Física 2018

Como funcionam estes flashes de luz incrivelmente rápidos?

Para se registar uma fotografia é preciso, antes de mais, haver luz ambiente suficiente ou usarmos um flash para criarmos esse ambiente de luz. Quanto mais rápido o movimento, como o bater de asas de beija-flor, mais rápido terá de ser o flash e o obturador — ou o que se capta não passa de uma imagem desfocada pelo movimento. O que os laureados conseguiram foi criar um flash indescritivelmente rápido que permitisse ‘fotografar’ os eletrões.

“Os cientistas têm usado flashes de luz cada vez mais curtos para observar fenómenos cada vez mais rápidos”, diz à rádio Observador Luís Oliveira e Silva, investigador no Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico (Lisboa). O investigador dá um exemplo: “Quando queremos tirar uma fotografia à noite, temos de usar um flash de luz. Se tivermos objetos em movimento e se o flash de luz for demasiado longo, a imagem que vai ficar na nossa fotografia é um rasto. Só conseguimos que a fotografia seja suficientemente nítida se o flash for suficientemente curto — isto é, se for mais rápido do que o movimento do objeto que estamos a tentar capturar“.

O que é um attosegundo? A explicação do Nobel da Física num “piscar de olhos”

A descoberta de Anne L’Huillier remonta já a 1987. Na altura, a cientista verificou que eram emitidos diferentes tons de luz quando fazia incidir um feixe de laser sobre um gás nobre — nome dados aos gases incolores, inodoros e não inflamáveis em condições padrão. Vários anos depois, já em 2001, Pierre Agostini e Ferenc Krausz, a trabalharem de forma independente e em experiências distintas, demonstraram que o efeito descoberto por Anne L’Huillier podia ser usado para criar pulsos de luz (‘flashes’) mais curtos do que até então tinha sido possível.

Imagine que segura uma corda por um ponta que está presa pela outra ponta do outro lado de uma sala. Quando agita a corda para cima e para baixo provoca ondas na corda, e quanto mais rápido agitar a corda mais curtas serão as ondulações criadas (cada ciclo inclui a onda, para cima e para baixo). A luz também se propaga em ondas e, aumentando a frequência do impulso, as ondas ficam mais apertadas — ou seja, cada ciclo demora menos tempo. Anne L’Huillier criou um forma de aumentar a frequência do impulso e diminuir o comprimento de onda, Ferenc Krausz conseguiu isolar um ciclo que tinha a duração na ordem dos attosegundos e Pierre Agostini criou um diagnóstico para verificar a duração do impulso, explica Marta Fajardo, investigadora no Instituto Superior Técnico ao Observador.

A tecnologia de Anne L’Huillier numa start-up portuguesa

Uma das aplicações mais evidentes destes flashes ultra-curtos, explica Marta Fajardo, é “conseguir seguir em tempo real a evolução de processos eletrónicos”, ou seja, ver como é que os eletrões mudam de estado (ganham ou perdem energia) ou são transferidos entre átomos. O que os flashes em attosegundos fazem é “partir o tempo em fatias mais finas”. As imagens captadas podem depois ser montadas num ‘filme em câmara lenta’ para serem percebidos pelos humanos.

Marta Fajardo conta como o Instituto Superior Técnico usa, diariamente, a técnica criada por Anne L’Huillier, numa espécie de “comboio de impulsos em attosegundos”. Desta forma, a equipa consegue ver a evolução de um plasma ao longo do tempo. Os plasmas duram picossegundos (cada picossegundo é 0,000000000001 segundos ou 10-12), mas com os lasers de attosegundos é possível os plasmas a explodir, perceber “quão rápido os eletrões aquecem quando se dispara o laser sobre o material e quão lentamente arrefecem e libertam eletrões de volta aos iões”, conta a investigadora.

Estas experiências permitem criar “modelos mais rigorosos para plasmas densos” de forma a contribuir para o desenvolvimento da fusão nuclear controlada, que pode, no futuro, vir a ser usada na produção de energia.

O equipamento para medir e comprimir os lasers no Instituto Superior Técnico foi fornecido pela start-up portuguesa Sphere Ultrafast Photonics, conta Marta Fajardo. A Sphere nasceu há 10 anos, em setembro de 2013, e tem, como membro da equipa, nada mais nada menos do que a agora laureada Anne L’Huillier. Helder Crespo, doutorado em Física pelo Instituto Superior Técnico, é outro dos fundadores. Na Universidade do Porto, onde faz investigação, criou o Laboratório de Pulsos Ultra-curtos (Femtolab).

Quinta cientista mulher a ser laureada com um Nobel da Física

Este Prémio Nobel distingue uma investigação fundamental, que ainda não tem uma aplicação corrente. “Não é algo que se possa comprar no supermercado”, disse o físico Carlos Fiolhais à CNN. O comunicador de ciência destacou, no entanto, que esta tecnologia permite conhecer melhor os eletrões e aquilo que fazem: “Vamos conseguir ver as reações químicas a acontecer”. As reações químicas resultam na troca de energia entre átomos e moléculas, na passagem de eletrões de um átomo para o outro (ou na entrada e saída de eletrões), que podem ser vistas mesmo que aconteçam em attosegundos.

Carlos Fiolhais destacou também o facto de entre os laureados estar uma cientista mulher, apenas a quinta a ser galadoarda com um Nobel da Física apesar de o trabalho das mulheres na ciência ser cada vez mais relevante. Anne L’Huillier fez a sua descoberta em 1987, apenas um ano depois de ter completado o doutoramento. Curiosamente, como lembrou Fiolhais, o doutoramento foi feito na Universidade Pierre e Marie Curie, em Paris (França), e Marie Curie foi a primeira mulher a ganhar um Prémio Nobel (1903), a primeira a receber um Nobel da Física (1903), a única mulher que ganhou dois prémios Nobel e a única de todos os laureados que recebeu prémios em duas disciplinas científicas distintas (Física em 1903 e Química em 1911).

O prémio tem um valor monetário de 11 milhões de coroas suecas (cerca de 950 mil euros) e será partilhado em partes iguais pelos três laureados: Pierre Agostini, professor na Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos; Ferenc Krausz, diretor do Instituto Max Planck de Óptica Quântica e professor na Universidade Ludwig Maximilians de Munique, na Alemanha; e Anne L’Huillier, professora na Universidade de Lund, na Suécia.

Uma previsão quase certa

A atribuição do Prémio Nobel, seja em que área for, é talvez um dos segredos mais bem guardados. Não há fugas de informação e muito raramente se adivinha quem serão os laureados desse ano — ainda que, muitas vezes, a escolha recaia sobre cientistas que há se especulava que pudessem vir a ganhar o prémio.

A revista Physics World todos os anos aponta os candidatos preferidos ou mais prováveis, mas raramente acerta no ano. A única exceção (a única vez em que acertaram em cheio) foi em 2013, quando Peter Higgs e François  Englert foram distinguidos pela previsão do mecanismo Higgs em 1964. Era um prémio mais do que esperado visto que, no ano anterior, os físicos do CERN tinham identificado o bosão de Higgs e demonstrado que a previsão estava correta.

Tirando isso, a Physics World é perita em prever prémios Nobel anos antes de estes efetivamente acontecerem. Foi o caso de Alain Aspect, da Université Paris-Saclay e École Polytechnique(França), John Clauster, da J.F. Clauser & Assoc. (Estados Unidos) e Anton Zeilinger, da Universidade de Viena (Áustria), distinguidos “pelas experiências com fotões emparelhados, estabelecendo a violação das desigualdades de Bell e sendo pioneiros na ciência da informação quântica”. A previsão da revista foi em 2013, a atribuição do prémio aconteceu em 2022.

Prémio Nobel da Física para os avanços na partilha de informação quântica

Este ano, a revista olhou para os prémios atribuídos nos anos anteriores e identificou as áreas menos prováveis, como por exemplo, astronomia, astrofísica e cosmologia, áreas nas quais houve três Nobel nos últimos seis anos — assim, um prémio relacionado com o Telescópio Espacial James Webb estaria fora da corrida (por agora). Física quântica também será pouco provável porque foi a área do prémio do ano passado.

As apostas da Physics World recaem sobre áreas que não são galardoadas há mais de cinco anos: matéria condensada, física atómica e molecular, e óptica. Paul Corkum, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier, que recentemente ganharam o Prémio Wolf da Física “pelas contribuições pioneiras para a ciência do laser ultrarrápido e à física dos attossegundos”, são alguns dos nomes apontados pela revista. Desta vez, a Physics World praticamente acertou.

Última atualização às 17 horas