Os últimos dias têm sido de uma enorme violência entre Israel e Palestina, com o Exército israelita a bombardear incessantemente a Faixa de Gaza, matando militantes do Hamas e civis. Do outro lado, o grupo islamista vai atirando rockets para território israelita, também com vítimas civis.
Na madrugada de sexta-feira chegou mesmo a ser anunciada uma invasão terrestre da Faixa de Gaza, mas as Forças de Israel viriam a clarificar que se tratou de uma série de ataques de artilharia a partir do lado da fronteira controlada por Israel. Há, no entanto, milhares de tropas israelitas e tanques na fronteira entre o enclave e Estado hebraico.
A tensão que se vive por estes dias faz temer uma guerra de larga escala entre Israel e o Hamas. Mas não só. A violência tem vindo a aumentar dentro das cidades israelitas, com confrontos e linchamentos entre judeus e árabes, numa espiral de violência que se agrava de dia para dia. A situação que se vive em Jerusalém, na Faixa de Gaza e em todos os outros pontos do conflito israelo-palestiniano, contudo, não é de agora. Aquilo a que hoje assistimos é um ponto de ebulição de um problema que leva décadas sem resolução.
Novos bombardeamentos das forças israelitas na Faixa de Gaza
1 O que está a acontecer agora em Israel e na Palestina?
Israel e o Hamas, o movimento islamista que governa a Faixa de Gaza desde 2006, estão envolvidos naquele que já é apontado como o mais grave conflito entre ambos desde a guerra de 2014. Os bombardeamentos contra Gaza levados a cabo pelas autoridades israelitas já causaram a morte de pelo menos 119 pessoas, entre elas 31 crianças e alguns comandantes do grupo islamista, além de centenas de feridos. Já os rockets lançados por militantes palestinianos causaram a morte de pelo menos oito israelitas, incluindo duas crianças. Quinta-feira e esta sexta-feira de madrugada foram os momentos de maior violência, com bombardeamentos incessantes por parte de Israel.
Gaza today#Gaza_under_attack pic.twitter.com/eHm4abAjbK
— Aya Isleem ???????? #Gaza (@AyaIsleemEn) May 14, 2021
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, prometeu não ceder e disse que a operação contra o Hamas ainda vai demorar algum tempo, enquanto o grupo islamista, chefiado por Ismail Haniyeh, garante que está disposto a levar o confronto até às últimas consequências, apesar de admitir um cessar-fogo. Ambos os lados dizem ainda que estão a agir para defender as suas populações.
2 O que levou à violência em Jerusalém e na Faixa de Gaza?
O aumento da violência deveu-se a vários fatores que, em conjunto, levaram a que a situação se agravasse drasticamente. Na sexta-feira da semana passada, milhares de palestinianos juntaram-se para rezar na mesquita de Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado do Islão (a seguir a Meca e Medina), assinalando a última sexta-feira do Ramadão (que termina esta quinta-feira). A estas orações juntaram-se protestos contra a expulsão de famílias palestinianos do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental. E, além disso, estes dois acontecimentos coincidiram com a celebração, na passada segunda-feira, do Dia de Jerusalém, feriado judaico em que é assinalada a ocupação do Leste de Jerusalém em 1967.
Jerusalém. Forças israelitas anunciam novo ataque contra Gaza
Para conter os protestos, a polícia israelita impediu muitos palestinianos de rezarem na mesquita de Al-Aqsa e usou mesmo gás lacrimogéneo, balas de borracha e granadas de atordoamento para dispersar os manifestantes, que responderam com o arremesso de pedras. Como consequência, centenas de palestinianos ficaram feridos, aumentando a tensão entre o governo israelita e o Hamas, com o grupo islamista a enviar centenas de rockets contra Israel, enquanto as Forças de Defesa Israelita foram intensificando os bombardeamentos contra a Faixa de Gaza.
3 Qual a importância de Sheikh Jarrah?
No bairro de Sheikh Jarrah vivem muitas famílias palestinianas que encontraram refúgio naquele local após a ocupação israelita da parte Leste da cidade santa em 1967. Organizações israelitas alegam que aquelas famílias vivem ilegalmente no local e reivindicam nos tribunais o direito que têm quanto à propriedade daquelas terras, algo que é rejeitado pelos palestinianos, que consideram que o que está em causa é uma tentativa de os afastar de Jerusalém e entregar os terrenos a colonos judaicos. Ao longo dos anos, de resto, muitas famílias têm sido expulsas daquele local, o que tem aumentado o sentimento de revolta dos palestinianos.
Enquanto os palestinianos protestavam contra a expulsão das famílias de Sheikh Jarrah, grupos nacionalistas israelitas desfilaram com bandeiras de Israel na zona árabe de Jerusalém, uma provocação que aumentou a tensão e fez disparar a violência.
4 O problema em Jerusalém e na Faixa de Gaza é de agora?
Conforme escreveu o The Guardian em editorial na terça-feira, “velhas lutas trazem nova violência”. O conflito Israel/Palestina está há décadas sem resolução à vista, e os vários acontecimentos da última semana trouxeram ao de cima o acumular da frustração com a incapacidade de uma solução de paz.
Jerusalém, cidade santa para as três religiões monoteístas (Judaísmo, Cristinianismo e Islão), tem sido o ponto central do conflito entre israelitas e palestinianos. Durante cerca de 20 anos após a fundação do Estado de Israel, Jerusalém esteve dividida, com o lado Leste controlado pela Jordânia, enquanto o lado Ocidental estava sob domínio israelita. Em 1967, Israel ocupou Jerusalém Oriental, o que é considerado ilegal pelas Nações Unidas (à semelhança do que acontece com o resto da Cisjordânia ocupada) sendo que os palestinianos esperam fazer de Jerusalém Oriental a capital do seu Estado.
Já a Faixa de Gaza, uma área densamente povoada onde vivem dois milhões de pessoas, está sob um duro bloqueio por água, terra e ar, com a eletricidade a existir apenas durante algumas horas do dia, com um elevado desemprego entre os jovens, ambiente propício à radicalização.
5 É previsível que a violência chegue ao fim em breve?
Desde o aumento da violência, Israel já lançou centenas de bombardeamentos, enquanto o Hamas tem continuado a lançar centenas de rockets, uma escalada de tensão que faz temer o pior. Em declarações ao Observador, Michael Milshtein, analista do Moshe Dayan Center especializado em questões palestinianas, acredita que “ambos os lados querem pôr um fim à crise” e acrescenta que “o Hamas foi surpreendido pela resposta de Israel”, considerando que o movimento islamista não queria que o conflito se prolongasse mais do que alguns dias.
The target: The Hamas ‘Metro’ tunnel system in Gaza.
The operation: 160 aircraft, tanks, artillery and infantry units along the border.
We struck 150 targets and damaged many kilometers of the Hamas ‘Metro’ network. pic.twitter.com/otn7JKxB9c
— Israel Defense Forces (@IDF) May 14, 2021
No entanto, conforme nota o analista, a situação é muito sensível e qualquer acontecimento pode aumentar ainda mais a tensão, o que pode ter consequências imprevisíveis, numa altura em que se intensificam também os protestos dos palestinianos na Cisjordânia ocupada e se multiplicam os ataques entre judeus e árabes em cidades israelitas. Prever o fim do conflito no curto prazo é, por isso, uma previsão arriscada.
6 Existe a possibilidade de uma guerra de grande escala entre o Hamas e o Israel?
Tendo em conta a retórica utilizada tanto por Israel como pelo Hamas, todas as opções parecem estar em cima da mesa. Prova disso é que quinta-feira Israel mobilizou tropas e tanques para a fronteira com a Faixa de Gaza, além de ter chamado mais de sete mil soldados na reserva. Na madrugada de sexta-feira chegou mesmo a ser avançado que estaria em curso uma incursão terrestre no enclave, mas as Forças de Defesa de Israel viriam a clarificar que se tratava de ataques de artilharia do lado da fronteira israelita, tendo-se verificado rondas de intensos bombardeamentos.
Tor Wennesland, enviado especial das Nações Unidas para o Médio Oriente, já tinha alertado para o risco de uma “guerra de larga escala”, um cenário que pareceu iminente nas últimas horas, num momento de grande tensão.
Nesse sentido, os acontecimentos dos próximos dias podem ser decisivos para termos uma noção da próxima etapa do conflito. Alguns analistas têm notado que, com o fim do Ramadão, é expectável que a tensão diminua, sendo que o Hamas também não deseja uma guerra aberta com Israel, que teria consequências gravíssimas para os palestinianos da Faixa de Gaza. Quanto a Israel, também não terá muito interesse numa ofensiva de larga escala, não só porque tal aumentaria o risco de vítimas entre os seus militares, como poderia aumentar ainda mais a tensão nas cidades israelitas, onde se multiplicam os ataques entre judeus e árabes israelitas.
Primeiro-ministro israelita garante que Israel usará “força crescente” contra Hamas
No próximo fim de semana há duas datas importantes. No sábado, os palestinianos assinalam a Nakba (palavra árabe para catástrofe), referente ao dia 15 de maio de 1948, quando aconteceu o êxodo forçado de milhões de palestinianos após a criação do Estado de Israel. No dia seguinte, os judeus assinalam o Shavout (pentecostes), um feriado nacional em Israel.
7 Qual a reação da comunidade internacional?
De grande preocupação. Organizações de defesa dos direitos humanos e líderes políticos um pouco por todo o mundo têm condenado a violência e pedido uma solução pacífica para acabar o conflito. Entre as vozes com mais peso que se fizeram ouvir, destaque para o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e para o Presidente russo, Vladimir Putin, que estiveram reunidos esta quinta-feira e, no final da reunião, pediram o fim da violência.
Erdogan exorta mundo islâmico a proteger Jerusalém de ataques de Israel
Também os Estados Unidos, um dos principais aliados de Israel, já se pronunciaram. O Presidente norte-americano, Joe Biden, falou ao telefone com Benjamin Netanyahu, referindo que Israel “tem o direito de se defender”, mas apelando a que situação se resolva “o mais rapidamente possível”. O secretário de Estado, Antony Blinken, anunciou que um enviado especial norte-americano vai encontrar-se com líderes israelitas e palestinianos para tentar encontrar uma solução.
As esperanças para que Israel e Hamas cheguem a um cessar-fogo estão, contudo, no Egito, que historicamente tem desempenhado um papel importante na intermediação dos conflitos entre israelitas e palestinianos. Nesse sentido, de acordo com a France 24, uma comitiva egípcia esteve em Gaza a falar com o Hamas e depois seguiu para Tel Aviv para falar com as autoridades israelitas.
No domingo, o Conselho de Segurança das Nações Unidas vai reunir-se de emergência para discutir o conflito israelo-palestiniano.
8 Qual a relação do que está a acontecer com a situação política em Israel e na Palestina?
Apesar de a violência ter um contexto histórico e resultar de uma série de acontecimentos, tanto Israel como Palestina vivem momentos de impasse e de frustração em termos da sua política interna. Nos últimos dois anos, os israelitas foram chamados às urnas quatro vezes, e o impasse político continua, uma vez o Likud, partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, não conseguiu uma maioria e falhou na formação de um novo governo. A tarefa cabe agora ao segundo partido mais votado, o Yesh Atid, de Yair Lapid, que para ser bem sucedido precisava de fazer um difícil acordo com partidos árabes e partidos de extrema-direita. Tendo em conta a situação em Gaza e em Israel, Naftali Bennett, líder do Yamnina, de extrema-direita, já descartou um acordo com Lapid e com o partido árabe Ra’am, de Mansour Abbas, e admite voltar a conversar com Netanyahu.
Sucesso na vacinação não chegou para coroar Netanyahu. Impasse político pode continuar em Israel
À medida que o tempo avança, torna-se mais difícil para Lapid formar um governo, o que pode levar os israelitas para uma quinta eleição nos próximos meses. Enquanto isso, Netanyahu, que está a ser julgado por corrupção, mantém-se no poder e o conflito com o Hamas acaba por desviar um pouco as atenções da política interna. O analista Jonathan Rynholds admite mesmo que possa ser formado um governo de unidade nacional, chefiado por Netanyahu No entanto, devido à instabilidade política, sublinha que o primeiro-ministro israelita terá dificuldade em controlar o desfecho do que acontece em Gaza.
“Netanyahu não é o único decisor, ele tem de atuar em coordenação com o ministro da Defesa, Benny Gantz [um dos seus principais adversários políticos]. Por isso, não está numa posição de decidir unilateralmente sobre o conflito, de forma a que tal funcione em seu benefício”, diz ao Observador o professor de Ciência Política da Universidade Bar-Ilan, em Tel Aviv.
Eleições palestinianas realizam-se se Israel permitir votar em Jerusalém, diz Abbas
Quanto à Palestina, deveria ter neste mês de maio as suas primeiras eleições legislativas em 15 anos. Contudo, o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, adiou-as, alegando que Israel não garantia a participação eleitoral aos palestinianos a viverem em territórios ocupados. A frustração aumentou entre os palestinianos, e enfureceu particularmente o Hamas, o que também pode ser uma das explicações para o aumento da intensidade dos ataques com rockets perpetrados pelo movimento islamista.
“O Hamas quer ter ganhos políticos na sequência de a Autoridade Palestiniana ter cancelado as eleições, em que o Hamas deveria ter bons resultados”, sublinha Jonathan Rynholds.
9 O que está a acontecer nas cidades israelitas entre árabes e judeus?
Entretanto, a violência que começou em Jerusalém e se estendeu à Faixa de Gaza tem-se vindo a espalhar por várias cidades israelitas, sobretudo as que têm uma minoria árabe significativa (com cerca de um quinto da população), com ataques violentos por parte de grupos da extrema-direita israelita e também ataques de multidões árabes contra judeus.
ONU “profundamente preocupada” com aumento da violência em Israel
Na imprensa internacional, sucedem-se os relatos de linchamentos, motins, incêndios e esfaqueamentos. A televisão israelita, por exemplo, transmitiu em direto um ataque em Tel Aviv, em que grupos de jovens judeus, simpatizantes de grupos de extrema-direita, saíram à rua vestidos de preto e entoaram “morte aos árabes”, acabando por espancar um condutor árabe depois de o arrastarem do carro em que seguia.
Outros ataques semelhantes contra árabes foram registados em várias cidades, como Haifa, Lod, Ramle ou Jaffa. Há ainda relatos de sinagogas, carros e lojas judaicas incendiadas por árabes, numa espiral de violência que tem vindo a aumentar nos últimos dias. A imprensa israelita fala também em ataques contra jornalistas e contra elementos das forças de segurança.
Na sequência dos confrontos entre árabes e judeus, há mais de 100 detidos. Benjamin Netanyahu já anunciou um reforço do contingente policial e abriu a porta a detenções administrativas e ao uso de canhões de água, caso seja necessário.
10 Existe um risco de “guerra civil”?
A expressão tem sido utilizada por vários líderes israelitas, entre eles o Presidente, Reuven Rivlin, que disse que “precisamos de resolver os nossos problemas sem causar uma guerra civil, o que pode ser um perigo para nossa existência”.
Benjamin Netanyahu, que esta quinta-feira esteve na cidade de Lod, uma das mais afetadas pelo confrontos entre árabes e judeus, prometeu mão de ferro para acabar com a violência, e disse que “nada justifica o linchamento de judeus por árabes, nem o linchamento de árabes por judeus”.
Televisão transmite ao vivo multidão a atacar árabe, polícia chega 15 minutos depois
Os palestinianos, por seu turno, têm alertado que a escalada de violência é também resultado do acumular de décadas de desigualdade e de discriminação dos árabes em Israel, porque, apesar de terem a nacionalidade israelita, o seu estatuto é diferente e os bairros onde vivem tendem a ter piores infraestruturas.
O primeiro-ministro israelita disse ainda que os confrontos entre judeus e árabes constituem maior risco para Israel do que Gaza. Um novo problema para Netanyahu, de difícil resolução, uma vez que a onda de violência entre israelitas pode continuar a aumentar, com consequências imprevisíveis.
“A atmosfera entre árabes e judeus é muito pesada. Mesmo que termine o conflito em Gaza, a tensão em Israel não vai diminuir”, alerta o analista Michael Milshtein.