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Milton Cappeletti/Observador

Milton Cappeletti/Observador

"Olhei para a baliza e não sabia onde havia de meter a bola"

Sabe o que é começar um Europeu a marcar. Fê-lo contra Schmeichel e, quatro anos depois, viu Nuno Gomes a dedicar-lhe um golo. Sá Pinto é a décima das dez entrevistas que publicamos até ao Europeu

É azar, não há outra palavra. Faltavam mais ou menos dois dias para a seleção se estrear no grupo onde muita gente lhe augurava a morte. A caminhada arrancava contra a Inglaterra e, de repente, o segundo avançado que mais golos marca na qualificação (seis, contra os oito de João Vieira Pinto) magoa-se. O joelho prega-lhe uma partida, das que o obrigaria a ficar umas semanas quieto, a descansar para curar a mazela. Mas não. Sá Pinto insiste em ficar com a seleção, quer jogar e ajudar e faz de tudo para recuperar. Consegue e lá está, a correr pela linha lateral, quando Nuno Gomes fecha a reviravolta contra os ingleses e a primeira coisa que faz é apontar para ele enquanto sprinta na sua direção. “O Nuno teve um gesto extraordinário comigo”, resume.

Em 2000 um lesão quase tira Sá Pinto do Europeu, mas quatro anos antes não. Em 1996 é sempre titular, está entre uma geração ainda nos seus vinte e poucos, ansiosa por se mostrar e ganhar troféus. Aí arranca a abrir e logo na primeira partida tem o remate que faz Portugal empatar contra os então campeões europeus, a Dinamarca dos irmãos Laudrup, que “jogavam muitíssimo bem”, e de Peter Schmeichel, o gigante a quem parecia fácil tapar uma baliza. Sá Pinto viria a encontrá-lo no Sporting, no virar do século, e brincar com o golo que lhe marcou nesse Europeu: “Lembro-me perfeitamente de quando olhei para a baliza, não sabia onde havia de meter a bola. Ele era realmente muito grande”.

Até ao Europeu de 2000 o Ricardo é sempre titular na qualificação (marca seis golos em 10 jogos). Depois aparece aquela lesão no joelho à última hora.

Exatamente. Estiramento do ligamento lateral interno.

Achou que estava fora do Euro?

Achei. Principalmente porque a lesão aparece nem a 48 horas do primeiro jogo. Foi terrível. Estava num momento extraordinário, percebi que ia ser opção contra a Inglaterra, a titular, e isso deixou-me muito triste, como deve calcular. Felizmente o Nuno jogou e jogou muito bem, foi decisivo. Depois percebi que fiquei muito condicionado. Provavelmente, se estivesse noutro tipo de competição, o ideal teria sido parar umas duas ou três semanas e curar-me bem.

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Mas, estando ali, só pensava em jogar?

O patriotismo, a vontade de jogar, de ganhar, de ajudar a seleção é superior. Portanto achei que poderia fazer um esforço. Mas o que é certo é que fiquei muito limitado.

Por isso é que jogou com as ligaduras à volta do joelho?

Sim, aquele joelho ficou instável, naturalmente. Ficou impossível ter a estabilidade que queria em termos de rotações, travagens, acelerações, saltos. Depois era a confiança na hora de driblar, por exemplo. Foi uma grande chatice e tive que me adaptar à realidade. Mas, como disse, a vontade era grande de continuar no Europeu. Fiz a fisioterapia que tive de fazer e mais umas coisas que ajudaram a prolongar a minha estadia.

Foi por causa de todo este azar que o Nuno Gomes, quando marca à Inglaterra, aponta logo para si?

Exatamente. Tínhamos, e temos, uma amizade boa. O grupo era forte, dávamo-nos muito bem, independentemente do clube em que jogávamos e vivíamos o sucesso da seleção de forma coletiva. Não importava quem marcasse ou jogasse, queríamos era que corresse tudo muito bem. O Nuno teve um gesto extraordinário comigo, também o apoiei imenso na altura em que ele entrou para o campo. Acreditava que ele podia ajudar a seleção e ajudou, fez um grande Europeu.

Disse-lhe alguma coisa especial nesse momento?

Não sei. Antes do jogo devo ter dito que ia fazer um grande jogo, que tudo ia correr bem e que iria fazer golos para nos ajudar a ganhar. Senti isso. Ele percebeu que lhe estava a dar força e confiança e, com o meu azar, quis retribuir o carinho que lhe demonstrei.

Ricardo Sá Pinto em 1996, a correr atrás da bola contra a Dinamarca. Foi ele quem marcou o golo do empate contra os então campeões europeus

Getty Images

Foi o seu momento preferido do Europeu?

É um dos grandes momentos individuais e coletivos. Mas o grande momento, sem dúvida nenhuma, seria chegarmos à final e ganharmos. Ficámo-nos pelo terceiro lugar, que foi honroso e nos engrandece. Apesar de, com grande tristeza, ter visto as pessoas a enaltecerem mais a forma como não soubemos perder, em vez de valorizarem o nosso grande Europeu e o nosso excelente terceiro lugar. Isso entristece-me bastante.

Aquele jogo com a França e a confusão com o árbitro.

A forma como aquilo tudo aconteceu. Foi um jogo de grandes emoções, foi tudo vivido intensamente. Costuma-se dizer que na bancada não há patentes, somos todos iguais. No campo acontece o mesmo. Também exteriorizamos as nossas emoções por sermos tão competitivos. Tivemos a noção clara que aquele penálti, caso entrasse, nos ia impedir de chegar à final. Tínhamos jogadores que estavam na sua maturidade, tinham 27, 28 anos. Enfim, todos acreditavam que podíamos chegar à final, éramos muito ambiciosos, acreditávamos no nosso valor, achávamos que era a nossa oportunidade.

Começaram a acreditar mal acabou a reviravolta contra a Inglaterra?

Já em 1996 acreditávamos que podíamos chegar muito longe e ganhar o Europeu. Sempre tivemos esse pensamento. Aquela geração, com a qual tive a oportunidade de jogar e de conviver, sempre acreditou que podia fazer algo extraordinário. Entrei na altura em que fomos vice-campeões da Europa de sub-21 [1994] e seguimos juntos durante oito anos. Desde o início que pensamos que podemos vencer qualquer adversário.

Mas em 1996 é outra história. O Ricardo é titular em todos os jogos, não há lesões. Estava na melhor forma da carreira?

Por acaso não. Acho que no Europeu de 2000 é que estava na melhor forma. Aí estava mesmo muito forte, em termos de maturidade e experiência. Aquele pico que normalmente os jogadores atingem, quando sentem realmente que já aprenderam quase tudo e sabem viver com as dificuldades e as pressões que nos exigem. Foi um enorme azar, porque passados dois meses daquela lesão rasgo o cruzado anterior e, a partir daí, começa o meu calvário. E logo nos melhores anos da minha carreira. Mas em 1996 também me sentia bem. Tinha acabado de chegar à seleção, era muito novo.

Até marcou logo no primeiro jogo do Europeu.

É verdade, contra o meu querido amigo Peter Schmeichel, que depois foi meu colega. Lembro-me perfeitamente de quando olhei para a baliza, não sabia onde havia de meter a bola. Ele era realmente muito grande.

Era um monstro?

Mesmo, um monstro na baliza! [ri-se]. Era mesmo muito grande.

Nunca lhe mandou uma boca nos tempos de Sporting?

Conversámos sobre isso, claro. Realmente foi preciso uma grande convicção e acreditar mesmo que ia marcar, porque ele abria os braços e tapava a baliza. Ele em altura já era enorme, era largo de corpo, então se abrisse os braços… Fiz aquele golo do empate contra a Dinamarca, que também tinha os irmãos Laudrup, o Michael e o Brian, jogavam muitíssimo bem.

Não tremeram por estarem a jogar contra os campeões da Europa?

Nunca, jamais. Aliás, até ficámos a perder com alguma injustiça. Fizemos uma grande segunda parte, não tivemos a sorte do nosso lado. Até contra a República Checa, com aquele golo do Poborsky. Foi um momento individual que quebrou o nosso coletivo. Fizemos um Europeu extraordinário, praticámos bom futebol, merecíamos ter ido mais longe. Houve aquele momento de inspiração do Poborsky e acabaram por vencer com esse detalhe.

Que golo lhe custou mais encaixar: o do Poborsky ou o do Zidane?

Os dois. Todos os que nos limitam na passagem à fase seguinte é motivo de grande tristeza para quem gosta tanto de ganhar, como eu [ri-se]. Portanto, como deve calcular, senti os dois de igual forma. Merecíamos chegar à final, a desilusão foi grande.

Que jogo lhe deu mais gozo jogar em Europeus?

Hmm, não sei. Mas aquele em que nos divertimos mais, pelo menos, foi o jogo contra a super Alemanha. Foi uma partida em que os alemães queriam reagir, queriam fazer, queriam jogar, e nem com aquela força e aquele poder todo conseguiram ser melhores que nós. Estávamos no grupo da morte e fizemos algo extraordinário. Daí ter ficado com pena, podíamos ter chegado à final.

Dentro da baliza e agarrado às redes. Sá Pinto a celebrar um dos três golos que Portugal marcou à Alemanha, em 2000

Ben Radford /Allsport

E qual foi o que lhe custou mais ver de fora?

Não gosto de ficar de fora, como qualquer jogador. Mas na seleção sabemos que todos são bons e temos de ir para lá com uma mentalidade coletiva. Se não jogar então tenho de apoiar. É mesmo assim. Temos de ir com este espírito, caso contrário não podemos fazer parte de uma seleção. Sempre tive muito esse espírito muito coletivo, até acho que perdi um bocado do meu jogo individual por querer mais que a equipa ganhe, jogue bem e não sofra golos. Mas sim, o não poder chegar a uma final foi a maior mágoa. Senti que, em ambos os Europeus, podíamos perfeitamente ter chegado à final.

O que acha dos avançados da seleção hoje em dia. Ou melhor, do nosso ataque?

Gosto da nossa equipa, é forte e muito equilibrada, temos soluções. O senhor Fernando Santos tem feito um trabalho notável, os jogadores estão muito envolvidos, acho que o discurso tem sido globalmente positivo, de esperança e de grande fé. De que podemos realmente ganhar o Europeu. Não temos obrigação de ganhar nada, mas de lutar por ganhar, e é isso que eles estão a assumir. Temos de demonstrar que queremos mesmo ser candidatos. Depois às vezes a bola entra, outras vezes não, há um azar, uma má decisão do árbitro… É o futebol. Mas, fundamentalmente, gostava de ver 11 guerreiros a jogar com alma em todos os jogos, como os portugueses querem ver.

Foi treinado pelo Fernando Santos no Sporting, em 2003/04. É bom a colocar todos os jogadores com o mesmo chip?

Sim, penso que já demonstrou isso.

Se pudesse estar no corpo de um jogador neste Europeu, quem escolhia?

[Ri-se] No lugar de alguém? Não sei. Nesta altura sou treinador de futebol, já penso como treinador. Vivi tempos extraordinário como jogador, não consigo voltar atrás. Orgulho-me da carreira que fiz em alta competição, vivo-a com saudosismo. Mas não me vejo a encarnar nesta altura em alguém. Gosto de me ver como um 12.º jogador, a apoiar a nossa seleção.

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