Índice
Índice
8h00 — acordar
O dia começa numa divisão de 12 m2. Pedro Dias, acusado de cinco crimes de homicídio, acorda numa cama de betão, servida de colchão e roupa de cama onde se lê a sigla DGSP (Direção Geral dos Serviços Prisionais), como todos os outros reclusos do Estabelecimento Prisional de Monsanto. Na cela individual, além da cama há uma prateleira e uma secretária, onde o “fugitivo de Aguiar da Beira” se senta a ler todos os dias, sem falha. Lê os livros que requisita da biblioteca, um de cada vez, como mandam as regras da prisão. O primeiro a chegar-lhe às mãos foi “Equador”, de Miguel Sousa Tavares. O acesso ao romance deixou-o “feliz, dentro do possível”, como conta ao Observador uma fonte próxima do homem que esta quinta-feira vai ouvir a sentença no tribunal da Guarda. O resto do tempo, diz, é “um inferno”.
Depois de acordar e marcar “presença” na contagem dos presos, Pedro Dias toma o pequeno-almoço na cela, servido por volta das 8h20. A divisão onde passa todas as noites — e a maior parte dos dias — inclui ainda um placard onde pode colocar fotografias e, mais ao lado, uma sanita, um chuveiro e um lavatório em inox, por onde corre água quente. Numa das paredes está a janela, por onde entra a luz do sol e de onde consegue ver o pátio interior da prisão. É nessa janela, de acordo com o testemunho do amigo António Pereira em tribunal, que “as pombas param” porque “gostam mais dele”. A tapar a vista há grades horizontais e verticais, ou não se tratasse da prisão com maior grau de segurança de todo o país. As barras horizontais, contudo, foram alvo de reparo do anterior Provedor de Justiça, Faria da Costa, por poderem, “se essa for a vontade do recluso, auxiliá-lo a pôr termo à sua vida”.
“Não matei os civis”. Pedro Dias conhece sentença dia 8 de março
É em celas como esta que os cerca de 60 homens que vivem atualmente no EP de Monsanto comem, dormem e tomam banho. Como todos os outros, Pedro Dias veste o macacão bege da prisão, feito de sarja e algodão, em qualquer altura do ano — e alguns dos reclusos queixam-se do frio. Os ténis que calçam e a roupa interior é dos próprios. Os que são casados podem utilizar a aliança; todos podem usar no pulso um relógio, como explica o próprio Regulamento Geral.
Os presos recebem na cela a roupa de cama, as toalhas e os produtos de higiene, todos fornecidos pela prisão. “Há reclusos que podem ter lâminas na cela, outros não, se houver risco. Esses fazem a barba na barbearia da prisão”, explica ao Observador Ana Conduto, psicóloga que trabalhou no EP de Monsanto entre os anos de 2009 a 2015. É lá que todos recebem o corte de cabelo mensal a que têm direito.
Pedro Dias pode, como todos os outros, ter televisão (com um vidro à frente) e rádio na cela, comprados geralmente através da cantina da cadeia. É assim a vida no regime de segurança máxima: quase nada pode vir de fora, tudo se gere e tudo se compra a partir de dentro. Ali está uma parte ínfima da população prisional portuguesa (0,5% dos mais de 12 mil reclusos espalhados por todo o país), sujeita ao regime mais duro de controlo. “Em Monsanto os reclusos não circulam livremente, cada percurso é acompanhado”, explica Ana Conduto. “Da cela para o pátio são acompanhados por pelo menos dois guardas.” Em Monsanto, há cerca de 70 guardas para menos de 60 presos, mas não é possível saber ao certo quantos homens estão neste regime “por ser informação confidencial”, segundo fonte prisional.
A lei diz que um recluso (ou preso preventivo, como Pedro Dias) é colocado neste regime de segurança quando “a sua situação jurídico-penal ou o seu comportamento em meio prisional revelem perigosidade incompatível com afetação a qualquer outro regime de execução”, mais concretamente devido ao tipo de crime (terrorismo ou criminalidade violenta e/ou organizada) que cometeram, ou são suspeitos de terem cometido, aos comportamentos do recluso ou ao perigo sério de evasão, de acordo com o que está definido no Código de Execução das Penas.
“São reclusos com um grau de perigosidade elevado, tanto para a sociedade como para eles próprios. No caso do Pedro Dias, há provavelmente o perigo de uma fuga, mas também é um recluso que tem, ele próprio, de ser protegido — dos outros reclusos, nas idas ao hospital, etc.”, justifica ao Observador Júlio Rebelo, presidente do Sindicato Independente dos Guardas Prisionais. “A forma de controlar reclusos em que o grau de perigosidade é mais elevado é restringir-lhes os movimentos. E como se faz isto? É ter os homens mais tempo fechados. É a forma de se controlar reclusos com estas características.”
A decisão de manter ou não o recluso neste regime é tomada pelo diretor geral dos serviços prisionais e é reavaliada a cada seis meses, com diferentes pareceres da equipa de técnicos de educação e dos serviços prisionais. Mas ninguém sabe ao certo como é tomada a decisão de enviar um dos milhares de detidos em Portugal para esta prisão. No caso de Pedro Dias, o diretor-geral das prisões, Celso Manata, justificou a decisão com “os motivos previstos na lei para uma transferência para uma cadeia deste tipo”.
Os advogados protestaram, à altura, alegando que o suspeito estava detido apenas preventivamente. Pedro Dias, contudo, não é o primeiro preso preventivo a ser colocado em Monsanto: Abdesselam Tazi, marroquino suspeito de ser o líder de uma célula terrorista em Aveiro, foi colocado nesta cadeia em março de 2017, por exemplo. E houve mais casos.
12h00 — almoço
Da comida, Pedro Dias não se queixa; “come-se o que houver”, costuma dizer, sublinhando que as quantidades são boas e a qualidade aceitável. A mesma observação foi feita pelo Provedor de Justiça no seu relatório, ao contrário do que aconteceu na sua visita a outros estabelecimentos prisionais, como Vale de Judeus. O problema para a maioria dos reclusos em Monsanto não é o que comem: é o facto de terem de o fazer dentro da cela, sem possibilidade de convívio com os outros presos.
“Não há sequer uma sala de refeições. Os reclusos fazem as refeições nas celas, como animais, não podem, nem no dia de Natal, ir ao refeitório.” A advogada de Pedro Dias, Mónica Quintela, falou assim aos jornalistas da última vez que esteve à porta do tribunal da Guarda no dia das alegações finais do julgamento, sobre as condições de Monsanto. “Se alguém estiver preso 25 anos, a sair da cela durante duas [horas], quem é que o sistema prisional vai devolver à sociedade?”, perguntou.
A advogada de um dos acusados mais mediáticos do país lançou assim para cima da mesa o debate sobre o isolamento a que estão submetidos os cerca de 60 reclusos no EP de Monsanto. Mas não é a primeira a fazê-lo. O Comité para a Prevenção da Tortura (CPT), do Conselho da Europa — cujas recomendações a Portugal foram conhecidas na semana passada — escreve que “aparte o ambiente austero, as condições materiais [da prisão] são aceitáveis”, ao contrário do que o Comité escreveu sobre outros estabelecimentos prisionais portugueses. Mas o verdadeiro problema de Monsanto, aponta o relatório, é o isolamento a que os reclusos estão submetidos.
“A grande maioria dos prisioneiros está fechada nas suas celas 21 a 22 horas por dia”, garantem os elementos do Comité que participaram na visita que decorreu em 2016. “Alguns estão envolvidos num dos dois workshops (pintar ou montar partes de alumínio) duas vezes por semana, durante duas horas, e três ou quatro prisioneiros trabalham em limpezas. Além disso, um número limitado de atividades educacionais e programas acontecem de tempos a tempos”, diz o Comité, que compara a situação à de “isolamento”.
Dias depois de serem conhecidas as recomendações, o diretor-geral das prisões, Celso Manata, negou que seja esta a situação atual, numa entrevista ao jornal Expresso. “Temos cerca de 60 a 70 presos em Monsanto. A esmagadora maioria tem ginásio, atividades e visitas. Passam 8 a 9 horas na cela contando com a noite. Depois há uma franja de 10 a 12 pessoas que não querem fazer nada. Se não querem fazer nada ficam na cela. Estamos a falar de uma cadeia de segurança máxima”, explicou.
14h00 — regresso às atividades
Entre as 9h00 e a hora de almoço e, de igual forma, da parte da tarde, alguns dos reclusos de Monsanto podem sair da cela para ir ao pátio ou, caso se inscrevam para isso, à biblioteca e ao ginásio. Podem estar nestes espaços sozinhos ou acompanhados por dois outros reclusos, razão pela qual a elaboração do mapa de atividades pelos guardas é essencial. De acordo com fonte próxima de Pedro Dias, o preso de Arouca frequenta a biblioteca mas não o ginásio, por achar que não tem grandes condições. Segundo o relatório de 2016 do Provedor de Justiça, a sala conta com “duas máquinas de remo, uma bicicleta estática e uma passadeira de corrida”.
A situação relativamente às atividades e empregos disponíveis para os reclusos é menos clara. O último relatório de atividades da prisão disponível é de 2010. Nele, dá-se conta da realização de atividades de ioga, ateliê de artes, visionamento de filmes na sala multimédia e vários projetos de voluntariado, que envolveram 31 reclusos. Em 2009, um artigo da revista Sábado dava conta de que os presos se podiam inscrever em múltiplas atividades (squash, ioga, futebol, ginásio e artes), que na biblioteca podiam jogar jogos de computador, dominó e xadrez, bem como ter aulas no programa Novas Oportunidades e sessões de “Novas Tecnologias”. No mesmo artigo apresentava-se o mais recente trabalho disponível para os presos: cortar pedaços de pano para fazer bases individuais para os restaurantes.
Atualmente, no site do ministério da Justiça, pode ler-se que os reclusos de Monsanto têm como ocupações laborais “trabalhos de etiquetagem e colagem para empresas”, “manutenção e limpeza”, trabalho num canil que serve de “hotel para cães aberto ao público” e “pintura de bonecos”. Não é especificado se estes trabalhos estão disponíveis para os reclusos em regime de segurança máxima (Monsanto também tem reclusos em regime aberto), mas pelo menos o trabalho no canil está certamente vedado aos presos de alta segurança, já que decorre no exterior do edifício. Garantido é que é possível a um preso de Monsanto ingressar no ensino superior, fazendo os exames dentro da própria cadeia.
O Observador questionou a DGSP sobre as atividades e empregos disponíveis atualmente, bem como a percentagem de reclusos envolvidos e sobre as alegações de que alguns passam mais de 20 horas de isolamento. Até à data de publicação deste artigo, não foi obtida qualquer resposta.
Ana Conduto, a psicóloga clínica (e também licenciada em Direito) que trabalhou a tempo inteiro em Monsanto até 2015, garante que no seu tempo “não havia muito trabalho”. “O que havia era pintar bonecos, aqueles de futebol que se mete nos bolos de aniversário. Volta e meia tinham outros trabalhos mais pontuais, algumas oficinas de trabalho”, explica.
“Quando saí de Monsanto, foi criado por proposta minha o ateliê de artes, com material de pintura, porque há uma percentagem grande de reclusos que gosta de pintar e de desenhar. Não sei se está a funcionar ainda ou não.” Pontualmente, diz, “um grupo restrito de reclusos podia ver um filme”, mas define estas situações como “excepcionais”. Contudo, garante que a denúncia do CPT de que a maioria dos reclusos estão em isolamento mais de 20h00 por dia não é verdade: “É claro que poderá ser assim, mas só no caso de um recluso que tenha problemas disciplinares e que não poderá estar com os outros”, ilustra.
Também fonte prisional ouvida pelo Observador nega que exista esse isolamento de mais de 20h00 por dia: “Nenhum deles está fechado esse tempo todo, têm sempre atividades ao longo do dia”. Estas são constituídas pelas idas ao pátio, ao ginásio, à biblioteca, às visitas e aos telefonemas. Além disso, garante a mesma fonte, há duas oficinas onde participam cerca de 15 dos menos de 60 reclusos, cujo trabalho consiste em “pintar bonecos” e “trabalhar com alguns componentes”.
“Agora, é claro que um recluso que venha do regime comum nota muitas diferenças. Eles estão habituados a poder circular à vontade, visitar as celas dos colegas… Aqui não”, resume Ana Conduto. Também o dirigente sindical Júlio Rebelo destaca que a situação da prisão de Monsanto não difere das de outras prisões de segurança máxima noutras partes do mundo: “Em qualquer país isto é feito assim. E quando o Comité nos faz estes avisos, tem de fazer a outros então também. Em Espanha, por exemplo, o CPT nem sequer consegue entrar dentro dos estabelecimentos de segurança máxima, não lhes é permitido pelo ministério da Justiça espanhol”.
Pedro Dias quer trabalhar e envolver-se em mais atividades, mas tal ainda não lhe foi permitido, até porque é atualmente um preso preventivo. A participação em atividades como as oficinas, explica fonte de Monsanto,é definida pelos serviços de educação, “conforme o Plano Individual de Readpatação de cada recluso”. Este só pode ser elaborado quando há uma pena a cumprir, o que não é o caso de “Piloto”. Por enquanto, o homem que esteve fugido durante mais de três semanas limita-se a ir à biblioteca e aos pátios.
“Ele não tem receio nenhum de conviver com outros reclusos, dá-se bem. Tem participado nos jogos de futebol quando os há. Tudo o que o deixam fazer, ele quer participar”, garante ao Observador fonte próxima de Pedro Dias. Não foi esse o relato feito por alguns guardas prisionais ao Diário de Notícias, que em março de 2017 diziam que o recluso número 76 não ia ao chamado “pátio grande”.
Esse é o local onde os presos podem ir uma vez por semana em grupos que podem chegar a ser de quatro pessoas (chegaram a poder estar oito homens juntos, mas já não é esse o caso atualmente). Aí jogam sobretudo futebol. É o único local em toda a prisão onde podem ver o céu sem uma grade pela frente — mas, em compensação, estão rodeados de muros de cerca de 10 metros de altura, com arame farpado por cima, e de guardas armados com metralhadoras a toda a volta do pátio.
Diariamente, podem ir duas vezes ao chamado “pátio pequeno”, mais conhecido por “gaiola” entre os presos, devido ao facto de ter uma grade por cima a fazer de teto. Os reclusos podem ir em grupos de 3 e estão ao ar livre cerca de uma hora. Pedro Dias tem ido ao pátio muitas vezes com presos estrangeiros, “de origem árabe ou romena”, com quem tem dificuldade em comunicar — algo que não é de estranhar numa prisão que tem muitos reclusos não-portugueses, como o marroquino Tazi, chilenos responsáveis por assaltos a residências, o luso-americano Allan Shariff ou o brasileiro Marcus Fernandes, responsável pela morte de dois polícias na Amadora.
“São os guardas que fazem as escalas de pátio”, explica a psicóloga Ana Conduto, sublinhando que a segurança é sempre um dos pontos a ser tidos em conta. “Um recluso pode pedir ao diretor para não fazer pátio com outro recluso por ter incompatibilidade com ele. E, claro, se houver uma briga são os próprios guardas que não voltam a colocar aqueles dois reclusos juntos.”
Apesar de muitos dos presos de Monsanto serem criminosos com um passado violento, Pedro Dias não terá nunca tido problemas com nenhum deles. O facto de não ser acusado de crimes sexuais, mas sim de sangue, granjeia-lhe até algum respeito dentro das hierarquias de poder de uma prisão. Tal não impediu, contudo, que fosse envolvido numa alegada “tentativa de fuga” noticiada pelo Correio da Manhã em setembro de 2017, quando uma corda feita de lençóis com uma meia que tinha o seu nome foi encontrada num muro. Ao jornal, uma fonte prisional disse “acreditar que Pedro Dias não terá nada a ver com a situação e que o seu nome pode ter sido envolvido por alguém que o quer prejudicar ou que lhe quer passar uma mensagem.” Não é de ignorar o facto de que, sendo atualmente o preso mais mediático de toda a cadeia de Monsanto, pode ser pontualmente utilizado pelos colegas de prisão para diversos fins.
Se Pedro Dias não tem problemas com outros presos, também não parece tê-los com os guardas. “Cumpre, sem refilar, todas as normas do estabelecimento prisional”, pode ler-se no artigo do DN de 2017. Nunca revelou qualquer sinal de que a sua personalidade se assemelhasse à revelada pela perícia psicológica que lhe foi feita aquando de um processo de violência doméstica anterior, onde se destacavam características de sociopatia “acima da média”. “Os guardas chegam a recear pelo que possa ainda vir a fazer”, escreveu o jornal.
Isso significa que Dias não conhece o interior de nenhuma das três celas que se usam para sanção disciplinar, mais conhecidas por “solitária”, compostas apenas por uma cama, um lavatório e uma sanita de tipo turco. Um detido que esteja a cumprir castigo na solitária pode, ainda assim, ir sozinho ao pátio durante uma hora por dia.
“Piloto” também nunca entrou no chamado “quarto de segurança”, uma pequena sala de paredes almofadadas onde se coloca um recluso se este representar um risco para si próprio ou para terceiros. O uso algo regular do “quarto de segurança” foi uma das práticas criticadas no relatório do CPT, a par das revistas por desnudamento, que, para o Comité, devem ser realizadas com maior supervisão e menor frequência.
A psicóloga Ana Conduto, no entanto, não se diz chocada com o uso destas medidas. “Estamos a falar de um regime de segurança máxima, afinal de contas”, resume ao Observador. E destaca que o “quarto de segurança” é uma necessidade para proteger o próprio recluso: “ Os comportamentos suicidários ou para-suicidários existem muito na cadeia. Se um recluso esconder lâminas na cela, é muito difícil impedir que ele se volte a mutilar. E qualquer caso destes, de colocação no quarto, tem de ser aprovado pelo Tribunal de Execução de Penas, para garantir que há legalidade”, garante.
17h30 — distribuição do jantar e da medicação
A esta hora, os reclusos estão todos de regresso à cela para receber o jantar e, à semelhança do que acontece ao pequeno-almoço, tomar a medicação caso estejam a ser acompanhados. A toma é feita à frente de um enfermeiro. Ao que tudo indica, Pedro Dias sofre de problemas de coluna e também será medicado.
É aliás alegando uma crise de coluna que “Piloto” vai faltar à leitura da sentença que começa às 14h30 desta quinta-feira. Mónica Quintela confirmou ao Observador que a defesa apresentou um requerimento para que Pedro Dias não assista presencialmente à leitura da sentença e que este foi aceite pelo tribunal da Guarda. “Ele está com uma crise complicada de coluna“, explicou a advogada, acrescentando que o transporte, algemado, na carrinha celular é “complicado”.
Os serviços médicos em Monsanto são apontados como sendo de qualidade, até pelo CPT: todas as semanas há a visita do médico, do dentista e do psiquiatra. Em teoria, enfermeiros e psicólogo estão disponíveis todos os dias. No entanto, os constrangimentos orçamentais podem afetar o dia-a-dia do acompanhamento médico: no ano passado, o próprio diretor-geral das prisões revelou que a falta de orçamento afetou a contratação, por vezes até em Monsanto, tendo os próprios diretores das prisões chegado a dar a medicação.
Embora tenha direito a acompanhamento psicológico, Pedro Dias nunca o requisitou. “Monsanto é o EP que tem mais acompanhamento psicológico, se pensarmos em número de horas face ao número de reclusos”, explica Conduto. “Quando lá estava, eu tinha muito poucos reclusos que não queriam acompanhamento. E é possível fazer acompanhamento psicológico de qualidade em Monsanto”.
Em alternativa, há também acompanhamento religioso. O suspeito de Arouca também nunca o requisitou formalmente, mas já falou algumas vezes com o padre que visita o estabelecimento quando ali se cruzaram. Não é de admirar, tendo em conta que Pedro Dias vem de uma família muito religiosa e chegou mesmo a aparecer na sala de audiências do tribunal trazendo consigo um crucifixo.
19h00 — fim dos telefonemas e última contagem
Terminam os últimos telefonemas e os últimos reclusos que estão fora da cela são levados para a divisão de 12m2 para passar a noite. Duas vezes por semana, Pedro Dias pode, como todos os outros reclusos, telefonar para quem quiser, desde que o peça com pelo menos 24 horas de antecedência. Normalmente alterna: uma vez por semana liga para os pais, outra para a companheira. Quem marca o número do destinatário é sempre um guarda prisional.
O contacto com o exterior pode ainda ser feito por carta ou através das muito desejadas visitas. Além do contacto com os advogados, que podem visitar os reclusos todos os dias, à quarta-feira e ao sábado há visitas de uma hora de família e amigos. No caso de Pedro Dias, habitualmente os pais, a irmã, a companheira e os dois filhos mais velhos (de 11 e 2 anos) vão vê-lo de 15 em 15 dias. Estas visitas acontecem numa das dez salas conhecidas como parlatório, uma divisão com um vidro a separar o detido dos visitantes, bancada e uma cadeira de cada lado. Monsanto é a única prisão em Portugal onde o contacto entre os presos e as visitas é feito com um vidro no meio.
O suspeito dos crimes de Aguiar da Beira só viu uma vez o filho mais novo, que nasceu quando o pai já estava detido. Foi na “visita extraordinária” que acontece uma vez por ano a pedido dos reclusos, a única que não se realiza no parlatório. O pedido de Pedro Dias foi aceite pela diretora da prisão, com base no regulamento que permite, após uma “avaliação de segurança”, que haja uma visita maior “em dia com especial significado humano ou religioso para o recluso”. A visita em que conheceu o filho aconteceu a 2 de janeiro, no rescaldo do Natal. Até aí não o tinha visto porque, segundo a irmã revelou em tribunal, “recusava-se a conhecer o bebé por um vidro”.
“Ele não queria que o bebé fosse”, revela a fonte mais próxima de Pedro Dias com que o Observador teve contacto. “E o outro filho mais novo é pequeno, também não percebe a situação e fica revoltado por não poder tocar no pai, chega a bater no vidro e tudo.” A existência do parlatório foi uma das características criticadas pelo ex-Provedor de Justiça em Monsanto. No seu relatório, Faria da Costa disse não compreender “a barreira que, embora de vidro, se interpõe, de modo sistemático, entre um pai recluso e um filho pequeno”.
A restrição “surpreende ainda mais”, escreve o provedor, quando em Monsanto se permite “a realização mensal de visitas íntimas, visitas que, pela sua índole, não podem ser efetuadas numa sala provida com um vidro de separação.” O Estabelecimento Prisional de Monsanto, a prisão de maior segurança em todo o país onde mais de quatro reclusos não podem estar juntos, é uma das 14 prisões entre as 49 portuguesas que permite a realização de visitas conjugais.
Pedro Dias, contudo, ainda terá de esperar três anos até poder usufruir delas — isto se, nesta quinta-feira, for condenado. No tribunal da Guarda, o Ministério Público pediu a pena máxima de 25 anos de prisão pelos homicídios do GNR Carlos Caetano e do casal Liliane e Luís Pinto, bem como pelo homicídio na forma tentada do militar António Ferreira. A procuradora considerou que o fugitivo de Aguiar da Beira, que está na prisão mais dura de Portugal a aguardar julgamento desde novembro de 2016, “não mostrou qualquer arrependimento, nem qualquer respeito”.