787kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

Silvia Eliano/Cover/Getty Images

Silvia Eliano/Cover/Getty Images

O perigoso mundo das alergias alimentares

Há alergias alimentares tão perigosas que o simples beijo de um namorado pode levar à morte. Os nutricionistas não dramatizam, mas aconselham boa informação. Aqui lhe deixamos o essencial.

Se pensa que o chocolate do seu gelado preferido, os morangos do batido que mais gosta ou a laranja do sumo natural são a causa das suas alergias alimentares, talvez esteja na altura de procurar outros culpados. “A alergia ao cacau é muito rara. Não existe alergia ao chocolate, mas sim ao leite”, explica ao Observador Elisa Pedro, imunoalergologista no Hospital de Santa Maria. Ter alergia às laranjas é, da mesma forma, “raríssimo”. E aos morangos e à carne de porco também.

Estes dois alimentos – morangos e carne de porco -, assim como a banana, kiwi, frutos tropicais, charcutaria, enlatados, especiarias e bebidas alcoólicas, favorecem a libertação de histamina – uma molécula presente na resposta do sistema imunitário, que promove a dilatação dos vasos sanguíneos. O aumento desta substância no corpo pode provocar erupção cutânea e urticária – uma inflamação da pele com comichão. Elisa Pedro admite que, como a histamina também é libertada durante uma reação alérgica, o aumento dos níveis da molécula causado pelos alimentos se possa confundir com uma reação do sistema imunitário. Para deixar de sentir o desconforto, o melhor é evitar estes alimentos.

Banana, kiwi e frutos tropicais favorece a libertação de histamina que pode provocar urticária

Miguel Palacios/Cover/Getty Images

Nos petiscos de verão os perigos de alergia estão noutras comidas: marisco, peixe e amendoins. Estes, juntamente com o leite e os ovos, são os alimentos que causam alergias com mais frequência. As reações acontecem porque o sistema imunitário reage contra o alimento, ou mais propriamente contra algum componente desse alimento, como se de um agente estranho se tratasse. Reage como se o alimento fosse um vírus ou uma bactéria. Quando a reação alérgica é muito grave estende-se a vários órgãos e provoca um choque anafilático, que pode levar à morte.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A alergia ao leite, ovos, frutos secos, trigo e peixe, são comuns durante a infância porque são os principais alimentos ingeridos durante o primeiro ano de vida. Mas podem desaparecer com a idade, após os três anos, porque à medida que o intestino fica mais maduro torna-se menos permeável, logo os compostos alergénicos são menos absorvidos pelo intestino.

Nos adultos, as alergias alimentares mais comuns são causadas pelos frutos secos, frutos frescos, peixe, marisco e vegetais. Outras podem ser consequência de alergias respiratórias – cada vez mais comuns na Europa devido ao aumento de doentes alérgicos. “Quem seja alérgico ao pólen pode vir a desenvolver alergia a frutos, porque as proteínas têm estruturas semelhantes”, diz Elisa Pedro, também vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC). Esta reatividade cruzada pode acontecer, pelos mesmos motivos, nas pessoas alérgicas aos ácaros que podem desenvolver alergia aos mariscos.

“Quem seja alérgico ao pólen pode vir a desenvolver alergia a frutos, porque as proteínas têm estruturas semelhantes.”
Elisa Pedro, imunoalergologista

Livrar-se das alergias

Evitar os alimentos que desencadeiam alergias pode ajudar, mas não resolve todos os problemas. Dependendo da sensibilidade do doente a um determinado alimento, até os vestígios encontrados em alimentos insuspeitos pode provocar uma reação alérgica grave. Neste sentido, Elisa Pedro diz que pode ser útil fazer uma dessensibilização ao leite de vaca para diminuir a resposta alérgica, porque o leite é muito comum na alimentação – pode aparecer como componente de vários alimentos, como o chocolate.

Para a dessensibilização ao leite, o doente vai ingerindo, em contexto hospitalar, quantidades crescentes de leite todos os dias, ao longo de cinco dias, até um máximo de 200 mililitros. “Se o doente conseguir tolerar esta dose [idealmente 200 mililitros, mas pode ser 100 ou 150], passa a ingeri-la todos os dias eliminando o risco de desenvolver reações graves quando o doente estiver exposto a pequenas quantidades noutros alimentos”, explica a imunoalergologista. “A qualidade de vida melhora muito, sobretudo para os adolescentes.”

Uma vacina contra a alergia ao pêssego está em ensaios clínicos no Hospital de Santa Maria

TEH ENG KOON/AFP/Getty Images

As vacinas são um método alternativo à dessensibilização, mas não podem ser feitas para todos os alimentos porque é difícil perceber qual é a molécula alergénica – aquela que provoca a reação. Existem estudos para vacinas contra a alergia ao peixe e aos amendoins, mas não têm conseguido obter bons resultados, diz Elisa Pedro.

Em Portugal, a equipa de Célia Costa, coordenadora da Unidade Funcional de Alergia Alimentar do Hospital de Santa Maria, pretende implementar uma vacina contra a alergia aos frutos da família do pêssego e maçã. A molécula responsável pelas alergias presente nesta família de plantas também existe em alguns frutos secos.

Produzida por um laboratório espanhol, a vacina já é comercializada noutros países, mas em Portugal ainda está na fase de ensaio clínico. “Começou em janeiro de 2012 e, dos 22 doentes em teste, os oito que já tomam as vacinas há dois anos e meio já podem comer polpa de pêssego”, diz ao Observador Célia Costa. “A maior concentração do alergénio [substância que produz alergia] está na pele.” Esta vacina em gotas para colocar por baixo da língua tem de ser feita todos os dias ao longo de três anos.

“A maior concentração do alergénio está na pele do pêssego.”
Célia Costa, imunoalergologista

Nos Estados Unidos, uma equipa de investigadores verificou que quando a flora intestinal (conjunto de micro-organismos que vive no intestino) está reduzida, por exemplo pelo uso de antibióticos na infância, pode haver um aumento da sensibilidade dos indivíduos aos alergénios presentes nos alimentos. A introdução de bactérias do género Clostridia – um grupo de bactérias normalmente presente no intestino – bloqueou a sensibilidade aos alergénios dos amendoins em ratos de laboratório, segundo um estudo publicado esta terça-feira na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.

As bactérias produzem uma proteína que impede os alergénios dos alimentos de passar do intestino para a corrente sanguínea onde estariam em contacto com os anticorpos que podem desencadear a reação alérgica. “Os nossos dados apoiam o desenvolvimento de terapias probióticas auxiliares que potenciem a indução da tolerância a alergénios alimentares”, conclui o estudo liderado por Cathryn Nagler, investigadora na Universidade de Chicado.

A reação alérgica a um determinado alimento pode apresentar diferentes sintomas consoante a sensibilidade do doente. Os casos menos graves só têm manifestações na pele, enquanto outros, como os sintomas respiratórios, exigem mais atenção. Mas as reações mais graves são aquelas que afetam vários órgãos e se manifestam com edema (inchaço) da glote, hipotensão ou choque anafilático. Os doentes que sejam mesmo muito sensíveis aos alergénios podem desenvolver uma reação alérgica por inalarem os vapores que se libertam enquanto o alimento é cozinhado, como num arroz de marisco, ou quando um utensílio de cozinha tenha sido mal lavado – como uma grelha que assou peixe e depois a carne que serve de alimento ao doente alérgico ou uma faca que cortou vários alimentos de uma refeição, incluindo os que podem provocar alergia. Também o contacto físico com o alimento pode desencadear uma reação do sistema imunitário, especialmente se as mãos entrarem em contacto com as mucosas da boca ou dos olhos depois de tocarem no alimento.

Nos Estados Unidos, houve um caso de uma rapariga alérgica ao amendoim que morreu depois do namorado lhe ter dado um beijo. Ele tinha comido uma sandes de manteiga de amendoim, ela não tinha a caneta de adrenalina com ela. Por isso é fundamental que os doentes que desenvolvam reações alérgicas graves andem sempre com uma caneta de adrenalina – um dispositivo auto-injetável que alivia os sintomas de anafilaxia. Elisa Pedro aconselha que familiares e pessoas mais próximas, como professores, também a saibam usar. “[Não obstante] o doente tem de ser capaz de reconhecer os sintomas antecipadamente. Assim que sentir o aperto na garganta ou no corpo tem de fazer a caneta.”

Testes de intolerância alimentar: não faça isto em casa

Distintos dos sintomas das alergias alimentares são os da intolerância: distensão do abdómen, dores de cabeça, flatulência ou cólicas. “A intolerância não tem nada a ver com a alergia”, afirma a Elisa Pedro. “Trata-se de uma dificuldade em digerir os alimentos.” Embora possa causar desconforto ao doente tratam-se de problemas digestivos sem consequências graves.

Nos testes de alergia, uma pequena agulha (lanceta) faz com que o alergénio penetre a pele para avaliar se há reação

Institutos Nacionais de Saúde (Estados Unidos)

A médica dá o exemplo do leite: pode haver pessoas intolerantes (à lactose, um açúcar do leite) ou alérgicas (às proteínas do leite), mas as duas situações são diferentes. Na intolerância a pessoa não consegue fazer bem a digestão e fica mal disposta. Na alergia há uma reação do sistema imunitário com produção de anticorpos para combater a proteína.

Para descobrir se uma pessoa é alérgica fazem-se testes cutâneos ou análises de sangue. No caso das intolerâncias, Elisa Pedro diz que a lactose é o único componente dos alimentos para o qual existem análises de sangue que permitem detetar a intolerância. “Em relação aos outros alimentos não há metodologia comprovada e são demasiado caros para justificar a sua utilização. Os testes de intolerância alimentar não são recomendados pela Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica (EAACI), nem pela Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC).”

A SPAIC considera que os testes de intolerância alimentar carecem de fundamentação científica. São muito generalistas e podem acusar muito mais intolerâncias do que o número real. Mais facilmente o doente descobre que tem intolerância a um alimento quando apresenta sinais de dificuldades na digestão. “O mais sensato é deixar de comer [o alimento] ou tomar enzimas digestivas”, refere a imunoalergologista. Nos casos das intolerâncias bem identificadas, é apropriado consultar um nutricionista para conseguir uma dieta equilibrada.

“O mais sensato é deixar de comer [o alimento] ou tomar enzimas digestivas.”
Elisa Pedro, imunoalergologista

Os técnicos que realizam os testes de intolerância alimentar também recomendam uma consulta com um nutricionista. Quando os testes demonstram uma reatividade intermédia ou alta a determinado alimento, os técnicos aconselham a redução ou a inibição, respetivamente, da ingestão desse alimento. Se a lista de alimentos “proibidos” for muito grande, o desafio para os nutricionistas para conseguirem criar uma dieta equilibrada é enorme.

Os testes tradicionais baseiam-se em análises de sangue para detetar a presença de um tipo de anticorpos – imunoglobulinas G4 (IgG4) – para os vários alimentos. Rui Leite, técnico de análises clínicas dos laboratórios Fernanda Galo, afirma ao Observador que existem estudos científicos que demonstram que as IgG4 podem desencadear as intolerâncias alimentares. Mas quando confrontado com a opinião contrária expressa por alguns elementos da comunidade médica, como Elisa Pedro, garante que podem detetar a presença e a quantificação das imunoglobulinas, mas que a interpretação e elaboração de uma dieta já não é da sua competência. Uma análise a 190 alimentos custará nestes laboratórios 250 euros.

A Sociedade Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação partilha da opinião da SPAIC e subscreve o parecer oficial da Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica: “Os IgG4 específicos para os alimentos não indicam alergia ou intolerância aos alimentos, mas antes uma resposta fisiológica do sistema imunitário após a exposição aos componentes dos alimentos.” Assumem que a presença de IgG4 poderá estar mais relacionada com o facto de a pessoa já ter ingerido esse alimento anteriormente do que com uma demonstração de intolerância. A Ordem dos Nutricionistas mantém uma “posição de grande reserva”, revela ao Observador Conceição Calhau, presidente da Comissão de Estágios da Ordem, que considera que ainda existe “escassez de evidência quanto à validade científica”.

Os rótulos dos alimentos ainda carecem de informação importante

ROBYN BECK/AFP/Getty Images

A nutricionista salienta que a alergia ou a intolerância alimentar são desenvolvidas em relação a um dos componentes dos alimentos e não ao alimento como um todo. Saber que se é intolerante a um determinado componente em pouco ajudará a pessoa a escolher o que pode consumir porque a “rotulagem alimentar ainda é muito escassa” e carece de informações tão detalhadas. Conceição Calhau, também professora de Bioquímica e Toxicologia Alimentar na Universidade do Porto, lembra ainda que a reação a um determinado componente pode ser diferente se o alimento estiver processado (por exemplo, cozinhado) ou não.

Outros métodos para testar as intolerâncias alimentares são as análises de ADN realizadas pelos laboratórios Bonanova Genetics ou os testes com elétrodos feitos com equipamento Vitalonutri (antes conhecido como Pronutri). Estes testes realizados com elétrodos propõem-se identificar a maior ou menor tolerância a cerca de 500 alimentos por 80€. Como cada alimento possui uma energia específica, é fornecido um estímulo equivalente ao organismo. O processamento deste estímulo e resposta dada pelo cérebro é recebida novamente pelo aparelho, explica ao Observador Virgínia Marques, dietista e responsável pela realização dos testes da Wellnutri. “O estímulo é como se a pessoa estivesse a consumir o alimento.”

A técnica explica que o cérebro responde com a produção de enzimas e que quanto maior a quantidade produzida maior o nível de tolerância ao alimento. Assim, nos resultados do teste os alimentos podem ser apresentados como “recomendados”, “tendências para a intolerância”, “intolerâncias graves” e “intolerâncias muito graves”. Virgínia Marques verifica que muitos doentes chegam com uma ideia errada das suas intolerâncias pensando que se devem ao leite ou ao café, mas que afinal se revelam intolerantes aos cereais que colocam no leite ou ao açúcar que põe no café. “Estas falsas intolerâncias levam as pessoas a excluir o alimento errado, abdicando de todos os constituintes bons que esses alimentos possam ter.”

“Estas falsas intolerâncias levam as pessoas a excluir o alimento errado, abdicando de todos os constituintes bons que esses alimentos possam ter.”
Virgínia Marques, dietista

Esta metodologia, porém, levanta algumas reservas a Conceição Calhau: “A eletrofisiologia [método com os elétrodos] está razoável, mas falta a explicação de como alterações da condutividade/perturbação da frequência, podem ser causadas por alimentos a que somos intolerantes.” A nutricionista acusa mesmo a empresa de relacionar dois temas distintos: intolerância alimentar e excesso de peso, como se o primeiro causasse o segundo. “Não é verdade que de uma intolerância alimentar, com exposição ao ‘intolerado’, resulte um aumento da acumulação de gordura no tecido adiposo.” Porém, a dietista Virgínia Marques defende que a eliminação de alimentos não tolerados que provocam inchaço abdominal e obstipação é desde logo uma forma de reduzir peso.

As preocupações de médicos e nutricionistas que mostram prudência em relação às vantagens, e mesmo à fidedignidade, dos testes de intolerância alimentar centram-se nas restrições dietéticas impostas em virtude dos resultados, que podem comprometer a saúde da pessoa, e da pressão psicológica a que uma pessoa fica sujeita sem benefícios comprovados. “Se por um lado, qualquer informação médica de alergia e/ou de intolerância alimentar é útil para direcionar planos alimentares/educação alimentar do nutricionista que deverá fazer este seguimento, por outro lado, devem ser feitos estes estudos em situações apenas que se justifiquem do ponto de vista médico”, conclui Conceição Calhau.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora