“Morte à América, pelo fogo e pelas fogueiras!”
No início, era assim que nas fileiras do Mojahedin-e Khalq (MeK) se falava dos EUA. Aqueles eram já os últimos anos do Xá da Pérsia, Mohammad Reza Pahlavi, e a Revolução Islâmica de 1979 não tardaria a mudar de forma indelével o rumo daquele país. Se os aiatolas acabaram por ficar reconhecidos como grandes impulsionadores daquela revolução, o facto é que a seu lado tinham o MeK, um grupo islamo-marxista e anti-americano, fundado por estudantes que viam na luta armada a única maneira de vingar a sua visão para o Irão.
No caminho dessa visão estavam os EUA. E, nas várias ações violentas levadas a cabo por este grupo, algumas visaram diretamente cidadãos e militares norte-americananos. Ao todo, em ataques à bomba ou execuções com arma de fogo, o MeK matou três militares dos EUA e três cidadãos contratados para trabalhar no Irão.
Não é, pois, de estranhar que nesses tempos este grupo, além de pedir a morte aos EUA “pelo fogo e pelas fogueiras”, ter também nos seus cânticos verso como este: “O mojahedin furioso faz uma emboscada ao beco / Americano, sai daí!, o teu sangue vai jorrar pelo chão!”.
Porém, isso foi há mais de 40 anos. Agora, a relação do MeK com os EUA é bem diferente: tem um escritório a pouco menos de 1 quilómetro da Casa Branca e a 15 minutos do Congresso, apoia vários políticos norte-americanos que defendem uma linha dura contra o regime de Teerão e chega até a convidar alguns destes para falar nos seus eventos, pagando-lhes a peso de ouro.
Nos EUA, a lista de amigos do MeK na política norte-americana é longa e repleta de nomes conhecidos para quem presta atenção aos corredores de Washington D.C., tanto do lado dos democratas como dos republicanos.
Entre os democratas estão personalidades como Howard Dean (ex-governador do Vermont e antigo líder do Comité Nacional Democrata), James L. Jones (conselheiro para a segurança nacional de Barack Obama, entre 2009 e 2010), Bill Richardson (ex-embaixador dos EUA na ONU e antigo governador do Novo México) e até Nancy Pelosi, líder do democratas na Câmara dos Representantes. Na ala republicana, a lista inclui nomes como Rudy Giuliani (ex-mayor de Nova Iorque e atualmente advogado pessoal de Donald Trump), Newt Gingrich (antigo líder do Partido Republicano no Câmara dos Representantes), John McCain (antigo candidato presidencial e senador pelo Arizona, que morreu em 2018), Michael Mukasey (ex-procurador-geral), ou a atual secretária dos Transportes, Elaine Chao, que é casada com o líder dos republicanos no Senado, Mitch McConnell.
“Eles pagam aos seus oradores e convidados quantias exorbitantes, mete-nos a viajar em primeira classe e a alojam-nos nos melhores hotéis que pode haver”, conta o embaixador John Limbert, ex-diplomata dos EUA no Irão retirado, em entrevista ao Observador. “O MeK aprendeu ao longo do tempo que, nas capitais ocidentais, uma boa quantidade de dinheiro compra muita influência.”
Vários relatos apontam para quantias entre os 25 e os 50 mil dólares por discurso. A origem do dinheiro não é clara, mas vários relatos apontam para Saddam Hussein (numa primeira fase) e para a Arábia Saudita. Além disso, o MeK é conhecido por recolher dinheiro através de falsas associações de solidariedade e caridade, que renderam entre 800 mil e quase 6 milhões de euros cada. Alguns destes esquemas foram desvendados pelo FBI nos EUA, pela órgão supervisor de atividades de caridade no Reino Unido e pelas autoridades alemãs.
Porém, entre os vários nomes daqueles que receberam dinheiro do MeK, nenhum parece ser tão querido naquele grupo como o do homem escolhido por Donald Trump para conselheiro para a segurança nacional: John Bolton.
Ao longo da sua carreira política e diplomática, John Bolton tornou-se conhecido por não procurar consensos. Nos seus tempos como embaixador dos EUA nas Nações Unidas, ficou conhecido pelo estilo confrontacional. Ali, na casa-mãe do multilateralismo, logo fazia questão de deitar por terra essa noção. “As Nações Unidas não existem. Existe uma comunidade internacional que ocasionalmente pode ser liderada pela única verdadeira potência que resta no mundo, que são os EUA, quando isso servir os nossos interesses e quando conseguimos que os outros se entendam”, disse uma vez, em 1994. Noutra ocasião, quando lhe perguntaram se era favorável a uma abordagem de “pau e cenoura” para incentivar os inimigos dos EUA a mudarem, John Bolton respondeu: “Não sou de cenouras”. Desta forma, sobra apenas o pau.
Entre ter feito parte da Casa Branca de George W. Bush (onde, como subsecretário para o controlo de armas e política externa, integrou o núcleo duro que defendeu a guerra no Iraque sob o pretexto de ali haver armas de destruição maciça) e ter sido nomeado em abril de 2018 para o cargo de conselheiro de segurança nacional de Donald Trump, John Bolton dedicou-se ao setor privado. Durante esse período, trabalhou como consultor para diversas empresas, entre elas petrolíferas, ou como comentador no canal conservador Fox News. Nos programas em que era chamado a comentar, fazia por merecer a alcunha de “falcão” ao defender um ataque à Coreia do Norte e uma guerra contra o Irão.
Porém, outro item do seu currículo não tem merecido tanta atenção quanto os outros: os vários anos de ligações ao MeK.
Ao longo dos anos em que trabalhou no setor privado, John Bolton foi convidado para discursar na conferência anual do MeK, no Parc des Expositions de Villepinte, nos arredores de Paris. Na última vez em que esteve presente naquele evento, em julho de 2017, Bolton discursou durante pouco mais de 7 minutos — e recebeu, de acordo a declaração de rendimentos que entregou antes de assumir o atual cargo, 40 mil dólares (cerca de 35 mil euros) por isso. O seu discurso foi música para os ouvidos dos militantes e apoiantes do MeK, que hoje se assumem como a verdadeira oposição ao regime de Teerão.
“Só há uma oposição viável à liderança dos aiatolas, e essa oposição está hoje reunida nesta sala. Ao longo dos 10 anos em que tenho vindo a este eventos, tenho sempre dito que a política declarada dos EUA devia ser o derrube do regime dos mullahs em Teerão. O comportamento e os objetivos do regime não vão mudar e, portanto, a única solução é mudar o regime em si. E é por isso que, antes de 2019, todos nós que aqui estamos vamos celebrar em Teerão!”
Entre os dias em que o MeK entoava cânticos que sonhavam com sangue americano a jorrar pelo chaõ e os de hoje, em que têm amigos na Casa Branca, distam mais de quatro décadas. O que se passou nesse tempo e como é que tudo veio dar aqui?
Os Guerreiros Sagrados do Povo anti-americanos
O MeK foi fundado por um pequeno grupo de estudantes da Universidade de Teerão, em 1965. Divididos entre o islamismo (na sua versão xiita) e o marxismo, aqueles estudantes assumiam-se como uma frente de luta armada contra o regime do Xá da Pérsia, Mohammad Reza Pahlavi. O nome, Mojahedin-e Khalq, significa algo como “Guerreiros Sagrados do Povo”.
Nos seus primeiros tempos, o MeK exigia aos seus militantes um estilo de vida comunitário, em que homens e mulheres viviam juntos e partilhavam entre si todo o dinheiro que recebessem. O tempo era destinado ao estudo tanto da teoria marxista como de práticas de guerrilha — tendo alguns dos membros do MeK recebido treino por parte da Organização pela Libertação da Palestina em campos na Jordânia e no Líbano.
O ímpeto do MeK foi interrompido em 1971, quando a polícia secreta do regime do Xá da Pérsia, após conseguir entrar neste movimento, desvendou o plano daquele que seria o primeiro ataque terrorista do grupo: desligar a rede de eletricidade em Teerão. Como consequência, o grupo foi alvo de uma ampla perseguição por parte do regime — muitos dos seus membros foram presos e outros foram mesmo mortos, incluindo três líderes, que foram executados. Ainda assim, como resposta, o MeK conseguiu atacar em diferentes ocasiões nos anos que se seguiram. Além de prejudicar o regime, estava também interessado em atingir os EUA, principal aliado de Mohammad Reza Pahlavi. Dessa forma, no espaço de três anos, mataram três militares norte-americanos e outros três civis em solo iraniano.
Entre os líderes do MeK que foram presos e executados em 1971, apenas um escapou: Masoud Rajavi. Em janeiro de 1979, naquele que viria a ser o último mês de poder do Xá da Pérsia antes de sucumbir à Revolução Islâmica, vários presos políticos e dissidentes foram libertados, entre os quais Masoud Rajavi. No mês seguinte, o aiatola Ruhollah Khomeini regressaria do exílio em Paris e aterrou em Teerão, abrindo um novo capítulo na História daquele país.
Cedo se tornou evidente que a História seria ali escrita por Khomeini, mas ainda assim Masoud Rajavi procurou chegar ao papel de co-autor. Puxando dos galões de o MeK ter sido uma das forças mais letais e violentas no combate ao Xá da Pérsia, Masoud Rajavi terá tentado garantir o seu quinhão de poder no novo governo. Porém, ciente de que o MeK podia ser uma ameaça ao seu poder, Khomeini, enquanto Líder Supremo, cortou-lhe as asas: impediu Masoud Rajavi de se candidatar à Assembleia dos Peritos em 1979 e também não permitiu que ele fosse candidato presidencial em 1980.
“Quando conheci Khomeini, ele estendeu a mão para que eu a beijasse e eu recusei. Desde então somos inimigos”, diria mais tarde, em entrevista, Masoud Rajavi.
O primeiro Presidente do Irão acabou por ser Abolhassan Banisadr, que recebeu o apoio do MeK. Porém, em 1981, Khomeini depô-lo e o MeK, como resposta, declarou que ia regressar à “luta armada”, desta vez para derrubar os aiatolas. Esta luta armada consistiu em vários atentados terroristas, a maioria deles à bomba, em que morreram 71 membros do governo dos aiatolas. Enquanto isso, apoio nas ruas ao MeK era forte — apesar da repressão, chegavam a ter manifestações com aproximadamente meio milhão de pessoas nas ruas. Mas a reposta das autoridades tornou-se demasiado agressiva para que Masoud Rajavi aguentasse mais tempo no Irão. Por isso, tanto o líder do MeK como o Presidente deposto Abolhassan Banisadr fugiram para França. A viagem foi feita a bordo de um avião militar iraniano desviado pelo mesmo piloto que, em 1979, tinha garantido a saída de Mohammad Reza Pahlavi e a sua família, que se exilou em Marrocos.
Foi em Paris que o MeK, pela mão de Masoud Rajavi e também de Abolhassan Banisadr, começou a pavimentar o caminho que o leva até a um improvável reconhecimento de diferentes quadrantes da política internacional, seja nos EUA ou na Europa. Na capital francesa, o MeK fundou o National Council of Resistance of Iran (Conselho Nacional de Resistência do Irão, NCRI na sigla inglesa), projetando-se como o governo iraniano no exílio. A remodelação foi bem para lá do nome da organização, como se explica num relatório do think-tank RAND Corporation. “O NCRI escondeu a filosofia marxista e islamista dos olhos da Europa e dos EUA e, em vez disso, promoveu-se como uma plataforma pela defesa de valores políticos como um governo secular, eleições democráticas, liberdade de expressão, igualdade de direitos para mulheres, Direitos Humanos e uma economia de mercado livre”, lê-se naquele relatório.
Enquanto tudo isto tomava forma, o MeK teve um novo revés na sua história ao ser expulso de França. Em 1986, o governo francês sentou-se à mesa de negociações com o Irão com o objetivo de libertar dois reféns gauleses que estavam no Líbano. Em troca, entregaram o MeK numa bandeja — mas eles não se deixaram entregar. Pouco depois da ordem de expulsão de França, o MeK recebeu uma oferta que achou que não podia recusar: um convite de Saddam Hussein para que se instalassem no Iraque.
Naquela altura, o Irão e Iraque travavam o que já era então uma longa guerra. Em 1980, o Iraque de Saddam Hussein invadiu o Irão, o que resultou num conflito que durou quase oito anos e matou centenas de milhares de civis e militares.
A proposta de Saddam Hussein foi de ceder temporariamente ao MeK uma parcela de território, do tamanho de uma pequena cidade, que ficou conhecida como Campo Ashraf. Além disso, o ditador iraquiano ajudou o MeK com dinheiro, armas, munições, tanques e treino militar. Mas exigia algo em troca: o MeK teria de combater ao seu lado do Iraque na guerra contra o Irão. Masoud Rajavi, que mais do que tudo queria chegar ao poder no seu país de origem, aceitou a proposta. Atrás dele, foram aproximadamente 7 mil membros, que estavam exilados em diferentes partes do mundo.
Por essa altura, a popularidade do MeK no Irão passou a esfumar-se. Sem meios de difusão da sua mensagem (o regime dos aiatolas fechou todos os jornais e rádios que pertenciam ao grupo), o movimento de Masoud Rajavi deixou de conseguir espalhar a sua palavra no Irão. Porém, aquilo que realmente privou o MeK de qualquer apoio no seu país de origem foi o facto de ter combatido lado a lado com o exército de Saddam Hussein. “São poucas as coisas que eles não estão dispostos a fazer para chegar ao seu maior objetivo, que é ter poder. Estão dispostos até a matar os seus próprios compatriotas”, diz o embaixador John Limbert.
Um dos episódios mais negros da história do MeK viria a acontecer em a 25 de julho de 1988, altura em que já vigorava um cessar-fogo na guerra entre o Iraque e o Irão, que conheceria o seu fim derradeiro no mês seguinte. No MeK, chamaram-lhe Operação Luz Eterna. O plano consistia em aproveitar uma suposta brecha do exército iraniano na região central do país e assim conquistar território. Foram destacados cerca de 3 mil militares para esta missão. Em fila, avançaram Irão adentro, chegando a avançar quase 200 quilómetros no país. Ali chegados, foram alvo de uma forte emboscada da qual não tiveram outra opção além de fugir. Terão morrido cerca de 1500 militares do MeK nessa missão e, pouco depois, a guerra chegaria ao fim.
Um culto celibático — menos para os líderes
Ainda nos tempos de Paris, o MeK começou a assumir uma organização e princípios que, de acordo com vários autores que estudaram este grupo, o assemelham a um culto. Em 1983, o ex-Presidente Abolhassan Banisadr abandonou o NCRI. Como resultado, Masoud Rajavi, que era casado com uma filha daquele antigo líder político, divorciou-se. Dois anos mais tarde, como único líder do MeK, Masoud Rajavi casou-se depois com Maryam Azondanlu, hoje de apelido Rajavi e a principal cara do MeK.
“Eles tornaram-se numa mistura dos Khmer Vermelho com o culto suicida de Jonestown”, explica o embaixador John Limbert.
O falhanço da Operação Luz Eterna levou a liderança do MeK a assumir uma postura digna de um culto, cujo centro era o Campo Ashraf, no Iraque. Das poucas vezes em que assumia, apenas em parte, que a Operação Luz Eterna tinha sido um fiasco, Masoud Rajavi apontava a falta de disciplina militar do grupo como uma das razões daquele fracasso. Dessa forma, impôs a todos os elementos do Campo de Ashraf um sistema em que homens e mulheres eram segregados, sendo que todos os casais foram obrigados a divorciarem-se. “O amor pelos Rajavis passaria a substituir o amor por cônjuges e família”, lê-se no relatório da RAND Corporation.
Os dias teriam de ser preenchidos com treino militar e estudo de discursos do líder — o que ocupava, por norma 16 a 17 horas de um dia normal, de forma a que sobrasse pouco tempo para prevaricações. A comunicação com o exterior foi proibida, mesmo com familiares. Quem pedisse acesso a livros ou jornais que não os do MeK, era punido. Periodicamente, todos os membros do campo Ashraf eram chamado a reunirem-se em grupos e ali fazerem sessões de autocrítica. Ali, além de devaneios ideológicos, deviam confessar publicamente todos os seus desejos sexuais.
Num relatório da Human Rights Watch, desertores do MeK que viveram no Campo Ashraf falam de “espancamentos, abusos verbais e psicológicos, confissões coercivas, ameaças de execução e tortura que, em dois casos, levou à morte”.
Durante este período, o MeK continuou as suas atividades terroristas, a maior parte a acontecer em solo iraniano, mas também contra representações diplomáticas de Teerão em todo o mundo, incluindo nos EUA e na Europa. Só entre 2000 e 2001, o MeK reivindicou 350 ataques. Além disso, suspeita-se de que o MeK tenha participado na opressão dos curdos no Iraque, sob ordens de Saddam Hussein. Segundo o testemunho de um desertor do MeK ao The New York Times, Maryam Rajavi deu a seguinte ordem aos militares do grupo: “Passem por cima dos curdos com os vossos tanques e guardem as vossas balas para a Guarda Revolucionária Iraniana”.
Estas atividades levaram a que os EUA colocassem na sua lista de organizações terroristas no estrangeiro o MeK — foram, de resto, um dos 30 grupos que inauguraram aquela lista, aquando da sua primeira publicação, em 1997.
A bênção da Casa Branca de Bush durante a guerra e a mudança para a Albânia
Em 2003, o MeK foi apanhado no meio da guerra do Iraque — durante a qual Masoud Rajavi terá ficado ferido, desaparecendo desde então dos olhares públicos. Desde então, é sempre representado pela sua mulher Maryam Rajavi — que nunca refere se o marido está ou não vivo.
Naquela guerra, em poucas semanas, as tropas norte-americanas e britânicas derrubaram o regime de Saddam Hussein. Nesse processo, o MeK tornou-se num dilema para os EUA. Por um lado, tinham sido aliados de Saddam Hussein, inimigo de Washington D.C. Por outro, eram opositores do regime iraniano, igualmente um inimigo dos EUA.
Dentro da Casa Branca, nem todos concordavam com o destino a dar ao MeK, conta o jornalista iraniano Arron Merat. Condoleezza Rice, então secretária de Estado, sublinhou o facto de o MeK ser uma organização terrorista e quis que eles fossem tratados como tal. Do outro lado, Donald Rumsfeld (secretário de Defesa) e Dick Cheney (vice-Presidente) defenderam que o MeK podia ser utilizado como arma contra o Irão.
Acabou por ser esta segunda facção a levar a sua avante. Por decisão de Donald Rumself, os membros do MeK que então residiam no Campo Ashraf passaram a ser considerados “civis” e “pessoas protegidas”, de acordo com a Convenção de Genebra. Foi nesta altura que, gradual mas irreversivelmente, a relação entre os corredores do poder nos EUA e o MeK começou a dar frutos.
Não é que o MeK não tivesse tentado antes. Já em 2002, antes da guerra no Iraque, o braço político do MeK, o NCRI, fez uma conferência de imprensa em Washington D.C. onde desvendou duas centrais nucleares “top secret” onde o regime iraniano estaria a preparar o fabrico de armas nucleares. Este momento viria a ser referido pelo então Presidente dos EUA, George W. Bush, referindo que o programa nuclear do Irão tinha sido descoberto porque “um grupo de dissidentes o mostrou ao mundo”.
Enquanto isso, o MeK não interrompeu a sua atividade terrorista e de combate ao regime iraniano. De acordo com o The Guardian, entre 2007 e 2012, sete cientistas nucleares do Irão foram atacados com veneno e bombas magnéticas. De acordo com a NBC, que cita fontes governamentais dos EUA, os ataques foram planeados pela Mossad (Israel) e executados por agentes do MeK no Irão.
Com o passar dos anos, e com a mudança da realidade no Iraque, tomado tanto pelo Estado Islâmico como por grupos armados e financiados pelo Irão, a Campo de Ashraf passou a ser objeto de preocupação internacional, que traçou como objetivo retirar aquele grupo do Iraque. Em 2011, o exército iraquiano, numa altura em que as lideranças xiitas tomaram o controlo daquele órgão, lançou um ataque contra o Campo Ashraf, matando 34 pessoas e ferindo mais de 300. Em 2013, um ataque terrorista no Campo Ashraf, atribuído à Guarda Revolucionária Iraniana, matou 52 pessoas. Depois disso, os membros do MeK foram transferidos para o Campo Liberty, uma base militar norte-americana em Bagdad. Certo é que, no Iraque, não estavam em segurança.
“Se eles ficassem no Iraque, o mais certo era que os matassem a todos. Os iraquianos ou os iranianos matá-los-iam. Além disso, muitas das pessoas deste grupo já tinham uma certa idade, por isso chegou tudo a um ponto em que simplesmente eles não podiam ser ali deixados e entregues à própria morte”, diz o embaixador John Limbert.
John Limbert fez parte do conjunto de especialistas que, em sintonia com uma proposta do think tank RAND Corporation, propunha que os membros do MeK (à exceção dos seus líderes) fossem alvo de uma amnistia por parte do Irão e que o seu regresso ao país de origem fosse permitido. Essa foi, aliás, uma via encontrada para alguns casos em 2003, em que o Irão aceitou o retorno de militantes do MeK em troca da libertação de prisioneiros.
“Não sei porquê, o nosso governo não ouviu as recomendações dos especialistas”, lamenta John Limbert.
Em vez disso, em 2012, no final do primeiro mandato de Barack Obama, a secretária de Estado Hillary Clinton tomou a decisão de retirar o MeK da lista de organizações terroristas. Esta decisão foi criticada por Daniel Benjamin, que à altura coordenava o dossier do combate ao terrorismo no Departamento de Estado, que sugeriu que já nessa altura o MeK conseguiu convencer as pessoas certas em Washington D.C. de que eram parceiro lucrativo. “Embora assuma a decisão, acredito que [a possibilidade de uma] ligação ao MeK vai para lá de uma mera curiosidade. Aqueles que apoiam este grupo demonstra uma alarmante falta de preocupação com o passado do grupo e desprezo pelos princípios nucleares da política americana de contraterrorismo”, escreve Daniel Benjamin num texto para o Politico, em 2016.
Pouco depois da retirada do MeK da lista de organizações que os EUA consideram serem terroristas, a administração norte-americana negociou com a Albânia a transferência dos habitantes do campo de Ashraf para aqueel país balcânico. E assim foi: desde 2016, o grosso da estrutura militar do MeK está em Durres, uma localidade a 35 minutos de Tirana, num campo que a Der Spiegel descreve como tendo uma área equivalente a 50 campos de futebol. Estima-se que tenham sido transferidos para ali cerca de 3 mil militantes do MeK, embora este número seja difícil de quantificar — a maioria não tem documentos, facto que o MeK atribui a um bombardeamento durante a guerra do Iraque de 2003.
Sabe-se pouco sobre a vida dentro do campo na Albânia — mas, o pouco que se sabe, aponta para que o MeK leve acabo uma ampla e intensiva campanha de desinformação contra o regime iraniano e contra os defensores de uma política de negociação com Teerão. É esse o testemunho de dois desertores, que falaram com a Al-Jazeera.
“Ao início do dia, as ordens passavam por lermos jornais que tivessem publicado uma notícia favorável ou uma entrevista com políticos como John McCain ou John Bolton em que eles tivesse dito algo contra o regime”, contou Hassan Heyrani. “Qualquer notícia que pudesse ser usada a favor [do MeK] e contra o regime iraniano era ouro, independentemente de onde viesse, fosse Israel, EUA, Trump, não importa.”
Segundo aquele desertor, chegou a haver “várias contas” geridas por “mil a 1500 membros do MeK”. “Estava tudo muito bem organizado e havia instruções claras sobre o que é que devia ser feito”, contou. Ainda assim, acrescentou que o uso da internet a título individual era proibido: “Eles diziam-nos que os computadores providenciados pela organização eram armas e os nossos tweets eram armas para disparar contra o inimigo. Então porquê desperdiçá-las?”.
Hassan Shahbaz, outro desertor, falou das campanhas de ciber-bullying levadas a cabo a partir daquele campo na Albânia. “Qualquer pessoa que apoiasse, mesmo que ao de leve, o regime, ou que fosse crítica da nossa organização, era descrita como um fantoche do regime”, disse. “Eram rotulados como fantoches exportados do regime dos mullahs que estavam a divertir-se nos EUA.”
Um dos visados dessas campanhas é a National Iranian American Council (Concelho Nacional Iraniano-Americano, NIAC na sigla inglesa). Ao Observador, o presidente da NIAC, Jamal Abdi, acusa o MeK de gerir “várias organizações de fachada” e de procurar exercer influência nos EUA através delas.
“São eles que dirigem a Organization of Iranian American Communities [Organização de Comunidades Iraniano-Americanas, OIAC, na sigla inglesa] por exemplo”, refere. “O que nos preocupa é que eles já estão a envolver-se em eleições. Já não são um grupo terrorista, mas são um grupo que está disposto a envolver-se e a influenciar eleições nos EUA.” Entre os congressistas apoiados pela OIAC, estão o democrata Brad Sherman (da comissão de Negócios Estrangeiros) ou os republicanos Mike Coffmann, Ted Po e Dana Rohrabacher.
Donald Trump rodeado de “falcões” e “pombas”
Uma coisa é o Congresso, outra é a Casa Branca. E, nesse caso, resta a pergunta: qual é a influência do MeK na política de Donald Trump em relação ao Irão?
Esta foi uma de várias perguntas que o Observador dirigiu a Ali Safavi, diretor do comité de relações externas do NCRI, o braço político do MeK. Apesar de se ter comprometido a responder às nossas questões, aquele dirigente do NCRI acabou por não fazê-lo e não voltou a responder às nossas chamadas.
Quanto a Jamal Abdi, restam poucas dúvidas da influência do MeK na política dos EUA para o Irão — e, para isso, argumenta que John Bolton é uma peça-chave. “Todas as medidas que os EUA tomaram desde que John Bolton foi nomeado são muito próximas daquilo que o MeK defende”, diz.
Jamal Abdi reconhece ainda assim que é pouco provável que o MeK e John Bolton — e, por inerência, a Casa Branca — estejam na mesma página. “Não me parece que o John Bolton seja estúpido ao ponto de achar que o MeK é o sucessor legítimo do governo iraniano. Ele vê nesta organização um grupo com o qual muito provavelmente mantém contacto e que lhe serve para trocar informações privilegiadas”, diz. “Mas, no Irão, ninguém gosta deles.”
Essa é, de resto, uma ideia consensual entre quem estuda o MeK. Embora tenha tido uma base de apoio considerável antes e depois da Revolução Islâmica, o apoio militar do MeK a Saddam Hussein durante a guerra no Irão retirou-lhe a popularidade de que até aí desfrutava. “De tudo o que tenho ouvido ao longo dos anos, eles são odiados pela maior parte dos iranianos. Até pessoas que não gostam da república islâmica os detestam”, sublinha John Limbert. O ex-diplomata sublinha que não tem simpatias pelo regime iraniano. “O Irão não é de todo a minha forma preferida de governação e gostaria muito que os iranianos tivessem um governo que os trate decentemente e que não os enfie na prisão”, diz John Limbert, que foi um dos vários norte-americanos que estiveram 444 dias sequestrados na embaixada do Irão, entre 1979 e 1981. Mas isso não implica que simpatize automaticamente como MeK.
O mesmo diz Jason Rezaian, jornalista do Washington Post, que tampouco é suspeito de ser favorável ao regime de Teerão, já que esteve preso durante quase dois anos, acusado de ser um espião. “Nos sete anos em que vivi no Irão, muitas pessoas expressaram críticas ao regime, alguns deles sob risco de serem punidos por isso. Alguns queriam que o regime fosse derrubado por forças militares, ouros sonhavam com um regresso da monarquia e muitos outros queria uma transição pacífica para uma alternativa secular ao poder clerical”, escreveu em 2016. “Ainda assim, durante todo esse tempo, nunca conhecia ninguém que achasse que o MeK podia, ou devia, ser uma alternativa viável.”
O mais provável é que se saiba isto nos corredores da Casa Branca. Ainda assim, Washington D.C. está longe de vir a condenar o MeK, como fez nos tempos em que este matava cidadãos norte-americanos. “A administração de Trump está mais do que aberta a apoiar qualquer grupo iraniano desde que sejam contra o governo. Sejam mojahedins, neoconservadores, a favor ou contra sanções, monarquistas… Esta Casa Branca apoia”, diz Jamal Abdi.
John Limbert concede que “não há provas diretas de que haja uma influência direta” do MeK na Casa Branca, mas logo acrescenta: “Mas há provas indiretas em demasia. Não podemos esquecer que temos uma pessoa no governo que foi paga por este grupo”.
Recorrendo mentalmente a lista de personalidades políticas, entre democratas e republicanos, que receberam dinheiro do MeK para falar nos seus eventos, John Limbert sublinha que a maioria fê-lo depois de exercer funções de relevo.
“A maior parte já está no setor privado e não têm a função de aconselhar as mais altas esferas de poder dos EUA. Todos, claro, menos John Bolton. E, no caso dele, há que perguntar como é que o responsável por aconselhar o Presidente é ou não moldado por este grupo”, diz o diplomata retirado.
O facto é que, até hoje, os EUA não entraram em guerra com o Irão. Depois de dois incidentes com petroleiros — em maio e em junho — e o abate de um drone norte-americano (os EUA defendem que este estava em espaço aéreo internacional, o Irão alegou que o seu espaço aéreo foi violado), a escalada de tensões parou. Ao invés de novas movimentações militares, Donald Trump preferiu antes aplicar mais sanções económicas ao Irão e aos seus líderes. Numa entrevista à NBC News, Donald Trump explicou que está rodeado de vozes dissonantes na Casa Branca. Há quem lhe diga que deve negociar e evitar uma guerra — são as “pombas”, como lhes chamou o Presidente dos EUA; e há os “falcões” que lhe dizem para premir o gatilho. “John Bolton é claramente um falcão”, disse Donald Trump. “Se dependesse dele, tomávamos o mundo de uma só vez.”
Para já, Donald Trump parece estar mais disposto a ouvir as “pombas” do que os “falcões”. Porém, para Jamal Abdi, uma guerra pode não estar ao virar da esquina — mas não é por isso que não deixa de estar perto: “Estas coisas levam o seu tempo e o MeK parece estar disposto a esperar.”