Ao fim de três dias de congresso do PCP, e na preparação para um ciclo eleitoral decisivo para o PCP — com presidenciais, autárquicas e talvez legislativas antecipadas –, nada mudou para que tudo fique na mesma. Jerónimo fica e fica “até ao limite”: não será um “secretário-geral a prazo”, sem ideias de sair a meio do mandato, como garantiu o próprio Jerónimo de Sousa no palco do congresso — num à parte que não estava no discurso escrito. “Não estamos aqui a prazo datado, nem em período experimental”, disse, sublinhando que se foi eleito é porque está disponível para “fazer o que tem de ser feito”. Só tem uma tarefa acrescida: explicar aos militantes como é que o PCP consegue andar em cima do arame, isto é, ser oposição e ser influência ao mesmo tempo; apontar o dedo ao Governo socialista nos recuos, mas viabilizar orçamentos nos avanços, e fazê-lo sem cair.

É que nas últimas quatro vezes que o PCP foi às urnas, caiu mesmo. Nas presidenciais de 2016, Edgar Silva teve apenas 3,95% dos votos, metade do que tinha tido Francisco Lopes cinco anos antes; nas autárquicas do ano seguinte, o PCP perdeu dez câmaras (nove para o PS); e nas legislativas do ano passado, com 6,33% dos votos, o PCP teve o pior resultado de sempre, apenas comparado a 2002 (quando teve 6,94%). Nas europeias, nova hecatombe, com o PCP a conquistar apenas 6,88% dos votos, muito longe dos 9,1% de 2004, o pior resultado antes desse.

E, nessa altura, a “política de alianças” foi apontada como a principal culpada. Daí que, neste congresso, o PCP tenha procurado responder com todas as letras às “dúvidas legítimas”, como disse Jorge Pires, e às “naturais interrogações”, como disse Vasco Cardoso, dos militantes. Jerónimo de Sousa sintetizou a resposta numa frase-chave do discurso de encerramento: o PCP sozinho não chega, mas com o PCP de fora os trabalhadores e o povo ficam a perder. Por isso, é continuar.

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A completar os quatro anos de mandato que agora lhe foram confiados, Jerónimo de Sousa ficará 20 anos à frente do partido, mais três do que Álvaro Cunhal (sem contar com o período do PCP na clandestinidade) e terá 77 anos de idade no final da empreitada. “Da minha parte, estarei alinhado para dar a minha contribuição até ao limite”, disse no segundo dia do congresso perante as câmaras da SIC.

João Ferreira entra, mas Jerónimo não está “a prazo”

É que Jerónimo foi o arquiteto da aproximação inédita do PCP ao PS e, sem planos para rasgar essa “influência” (antes pelo contrário), tudo fica na mesma.  Com duas ligeiras diferenças: desta vez, pela primeira vez desde que foi eleito secretário-geral do partido (em 2004), Jerónimo teve um voto contra, e não a habitual unanimidade. É aí que entra a segunda ligeira diferença: João Ferreira, o candidato do PCP às eleições presidenciais, subiu à Comissão Política do Comité Central, num claro sinal da crescente importância que tem na direção do partido.

Tendo assento nesse órgão de direção restrito, onde estão, de resto, nomes como o líder parlamentar João Oliveira, Francisco Lopes, Jorge Cordeiro, Jorge Pires ou Vasco Cardoso, além do próprio Jerónimo, João Ferreira aproxima-se do núcleo central do poder de decisão (que é coletivo) e aumenta as possibilidades de, no futuro, ser eleito secretário-geral. Hipótese que não foi tema deste congresso, mas que andou a pairar à margem do pavilhão Paz e Amizade, em Loures.

Secretário-geral adjunto? “Pura e simplesmente não vai acontecer”, diz João Ferreira

Muito se falava sobre a história vir a repetir-se com João Ferreira a ser eleito adjunto de Jerónimo de Sousa para preparar a sucessão, como aconteceu com Carlos Carvalhas no início da década de 90, quando foi eleito adjunto de Álvaro Cunhal num congresso que teve lugar no mesmo pavilhão Paz e Amizade, em Loures, e que serviria de trampolim para dali a dois anos subir a secretário-geral. Nada disso. Em entrevista à Rádio Observador, no primeiro dia do congresso, João Ferreira fechou logo essa porta: “Pura e simplesmente não vai acontecer”, disse, mostrando-se focado a 100% nas presidenciais de janeiro.

“João Ferreira está empenhadíssimo na candidatura às Presidenciais. Em relação ao futuro, naturalmente, terá de ser considerado no quadro das soluções”, afirmou Jerónimo de Sousa numa entrevista à SIC nas laterais do congresso. Nessa entrevista, Jerónimo punha João Ferreira a par de outros, como Bernardino Soares ou João Oliveira, dando a entender que no PCP não há falta de quadros nem de opções.

PCP sozinho não chega, mas PCP não pode ficar de fora

“Alternativa política não é possível só com o PCP, mas também não será possível sem o PCP”. Jerónimo de Sousa resumiu assim, no discurso de encerramento, o dilema do congresso. Antes, Jorge Pires, da comissão política do Comité Central, já tinha usado uma base mais teórica para explicar o mesmo: o “sistema de alianças” na classe operária, como explicava Álvaro Cunhal, “não se baseia em razões emotivas mas sim sem razões políticas”. 

Ou seja, é preciso continuar o “diálogo sério” com o PS; continuar a influenciar, para, com persistência, e sem “impaciência” ou “fadiga”, ir devagarinho desviando para a esquerda a base eleitoral de apoio. Essa é a receita. E essa é também uma crítica ao Bloco de Esquerda, que foi recorrente em várias intervenções no congresso — porque “desistiu” da luta, como disse Jerónimo no encerramento, ou “arrumou as pantufas” no debate do orçamento, como disse Vasco Cardoso ao Observador.

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Uma receita que ganha ainda mais importância quando há “forças anti-democráticas” e “de extrema-direita” à espreita, a ameaçar os direitos dos trabalhadores. A referência ao partido de André Ventura foi sendo recorrente ao longo das intervenções, sem nunca se ouvir uma referência nominal. É que, se o alvo a abater, para o PCP, sempre foi a “política de direita e a alternância dos últimos 44 anos” (onde se encontram governos do PSD, PSD/CDS e PS), agora há um novo fantasma que adensa a cola da esquerda. Esse fantasma ganhou mais peso quando, no mês passado, a direita se juntou nos Açores (com o apoio parlamentar do Chega) e ficou maior, em número, face à esquerda coligada. Tudo porque, nos Açores, não só o Chega cresceu como o PCP caiu de tal forma que desapareceu do mapa.

É isso que não pode acontecer. No segundo dia do congresso, uma delegada, Cátia Benedetti, subiu mesmo ao palco para avisar que “uma organização mais forte podia ter evitado” a saída dos comunistas do parlamento regional, mas foi a única vez que se ouviu falar do assunto. Jerónimo, no encerramento, foi claro: o PCP é “indispensável” para essa maioria de esquerda — embora não o diga nestes termos. Prefere antes dizer: “É indispensável para construir um futuro de progresso e desenvolvimento”, porque “com o PCP a vida avança”. Sem o PCP, não há maioria de esquerda, e pode mesmo haver maioria de direita. É o que fica nas entrelinhas.

O que não fica é nenhum caderno de encargos para António Costa tomar nota. Com críticas à governação, isolada, do PS, o PCP limitou-se a dizer ao longo dos três dias de congresso que vai continuar a influenciar o Governo para bem do país. Sem pedir nada em troca.

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Presidenciais, primeiro. Autárquicas, depois, mas já com guião para arrancar em janeiro

Nada vai mudar, portanto. Desde 2015, quando o PCP deu o passo inédito de abrir a porta ao PS e de entrar na solução política que ficou conhecida como “geringonça”, o PCP passou por quatro eleições — presidenciais, em 2016, autárquicas, em 2017, europeias e legislativas, em 2019 — e em todas elas teve o pior resultado da sua história. Seria de esperar alguma mudança, para o pior não voltar a acontecer, mas não: o PCP apela à “resistência” e está apostado em capitalizar votos ao mostrar que é um partido “que conta”. Não adianta ir buscar votos fora, tem de se manter unido por dentro.

Sobre os desafios eleitorais que tem pela frente — presidenciais e autárquicas no próximo ano — a lógica é ‘uma de cada vez’. Jerónimo não fez nenhuma referências às autárquicas no discurso de encerramento, embora tivesse falado nessa “importante batalha” no longo discurso inicial, na sexta-feira, e limitou-se a referir a “batalha das presidenciais” que João Ferreira vai travar “no imediato”. Com uma carrinha com o seu rosto a circular pelo recinto do congresso, João Ferreira foi mesmo a segunda estrela do congresso, tendo subido ao palco para apontar o dedo às dez falhas de Marcelo e para pedir que os comunistas se envolvessem naquele ato eleitoral.

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O guião do PCP para as autárquicas de 2021 coube a Armindo Miranda, membro da comissão política do Comité Central, traçar. O dirigente comunista subiu ao palco do congresso para dar o guião (“linhas de trabalho”) para o PCP não ter nas autárquicas do próximo ano o deslize que teve nas últimas e para recuperar as câmaras perdidas para o PS. E foi aí que deixou o aviso: não é para começar a pôr em marcha “lá para maio ou junho”, é mesmo para começar “já em janeiro”.

  1. Ir para a rua, falar “cara a cara com as pessoas”, e falar “sem sobranceria ou impaciência”.
  2. Ouvir. Mesmo que sejam “críticas ao nosso trabalho”.
  3. “Não deixar ninguém sem resposta, mesmo que a resposta só seja dada nos dias seguintes”.
  4. Explicar e fundamentar bem a realização (ou não realização) de obra. “Porque a obra não fala por nós, nós é que temos de falar dela”.“Explicar e fundamentar bem porque razão não realizamos obra que a população esperava que acontecesse, esclarecer sobre as obras que são da responsabilidade do poder central e ajudar a população a lutar pela sua resolução”.
  5. “Informar, esclarecer dúvidas e insatisfações”.
  6. Nos concelhos onde o PCP está em minoria, prestar contas à população. “Mostrar as propostas feitas nos órgãos autárquicos e as denúncias feitas, mostrar as vitórias conseguidas e não conseguidas, demonstrar que conhecemos os problemas e que temos melhores soluções”. E que as “queremos cumprir”.
  7. “Abordar e integrar no trabalho” personalidades independentes que queiram participar na “batalha em prol da sua terra”. Armindo Miranda lembrou que em 2017 participaram nas listas da CDU cerca de 12 mil independentes, o que evidenciou o “caráter democrático da CDU”. “Temos condições para manter ou reforçar essa participação”, disse.
  8. Dinamizar as comissões concelhias e “responsabilizar camaradas com tarefas concretas” é outra das tarefas mais importantes no “imediato”.

“É este trabalho que nos vai levar a um grande resultado eleitoral nas próximas autárquicas”, vaticinou Armindo Miranda. Em 2017, o PCP, que sempre teve um historial de grande implantação autárquica, teve o pior resultado em autárquicas de sempre, tendo perdido bastiões comunistas de 40 anos como Almada ou Barreiro, e tendo perdido a maioria absoluta noutros tantos, como o Seixal. Recuperar esses bastiões perdidos faz parte do plano do PCP para o combate eleitoral de 2021. Mas sobre isso, Jerónimo de Sousa pouco ou nada disse.