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O profeta "rei do Tik Tok", a pulseira "swiftie" e a massada de peixe. Os bastidores de Chega, IL, BE e PCP

No Chega, o "profeta" de Mem Martins vale por dois. A IL vende a marca Cotrim em vídeos curtos. No BE não faltam keffiyehs palestinianos. E, na CDU, a rota gastronómica já não é o que era.

André Ventura assume-se como protagonista numa campanha do Chega que na verdade são duas. O “rei do Tik Tok” socializa com “mini-Venturas” em Mem Martins, onde contraria a ideia de que o “profeta nunca é bem recebido na sua terra”. Tânger remete-se ao papel de discípulo. Já o candidato da IL usa uma pulseira swiftie dada por uma fã (de Taylor Swift, não dele) embora venda a marca Cotrim de uma forma cada vez mais parecida com uma pop star. Descontente com os discursos, dava um cavalo em troca de um speech writter. Tudo enquanto disfarça o estado zombie que o cansaço lhe impõe.

No Bloco de Esquerda também se aposta nas redes sociais, em dias mais ou menos intensos que terminam ao som de Liberdade, de Sérgio Godinho. Na CDU adivinha-se que a organização vai ao ponto de estimar a rotação do sol, embora só tenha sobrado uma massada de peixe da bem afamada tradição de se comer bem nas campanhas comunistas. Além de PS e AD, o Observador acompanhou os bastidores das campanhas de Chega, IL, BE e CDU ao longo das últimas duas semanas.

Do carro às redes sociais, a campanha paralela entre Ventura e Tânger

António Tânger Corrêa é o candidato, mas espera como os outros — em todos os pontos de paragem e por vezes por muito tempo. A chegada do verdadeiro protagonista nota-se nos pormenores: as movimentações dos seguranças aceleram, há contagens decrescentes para os minutos que faltam e apronta-se quem vai ao carro receber o presidente do partido. André Ventura está prestes a chegar e, aí sim, está na hora de dar início a mais uma ação de campanha para as eleições europeias, que mais parece vir diretamente de umas legislativas.

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Há um carro avançado de seguranças que prepara o terreno, junta-se mais tarde a carrinha onde costuma circular o núcleo mais duro de Ventura — durante a campanha foram mudando os lugares dos protagonistas: começaram Rui Paulo Sousa, Marta Trindade e Cristina Rodrigues no Sul, seguiram Rita Matias, Pedro Pinto e Patrícia Carvalho no Norte. Tânger Corrêa circula num carro diferente, normalmente acompanhado por Tiago Moreira de Sá, ex-PSD que é o número dois da lista do Chega às europeias, ou Francisco Almeida Leite (que se juntou à comitiva depois da passagem por Lisboa). Nesse carro segue sempre Pedro Bandeira Duarte, o diretor de campanha, amigo e braço direito de Tânger, o homem por quem passa tudo o que diz respeito aos candidatos. O homem que diz sim ou não a entrevistas, o homem que ajuda a terminar as conferências de imprensa ou, melhor, os (poucos) minutos que Tânger tem para falar.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

É como se de duas comitivas paralelas se tratasse — a normal e oficial do partido à qual se junta a do candidato, com tudo aquilo a que tem direito — até alguém que trata da sua comunicação e imagem. Quando Tânger tem de se ausentar para entrevistas, debates ou programas de televisão, como aconteceu a meio da campanha, é Pedro Bandeira Duarte quem o acompanha. Já a comunicação geral, que antes era feita no terreno por Patrícia Carvalho, está agora nas mãos do assessor Filipe Duarte. É a pessoa que faz a ponte entre a comitiva mais próxima de Tânger Corrêa, a comitiva em que segue o presidente do partido e o núcleo duro, e os jornalistas.

[Já saiu o quarto episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio]

No terreno, esse contacto apenas vai sendo preparado para André Ventura. Com arruadas todos os dias, quase sempre duas vezes por dia, é o presidente do partido que sai do carro e se posiciona para falar aos jornalistas. Tânger Corrêa fica ao lado e apenas se os microfones forem na sua direção faz declarações. Vai abanando a cabeça, concordando, até fazendo apartes, mas só fala quando os jornalistas lhe pedem. Aliás, até o tempo do candidato é reduzido: muitas vezes está a falar há poucos minutos e ouve-se um “última pergunta”. O tempo, assim como toda a atenção, é sempre mais amplo para Ventura.

E se é em ambiente de campanha legislativa que o Chega vive estes dias, a cabeça de Ventura também não está longe disso: chega a enganar-se e a colocar-se a ele próprio em Bruxelas (“O que André Vent… o que Tânger Corrêa fará em Bruxelas”) — o que vale uma auto-correção entre risos —, mas é notório que está mais preocupado com o futuro do que com o presente. Usa os muitos jovens com que se vai cruzando como calculadora: “Quantos anos tens? Ah, ainda faltam 10 para poderes votar, nessa altura já conto ser primeiro-ministro…” E assim vai fazendo contas à boleia dos jovens — e a contar que poderá vir a capitalizar aquelas reações fervorosas no futuro.  “Nas próximas eleições já vou votar e é em si”, deixa-lhe como garantia um adolescente na Feira do Livro.

Em Mem Martins, no dia em que André Ventura jogou em casa pela primeira vez em período oficial de campanha, viu a loucura juvenil condensada num só espaço. Parece uma estrela, ouve gritos como se de uma popstar se tratasse, e até contradiz a tradição: “Dizem que o profeta nunca é bem recebido na sua terra, mas eu sou.” Quem o recebe são dezenas de crianças que estão no recreio da escola Ferreira de Castro e que se aproximam das redes para tocar em Ventura.

O líder do Chega faz o que melhor sabe: diz que estudou ali e que aqueles são “mini-Andrés Venturas”, fala das redes sociais — de onde todos os conhecem e onde é um fenómeno —, pede a bola para dar toques e ouve Tânger dizer aquilo com que vai sonhando: “Se a miudagem votasse era maioria absoluta.” O líder do Chega já o tinha sugerido numa outra campanha, mas de dia para dia vê mais jovens a irem ter consigo, mais crianças a abraçá-lo ou à procura da fotografia. No final do dia, sabe que aqueles votos não contam, mas pensa mais à frente e no impacto que podem vir a ter no futuro.

LUSA

E é esse tal futuro, que de muitas formas é o presente, que Ventura alimenta nas redes sociais. E essa é também uma linha que o diferencia do candidato. O líder do partido tem o nome do Instagram e do TikTok na ponta da língua em qualquer interação — “Já nos seguem? “André Ventura oficial” no TikTok e no Instagram”. Sem surpresa, muitos já o seguem, chega até a cruzar-se com imigrantes que também o confirmam e argumentam que é “o número um em Portugal” ou o “rei do TikTok”. Ao lado, segue sempre Tânger Corrêa — o oposto do Chega nesse campeonato. Não tem nem Instagram nem TikTok, promete vir a ter quando chegar a Bruxelas — mas a verdade é que é apenas mais uma das coisas em que circula em pistas diferentes do partido. Ou paralelas, pelo menos.

Tal como na última campanha, o núcleo duro do Chega guarda vários momentos do dia para gravar conteúdos nas redes sociais — muitas vezes são publicados vídeos das declarações de Ventura, mas também imagens de momentos em que André Ventura surge a fazer esclarecimentos, a distanciar-se do PS ou do PSD e até a andar de bicicleta. Tudo serve para passar mensagens nas redes sociais. Tudo menos Tânger, que não só dispensa como mal aparece. Muitas vezes queixa-se do cansaço, chega a brincar com a energia de outros (que já não tem, “só para a vela”, onde é campeão nacional) e assume que já nem os joelhos ajudam — muito menos para se juntar ao pedalar de Ventura.

Caminha calmamente, salta pouco (de preferência quase nada) e queixa-se que lhe “gastam o nome” ou que o “querem matar”. Mas vai usando o humor a seu favor, muitas vezes para arrancar gargalhadas gerais. Quando ouve “Viva o Tânger”, grita “Viva eu”. Foi difícil começar a aparecer em mangas de camisa ou até sem gravata e vai comentando que o filho gosta de o ver “arranjado”, mas o semblante vai mudando à medida que os dias passam — até no contacto com os jornalistas, com quem acaba por se meter em jeito de brincadeira várias vezes.

A geração de Ventura já está longe, a do TikTok ainda mais e Tânger recorda os tempos dos grandes comícios e menos arruadas, dos tempos em que os diretos das televisões não existiam e onde tudo era mais calmo. Talvez a última campanha das legislativas, de comício em comício, tivesse assentado melhor a um candidato de 72 anos que tem pouca paciência para o ritmo acelerado — e que anda sempre a reboque de um líder que está sempre na sexta mudança. Depois de duas semanas intensas, Tânger Corrêa será com enorme probabilidade eurodeputado do Chega e, aí sim, receberá o prémio carreira que será a compensação por uma campanha que dispensava ter feito.

LUSA

João Cotrim Figueiredo. As redes, a personalização e as dúvidas

“A cara está zombie A ou zombie B?” João Cotrim Figueiredo está visivelmente cansado. É o nono dia de campanha e acaba de chegar a Mirandela para um jantar-comício. Para trás tinha ficado uma manhã no Politécnico de Viseu e um fim de tarde no Andebol Club de Lamego. Mesmo numa campanha sem a intensidade de outras, com duas ou três ações por dia e distâncias relativamente curtas entre elas, os quilómetros acumulados pesam no corpo e no espírito. As duas dezenas de militantes e simpatizantes que se juntaram para o ouvir esta noite já aguardam no restaurante D. Maria. Mas há ainda muito que fazer.

O sol está a pôr-se e a janela temporal é curta para a exigência das tarefas. O candidato vai gravar dois vídeos para as redes sociais da candidatura, uma das componentes mais exigentes desta campanha paralela à agenda oficial. Um vídeo mais institucional, para agradecer (em alemão) a Christian Lindner, ministro das Finanças daquele país, pelo apoio dado à sua candidatura; e outro pensado para se tornar viral, sobretudo no TikTok, a rede social que se tornou uma das grandes apostas da Iniciativa Liberal nesta campanha. Um ângulo morto que o partido fez tudo para tentar cobrir e que espera que possa vir a desempenhar um papel importante no dia 9 de junho.

Sob a direção artística do deputado-estrela do partido, Bernardo Blanco, Cotrim ouve atentamente o que deve fazer. Na prática, tem de adaptar parte da letra da música “Alô”, dos músicos Dillaz e Plutónio, simular uma chamada em FaceTime com Ana Martins, número dois da lista da IL, e dizer as seguintes frases: “Alô, estás ocupada? ‘Tás a fim de ir para Bruxelas amanhã?”. Do outro lado da linha, a candidata terá de responder afirmativamente. No final, já a olhar para os dois Iphones que filmam tudo – Júnior De Vecchi e Alexandre Rosa, colaboradores do partido, são os realizadores de serviço –, deve dizer o seguinte: “Sabias que só Portugal, Malta e Chipre não têm deputados liberais? Vem eleger os primeiros portugueses amanhã”. O guião é relativamente simples e não é fácil imaginar como é que daqui possa resultar coisa boa. Parece tudo menos um conteúdo potencialmente viral.

Cotrim confessa abertamente não conhecer a música. De pronto, Blanco recorda que é um dos hits do momento e que está sempre a tocar no autocarro que transporta a comitiva permanente de dez elementos, candidato incluído. Foi sempre assim, ao longo dos 15 dias de campanha. Um bólide gigantesco, decorado com a cara de Cotrim, com a inscrição “Com Cotrim Sim”, que noutra vida pertenceu ao Grupo Desportivo de Chaves, transformado em escritório sobre rodas, que contava ainda com um irmão mais novo — um outro autocarro, este tipicamente londrino, de dois andares, adaptado para receber um DJ no piso superior e barris de cerveja no piso inferior, e que percorreu vários pontos do país. O candidato desculpa-se por não conhecer o tal hit. Diz, com alguma ironia, que costuma aproveitar as viagens para pensar noutras coisas que não na música que está a passar na rádio.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Mas conhece perfeitamente Plutónio, salvaguarda. Há um par de anos almoçou com o rapper português, num encontro organizado pelo produtor deste e por Blanco. Queria perceber o que pensavam e como pensavam alguns dos ídolos do eleitorado-alvo da IL. A ligação a estes eleitores, dos 18 aos 30, não pode desaparecer. De resto, não é o único sinal dessa relação (objetiva) que existe entre os mais jovens e o partido. Carrega no pulso uma pulseira swiftie, nome de guerra das e dos fãs de Taylor Swift, que uma simpatizante lhe ofereceu com as iniciais “JCF” quando o encontrou na Feira do Livro. “Achei giríssima”, confessa.

Apesar de tudo, Cotrim não é um nativo digital. Tem já 62 anos, faz 63 a 24 de junho, e, naturalmente, não domina a linguagem de quem tem menos 30, 40 ou 50 anos do que ele e que frequenta o Instagram e o Tik Tok. Decide cantar toscamente as frases que tem para dizer em vez de as dizer simplesmente, o que arruína por completo o efeito pretendido. Blanco exaspera, como um sobrinho exaspera quando um tio tenta ser cool. “Estão-me a castrar”, queixa-se o candidato, enquanto retira algum gozo do desconforto de Blanco. A fronteira entre o que é popular e o que pode ser desastroso é ténue – sobretudo, junto de um público particularmente exigente.

Apesar de tudo, assim que se empenha de facto no vídeo, despacha a coisa com facilidade. Já tem treino nestas andanças. O resultado final, esse, só se conhecerá depois da publicação deste artigo – o vídeo será estrategicamente divulgado minutos antes de sábado, dia de reflexão, sem infringir qualquer lei da Comissão Nacional de Eleições. Tudo é pensado ao pormenor, com o mesmo empenho com que foram preparados os debates, a participação no programa de Cristina Ferreira, a entrevista ao humorista Guilherme Geirinhas, ou outros conteúdos para as redes sociais com referências a Dua Lipa (que Cotrim desconhecia), a J Balvin, a Milton Friedman ou ao “Quem Quer Ser Milionário”. Todas as plataformas contam.

Quem com que ele trabalhou de perto nesta campanha descreve-o como uma “máquina”. Exigente, por vezes irascível, de irritação fácil, emocional, mas uma “máquina de trabalho”. Não faltam exemplos desse empenho. Para esta corrida, a candidatura criou uma ferramenta que permitia criar um vídeo personalizado do candidato a falar sobre um de três temas à escolha, que era depois possível enviar a qualquer pessoa, bastando preencher um formulário. Essa pessoa receberia o vídeo e ouviria o candidato a tratá-la pelo nome próprio. Houve só um único obstáculo: Cotrim teve de gravar a saudação inicial mais de 700 vezes para chegar ao maior número possível de nomes. O sucesso foi tal que, nos primeiros dias, os servidores do site ficaram sobrecarregados. Tornou-se viral e a viralidade foi um um dos grandes meios desta campanha.

Eu resisti até ao fim ao TikTok”, confessa João Cotrim Figueiredo ao Observador. Está sentado a tomar o pequeno almoço na Quinta do Paço Hotel, em Vila Real, enquanto prepara mais um dia de campanha, o décimo. Explica abertamente que estudou a campanha do Chega nas últimas legislativas para tentar compreender o fenómeno de crescimento do partido, em particular junto dos mais jovens. A forte presença de Ventura e correligionários no TikTok terá seguramente alavancado esse crescimento, teoriza. A conclusão foi inevitável: era preciso jogar o jogo com as regras existentes.

LUSA

Apesar da resistência em usar uma rede social de origem chinesa que tem sido em grande medida instrumentalizada pela direita radical para somar apoiantes em várias geografias do mundo, Cotrim tinha, pelo menos, de tentar. “Seremos usados na mesma, quer estejamos no TikTok ou não. Nem vou poder dizer que avisei muito ou que tentei ilegalizá-la. No cavalo branco não vou estar e vou ser corresponsabilizado na mesma. A lógica foi esta: deixa-me ver se consigo, ao menos, favorecer o projeto liberal.”

A utilização eficaz das redes sociais não foi o único aspeto da campanha do Chega nas últimas legislativas que a candidatura de Cotrim Figueiredo decidiu estudar. A forte personalização da mensagem em torno de André Ventura é parte evidente no sucesso do Chega. Desta vez, a IL, que sempre fez gala de ser avessa ao culto da personalidade, cedeu às evidências: se quisesse ser bem sucedida nestas eleições – e precisava de ser bem sucedida –, tinha de fazer uma campanha à volta da marca “Cotrim”.

Do autocarro gigante ao merchandising distribuído (óculos, chapéus e leques), em todo o lado se lia “Com Cotrim sim”. Não havia alternativa, admite o próprio. “O partido sabe o que eu penso da personalização da política. Vieram com paninhos quentes, mas percebi que tinha de ser. Enfiei a viola no saco. Há duas coisas que aprendi na política e que foram dolorosas: as pessoas contam muito mais do que as ideias; e esta história dos políticos não profissionais, como eu, tem um risco enorme. O cemitério está cheio de políticos não profissionais por alguma razão. Portanto, essa decisão [de personalizar a campanha], apesar de odiar, não foi difícil de tomar. Porque é um decisão racional. Agora, de cada vez que chego ao autocarro com a minha cara, ainda baixo os olhos.

Ninguém ignora que estas eleições europeias são um marco importante para a Iniciativa Liberal. Joga-se muito mais do que a eleição de um ou dois deputados. O partido, que vinha em crescendo desde que se apresentou aos eleitores, sofreu um abalo nas últimas eleições legislativas e precisa de fazer uma prova de força. Para isso, mais do que vender grandes ideias sobre a Europa, importava nestas eleições vender a imagem e o capital político conquistado por Cotrim. O cabeça de lista da IL valerá eleitoralmente mais do que o próprio partido. Rui Rocha, líder de facto e figura muito presente nesta campanha, colocou-se propositadamente em segundo plano para que os holofotes se concentrassem no candidato.

A campanha foi deliberadamente pensada nesses termos. Era suposto vender Cotrim como um candidato preparado, credível e de enorme respeitabilidade e assim foi. Os debates, acreditam os responsáveis do partido, foram fundamentais para a afirmação da marca. A estrada, apesar de tudo, serviu essencialmente para consolidar e mostrar a festa particular de Cotrim. Nas ruas, de resto, era a ele que se referiam os curiosos que assistiam ao arrastão da ainda assim modesta comitiva. Foi assim sempre. “Quem é aquele? Ah, já conheço o gajo. É o Cotrim. Não sou vira-casacas, mas este ainda é mais ou menos”, ouviu o Observador de um feirante em Famalicão. Em todos os pontos que visitou, o antigo líder do partido foi facilmente reconhecido. E isso, em política, é um valor em si mesmo.

A marca Cotrim extravasa as fronteiras do próprio partido e, ao mesmo tempo, a maior esperança do partido. O candidato assume o peso da responsabilidade e o preço a pagar. À mesa Quinta do Paço Hotel, enquanto toma o pequeno-almoço, confessa que esta campanha foi particularmente dura por razões pessoais que prefere que não sejam públicas. Além disso, ou também por isso, está insatisfeito com as suas próprias prestações. “Acho que não tenho feito bons discursos”, atira.

Ao longo de toda a campanha, Cotrim fez sempre intervenções relativamente curtas para os padrões da política portuguesa, raramente mais do que 15 minutos, sempre diferentes entre si, o que é igualmente raro nestas andanças, mas sempre à volta de uma grande mensagem: voltar a fazer da Europa um espaço de crescimento económico, de liberdade, paz e prosperidade. Apesar de tudo, não está satisfeito. “Já não me posso a ouvir. Dava um cavalo por um bom speechwriter. Não estou a sentir. Hoje, [quarta-feira], no Porto, tem de ser uma coisa à séria”, diz. Mais para si próprio do que para quem o está a ouvir.

Mesmo admitindo que nem tudo correu bem nesta campanha, Cotrim faz um balanço francamente positivo. Reconhece que teve de se adaptar aos adversários. Quando Sebastião Bugalho começou a apelar ao voto útil, teve fazer uma “inflexão tática” e de endurecer o tom, fazendo mais críticas ao adversário com quem, inicialmente, parecia haver um pacto de não agressão – ideia que o liberal nunca gostou que se instalasse. Na reta final, as sondagens publicadas – o partido não faz sondagens por não ter assumidamente recursos para o fazer — animaram e muito o partido. Resta saber se, desta vez, a noite eleitoral sorrirá ou não aos liberais.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Catarina Martins. Centenas de quilómetros numa campanha para mostrar bons exemplos

Assim que termina o último discurso da noite, ouvem-se os primeiros acordes do clássico “Liberdade”, de Sérgio Godinho. Tem sido assim em praticamente todas as noites da campanha do Bloco de Esquerda — ou, pelo menos, nas que acabam em comícios ou jantares-comício. É aquela música que marca o ritmo do que acontece a seguir: a cabeça-de-lista, Catarina Martins, e a coordenadora do partido, Mariana Mortágua, deixam-se ficar pelo local do comício e multiplicam-se em conversas, abraços e selfies com os muitos apoiantes do partido que se aproximam, com especial destaque para jovens mulheres.

Tanto a candidata como a líder do partido raramente têm pressa para sair: às vezes, como aconteceu num comício em Aveiro na segunda semana, ainda estão na sala à conversa ou a tirar fotografias com apoiantes quando o cenário já está desmontado e pronto a seguir para a próxima paragem.

Não se pode dizer que tenha sido uma campanha especialmente intensa no que diz respeito ao número de eventos agendados para cada dia. A própria cabeça-de-lista admitiu ao Observador que já teve campanhas mais cansativas, nomeadamente quando concorreu a legislativas na qualidade de coordenadora do partido. As europeias, com menor atenção mediática, obrigam os partidos a lutar pela mobilização para o voto — e Catarina Martins tem preferido uma estratégia de mostrar os “bons exemplos” que se encontram no país, para tentar demonstrar que, a partir de Bruxelas, é mesmo possível fazer a diferença na vida concreta das pessoas, dos salários à habitação.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Isso tem levado a caravana bloquista a percorrer centenas e centenas de quilómetros, em dias de campanha por vezes bastante espalhados pelo território nacional. Um exemplo: na primeira semana de campanha, Catarina Martins começou a quinta-feira às 10h30 em Peniche, foi almoçar ao Entroncamento, seguiu para um comício em Coimbra e, no final, ainda foi dormir a Miranda do Douro, onde na manhã seguinte tinha agendada uma visita a uma associação de proteção dos burros de Miranda, para destacar a importância dos fundos europeus em projetos no interior. Outro exemplo: na segunda semana de campanha, depois de um comício que terminou por volta das 23h no Porto, Catarina Martins ainda seguiu com uma assessora até Lisboa, para poder estar no programa de Cristina Ferreira na TVI na manhã de quarta-feira, um compromisso que todos os candidatos sabem que têm de aproveitar. Às 15h desse dia, porém, já estava de regresso ao Porto, onde tinha ficado a maioria da equipa, para continuar a campanha.

A agenda foi esboçada no início da campanha eleitoral, mas teve de ser afinada dia a dia pela equipa de assessores que acompanha a cabeça-de-lista: algumas ações caíram, outras foram acrescentadas. Algumas foram até atrasadas para permitir que os jornalistas pudessem acompanhar toda a campanha: foi o caso da segunda-feira da segunda semana de campanha, quando Catarina Martins foi visitar a feira do livro de Lisboa às 17h30 e às 21h tinha um comício agendado em Aveiro, a mais de 200 quilómetros de distância.

A comitiva de Catarina Martins, composta por 11 pessoas, desloca-se por todo o país em dois carros. Num deles vai Adriano Campos, o diretor de campanha, e outros elementos da equipa, incluindo a fotógrafa do partido e os responsáveis pelos conteúdos para as redes sociais, permanentemente atentos a tudo o que possa ter impacto nas redes — num partido como uma forte base de apoio entre os jovens, é obrigatório. Este é o primeiro carro a chegar a cada ponto da campanha: é Adriano Campos quem prepara o terreno para a chegada da candidata, seja a mobilizar os participantes de uma arruada, seja a fazer um briefing aos jornalistas sobre o contexto de uma visita a uma associação de moradores, seja a articular-se com as estruturas locais do partido que têm assegurado a presença de uma mão cheia de apoiantes em cada local. No final de algumas ações de campanha, Catarina Martins reserva até alguns minutos para gravar vídeos para as redes do partido.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Na segunda viatura, uma carrinha preta de nove lugares, vai a cabeça-de-lista, Catarina Martins, e o número dois da lista, José Gusmão, que tem estado em permanência na caravana (com o Bloco a lutar pela manutenção de dois eurodeputados), acompanhados pelos assessores de imprensa do partido, João Curvêlo e Catarina Oliveira. As viagens são aproveitadas por Catarina Martins não só para descansar, mas também para tomar notas no caderno que leva para o púlpito com os tópicos para os discursos e para estudar os assuntos que dizem respeito aos locais que tem visitado. A coordenadora do partido, Mariana Mortágua, também tem viajado em permanência com a caravana, embora não vá a todas as ações de campanha: a líder tem gerido as suas aparições, surgindo pelo menos uma vez por dia, por vezes discursando após Catarina Martins nos comícios. As duas procuram dividir os temas das intervenções: Catarina Martins mantém o foco na agenda das eleições europeias, deixando para Mariana Mortágua a função de comentar as questões nacionais.

Além destes dois carros, a caravana é apoiada por uma equipa técnica que viaja por todo o país para preparar os locais dos comícios. Em duas carrinhas comerciais, a pequena equipa transporta tudo o que é preciso para montar um comício em poucas horas: púlpitos, estrados, painéis de lona para os cenários, um sistema de som, holofotes, cadeiras de plástico para a plateia e muitas bandeiras. Tudo é montado e desmontado em tempo recorde — por vezes já está tudo novamente dentro da carrinha quando os jornalistas ainda estão a terminar os textos sobre o que foi dito no comício.

Se, na primeira semana, o partido favoreceu os jantares-comício, com os discursos a acontecerem por volta da hora de jantar com um grande número de militantes na sala, a segunda semana foi mais forte em comícios propriamente ditos, com a cabeça-de-lista a discursar mais tarde, perto das 23h. Estes comícios foram também o palco para o aparecimento de vários pesos pesados do partido, incluindo a ex-eurodeputada Marisa Matias ou os fundadores Luís Fazenda e Francisco Louçã.

Nas ações de campanha, Catarina Martins tem preferido evitar o bate-boca com outros candidatos — apesar da tensão permanente com a campanha da IL, que começou com acusações de Catarina a Cotrim por ter vendido vistos gold à oligarquia russa quando liderava o Turismo de Portugal e terminou com Francisco Louçã a chamar-lhe “trauliteiro”. A cabeça-de-lista sabe que as campanhas eleitorais são montadas para os media e, em especial, para as televisões. Por isso, é ela própria quem dá o mote, durante as ações de campanha. Por vezes, pede desculpa aos responsáveis dos locais que visita pela confusão de jornalistas que a acompanha. “Agora, tenho de ir falar com estes senhores”, diz, referindo-se aos jornalistas. Dá declarações aos jornalistas em todas as ações em que participa, mas hesita quase sempre em alongar-se sobre outros temas que não aquele que a levou a cada local, especialmente quando visita associações e projetos para chamar a atenção para temas que quer colocar na agenda. No fim, repete sempre uma mensagem de apelo ao voto, lembrando que nas europeias não se desperdiça qualquer voto.

Ao longo da campanha, quatro linhas temáticas têm atravessado todas as intervenções da candidata bloquista. Além das duras críticas que tem lançado à aproximação entre direita tradicional e extrema-direita e dos ataques às novas regras de governação económica da UE, que dão demasiado poder a Bruxelas sobre as contas de cada país, Catarina Martins tem dado um especial destaque às questões da paz, com um grande foco na causa palestiniana. A candidata tem pedido sanções a Israel e entre os apoiantes do Bloco que participam nos comícios é frequente encontrar vários usando o keffiyeh, lenço tradicional da Palestina que se tornou um símbolo da resistência. Os direitos das mulheres, por outro lado, têm sido tema constante na campanha de Catarina Martins, devido ao regresso em força do tema do aborto. A presença do tema traduz-se numa grande quantidade de mulheres e jovens que abordam Catarina Martins e Mariana Mortágua nas ruas. Resta saber qual a real expressão eleitoral dessa popularidade.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

CDU: Uma agenda de ferro e as lições aprendidas com Jerónimo e com a pandemia nas refeições

A campanha da CDU é organizada a regra a esquadro, e tudo foi preparado para evitar improvisos e garantir que (praticamente) tudo corre como previsto. A organização foi feita com antecedência por um conjunto de quadros do PCP e do PEV, logo a seguir às eleições legislativas, em março. Um dos exemplos disso mesmo foi a maior ação de campanha até agora: o desfile e comício em Lisboa, no Parque das Nações. Ao contrário de outras iniciativas menos concorridas, várias centenas de pessoas estiveram presentes e, estando situado a meio de uma tarde de muito calor, era preciso encontrar uma solução para acomodar tanta gente sem as expôr em demasia ao sol. “Dá-lhe 10 minutos e todas as cadeiras vão estar à sombra”, avisou um dos membros da organização, enquanto a multidão ia chegando ao destino final. 10 minutos passaram, e a previsão concretizou-se.

Ao longo das duas semanas, os horários são rigorosos, havendo espaço a pequeno ajustes (de 15 minutos, por exemplo) para garantir que os jornalistas conseguem trabalhar nos intervalos apertados das várias iniciativas que vão sendo realizadas — entre 3 e 4 por dia. No geral, não se registam grandes atrasos e, por isso, a maioria dos dias termina a horas “razoáveis”, dentro dos possíveis, e nada chega à meia-noite. Na agenda completa, fechada ainda antes da campanha, apenas houve lugar a três alterações. Primeiro, foi adicionado um encontro entre João Oliveira e Carvalho da Silva, na Casa do Alentejo. No dia seguinte, o candidato foi convidado para ir ao programa de Cristina Ferreira na TVI, pelo que Paulo Raimundo acabou por lhe fazer as dobras numa pequena arruada em Loures. Por fim, no último dia de campanha, arranjou-se espaço para uma visita à sede dos Artistas Unidos, em Lisboa. E mesmo esta alteração tinha sido pensada de antemão: foi deixado um “buraco” no horário para garantir que era preciso adicionar mais alguma iniciativa, se assim se justificasse.

LUSA

Paulo Raimundo é presença constante na campanha, situação motivada pela paragem dos trabalhos na Assembleia da República. Na primeira semana, a ideia foi aproveitar as figuras do candidato e do secretário-geral de maneira separada, com agendas próprias, de modo a que fossem cobrindo terreno individualmente, tendo apenas estado juntos em três momentos. Com o aproximar do final da campanha, a estratégia passou pela convergência das agendas, e desde segunda-feira, Paulo Raimundo esteve praticamente sempre ao lado de João Oliveira nas iniciativas. Os dois seguem em carros separados (dois Toyota Averis cinzento-escuro), optam por seguir no lugar de trás, e a companhia na viagem vai variando de dia para dia.

Quem também raramente largou o cabeça-de-lista foi Mariana Silva, nº 4 nas listas da CDU mas primeira representante do Partido Ecologista Os Verdes. A coligação é para levar a sério e por isso houve sempre espaço para as intervenções da candidata. Em algumas iniciativas, como aquela que se realizou na Serra da Arrábida, para mostrar os estragos causados pela pedreira na região, Mariana Silva chegou até a tomar a palavra nas declarações aos jornalistas, algo que nas restantes ocasiões foi sempre responsabilidade de João Oliveira e Paulo Raimundo. Já Sandra Pereira e João Pimenta Lopes, eurodeputados da CDU na legislatura que agora chega ao fim, e nº 2 e 3 nas listas, respetivamente, raramente foram avistados. E se a primeira até apareceu em algumas (poucas) iniciativas, chegando a discursar num almoço com as mulheres, em Lisboa, o segundo esteve praticamente desaparecido da campanha do cabeça-de-lista.

LUSA

Não há propriamente reuniões para ajustar detalhes ou fazer uma avaliação das diversas ações de campanha, mas a equipa que segue João Oliveira vai aproveitando momentos mortos, ou almoços em que a comunicação social não está presente, para acertar alguns aspetos que podem ser melhorados. A acompanhar o candidato, estão sempre presentes dois assessores de imprensa, uma pessoa responsável por fazer vídeos para as redes sociais e páginas da CDU, e uma fotógrafa.

Há vários anos, e face à repetição da mesma ementa numa campanha em específico, Jerónimo de Sousa “aboliu” o lombo de porco da ementa, dando espaço a pratos mais característicos de cada região por onde a caravana comunista passava, como feijoadas, cozidos ou caldeiradas. Nestas europeias, e em contraste com o passado, as refeições raramente são preparadas pela equipa (apenas aconteceu num almoço, em que se comeu massada de peixe). A organização aproveitou as experiências das campanhas realizadas durante a pandemia para adaptar a agenda, também neste ponto.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

No final de cada comício, há dois rituais obrigatórios e um outro que se foi criando. No final das intervenções (se estiver presente, Paulo Raimundo é sempre o último a falar), é sempre cantado o “Grândola Vila Morena”, de Zeca Afonso, e o hino nacional. Ao longo da campanha, face à insistência dos discursos no tema da guerra na Ucrânia, os militantes e simpatizantes foram forçando um outro cântico (“Paz sim, Guerra não”) obrigando até quem está a falar a parar para acompanhar a plateia.

Na rua, João Oliveira tem uma presença tímida, mas proativa. É sempre ele a liderar as arruadas ou desfiles, indo ter com a população para meter conversa ou distribuir panfletos, mas tem mais dificuldade em sair do guião pensado, recorrendo várias vezes às mesmas frases para abordar as pessoas na rua. Termina sempre com a mesma expressão para se despedir: “Felicidades!” Já Paulo Raimundo funciona ao contrário: vai seguindo João Oliveira mas é mais natural no trato, mais flexível na conversa e mais eficaz a arrancar reações das pessoas com quem fala.

 
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