O Prémio Nobel da Química 2023 foi atribuído a três investigadores de instituições norte-americanas — Moungi G. Bawendi, Louis E. Brus e Alexei I. Ekimo — pela a descoberta e síntese de ‘pontos quânticos’, anunciou esta quarta-feira a Academia Real das Ciências Sueca, em Estocolmo. A descoberta tem quase 30 anos e estes pequenos componentes, os mais pequenos da nanotecnologia, estão agora presentes nas televisões e lâmpadas LED e até podem iluminar e guiar o trabalho dos cirurgiões, refere o comunicado de imprensa.

“Muito surpreendido, ensonado, chocado e muito honrado”, disse Moungi G. Bawendi durante a cerimónia de anúncio do prémio, acabado de acordar — manhã na Suécia, mas meio da noite nos Estados Unidos.

Por sorte, a diferença horária é tal que dificilmente os investigadores terão sido avisados do prémio antes de receberem a chamada da Academia Real das Ciências Sueca. Certo é que os media suecos já tinham anunciado os laureados horas antes da cerimónia que decorreu às 10h45 (hora de Lisboa). As fugas de informação não são comuns no que diz respeito aos prémios Nobel ligados à Ciência e Hans Ellegren, secretário-geral da Academia Real das Ciências Sueca, disse “lamentar profundamente o que aconteceu”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Por razões que ainda não são conhecidas, o comunicado de imprensa com o nome dos laureados foi libertado esta manhã antes da cerimónia, o que não deveria ter acontecido. “O importante é que não afetou a atribuição dos prémios de maneira nenhuma. A nomeação dos prémios Nobel é um processo muito longo que decorre durante muito tempo e a decisão não fica fechada até que a Academia se reúna — e a Academia reuniu esta manhã”, disse Hans Ellegren, perante a pergunta colocada por um dos jornalistas na sala.

Moungi Bawendi é investigador no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Cambridge; Louis Brus é investigador na Universidade Columbia, na cidade de Nova Iorque; e Alexei Ekimov trabalha na empresa Nanocrystals Technology, sedeada em Nova Iorque. Os três investigadores vão partilhar o prémio, com um valor total de 11 milhões de coroas suecas (cerca de 950 mil euros), em partes iguais.

Alexei Ekimov é russo. “A nacionalidade não importa”, diz a Academia das Ciências

Alexei Ekimov trabalha nos Estados Unidos desde 1999, mas a descoberta do potencial semicondutor dos nanocristais chamados pontos quânticos foi feita no Instituto Estatal Ótico Vavilov, em São Petersburgo, na Rússia, onde nasceu. Uma das jornalistas presentes no anúncio dos laureados questionou a atribuição do prémio a um cientista russo no contexto da presente guerra na Ucrânia e o convite para a cerimónia da entrega do Prémio em dezembro.

Hans Ellegren esclareceu que a Academia Real das Ciências Sueca é responsável pela seleção dos laureados, mas que os convites para a cerimónia de entrega dos prémios Nobel é feita pela Fundação do Nobel. Sobre um potencial convite, o secretário-geral disse que a Academia não tem qualquer opinião sobre isso. “No que diz respeito à escolha dos laureados para o Prémio Nobel, seguimos simplesmente o procedimento de identificar as descobertas mais importantes. Depois disso, identificamos quem deu os contributos mais importantes para essas descobertas sem termos em consideração a nacionalidade ou qualquer outro fator”, explicou Hans Ellegren.

A nacionalidade aqui não importa e isso está exatamente de acordo com o testamento de Alfred Nobel que dizia que a pessoa mais merecedora deveria receber o prémio independentemente da nacionalidade”, concluiu Hans Ellegren.

Tito Trindade: “Um dos meus heróis é o professor Bawendi”

Ainda nos anos 1980, Alexei Ekimov demonstrou que dependendo do tamanho das partículas, nomeadamente nanopartículas, o vidro impregnado com cloreto de cobre apresentava cores diferentes, como resultado de efeitos quânticos que não se verificam no mesmo material semicondutor à escala macroscópica. Anos mais tarde, Louis Brus demonstrou que os efeitos quânticos dependiam do tamanho da nanopartícula, mas desta vez estudando nanopartículas num líquido. Estavam assim descobertos os primeiros pontos quânticos.

Os pontos quânticos (ou “quantum dots”, em inglês) são, assim, partículas extremamente pequenas, com poucos nanómetros de diâmetro (1 nanómetro são 0,000001 milímetros) — ainda que muito maiores do que os eletrões referidos no Prémio Nobel da Física 2023, anunciado esta terça-feira. A pequena dimensão destes pontos quânticos de materiais semicondutores faz com que as propriedades óticas e elétricas sejam distintas daquelas que apresentam os materiais condutores que conseguimos ver a olho nu ou ao microscópico.

Em 1993, Moungi Bawendi revolucionou a produção destas nanopartículas, os chamados pontos quânticos, tornando reprodutível, mais fiável e de maior qualidade. Esta descoberta permitiu que os pontos quânticos pudessem ter uma aplicação, como hoje se vê, por exemplo, nos monitores QLED.

“Havia uma grande dificuldade em preparar os pontos quânticos com os processos que existiam na altura [antes da descoberta de Bawendi]”, diz ao Observador Tito Alves, investigador no departamento de Química da Universidade de Aveiro. De facto, os pontos quânticos apresentavam já propriedades distintas, mas não tão intensas. Bawendi melhorou a qualidade da síntese destas nanopartículas.

A publicação desta importante descoberta coincidiu com o início do doutoramento de Tito Trindade no Imperial College de Londres (Reino Unido), precisamente dedicado à síntese de pontos quânticos. “Um dos meus heróis é o professor Bawendi. Durante o meu doutoramento segui fielmente os artigos que ele ia publicando”, conta ao Observador. “Foi o meu farol durante o doutoramento.”

Na Universidade de Aveiro, Tito Trindade continua dedicado à investigação na área da Química dos Nanomateriais, onde os pontos quânticos são apenas um exemplo deste tipo de materiais. Em particular, o investigador trabalha com pontos quânticos de perovskita usadas nas células fotovoltaicas que têm utilização nos painéis solares.

A aplicação dos pontos quânticos em dispositivos de eletrónica, optoeletrónica, medicina e energia é uma das áreas mais importantes de investigação neste momento, mas ao longo das últimas décadas o foco foi evoluindo. Nos anos 1980 e 1990, o foco estava nos processos de síntese destas nanopartículas (pequenos pontos recheados de moléculas do material em causa), que é um domínio da Química — daí o Nobel nesta disciplina, comenta Tito Trindade —, e no reconhecimento de que teria propriedades diferentes dos materiais convencionais. Depois, os métodos foram aplicados a outros materiais e outras propriedades (e não, necessariamente, a emissão de cores diferentes) foram exploradas. Mas ainda há muito por descobrir, incluindo o que acontece à superfície das nanopartículas, diz o investigador português.

Tito Trindade mostra-se satisfeito com o reconhecimento do papel da Química na área da nanotecnologia, mas também destaca que é um exemplo interessante da conjugação de diferentes disciplinas.

Previsões ligadas à genética não se cumpriram

Uma das apostas para o Nobel da Química deste ano eram as vacinas de mRNA, como as que a Pfizer/BioNTech e Moderna criaram contra a Covid-19, mas esse tema já foi distinguido com o Nobel da Medicina na segunda-feira. Outras das previsões apontam para a edição genética, novas técnicas de sequenciação do ADN e terapia que tenham determinados genes como alvos.

Nobel da Medicina para descoberta que levou à vacina contra a Covid-19

Entre 1901 e 2023 foram atribuídos 114 prémios Nobel da Química — mas houve oito anos sem prémios atribuídos, seis deles coincidentes com a Primeira e Segunda Guerra Mundial. Neste período, houve 192 laureados, dois deles laureados duas vezes. Entre os prémios atribuídos, 63 foram para uma única pessoa, 25 para duas pessoas e 27 para três pessoas (o número máximo de laureados em cada ano).

Prémio Nobel da Química atribuído à simplificação do método de criar novas moléculas

Dos três prémios de áreas científicas, o Nobel da Química é aquele que mais vezes atribuiu o prémio a uma única pessoa. Curiosamente, entre os laureados únicos estão duas mulheres: Marie Curie (1911) e Dorothy Crowfoot Hodgkin (1964). O Nobel da Química foi atribuído a apenas oito mulheres, metade das quais nos últimos cinco anos.