Disse que não faria declarações sobre política nacional, repetiu a recusa, não falou aos jornalistas à chegada e insistiu que a sua aparição não trazia especial significado político. Mas quando a noite ia já tão longa que se viu obrigado a pedir três cafés extra e um leque improvisado para aguentar a extensa palestra aos alunos da Universidade de Verão do PSD, Paulo Portas finalmente disparou uma resposta sobre as próximas eleições presidenciais. E com uma frase apenas, o candidato a candidato a Belém tratou de deixar um aviso a toda a direita: “A mim parece-me que para o espaço não socialista a prioridade é construir uma alternativa que suceda ao doutor Costa, não é encontrar um sucessor para o professor Rebelo de Sousa”. Por outras palavras, a direita precisa de estar focada no seu verdadeiro desafio, para o qual continua sem resposta: voltar a ser Governo.
O tema estava longe de ser uma surpresa para o ex-líder do CDS, que há anos é colocado na longa lista de nomes presidenciáveis no espaço da direita – mesmo ao lado de Luís Marques Mendes, que este domingo fazia um comentário pouco habitual sobre a própria possível candidatura, admitindo essa hipótese caso fosse “útil” ao país.
E a Universidade de Verão do PSD tornou-se um palco para as conversas sobre Belém. No ano passado Castelo de Vide recebeu Marques Mendes, que curiosamente lembrava a quantidade de ex-líderes partidários que chegaram a Belém, critério que ambos cumprem. Este ano, recebe Paulo Portas e na quarta-feira abrirá as portas ao homem que ainda tem mais de dois anos de mandato por cumprir em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa.
Bem ciente de que, apesar de o tema anunciado para a conversa à hora de jantar ter a ver com política externa, a dúvida permanente sobre se entrará numa corrida a Belém atrairia todas as atenções, Portas até levava um gracejo inicial preparado. Assim que chegou, e depois de comer a sopa e o bacalhau espiritual que faziam parte da ementa, fez por afastar o fantasma de Belém da sala por iniciativa própria, antes de que alguém lhe pudesse fazer a pergunta.
“Quando deixei a atividade política não disse que ia ser um eremita”, começou por contextualizar, falando do “gosto” que tem em partilhar as suas ideias e reforçando logo de seguida que também estará com “gosto”, em setembro, no anúncio da declaração de princípios do CDS – para que não ficassem dúvidas sobre o empenho que também colocará no evento do seu partido, do qual se tem ido descolando.
Depois, foi mais direto. “Li algures que esta era a minha rentrée. Podem estar descansados: a minha rentrée é no Global [programa de comentário na TVI], e lá falarei de eleições presidenciais – mas só daquelas que vão acontecer nos EUA em 2024”.
Feita a pausa dramática entre “eleições” e “presidenciais”, os alunos (e os jornalistas) estavam esclarecidos: Portas não desfaria qualquer tabu sobre Belém – embora minutos depois, em resposta à pergunta “muito indireta” e habilidosa de um aluno sobre o perfil desejável para um Presidente da República, acrescentasse o seu aviso dirigido à direita (“obrigadinha pela pergunta!”, rematou).
No CDS, há quem repita o aviso e aconselhe cuidado. “É cedo e as prioridades deviam ser outras: unir a direita decente e preparar alternativa. É até o que o povo do centro direita quer…”, alerta um antigo dirigente próximo de Portas. No antigo núcleo do ex-líder, recorda-se que a possível candidatura de Marques Mendes não será exatamente uma surpresa para Portas, nem a declaração de domingo – aquela em que mais abriu a porta a essa possibilidade – suficiente para alterar os planos do antigo presidente do CDS.
Não que alguém arrisque dizer, para já, quais são eles. Mas mantêm-se no ar os avisos que fontes próximas de Portas faziam questão de deixar na sequência das notícias que sugeriam que este ano, com a passagem a administrador não-executivo da Mota Engil, Portas fechava definitivamente a porta à política. Na altura, a tese nestes círculos era uma: a passagem profissional, agora já ao nível da administração, pela Mota Engil não significaria um não taxativo ao regresso à política ativa.
Mas as dificuldades são evidentes: o apoio do CDS já pouco conta, e na área política da direita o que não falta são candidatos a candidatos a Belém – incluindo, é claro, Marques Mendes.
Para já, Portas deixou um aviso à direita: a discussão está já tão lançada e personalizada, ainda a mais de dois anos dessas eleições (marcadas para janeiro de 2026), que se corre o risco de perder o foco naquilo que é verdadeiramente essencial: conseguir, no mesmo ano, voltar a pôr a direita no Governo. Em Belém, a direita já tem um representante; é a São Bento que está com dificuldades em chegar, num momento em que se mostra fragmentada e com sondagens que continuam sem a deixar respirar fundo.
O Global ao vivo, os comentários sobre a guerra e o adorado Spotify
Fora as brevíssimas referências às presidenciais, Portas foi a Castelo de Vide fazer uma espécie de edição ao vivo do seu comentário no Global. Diante dos jovens da Universidade de Verão do PSD, falou longamente do papel da China na nova “balança de poder” com os Estados Unidos, da “incomparável” força do capitalismo americano, das dificuldades que traz a divisão de uma sociedade entre as tropas “woke” e as tropas de Trump, de como o ex-Presidente dos EUA “nunca foi republicano na vida”, dos perigos que trará o cansaço da guerra (“A arma de Putin é o vosso cansaço, a fadiga do ocidente”) e por aí fora (estava prevista uma intervenção de meia hora, que durou mais de uma inteira — isto ainda antes de ouvir e responder às perguntas dos alunos).
“Posso pedir um café, Carlos?”, pediu passada a primeira parte da conversa, dirigindo-se ao “reitor” da Universidade, o eurodeputado Carlos Coelho. Foi repetindo o pedido, à medida que ia acrescentando dados e pormenores sobre o volume da economia chinesa ou que classificava o conceito de guerra como “um insulto à inteligência”.
Pelo meio da ementa variada da noite, Portas ainda deixou inúmeros avisos aos jovens sobre os perigos dos “factos alternativos” nas redes sociais (“Tenham cuidado!”, foi repetindo incessantemente), aconselhou livros sobre o perigo dos populismos (“O enxame” e “Os engenheiros do caos”), revelou que adora o Spotify (“a única plataforma europeia!”) e que soube por um sobrinho o que era o ChatGPT. Apesar da longa conversa, os alunos pareceram não se cansar, mantiveram os aplausos ocasionais e a aula lá se foi estendendo – e Portas foi a todos os temas possíveis, só não voltou à política portuguesa.