As eleições regionais da Madeira deram para tudo: uma coligação que perdeu a maioria absoluta (PSD/CDS), uma hecatombe em votos e mandatos (com PS a perder oito deputados), dois partidos que regressaram (Bloco de Esquerda e PAN), uma coligação que manteve o lugar (CDU), dois que se sentam pela primeira vez no Parlamento da Madeira (Chega e IL) e um que se mantém como um fenómeno (JPP). Da conquista dos mais pobres a quem perde votos por ir em coligação: quem elegeu onde e como?

Como foram os resultados do PS nos concelhos que conquistou em 2019?

Em 2019, o PSD perdeu pela primeira vez a maioria absoluta na história da região autónoma e formou um governo regional de coligação com o CDS. Os socialistas contribuíram e muito para a reviravolta, vencendo nesse ano em quatro concelhos: Porto Santo, Machico, Santa Cruz e Funchal. E agora? Como é que ficaram os municípios que há quatro anos estavam pintados de vermelho?

No Porto Santo, a maioria laranja atingiu, em 2023, 51,5% dos votos, a contrastar com os 50,5% que o PS tinha alcançado em 2019. No Machico, que há quatro anos registava 48,1% dos votos para os socialistas, os sociais-democratas coligados com os democrata-cristãos recuperaram a liderança, com 39,8% da votação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em 2019, Santa Cruz somava sete mil votos para o PS e 30,7% da votação. Ficava à frente do PSD, mas perdeu a liderança em 2023. Agora, o PSD recuperou o concelho com 32,8% dos votos e o PS saltou para o terceiro lugar, ultrapassado pelo Juntos Pelo Povo (JPP), partido criado a partir de um movimento popular que nasceu na Gaula, freguesia que pertence a Santa Cruz.

O Funchal é o derradeiro exemplo da derrapagem do PS nas eleições regionais deste ano. Arrecadou cerca de 13 mil votos (23,1%), menos 10 mil do que em 2019, quando venceu na capital do arquipélago. Para a coligação PSD/CDS-PP bastaram 22 mil votos (40,2%) para vencer no município, praticamente o mesmo número de votos que alcançou em 2019, mas com uma diferença percentual de 37,1% para 40,2%.

Como foi a votação do JPP na Gaula, freguesia que viu nascer o partido popular?

Na freguesia onde foi fundado, Gaula, no concelho de Santa Cruz, o JPP saiu vitorioso este domingo. Conquistou 46% dos eleitores – cerca de mil votos, de um total de 3.800 inscritos nas eleições de 2023. Há quatro anos tinha tido 43% e 957 votos. Um resultado conseguido num contexto particularmente delicado, alimentado pela zanga entre os dois irmãos Sousa.

Gaula é o berço do movimento de cidadãos Juntos Pelo Povo (JPP), que em 2015 concorreu pela primeira vez enquanto partido político às eleições regionais na Madeira. Nesse ano elegeu cinco deputados e quatro anos depois, em 2019, perdeu dois. Recupera agora dois lugares para representar os valores de unidade, transparência e resistência popular, princípios base para a criação do partido liderado por Élvio Sousa.

Mas os bons resultados não se ficaram por aqui. Em Santa Cruz, o JPP ocupou o segundo lugar do pódio, com 28% dos votos. O partido de base popular elegeu cinco mandatos na Assembleia Legislativa da Madeira, mais dois do que em 2019.

IL urbana até na Madeira

A Iniciativa Liberal elegeu o primeiro deputado de sempre na Assembleia Legislativa da Madeira e um é o número mais importante da noite. Depois de a maioria absoluta ter ficado a um deputado de acontecer, os liberais podem ser o joker que permite a Miguel Albuquerque continuar à frente do governo regional (ainda que o PAN tenha exatamente o mesmo trunfo).

Ora, no dia em que os liberais fazem história por conseguirem sentar-se em mais um parlamento, há um facto que se repete: o eleitorado da IL continua a ser muito mais urbano do que rural (e esse foi um desafio na Madeira, ponto de paragem dos liberais várias vezes nos últimos meses).

Se é verdade que a IL tem feito um esforço para se afirmar pelo país — começou ainda com João Cotrim Figueiredo nas Rotas Liberais e seguiu-se com Rui Rocha — também é certo que os liberais, pelo tipo de eleitorado que alcançam, têm muito mais facilidade em afirmar-se em meias não rurais. As eleições na Madeira só o vieram confirmar. Os liberais obtiveram 2,63 %, com 3.555 votos, em todo o arquipélago, e só no Funchal conquistaram 1.968 votos, com a maior percentagem conseguida: 3,53%. Ou seja, mais de metade dos eleitores dos liberais são do Funchal, a zona mais urbana do arquipélago.

Onde é que o Chega foi mais forte? Ganhou nos concelhos mais pobres?

O Chega vai estrear-se na Assembleia Legislativa da Madeira, depois de ter conseguido eleger quatro deputados. Mas quais foram os concelhos onde recolheu mais votos. Na Câmara de Lobos, o segundo município mais populoso da Região Autónoma da Madeira (com cerca de 40 mil habitantes) e um dos mais pobres do país, o Chega registou 1.863 votos, o que equivale a 11,3% de eleitores. Foi o seu melhor resultado.

Na Ribeira Brava a percentagem de madeirenses a votar no partido liderado por André Ventura foi idêntica: 11%, o correspondente a 775 votos, num concelho menos populoso e onde o PSD aguentou a liderança em 2019 e a manteve nas atuais eleições, com uma redução de poucas dezenas de votos que podem ter sido alocados ao Chega, através dos eleitores mais conservadores.

O Funchal, a capital do arquipélago da Madeira foi o terceiro concelho onde o Chega somou uma maior proporção de votos: 9,5%, cerca de 5.317 votos no concelho mais populoso da Madeira. O Chega registou 8,5% de votos em Santa Cruz, 8% em Porto Santo, 7,4% em São Vicente e 6,8% na Calheta. O concelho onde registou uma menor percentagem de votação foi em Porto Moniz – 3,7%.

Onde é que o PAN foi buscar votos para voltar a eleger?

Mónica Freitas, a cabeça de lista do PAN na Madeira, arrecadou 3.046 votos, 2,3% no total da região autónoma. O suficiente para garantir um lugar na Assembleia Legislativa na Madeira e ser uma das opções de garantia de governabilidade para Miguel Albuquerque, que ficou a um mandato da maioria absoluta.

Foi no Funchal que o partido liderado por Inês Sousa Real teve mais eleitores a seu favor: 1.566 e 2,8% do total do sufrágio no munícipio mais populoso do arquipélago. Subiu, 0,9% nas intenções de voto desde 2019. Em Santa Cruz garantiu 589 votos, o que equivale a 2,7% de quem se deslocou às urnas no concelho.

Também foi expressiva a votação no PAN em Câmara de Lobos, onde se registaram 353 votos (22%). O concelho com o pior resultado para o partido foi Ponta do Sol, com apenas 40 votos (0,8%).

Coligação perdeu votos no bastião do CDS

No concelho bastião do CDS — em que os democratas-cristãos têm a única câmara da região — a coligação encabeçada por Miguel Albuquerque conquistou a tão aguardada maioria absoluta (que nunca chegou), mas perdeu votos relativamente às últimas eleições regionais. Resultados apurados, a coligação conquistou 54,95% dos votos (2.227 votos), quando em 2019, os dois partidos que concorreram separados (PSD e CDS) tinham chegado aos 2.474.

No mesmo sentido, também o PS perdeu mais de 500 votos no concelho. E se Bloco de Esquerda e CDU crescem, mas muito pouco, o maior salto vai mesmo para o JPP, que passou de 53 para 335 votos. Por outro lado, o grande brinde dos eleitores de Santana foi para o Chega, que alcançou 240 votos (quando tinha tido 13 há quatro anos).

Feitas as contas, o CDS perdeu espaço em Santana e o Chega pode não só ter captado os eleitores que fugiram da coligação como parte do eleitorado do PS que, à partida, terá sido dividido pelos partidos à esquerda (em que só o JPP cresceu consideravelmente) e pelos descontentes que procuram o partido de André Ventura.