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Olaf Scholz não é conhecido por ser um homem de muitas palavras, ou não tivesse a alcunha “Scholzomat”, uma mistura do seu nome com a palavra “máquina” ou “autómato” — referência à linguagem formal e burocrática com que costuma discutir política. Mas, para o candidato que está em melhor posição para suceder a Angela Merkel, isso não parece ser um problema, como mostrou uma resposta sua quando foi questionado sobre se sentia que lhe faltava emoção para estar na política: “Estou a concorrer a chanceler, não a diretor de circo.”
Esta reação, que revelou algum sentido de humor mas também pragmatismo, foi numa entrevista no talk show alemão Brigitte Live, num ambiente mais descontraído, no final de julho. Por essa altura, as sondagens não eram nada favoráveis ao Partido Social Democrata (SPD, centro-esquerda), uma vez que o partido de Scholz estava em terceiro lugar nas sondagens com cerca de 15% dos votos, dez pontos atrás da União Democrata-Cristã (CDU, centro-direita) e a cinco pontos dos Verdes. Os sociais-democratas continuavam a passar por um marasmo, depois de terem tido o seu pior resultado de sempre em 2017 (20%). Mas Scholz sabia que ainda era cedo para atirar a toalha ao chão.
Na política, os alemães são conhecidos por não serem muito dados à imprevisibilidade e as eleições do próximo dia 26 de setembro, além de marcarem o fim de 16 anos de Angela Merkel no poder, têm outra particularidade: é a primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial que o chanceler incumbente não se recandidata. Demasiadas novidades que, aliadas ao fraco desempenho dos outros dois candidatos a chanceler — Annalena Baerbock (Verdes) e Armin Laschet (CDU) —, levaram parte dos eleitores indecisos a olharem para o vice-chanceler como o rosto da continuidade, catapultando, assim, o SPD para o topo das sondagens, onde continua neste momento, com mais quatro pontos do que os democratas-cristãos.
“As pessoas acham Scholz mais competente. Tem experiência como vice-chanceler e como ministro das Finanças e as pessoas acham que ele tem as competências e qualidades necessárias para um chanceler alemão”, explica ao Observador Uwe Jun, professor de Ciência Política na Universidade de Trier, considerando que o candidato a chanceler do SPD “não tem as qualidades de um líder carismático”, mas sim um estilo “calmo e racional, sem uma abordagem emocional na política”, e que é graças a essas características que está a conseguir atrair antigos eleitores de Merkel.
Original & Fälschung#Merkel #Raute #Scholz pic.twitter.com/7V4aqATIZY
— Anna *Think positiv! (@annaesch1) August 19, 2021
E não é por acaso que tal acontece. O candidato em que parte dos conservadores ponderam votar não tem problemas em ser visto como o homem da continuidade e até está disposto a colar-se definitivamente à imagem de Angela Merkel. Há algumas semanas, por exemplo, apareceu na capa da revista Süddeutsche Zeitung a fazer o ‘símbolo de diamante’ com as mãos, que ao longo dos anos se tornou a imagem de marca da chanceler alemã.
Mas, se por um lado a estratégia de se apresentar como o candidato da continuidade tem resultado, por outro, a ascensão de Olaf Scholz explica-se também em parte devido ao demérito dos outros dois candidatos a chanceler. Armin Laschet, o ministro presidente da Renânia do Norte-Vestefália, o estado mais populoso da Alemanha, que até há pouco tempo era favorito a suceder l, tem vindo a acumular gafes e episódios constrangedores — incluindo o momento em que é apanhado a rir numa visita à localidade de Erftstadt, fortemente afetada pelas cheias —, enquanto Annalenna Baerbock foi acusada de falsificar o currículo e de plágio na sua tese de doutoramento.
“As pessoas têm dúvidas sobre as qualidades de liderança de Armin Laschet e por essa razão alguns eleitores pensam que Scholz poderia ser um chanceler melhor do que Laschet. Essas dúvidas, e o desempenho relativamente bom de Olaf Scholz, levaram o SPD a liderar as sondagens”, sublinha Uwe Jun. “Scholz não é tão popular como Angela Merkel, mas, em comparação com os restantes candidatos, é considerado o melhor aos olhos de muitos eleitores. É um voto no candidato, não propriamente no SPD”, acrescenta.
Da esquerda radical na juventude à moderação e à experiência governativa
Mas, apesar de também beneficiar com os erros dos adversários, para Ursula Münch, professora de Ciência Política da Universidade de Munique e diretora da Academia de Educação Política em Tutzing, o fator decisivo no relativo sucesso de Scholz pode estar no facto de o social-democrata reunir características específicas que agradam aos eleitores alemães, particularmente aos que tendem a votar nos democratas-cristãos: “Uma combinação de experiência governativa, prudência e moderação política”.
Aos 63 anos, Olaf Scholz, casado e sem filhos, atualmente a viver em Potsdam, no estado federado de Brademburgo, já integrou dois governos e a sua carreira política tem sido marcada por um posicionamento ao centro.
Nascido em Osnabrück, na Baixa Saxónia, passou parte da infância, da adolescência e também da vida adulta em Hamburgo, onde estudou Direito e começou a sua atividade política, filiando-se no Jusos, a juventude do SPD. Nessa altura, o seu posicionamento político estava mais próximo da esquerda radical, com posições muito críticas quanto ao capitalismo. Contudo, com o passar dos anos, Scholz moderou as suas posições e ascendeu dentro do partido, tendo sido eleito pela primeira vez deputado em 1998, ao mesmo tempo que dirigia o seu próprio escritório de advocacia em Hamburgo, especializado em direito do trabalho.
Esta experiência foi essencial para Scholz chegar a ministro do Trabalho em 2007, integrando o primeiro executivo de Angela Merkel, que liderou a coligação CDU/SPD. Quatro anos depois, Scholz deixa as funções governativas e assume a liderança da Câmara Municipal de Hamburgo, entre 2011 e 2018, até ser resgatado pela chanceler alemã para integrar um novo executivo entre democratas-cristãos e sociais-democratas. Desta vez, Scholz assume a pasta das Finanças e torna-se vice-chanceler.
Com o impacto da pandemia de Covid-19, as Finanças tornam-se um ministério (ainda) mais importante no executivo de Angela Merkel e Scholz consegue impor uma agenda mais social-democrata ao governo, injetando dinheiro na economia e alargando os programas de apoio social aos alemães mais necessitados. Além disso, Scholz cunhou a expressão “bazuca” para se referir ao Plano de Recuperação e Resiliência e prometeu ajudar os empresários a recuperarem economicamente, o que fez com que a sua popularidade aumentasse, tornando-o no político mais popular do país a seguir à chanceler e ao ministro da Saúde, Jens Spahn.
“Neste momento, Olaf Scholz parece estar a fazer tudo bem: passou a ideia de ser um ouvinte sensato, com uma visão geral e dinheiro para ajudar. Isso promoveu muito a sua imagem enquanto gestor das crises soberanas”, realça ao Observador a politóloga Ursula Münch, dando a pandemia de Covid-19, as cheias que devastaram a Alemanha em julho e o aquecimento global como exemplos de crises enfrentadas pelo vice-chanceler.
As promessas eleitorais e a dificuldade em controlar o partido
O crescimento económico e o combate às alterações climáticas são os temas que estão a marcar a campanha eleitoral e Olaf Scholz está a elevar a fasquia. O candidato a chanceler prometeu aumentar o ordenado mínimo para os 12 euros por hora (atualmente está nos 9.60 euros), aumentar os impostos sobre as pessoas mais ricas, construir 400 mil casas por ano para enfrentar a subida das rendas na habitação, acelerar a mudança rumo para as energias renováveis de forma a alcançar as metas climáticas e aumentar as prestações sociais. Promessas que, alerta o politólogo Uwe Jun, acarretam enormes desafios.
Sociais-democratas alemães escolhem Olaf Scholz como candidato a chanceler
“O maior desafio para qualquer chanceler será combinar o combate às alterações climáticas e o crescimento económico, uma tarefa que é ainda mais difícil para Scholz, devido às expectativas dentro do SPD, que não só quer combinar o combate às alterações climáticas com o crescimento económico, como também promover a igualdade social. Isso vai ser um desafio”, afirma o professor de Ciência Política da Universidade de Trier.
Para tornar a tarefa ainda mais difícil, Scholz está ciente de que a sua popularidade é muito superior à do próprio partido, profundamente dividido entre a ala mais centrista e a ala mais à esquerda, embora nesta fase a liderança social-democrata tente passar a imagem de união em torno da candidatura de Scholz a chanceler.
O próprio Scholz sentiu na pele a divisão dentro do seu próprio partido, quando perdeu a corrida à liderança à liderança do SPD em 2019 para Saskia Esken e Norbert Walter-Borjans, da ala mais à esquerda. Por isso, um dos receios dos eleitores mais conservadores é que Scholz não consiga impor à liderança do SPD os seus ideais mais centristas.
“As pessoas estão um pouco céticas em relação ao SPD, e por essa razão ainda estamos perante uma corrida aberta. Muitos eleitores pensam que Scholz é o melhor candidato, mas o SPD não é tão popular. As pessoas não têm a certeza de que Scholz conseguirá dominar o seu partido depois das eleições”, alerta Uwe Jun.
Se as sondagens estiverem corretas, pela primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial, poderão ser necessários três partidos (sem contar com a União Social-Cristã, uma vez que a CDU vai sempre a eleições com o seu partido irmão na Baviera) para uma coligação governamental, o que permite um vasto leque de possibilidades, mas aumenta também a incerteza e a imprevisibilidade.
Preferencialmente, Scholz gostaria de governar apenas com os Verdes, mas, caso tal não seja matematicamente possível, para terceiro partido da hipotética coligação, o ministro das Finanças privilegia o Partido Liberal Democrata (FDP) em detrimento do Die Linke — um partido de extrema-esquerda, com o qual Scholz tem divergências profundas, nomeadamente em questões de segurança ou nos limites do intervencionismo do Estado.
Acresce que as divergências entre Verdes e Liberais também podem dificultar uma solução governativa, e uma parte significativa do SPD é favorável a uma coligação com o Die Linke, à semelhança do que acontece, por exemplo, no governo federal de Berlim. Scholz tem tentado distanciar-se da extrema-esquerda, tendo afirmado que questões como a pertença à NATO ou as contas certas “não são negociáveis”, embora não diga assertivamente se exclui o Die Linke de uma futura coligação, o que lhe tem valido críticas não só do candidato da CDU, Armin Laschet, como da própria Angela Merkel.
“O grande desafio para Scholz começa logo na noite das eleições: não só tem de negociar com os potenciais parceiros de coligação, enquanto integrante de uma grande delegação de políticos do SPD dos governos federais e estaduais, como ao mesmo tempo tem de ser muito cuidadoso para que o seu próprio partido não imponha ideias para um possível acordo de coligação com as quais ele não concorda”, afirma Ursula Münch, professora de Ciência Política da Universidade de Munique e diretora da Academia de Educação Política em Tutzin.
A estratégia até às eleições e a capacidade de resistência do “Scholzomat”
Com a campanha eleitoral a avançar e os adversários a correrem atrás do prejuízo, os ataques a Scholz e ao SPD, particularmente, vão começar a intensificar-se. O politólogo Uwe Jun antevê que os sociais-democratas vão continuar unidos em torno de Scholz, centralizando a campanha no candidato e não no partido, apesar de nos boletins de voto os eleitores encontrarem o nome dos partidos e não os dos candidatos a chanceler.
“O SPD tem de fazer tudo para dar a ideia aos eleitores alemães que eles têm de decidir entre candidatos, porque o partido tem o candidato mais popular. Mas, por outro lado, os seus adversários tentam mudar essa imagem e enfatizar que os temas e os partidos são mais importantes. Isso é um problema para Scholz, porque o SPD, enquanto partido, não é muito popular”, justifica Uwe Jun.
Até agora, Scholz tem feito esta estratégia resultar e nos dois primeiros debates com Laschet e Baerbock não só passou no teste como, de acordo com as sondagens, foi declarado vencedor em ambos. No debate do passado domingo, de resto, o candidato do SPD a chanceler mostrou-se um pouco mais emotivo, respondendo com alguma indignação aos ataques feitos pelo candidato da CDU, que usou como arma as buscas da semana passada por parte das autoridades ao ministério das Finanças, no âmbito de uma investigação que recai sobre a unidade de inteligência financeira, suspeita de ignorar denúncias sobre lavagem de dinheiro.
Eleições Alemanha. Olaf Scholz declarado vencedor do último debate
Scholz retaliou e acusou o adversário de “desonestidade”, sublinhando que a investigação em curso não recai sobre si ou sobre o ministério das Finanças como um todo. E a estratégia de defesa parece ter sido eficaz, tal como já tinha sido com o caso Wirecard, quando Scholz rejeitou qualquer responsabilidade num escândalo, no ano passado — quando a gigante empresa de pagamentos alemã foi à falência, o que levou a críticas à supervisão feita pelo governo alemão.
Mas, tanto num caso como noutro, Scholz parece ter passado incólume aos olhos de parte significativa do eleitorado, como mostrou a sondagem lançada esta terça-feira pelo Instituto Forsa — em linha com as sondagens dos últimos dias —, que mantém o SPD com 25% das intenções de voto (a mesma percentagem de há uma semana), seguindo-se a CDU com 21% e os Verdes com 17%. O estilo de Scholz, que poderia ser visto como uma fragilidade, revela-se cada vez mais um fator decisivo.
Ministro das Finanças alemão foi questionado sobre dois escândalos financeiros
“Na fase atual da campanha eleitoral e depois dos erros cometidos pelos adversários, o lado ‘autómato’ de Scholz parece ser uma vantagem, uma vez que os eleitores apreciam o facto de ele não passar uma má imagem”, afirma a politóloga Ursula Münch, traçando semelhanças entre o perfil do social-democrata e o de Angela Merkel. “Scholz cultiva essa imagem. Afinal de contas, os seus assessores e os próprios sabem que Scholz pode seguir os passos da chanceler cessante. Ele cultiva esses paralelos deliberadamente nas suas aparições em público”, sublinha a especialista.
Até 26 de setembro, muito pode mudar, mas para já tudo indica que o piloto-automático de Scholz poderá ser suficiente para que a Alemanha volte a ter um governo liderado por um social-democrata, o que já não acontece desde que Gerhard Schröder deixou o poder em 2005.