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A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, fala aos jornalistas após a reunião do Conselho de Ministros sobre o Plano de emergência e transformação na saúde, realizada na Residência Oficial, em São Bento, Lisboa, 29 de maio de 2024. FILIPE AMORIM/LUSAfilipe a
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FILIPE AMORIM/LUSA

FILIPE AMORIM/LUSA

O que muda nos centros de saúde, nas urgências, na resposta às grávidas e nas cirurgias? Todas as medidas do Plano de Emergência

Governo vai encaminhar doentes não urgentes para fora dos hospitais. Os utentes sem médico de família atribuído vão ter resposta no setor privado e social. Grávidas vão ter linha telefónica dedicada.

Maior acesso a médicos de família, menor congestionamento das urgências hospitalares, maior capacidade de resposta na Obstetrícia, recuperação das listas de espera de cirurgias e consultas e fortalecimento da resposta em saúde mental. É nestas cinco áreas de atuação, as mais prioritárias, que se foca o Plano de Emergência e Transformação na Saúde, apresentado esta quarta-feira pelo governo.

Sem pretender “vender a ilusão” de que as dificuldades na área da saúde se vão resolver rapidamente, Luís Montenegro sublinhou a intenção de utilizar toda a capacidade disponível — não só do SNS, mas também dos setores privados e social — para aumentar a resposta à população. “Não temos nenhuma pretensão de vender a ilusão que amanhã, nas próximas semanas, nos próximos meses, todos os problemas, que são muitos, profundos e estruturais no SNS, vão ser resolvidos”, disse o primeiro-ministro.

Por isso, o plano, preparado por um grupo de 13 peritos, prevê a implementação de medidas com três níveis de prioridade: as urgentes (que se espera que venham a gerar resultados no espaço de três meses), as prioritárias (com resultados esperados até final do ano) e as estruturais (num prazo de dois anos).

O Governo dividiu o plano de emergência a aplicar no SNS em cinco eixos centrais: Resposta a tempo e horas, focado na redução das listas de espera, com destaque para a área da Oncologia; Bebés e mães em segurança, com medidas dirigidas à Obstetrícia; Cuidados urgentes e emergentes, com medidas para descongestionar as urgências; Saúde próxima e familiar, destinado a aumentar o acesso aos centros de saúde e Saúde mental, com medidas de reforço da resposta.

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Apesar de ter sublinhado que o SNS é a “base do programa”, Luís Montenegro explicou que o governo vai reforçar a cooperação com os setores privado e social, “em regime de complementaridade”.

Cirurgias e consultas de especialidade

Hospital de Famalicão sem urgência de cirurgia geral entre sábado e quarta-feira

EPA

O governo quer regularizar o acesso às cirurgias e consultas de especialidades hospitalares, ou seja, garantir que os cuidados de saúde são prestados no tempo clinicamente recomendado. “Queremos menos tempo de espera para consultas e cirurgias”, realçou o primeiro-ministro.

[Já saiu o terceiro episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio e aqui o segundo episódio.]

O Plano de Emergência e Transformação na Saúde prevê a recuperação das listas de espera na área da Oncologia, com um programa específico, designado OncoStop2024. Segundo a ministra da Saúde, este programa já se encontra em vigor há três semanas. A meio de maio ficou a saber-se que o governo tinha criado um regime excecional de incentivos para recuperar as listas de doentes oncológicos a aguardar cirurgia, fora dos tempos recomendados e que implica um pagamento adicional de 90% à equipa de profissionais envolvidos nas cirurgias.

Outra medida a implementar de imediato é a mudança no formato dos chamados vale-cirurgia. Os atuais vales, enviadas por carta aos utentes que não foram ou não irão ser operados dentro dos Tempos máximos de resposta garantidos (TMRG), vão passar a ser “vouchers telefónicos”, nas palavras de Ana Paula Martins. Na prática, os doentes à espera de cirurgia (e com o prazo máximo de resposta do SNS a esgotar-se) vão ser contactados pela linha SNS24 para que saibam quais os hospitais do SNS, do setor privado ou do setor social onde poderão ser operados.

“É desumano.” Cirurgias de Obesidade, Otorrino e Ortopedia não cumprem tempos de espera (que atingem os dois anos)

A ministra não detalhou as razões da alteração da metodologia utilizada para contactar os utentes. Neste momento, os vales-cirurgia são poucos utilizados: cerca de 80% não são usados pelos utentes do SNS, devido à distância entre o hospital de origem e o hospital proposto para a cirurgia ou devido à preferência pelo acompanhamento feito pela equipa médica do seu hospital.

A médio prazo, ou seja até final do ano, o Plano de Emergência prevê a extinção do atual programa de recuperação de listas de espera para cirurgias, designado SIGIC, e a substituição pelo Sistema Nacional de Acesso a Consulta e Cirurgia — o que pode indiciar que o governo se prepara para atribuir incentivos também na área das consultas, para recuperar os atrasos que, em alguns casos, superam em muito o tempo recomendado para uma consulta de prioridade normal (seis meses).

Aliás, uma das medidas consideradas prioritárias é o reforço do acesso à consulta de especialidade, embora Ana Paula Martins não tenha detalhado em que se consiste a medida. No Programa eleitoral, a AD tinha previsto a criação do ‘voucher consulta de especialidade’, seguindo o exemplo das cirurgias, em que é atribuído um vale quando o doente não é submetido a uma cirurgia em tempo adequado.

A maioria das especialidades não cumpre tempo máximo de espera para consultas. Oftalmologia, Reumatologia e Alergologia são as piores

Neste momento, segundo dados apresentados pelo governo, estão à espera de cirurgia no SNS cerca de 266 mil pessoas, sendo que, destas, cerca de 74 mil (28%) já viram ultrapassado o tempo máximo de resposta previsto. Quanto às consultas, mais de metade dos 891 mil doentes que aguardam no SNS já viu ultrapassado o tempo de resposta clínica.

Partos e encaminhamento de grávidas

O parto é um processo altamente complicado que envolve sinais bioquímicos e fisiológicos coordenados

LUSA

Na área da Obstetrícia, o foco é o encaminhamento seguro das grávidas. “Queremos dar tranquilidade às mães e bebés em particular. Queremos acabar com o drama de não saberem a que unidade de saúde se devem dirigir. Isso gera um sentimento de insegurança”, sublinhou o primeiro-ministro, em tom de crítica à falta de previsibilidade na resposta hospitalar nesta área.

Assim, o governo vai criar a linha SNS Grávida, incluída na linha Saúde24, e que estará disponível para, após uma triagem, encaminhar as grávidas para a maternidade ou bloco de partos disponível e mais próxima da residência. “É importante para que as pessoas não se sintam perdidas”, sublinhou Ana Paula Martins.

Outra medida, dirigida aos profissionais de saúde que trabalham nesta área, é a atribuição de incentivos financeiros para aumentar a realização de partos. O montante ainda não está definido, e será estabelecido através de uma portaria. Segundo a CNN, em causa está um incentivo de 750 euros por cada parto feito acima da média de partos dos últimos três anos. Caberá depois à administração de cada Unidade Local de Saúde decidir como distribuir o incentivo pelos vários profissionais de saúde envolvidos.

Grávida perdeu gémeas no Amadora Sintra. Casos de falhas de assistência em Obstetrícia sucedem-se

Nesta área, está previsto um reforço das convenções com os setores privado e social. Recorde-se que, neste momento, há apenas três convenções em vigor, com hospitais da região de Lisboa, para a realização de partos em situações de lotação da capacidade de resposta do SNS.

Depois, há quatro medidas consideradas prioritárias (embora não urgentes): a criação de um regime de Atendimento Referenciado de Ginecologia de Urgência; a atualização dos rácios de pessoal e da composição das equipas nos locais de parto; a revisão da tabela de preços convencionados para Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica — incluisvamente ecografias pré-natais, cuja remuneração liquída para os médicos é atualmente baixa; e a generalização do Atendimento Pediátrico Referenciado.

Urgências para doentes urgentes

Serviço de urgências do hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, 18 de maio de 2022. NUNO VEIGA/LUSA

NUNO VEIGA/LUSA

Na área da urgência, o Plano de Emergência contempla medidas destinadas a reforçar o papel dos serviços de  urgência “enquanto local para a observação e estabilização das situações clínicas realmente urgentes e emergentes”. Os doentes não urgentes que recorram às urgências hospitalares vão ser atendidos num espaço diferente, os chamados Centros de Atendimento Clínico, que o documento especifica serem “entidades públicas, sociais e privadas que possam disponibilizar logísticas adequadas para o atendimento de situações agudas de menor complexidade clínica e urgência”.

“Em Lisboa, por exemplo, já estão a ser realizados esforços para se encontrar um conjunto de alternativas com capacidade de atendimento de aproximadamente 1.000 doentes por dia com situações agudas de menor complexidade clínica (implicando entre 24 e 36 gabinetes de observação) até ao final de 2024”, lê-se no documento, citado pela Lusa.

“Temos dois milhões de episódios de urgência por ano que não deviam estar nas urgências”

Outra medida para descongestionar os serviços de urgência é o encaminhamento dos doentes não urgentes (triados com pulseira azul ou verde no hospital ou considerados não urgentes pelo CODU ou pela linha Saúde24) para uma consulta, marcada para o dia seguinte, nos centros de saúde. O encaminhamento é opcional. Esta medida não é, no entanto, inédita no SNS. Desde 2022 que alguns hospitais da zona norte disponibilizam essa opção aos utentes não urgentes — este ano, o encaminhamento passou a ser obrigatório nas unidades hospitalares da Póvoa do Varzim, Vila do Conde e Santa Maria da Feira.

Urgente para o governo é também a requalificação dos serviços de urgência, em particular dos serviços de urgência de Psiquiatria.

O Plano de Emergência prevê também a libertação de camas indevidamente ocupadas nos internamentos hospitalares; a criação da especialidade médica de Medicina de Urgência (medida que já tem o aval da Ordem dos Médicos, como o Observador avançou na terça-feira); o desenvolvimento de programas de vacinação contra a Gripe e Vírus Sincicial Respiratório; a realização de teleconsultas médicas em situações agudas de menor complexidade e urgência clínica; o desenvolvimento do algoritmo do SNS24 para pré-triagem, encaminhamento, referenciação e agendamento de consultas do dia seguinte; a realização de campanhas de informação utilizando a rede de farmácias comunitárias.

Dar resposta a doentes sem médico de família

Reportagem no Centro de Saúde de São João da Madeira, um dos únicos centros de saúde em todo o país onde todos os utentes têm médico de família. 24 de Maio de 2023 São João da Madeira, Aveiro TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Na área dos cuidados de saúde primários, e numa altura em que cerca de 1,6 milhões de utentes não têm médico de família atribuído, o governo compromete-se a solucionar os problemas de acesso, “com foco nas populações sem médicos ou enfermeiros de família”. A prioridade é atribuir médico de família recorrendo à capacidade do SNS — para isso, o governo vai abrir um novo concurso para captar especialistas com 900 vagas. No entanto, é a própria ministra da Saúde Ana Paula Martins a admitir que dificilmente as vagas vão ser preenchidas na totalidade (no último concurso do género, aberto ainda pelo anterior governo, só concorreram cerca de 140 médicos para um total de 900 vagas a concurso), uma vez que este número é 40% superior ao número de médicos formados por ano (cerca de 500).

“Queremos dar médico de família a todos os portugueses e pessoas que residem em Portugal. Esta é uma medida para toda a legislatura e a mais difícil de todas“, avisou Ana Paula Martins, destacando a dificuldade em atrair médicos, sobretudo em regiões como Lisboa e Vale do Tejo. Ainda assim, a titular da pasta da Saúde espera atrair especialistas para os centros de saúde com os incentivos associados às Unidades Locais de Saúde modelo B, que garantem — mediante o cumprimento de objetivos assistenciais — um vencimento mais elevado aos profissionais.

Misericórdias poderiam garantir cinco vezes mais consultas fora do SNS. Governo tem resistido a reforçar cooperação

Enquanto o objetivo não é atingido, o governo vai recorrer aos médicos dos setores privado e social para dar resposta aos utentes a descoberto, com prioridade para quatro grupos da população: crianças, grávidas, maiores de 65 anos e pessoas com múltiplas doenças. Vai existir uma “bolsa” de médicos disponíveis para avaliar os utentes sem médico. A marcação dessas consultas, nas misericórdias, será feita a partir do centro de saúde ou USF da área de residência dos utentes.

Está prevista ainda, a curto prazo, a criação de uma linha de atendimento para utentes que necessitem de acesso a médico no dia.

Outra novidade é a implementação das USF modelo C (centros de saúde com gestão privada, uma espécie de Parceria Público Privada na área dos cuidados de saúde primários e que têm total autonomia na contratação de recursos humanos). Serão criados quatro agrupamentos com cinco Unidades de Saúde Familiar modelo C cada, dois dos quais em Lisboa, um em Leiria e outro no Algarve, cobrindo até 180 mil utentes.

A resposta nos centros de saúde será também reforçado com a continuação do regime para médicos aposentados, que poderão acumular a reforma com a totalidade do vencimento (neste momento, os médicos que decidem voltar aos centros de saúde só recebem 75% da remuneração base).

"Queremos dar médico de família a todos os portugueses e pessoas que residem em Portugal. Esta é uma medida para toda a legislatura e a mais difícil de todas"
Ana Paula Martins, ministra da Saúde

Vão ser também revistos os critérios de transição de Unidades de Saúde Familiares-modelo A e Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados para Unidades de Saúde Familiares-modelo B, de modo a facilitar a evolução para estas últimas estruturas, que garantem uma melhor resposta assistencial.

Maior acesso a cuidados de saúde mental

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVA

O Plano de Emergência para a Saúde prevê a contratação de 100 psicólogos para os centros de saúde e um programa de Saúde Mental para as Forças de Segurança, nomeadamente para a PSP e GNR.

A longo prazo, o Ministério da Saúde quer também garantir capacidade de internamento para situações agudas nos Serviços Locais de Saúde Mental, a criação de Equipas Comunitárias de Saúde Mental para adultos, infância e adolescência (uma medida que já se encontra a ser desenvolvida); a disponibilização de programas estruturados de intervenção na ansiedade e na depressão nos Cuidados de Saúde Primários; e a criação de serviços de saúde mental regionais para internamento de doentes de elevada complexidade.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

Uma parceria com:

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