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Psiquiatra, investigador e professor universitário, Patrick McGorry influenciou as políticas de saúde mental na Austrália, sendo responsável pela criação de uma rede de centros para jovens
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Psiquiatra, investigador e professor universitário, Patrick McGorry influenciou as políticas de saúde mental na Austrália, sendo responsável pela criação de uma rede de centros para jovens

Psiquiatra, investigador e professor universitário, Patrick McGorry influenciou as políticas de saúde mental na Austrália, sendo responsável pela criação de uma rede de centros para jovens

O modelo de saúde mental para adolescentes e jovens que a Austrália quer exportar para o resto do mundo

Com os centros Headspace, a Austrália investiu na intervenção precoce em saúde mental e reformulou as prioridades nesta área. O fundador quer levar a ideia ao maior número possível de países.

Patrick McGorry é psiquiatra, investigador, professor na Universidade de Melbourne, Austrália, e diretor executivo da Orygen, instituto dedicado ao tratamento, investigação, educação e ativismo na área da saúde mental de adolescentes e jovens.
Especialista em intervenção precoce na psicose, é reconhecido mundialmente pelo contributo para o desenvolvimento e expansão de serviços nessa área em jovens pacientes e pela defesa da inovação das políticas de saúde mental, tendo tido um papel ativo enquanto conselheiro do governo australiano na reforma do sistema neste âmbito – e noutros países também.
O trabalho de investigação e influência foram determinantes para a criação, pelo governo australiano, em 2005, da National Youth Mental Health Foundation, que no ano seguinte deu origem à Headspace, uma rede de centros de cuidados primários de saúde mental espalhados por todo o país para jovens dos 12 aos 25 anos.
Eleito Australiano do Ano em 2010, viu o seu trabalho distinguido com importantes prémios nacionais e internacionais na área da psiquiatria e, em 2016, tornou-se o primeiro psiquiatra a ser eleito membro da Academia de Ciências da Austrália.

O seu trabalho de investigação e ativismo têm contribuído para importantes reformas no sistema de saúde mental na Austrália. Mas considera que ainda há um longo caminho a percorrer, certo?
Sim. Na Austrália, como em todos os países do mundo, a saúde mental não dispõe do investimento necessário, tendo em conta as necessidades das pessoas na comunidade. A saúde mental conta com sete por cento do orçamento da saúde, quando devia dispor de pelo menos 14 por cento. Ainda assim, na Austrália temos bons e inovadores programas e, na área da saúde mental para jovens e adolescentes, temos um sistema de cuidados primários chamado Headspace, que cobre a população dos 12 aos 25 anos e é focada na intervenção precoce.

O que falta então fazer?
Fizemos uma reforma importante na Austrália, que permitiu a desinstitucionalização das pessoas com doença mental, fechámos os hospitais psiquiátricos e passámos a ter os cuidados de saúde mental nos hospitais gerais. E também temos esta visão comunitária, nos cuidados de saúde primários, embora ainda haja muita gente que não tem acesso a cuidados de qualidade. Ainda temos muitos problemas por resolver.

Numa recente entrevista, falava nas pessoas que estão no meio: por um lado não preenchem os critérios para os centros Headspace, por outro não têm critérios para atendimento urgente nos hospitais. Que respostas é preciso criar para estes?
A forma de resolver esse problema é ter equipas multidisciplinares baseadas nas comunidades. Não nos grandes hospitais, mas em cuidados intermédios de saúde mental, em que teria psiquiatras, psicólogos, gestores de casos, outros profissionais de saúde mental disponíveis, talvez sete dias por semana e num horário estendido para as pessoas com problemas mentais complexos que os cuidados de saúde primários ou médicos de família ou mesmo os Headspace não podem tratar. Teria um sistema secundário mais especializado que funcionaria como uma rede de segurança ou de prevenção para que as pessoas não cheguem a um estado tão grave que tenham de ir às urgências ou para internamento hospitalar.

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"Isto pode ser feito a nível global. Já foi feito, além da Austrália, em mais de dez países europeus, como a Holanda, a Dinamarca ou a Irlanda, por exemplo. Começámos a construir o sistema certo, mas tem de ser baseado na comunidade, perto de onde as pessoas vivem e tem de ser apoiado e compreendido por esta."

Essas pessoas são a tal “metade esquecida” a que se refere?
Sim e esta é uma parte importante do sistema de cuidados que está por criar e em que, na verdade, se encaixa a maioria das pessoas, para as quais não há uma resposta adequada, acabando por terem de ir ao médico de família ou chegar a um estado muito grave que as leva ao hospital, o que poderia ser desnecessário.

Quais são as doenças mentais mais comuns e os grupos mais atingidos e vulneráveis?
As mais comuns são a depressão e a ansiedade, como em todos os países do mundo, mas estas são muitas vezes uma porta de entrada para doenças mais graves, como a esquizofrenia, a perturbação bipolar, a anorexia nervosa ou a perturbação de personalidade borderline, assim como o abuso de substâncias como o álcool e as drogas. É um padrão de doença mental muito semelhante ao de Portugal, da Europa e, na realidade, de todo o mundo.

O seu público-alvo são os jovens. São o grupo mais afetado?
Sim, porque 75 por cento das doenças mentais aparecem antes dos 25 anos. A maioria das doenças que afetam os adultos surgiram na adolescência ou na juventude, entre os 12 e os 25 anos e, em todo o mundo, as doenças mentais neste grupo etário aumentaram de forma muito acentuada nos últimos 10 a 15 anos. E na pandemia aumentaram ainda mais.

É por isso que é tão importante a intervenção precoce? Mas a maioria das pessoas não reconhece os sinais e não procura ajuda tão cedo, não é?
É preciso criar consciência e conhecimento no público sobre as doenças mentais. É preciso educar as populações sobre o que são os sinais iniciais de doença mental e como distingui-los de stress ligeiro ou de ter um dia mau. Se o nível de sofrimento for grande e os sintomas persistem por mais de dois ou três dias, talvez se torne um problema e seja preciso procurar ajuda, mas é preciso ter onde encontrar ajuda no sítio certo. Na Europa, os serviços de saúde mental são bastante tradicionais e antiquados, não são acolhedores nem de fácil utilização pelos jovens. Por isso é preciso criar, a nível global, serviços como os Headspace na Austrália, dedicados a adolescentes e jovens entre os 12 e os 25 anos.

O custo-benefício dos centros Headspace é positivo, porque além de ajudar os jovens a melhorar a sua saúde mental, poupa dinheiro à economia do país

Por ano, cerca de cem mil jovens australianos acedem a estes espaços. Acaba por ser um sistema de prevenção do agravamento dos problemas de saúde mental — ou, nos casos mais complexos, o encaminhamento para serviços mais especializados.
Sim, é uma porta de entrada fácil de usar pelos jovens. E por detrás dessa porta há especialistas em saúde mental: psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, conselheiros, uma equipa multidisciplinar que pode ajudar os jovens com os seus problemas de stress, ansiedade, depressão, automutilação, bullying, distúrbios alimentares, questões relacionadas com a escola, o trabalho, o abuso de substâncias ou com a sexualidade. Isto pode ser feito a nível global. Já foi feito, além da Austrália, em mais de dez países europeus, como a Holanda, a Dinamarca ou a Irlanda, por exemplo. Começámos a construir o sistema certo, mas tem de ser baseado na comunidade, perto de onde as pessoas vivem e tem de ser apoiado e compreendido por esta, que tem de saber para que serve, onde fica e como aceder a ele.

Graças a si existem neste momento cerca de 140 centros Headspace para intervenção precoce em jovens espalhados por toda a Austrália. Como é convenceu o governo a criar e investir nestes centros?
Além de psiquiatra, sou investigador. Falei com os políticos e mostrei-lhes que, de um ponto de vista científico, esta era uma medida positiva. E eles sabiam — porque têm comunidades locais que representam e por quem são eleitos — que estes problemas existiam na comunidade. Tínhamos os dados todos de investigação para lhes mostrar a necessidade de cuidados e dissemos: “por que não tentam esta solução? Vamos tentar em dez lugares para ver se resulta.” E eles fizeram-no. Tivemos dinheiro para criar dez centros e resultou bem. Depois passaram a trinta centros e em 15 anos tínhamos 64. Foi uma história de sucesso crescente.

Explique-nos melhor o que são os centros Headspace, como funcionam, que patologias tratam. E que tipo de intervenções utilizam.
O Headspace é uma estrutura de cuidados primários multidisciplinar – não é só um médico, não é só um clínico geral. Tem vários especialistas em medicina geral e familiar, psicólogos clínicos, psiquiatras, conselheiros vocacionais, psicoeducadores, terapeutas ocupacionais, conselheiros na área do álcool e da droga. Todas estas pessoas trabalham com os jovens, com as escolas, com os pais. É como um ponto focal na comunidade, onde os jovens podem aparecer para pedir ajuda ou marcar uma consulta ou ter acompanhamento psicológico durante umas semanas ou uns meses. Foi concebido para problemas de saúde mental ligeiros ou moderados e numa fase inicial e não para problemas mais complexos, da tal “metade esquecida” para a qual precisamos de cuidados de saúde mental secundários ou intermédios. Os centros Headspace são, acima de tudo, um ponto de entrada de fácil utilização e chamamos-lhe uma espécie de balcão único [one stop shop] para as necessidades básicas de saúde mental dos jovens.

"Queremos desenvolver a área da saúde mental dos jovens e adolescentes e tentar reformar a psiquiatria no sentido de criar, entre a pedopsiquiatria e a psiquiatria de adultos, a psiquiatria juvenil."

Mas também fazem intervenção precoce em psicose, uma doença mental grave.
Os Headspace são um excelente ponto de entrada para os jovens em estados iniciais de psicose, porque não estigmatizam, mas não têm capacidade para tratar psicoses, porque isso requer tratamento psiquiátrico mais prolongado, pelo menos de três a cinco anos, e uma equipa mais extensa. É por isso que é necessário construir um sistema secundário para lidar com a intervenção precoce em psicose ou perturbações mais complexas. E isso existe em alguns locais na Austrália, em coordenação com os Headspace, que devem ser um ponto de entrada mas com um sistema de retaguarda para a psicose em fase inicial. Este modelo de articulação existe em cerca de oito regiões da Austrália.

Quais são as principais psicopatologias dos jovens que recorrem aos centros Headspace?
A maior parte tem ansiedade ou depressão, também alguns comportamentos de automutilação, problemas de personalidade e muito stress social. É uma mistura de tudo, mas também há pessoas com psicose em estado inicial que chegam ao sistema através dos headspace. E é importante dizer que o serviço prestado nos centros headspace é gratuito.

Em que consiste a intervenção precoce?
Tem, acima de tudo, que ver com o timing, com a necessidade de começar a oferecer tratamento o mais cedo possível quando a pessoa precisa. No passado demorava-se muito tempo até aceder aos cuidados. Até quando as pessoas estavam doentes, podiam ficar à espera meses ou anos até começarem o tratamento. Portanto, o tempo é a chave na intervenção precoce. A abordagem é multidisciplinar e depende de cada caso, da patologia e da idade do paciente. E a família é muito importante em todo o processo. É envolvida para que perceba a doença e o doente e o possa apoiar no tratamento, porque é muito angustiante para uma família ter um filho com doença mental.

Uma das questões a que os políticos são quase sempre sensíveis é a relação de custo-benefício. Este sistema, que aposta na intervenção precoce, representa uma poupança em termos económicos, de saúde e sociais?
Tivemos uma avaliação independente dos centros Headspace, que mostrou que são rentáveis, ou seja, o custo-eficácia é positivo, não só ajuda os jovens a melhorarem a sua saúde mental como poupa dinheiro à economia do país, por isso é uma solução ganhadora [win-win solution]. Mas os políticos têm de ser desafiados nesta matéria, porque se o que estiver em causa for o tratamento do cancro ou das doenças cardiovasculares, ninguém questiona o dinheiro gasto ou faz contas ao custo-eficácia. Investe-se porque é preciso tratar pessoas que estão doentes. Este tipo de posicionamento moral deveria ser o mesmo para as doenças mentais. Não deveríamos ter de mostrar a poupança de recursos no futuro ou que o custo-benefício é enorme. Desde que faça as pessoas sentirem-se melhor, isso deveria bastar. Não podemos simplesmente deixar as pessoas a sofrer. Mas infelizmente é o que tem acontecido no campo da saúde mental em todo o mundo: deixar as pessoas a sofrer.

Há cerca de 140 centros Headspace para intervenção precoce em saúde mental em jovens espalhados por toda a Austrália. Cada um inclui especialistas em medicina geral, psicólogos, psiquiatras, conselheiros vocacionais, terapeutas ocupacionais, conselheiros na área do álcool e da droga, etc

Porque é que isso acontece? Porque é que há um maior investimento no tratamento das doenças físicas do que das mentais?
É uma excelente questão. A resposta habitual é que as doenças físicas são mais visíveis e há menos culpa associada, não há o estigma que existe em relação à doença mental. As pessoas com doença mental são muitas vezes vistas como culpadas da sua doença, que é culpa delas porque não são suficientemente fortes ou porque não têm vontade de se tratar. Há ainda uma carga pesada de juízos de valor em relação à doença mental. Estas são as razões tradicionais, mas agora que há maior consciência e conhecimento sobre doenças mentais na Austrália, na verdade continuamos a não ter o financiamento necessário, por isso acho que há mesmo uma discriminação em relação à doença mental.

E como é que se combate isso?
A população afetada pela doença mental não tem a força e a influência necessárias para exigir e fazer campanhas e pressão para ter as mesmas políticas de cuidados de saúde que se tem para o cancro ou a diabetes ou as doenças cardiovasculares. É uma responsabilidade também dos cidadãos, a de pressionar os políticos e apoiar aqueles que queiram fazer mudanças sérias nesta área. É o mesmo em todo o mundo. Um recente estudo sobre saúde mental global mostrou que apenas 2 por cento dos orçamentos da saúde em todo o mundo são gastos em saúde mental. Isto é inadmissível, sobretudo se pensarmos que as doenças mentais estão no Top 3 das causas de morte e incapacidade, a par do cancro e das doenças cardiovasculares.

"Na Europa, os serviços de saúde mental são antiquados, não são acolhedores nem de fácil utilização pelos jovens. Por isso é preciso criar, a nível global, serviços como os Headspace, na Austrália, dedicados a adolescentes e jovens entre os 12 e os 25 anos."

Contava, numa entrevista, a história de uma mulher que teve cancro da mama e foi muito bem tratada e quando mais tarde teve uma depressão, associada à doença, descobriu que a mesma qualidade de cuidados não estava disponível.
Sim e há outra história ainda mais ilustrativa deste desequilíbrio que é a de dois irmãos, tratados no mesmo hospital. Ele tinha uma esquizofrenia, ela tinha um linfoma. No mesmo hospital, ele recebia um tratamento que deixava muito a desejar, com muito poucos resultados, enquanto ela teve um excelente tratamento para o cancro, melhorou e teve um apoio psicológico de maior qualidade para lidar com o cancro do que o irmão, que tinha uma doença mental. É óbvia a discrepância na abordagem da saúde mental e física.

Qual tem sido o papel da Orygen, instituição que dirige e que quer revolucionar a investigação, políticas públicas, educação e cuidados clínicos na área da saúde mental de jovens e adolescentes em todo o mundo?
A Orygen é uma organização sem fins lucrativos, social, clínica e de investigação focada na saúde mental dos jovens, com sede em Melbourne. Desenvolvemos os Headspace em todo o país e trabalhamos com o mundo inteiro. Estive em Portugal no ano passado [no 7.º Encontro Nacional do Primeiro Episódio Psicótico], a convite do psiquiatra Nuno Madeira, para falar sobre a intervenção precoce em psicose no vosso país. A Orygen tem também um foco mundial: queremos desenvolver esta área da saúde mental dos jovens e adolescentes e tentar reformar a psiquiatria no sentido de criar, entre a pedopsiquiatria e a psiquiatria de adultos, a psiquiatria juvenil — uma subespecialidade ou campo na psiquiatria, um novo sistema de cuidados. Somos um centro de inovação e queremos trabalhar com outros com o mesmo mindset em todo o mundo para produzir esta reforma, porque é necessária em todos os países.

Que conselhos daria então a Portugal?
Estive aí no ano passado e penso que Portugal ainda é muito tradicional no seu sistema de cuidados de saúde mental, mas há gente a trabalhar com a intervenção precoce em psiquiatria e são excelentes psiquiatras e Portugal foi líder mundial na reforma dos cuidados e prevenção do abuso de substâncias, drogas e álcool, portanto não há razão para que não abrace a inovação e faça parte desta frente global em torno da saúde mental de adolescentes e jovens. Só é preciso que o primeiro-ministro, o Presidente, o ministro da saúde e os líderes na área da saúde mental em Portugal decidam abraçar a reforma e investir mais seriamente nesse processo. E os media podem ter um papel chave em mostrar que é possível, que há soluções que podem ser postas em prática e já estão a ser adotadas noutros países, como a Austrália, o Canadá ou a Irlanda.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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