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Matos Fernandes, Vítor Escária, António Costa, Lacerda Machado e Galamba
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Matos Fernandes, Vítor Escária, António Costa, Lacerda Machado e Galamba

Matos Fernandes, Vítor Escária, António Costa, Lacerda Machado e Galamba

Operação Influencer. Como o MP investiga o "plano criminoso" que envolve António Costa através do senhor "0,5%"

Segundo o MP, Lacerda Machado exerceu influência direta e regular sobre o primeiro-ministro e vários ministros para favorecer a empresa do data center na aprovação de legislação energética e ambiental

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Uma aprovação célere e alegadamente ilícita do “maior investimento desde a Auto Europa”, de mais de 3,5 mil milhões de euros, para a construção de um dos maiores data centers europeus, que forneceria gigantes tecnológicos como a Google, Amazon ou a Microsoft. Um conjunto variado de leis ambientais e energéticas (algumas designadas de “bar aberto”) aprovadas pelo Governo de António Costa num contexto de alegado favor à empresa Start Campus. Ameaças a um autarca socialista de que lhe seriam retirados apoio político e competências legais caso não colaborasse. E, acima de tudo, um homem chamado Diogo Lacerda Machado no centro da história. O advogado afirmou em maio deste ano, na comissão de inquérito à TAP,  que não falava com António Costa desde abril de 2020.

O que os três procuradores João Paulo Centeno, Hugo Neto e Ricardo Correia Lamas apelidam de “plano criminoso” levou à alegada prática de um conjunto alargado de crimes de corrupção, tráfico de influência, prevaricação ou recebimento indevido de vantagem.

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E tal alegado plano envolverá o primeiro-ministro António Costa, que terá sido influenciado de forma “direta” e “regular” pelo seu melhor amigo — contratado pelo acionista do data center para exercer a sua função de lobista e a quem foi prometido por escrito uma futura participação acionista de 0,5% no capital social da Start Campus, no caso de serem cumpridos determinados objetivos de sucesso do projeto.

Quanto valeriam esses 0,5% do capital da empresa alegadamente favorecida também por intermédio de Vitor Escária, chefe de gabinete de António Costa, de João Galamba, como secretário de Estado do Ambiente, e de Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines? É impossível antecipar o futuro. Neste momento, a empresa tem um capital de 1 milhão de euros e emissões obrigacionistas até a um máximo de 180 milhões de euros.

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A localização em área classificada: a “merda” que era “intocável”, mas acabou por avançar

De acordo com o despacho de indiciação apresentado pelo Ministério Público aos cinco arguidos detidos para interrogatório, há vários diplomas do Governo de António Costa que terão sido aprovados à medida da empresa Start – Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus, S.A, mais conhecida por Start Campus.

Tudo começou pela localização em área ambientalmente protegida no concelho de Sines e a respetiva dispensa de declaração de impacto ambiental dada pela Agência Portugal do Ambiente, liderada pelo arguido Nuno Lacasta.

Há vários diplomas do Governo de António Costa que terão sido aprovados à medida da empresa Start Campus. Tudo começou pela localização em área ambientalmente protegida no concelho de Sines e a respetiva dispensa de declaração de impacto ambiental dada pela Agência Portugal do Ambiente, liderada pelo arguido Nuno Lacasta, para o Projeto de Interesse Nacional.

O projeto foi considerado PIN (Potencial Interesse Nacional) em março de 2021 e em julho a Start Campus assina um contrato de compra e venda de 20 terrenos em Sines e Santiago do Cacém por 50 milhões de euros à Eucaliptusland (grupo Navigator), dando um sinal de três milhões de euros.

No terreno de 1.500 hectares os promotores querem instalar parques solares para alimentar o consumo. O data center seria construído na zona industrial e logística (ZIL) de Sines, a norte da central da EDP na zona 9, gerida pela AICEP Parques, empresa pública que foi alvo de buscas mas que não tem suspeitos entre os seus quadros.

Uma notícia do Sol de setembro de 2021 lança o alerta. O Governo aprovou o data center numa zona classificada como Zona Especial de Conservação há um ano pelo Conselho de Ministros. Mais de metade da área prevista para o data center estava classificada e sujeita a medidas de conservação e salvaguarda, caso se verifiquem habitats importantes ou condicionantes de proteção do sobreiro e azinheira.

O negócio de 500 milhões que liga Lacerda Machado e Vitor Escária a António Costa

A AICEP Parques propôs à tutela (Ministério dos Negócios Estrangeiros e Ministério da Economia) alterar os limites do sítio da área classificada e defende (no seu Relatório e Contas de 2021) que  a “alteração é fundamental para suportar a reformulação da central de Sines e ainda a instalação de parte substancial do megacentro de dados da Start”.

Pedro Nuno Santos fala com João Galamba: “O melhor amigo do PM já sabe?”

O MP cita no despacho de indiciação uma conversa entre João Galamba, então secretário de Estado da Energia, e Pedro Nuno Santos, então ministro das Infraestruturas, em que o primeiro comunica ao segundo que o seu colega, secretário de Estado da Conservação da Natureza, João Paulo Catarino, lhe tinha transmitido que o projeto tinha de mudar de sítio prontificando-se para o dizer aos promotores.

Galamba revela o pedido do AICEP feito ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) para retificar o mapa da zona e desviar “50 ou 70 metros, percebes?”, diz o então secretário de Estado da Energia para o seu colega das Infraestruturas.

O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas estava irredutível e não queria aprovar o data center em área protegida. João Galamba liga a Pedro Nuno Santos e este pergunta: "O melhor amigo do PM já sabe?” “O melhor amigo do PM é consultor do projeto”, responde Galamba. Este levou o tema ao primeiro-ministro António Costa e abordou o seu chefe de gabinete, Vítor Escária.

Mas o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas está “irredutível, diz que, pá, nem pensar”: “O João Paulo [Catarino] diz que não temos condições políticas para o fazer. Eu disse ‘Ó João Paulo, desculpa lá, eu acho que é ao contrário’”, contou Galamba a Pedro Nuno Santos.

O MP isola outro excerto em que Pedro Nuno Santos pergunta: O “melhor amigo do PM já sabe?” “O melhor amigo do PM é consultor do projeto”, responde Galamba, que levou o tema ao primeiro-ministro  e abordou Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa.

Galamba defendeu solução à Freeport para ultrapassar problema

A classificação como zona especial de conservação proíbe a construção, o que inviabilizaria a construção do centro.  João Galamba inspira-se no caso Freeport, o outlet de Alcochete que foi autorizado depois de o então ministro do Ambiente, José Sócrates, ter alterado a classificação ambiental. “Só há aqui uma solução para não destruirmos Sines, em contrato industrial do país, que é o ICNF tem de retificar a zona como fez no Freeport e noutras zonas. Não é preciso comunicar à Comissão Europeia, basta um decreto regulamentar”, garante o então secretário de Estado da Energia.

Galamba conversou ainda com Eurico Brilhante Dias. O então secretário de Estado da Internacionalização com a tutela da AICEP é citado a afirmar: “Tenho aqui uma pessoa [que não identifica, mas que pode ser Lacerda Machado] que me pediu para falar com urgência (…). Mas vou dizer que, na minha opinião, não há fundamento para alterar aquilo e o que eles têm de fazer é uma retificação porque houve ‘um erro objetivo” nessa classificação. Eu lamento, mas o que eles estão a fazer é chantagem política com o Governo”.

“Muito malandro”, a lei do “bar aberto” e o “medo de Deus em cima dele”. O que revelam as escutas da Operação Influencer

“Por aquilo que me dizem da reunião, pá, que tiveste que o meter um bocadinho na ordem (…)”. João Galamba confirma: “Sim. Ele já queria falar com os promotores que eles não podiam fazer ali o projeto e eu disse: calma aí”. Esta conversa aconteceu com João Paulo Catarino, o secretário de Estado da Conservação da Natureza.

A AICEP destacou um lote da zona industrial fora do limite da Zona Especial de Classificação para a Start Campus instalar o primeiro de nove módulos, o Nest. Mas o braço-de-ferro dentro de áreas tuteladas pelo Ministério do Ambiente continuou.

O Ministério Público atribui ao presidente da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), Nuno Lacasta (um dos arguidos deste processo) a decisão de dispensar a primeira fase do data center de avaliação de impacte ambiental. Uma decisão justificada por Lacasta por estar fora da zona protegida.

Desclassificação aprovada por Costa, Siza Vieira e Pedro Nuno Santos contra o Instituto da Conservação da Natureza

Neste primeiro lote foi construído o primeiro edifício que tem capacidade de fornecer 15 MW aos servidores. O Nest é um investimento de 100 milhões de euros que funciona como projeto-piloto para os restantes edifícios e será o mais pequeno.

Para o MP, a via verde ambiental foi dada sem considerar a dimensão total do projeto, nem o facto  de envolver a instalação de painéis solares em 1500 hectares (para alimentar as necessidades de consumo). E cita uma conversa de Lacasta com um dos administradores (Rui Oliveira Neves) em que este lhe diz que estão em causa um total de 495 MW de servidores e 1200 MW megawatts de energia renovável (o equivalente à maior central licenciada em Portugal em Santiago do Cacém).

Neste primeiro lote foi construído o primeiro edifício tem capacidade de fornecer 15 MW aos servidores. O Nest é um investimento de 100 milhões de euros que funciona como projeto-piloto para os restantes edifícios e será o mais pequeno. Para o MP, a via verde ambiental foi dada sem considerar a dimensão total do projeto, nem o facto  de envolver a instalação de painéis solares em 1500 hectares (para alimentar as necessidades de consumo).

A APA defendia uma avaliação de impacto ambiental à totalidade do projeto e do parque fotovoltaico, mas Duarte Cordeiro e João Galamba contrapuseram: o data center podia funcionar sem o parque solar, o que iria facilitar a decisão positiva.

Apesar desta “resistência inicial”, o secretário de Estado conseguiu convencer Nuno Lacasta a destacar o parque solar, que veio a ser aprovado em outubro pela DGEG (numa versão mais pequena do que a referida pelo administrador) com dispensa de Estudo de Impacto Ambiental e sem o parecer do Instituto da Conservação da Natureza (INCF).

O Ministério Público destaca a intervenção de Lacerda Machado e Vítor Escária para superar todos os obstáculos e refere que os ministros da Economia (Pedro Siza Vieira), Infraestruturas (Pedro Nuno Santos) e o primeiro-ministro António Costa acabaram por aprovar a desclassificação das Zonas Especiais de Conservação (ZEC), contra a posição do ICNF.

Nesta matéria, o ICNF tinha o apoio do ministro Duarte Cordeiro.

O maior embate dentro do Governo foi com Nuno Banza, o presidente do ICNF que antes foi inspetor-geral do Ambiente durante anos. E que, segundo a investigação, foi alvo de pressão por parte de Galamba e do chefe de gabinete de António Costa. Numa conversa telefónica, Banza desabafou com Nuno Lacasta, após uma reunião com os promotores: “Eles querem isentar aquilo de AIA (Avaliação de Impacto Ambiental)”. O presidente da APA tenta tranquilizar: “Estamos completamente organizados com o promotor, há meses”. Dos sete módulos previstos estavam a ser construídos dois (que foram isentos dessa obrigação). Mas há o compromisso do promotor de submeter o resto a avaliação, apesar de reconhecer que o projeto é “gigante”.

O Ministério Público destaca a intervenção de Lacerda Machado e Vítor Escária para superar todos os obstáculos e refere que os ministros da Economia (Pedro Siza Vieira), Infraestruturas (Pedro Nuno Santos) e o primeiro-ministro António Costa acabaram por aprovar a desclassificação das Zonas Especiais de Conservação (ZEC), contra a posição do ICNF. O líder deste organismo resistiu numa primeira fase a pressões de João Galamba e de Vítor Escária.

Nuno Banza contra-argumenta com a proteção das espécies e habitats prioritários na zona protegida. Lacasta sugere que o instituto obrigue o promotor a fazer uma “espécie de compensação”, o que para o presidente do ICNF não se pode fazer nos habitats prioritários. “Eh pá, aquela merda é intocável” porque “não se podem reproduzir”, diz Banza

Lacasta lembra que já isentou uma construção de avaliação de impacto ambiental. E Banza pergunta, incrédulo: “Mas como, se está dentro da ZEC (Zona Especial de Conservação)?”. Então é porque não está na ZEC, refere o presidente da APA. Nuno Lacasta, que também é arguido no processo, desvaloriza dizendo que os promotores têm um estudo de impacto ambiental mais do que preparado. Banza insiste duas vezes: Eu vou, vou ter que lhe dar parecer desfavorável”.

João Galamba também comunicou a discordância com o presidente do ICNF. Mas, nesta fase, Nuno Banza concilia e diz que o assunto se resolve em sede de avaliação de impacto ambiental. E acaba por ceder e aceitar que é possível fazer o projeto e compatibilizá-lo com a zona protegida, impondo medidas de mitigação, o que numa primeira fase recusou ser possível. E até sugeriu que o professor da Universidade de Évora que detetou os habitats seja incluído na avaliação ambiental.

O MP conclui por isso que o ICNF mudou de posição por pressão de João Galamba e Vítor Escária. O projeto recebeu autorização em agosto, depois de ter apresentado o estudo de impacte ambiental em fevereiro, a tempo de beneficiar do regime simplex para o licenciamento ambiental.

A pressão sobre a sucessora de Galamba para conseguir “bar aberto” na rede elétrica

A ida de João Galamba para a pasta das Infraestruturas em janeiro de 2023 deixou os promotores do data center em alerta. Há uma escuta entre Afonso Salema e Rui Neves a admitir que sem o Galamba “isto muda radicalmente”, admitindo mesmo um “grande retrocesso”.

A nova titular da pasta na secretaria de Estado, Ana Fontoura Gouveia, estaria menos empenhada em ajudar a ultrapassar todos os problemas. E a energia era uma área central para o sucesso do projeto, que precisava que se investisse no reforço da capacidade da rede para ter acesso a toda a eletricidade consumida pelos servidores. Uma necessidade que veio a ser descrita como “bar aberto”.

A investigação refere que Lacerda Machado foi abordado para contactar o primeiro-ministro para este pressionar Ana Gouveia — que antes de chegar à pasta era assessora económica do primeiro-ministro.

A energia era uma área central para o sucesso do projeto, que precisava que se investisse no reforço da capacidade da rede para ter acesso a toda a eletricidade consumida pelos servidores. Uma necessidade que veio a ser descrita como “bar aberto”.

Os temas tinham a ver com investimentos na rede de transporte gerida pela REN (uma das entidades que foram alvo de buscas) para permitir a injeção de mais capacidade na rede. Estes investimentos custam dinheiro e podem ter de ser suportados pelas tarifas elétricas, o que justifica a cautela da governante que chegou ao cargo há poucos meses.

“Foi enviada uma carta à senhora e a senhora (Ana Gouveia) tem zero urgência em falar com o Afonso” [o presidente da empresa]. Através de Vítor Escária, os gestores conseguiram uma audiência com a secretária de Estado, o que para os investigadores resultou de pressões exercidas pelo primeiro-ministro ou pelo seu chefe de gabinete, que, defendem, teria atuado com o conhecimento e concordância de António Costa.

As escutas aos promotores mostram comentários em tom de brincadeira a sugerir o uso de “muito charme” na conversa para ultrapassar uma eventual má disposição da governante por ter recebido ordens.

As queixas sobre a falta de colaboração da secretária de Estado prosseguem pelo verão, bem como a intenção de avisar o primeiro-ministro de que “isto estava tudo parado”. Se até a APA já despachou, “vocês continuam com as crise penduradas na energia”, desabafa Rui Oliveira Neves, que sugere que se dê um toque ao Pedro (não identificado).

Afonso responde que está à espera da publicação do “despacho do bar aberto”. O que é? pergunta o colega? “Lembras-te do bar, que ela (Ana Gouveia) disse bar aberto para aumentos de potência de consumo”.

“Bar aberto” é o diploma publicado em setembro que aprova um procedimento excecional de leilões de atribuição de capacidade de ligação à rede elétrica para consumidores em zonas de grande procura. Este diploma abrange apenas Sines, tendo a DGEG já aberto uma consulta para recolher os potenciais grandes consumidores que vão precisar de mais capacidade na rede naquele local. Segundo o Ministério Público, Duarte Cordeiro pediu aos promotores para participarem.

Lacerda Machado suspeito de exercer influência diretamente sobre Costa

Para o Ministério Público, este diploma representa um favorecimento expresso a projetos PIN, como o centro de dados, bem como a criação de um procedimento excecional — o tal bar aberto — a unidades instaladas em Sines. E concluem que foram os contactos de Diogo Lacerda Machado junto de Vítor Escária e do primeiro-ministro a conseguir que o decreto fosse publicado rapidamente e com um conteúdo favorável aos interesses da Start.

Mesmo fora da pasta, João Galamba agora nas Infraestruturas, manteve o empenho no projeto. A ponto de o presidente da Start Campus admitir que “o Galamba quer pôr isto tudo a mexer”, porque apesar de serem privados quer ajudar porque é do interesse do país. Reconhece também que “sem eles era impossível fazer a esta velocidade”.

Lacerda Machado ameaçou autarca de Sines com perda de apoio do PS e retirada de competências

Nos autos de indiciação da Operação Influencer, o Ministério Público refere que Diogo Lacerda Machado avisou o presidente da Câmara de Sines que qualquer apoio do PS a Nuno Mascarenhas em eleições futuras dependia da aprovação dos processos relacionados com o projeto de data center da Start Campus. E que, se esse projeto falhasse, Mascarenhas não só perdia o apoio do partido como ficaria sem poderes na área do Urbanismo.

O despacho do Ministério Público refere que, ao longo de meses, Lacerda Machado, Afonso Salema (CEO da empresa) e Rui Oliveira Neves (advogado da empresa) ameaçaram, “diretamente ou por intermédio de terceiros”, o presidente da Câmara de Sines com a perda de apoio do partido em futuras eleições — Mascarenhas estava no terceiro e último mandato em Sines.

Diogo Lacerda Machado avisou o presidente da Câmara de Sines que qualquer apoio do PS a Nuno Mascarenhas em eleições futuras dependia da aprovação dos processos relacionados com o projeto de data center da Start Campus. E, se esse projeto falhasse, Mascarenhas não só perdia o apoio do partido como ficaria sem poderes na área do Urbanismo.

Os arguidos na Operação Influencer também deixaram claro que, sem a colaboração de Nuno Mascarenhas no projeto do data center, seriam aprovadas “alterações legislativas no sentido de serem subtraídos ou reduzidos os poderes da Câmara de Sines em matéria de urbanismo”.

As dificuldades do presidente de Sines em fazer aprovar na autarquia projetos de investimento no município já tinha, aliás, levado, meses antes (em agosto de 2022), a uma troca de palavras mais acesa entre o autarca e o então secretário de Estado do Ambiente e da Energia, João Galamba.

“Eh pá, oh Nuno, nós vamos ter de marcar uma reunião qualquer convosco”, diz Galamba numa conversa ao telefone com Mascarenhas a 24 de agosto do ano passado. “Estou a receber queixas sucessivas do município de Sines como um dos municípios mais difíceis na relação com renováveis. Eh pá, se vocês querem ser o porto que querem ser, isso não pode ser, pá. Vocês estão-nos a criar imensos problemas”, diz ainda o então secretário de Estado.

Na resposta, Mascarenhas lembra a Galamba que o Ministério do Ambiente estava a aprovar licenças de construção em zonas interditas pelo Plano Diretor do Municipal ainda antes de o documento ser alvo de alterações que permitissem essa intervenção: “É ao contrário, porque vocês estão a fazer uma coisa que para mim é absolutamente irracional”, responde o autarca. “[Estão a] autorizar a construção de parques em zonas onde não é possível (…), isso é uma coisa um bocadinho absurda”, diz Nuno Mascarenhas.

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Mas Galamba não foi o único a manifestar a sua insatisfação pela forma como a Câmara de Sines estava a lidar com o processo que tinha em mãos. O próprio chefe de gabinete de António Costa já tinha assinalado, em conversas com Lacerda Machado e Afonso Salema, que “há muito tempo” que António Costa pretendia “tirar os poderes do urbanismo” à Câmara de Sines, precisamente por considerar que “não são capazes de entregar” resultados.

Arguidos invocam nome de António Costa

A mensagem que os dois responsáveis da Start Campus — Afonso Salema e Rui Oliveira Neves —, e também Lacerda Machado, fizeram chegar a Nuno Mascarenhas foi no sentido de que, se os projetos da empresa não avançassem como se pretendia, poderiam “influenciar uma decisão do Governo de passar algumas das competências da Câmara para uma entidade semelhante ao Gabinete da Área de Sines, entidade que existiu entre 1971 e 1986 e que reportava diretamente ao Governo”, refere o Ministério Público no despacho de indiciação.

O nome de António Costa vai surgindo em várias das conversas apanhadas nas escutas promovidas pelo Ministério Público ao longo do último ano, como forma de pressão para que o processo na câmara municipal avançasse rapidamente.

O nome de António Costa vai surgindo em várias das conversas apanhadas nas escutas promovidas pelo Ministério Público ao longo do último ano, como forma de pressão para que o processo na câmara municipal avançasse rapidamente.

Já a 13 de setembro deste ano, no final de uma reunião entre Vítor Escária e Afonso Salema, no gabinete do chefe de gabinete de Costa, em São Bento, o responsável da Start Campus liga a Rui Oliveira Neves, advogado da empresa, e reporta-lhe a conversa entre os dois: “O Escária disse que o primeiro-ministro está a fazer uma pressão enorme sobre Santiago e Sines porque ‘nós’ não somos os únicos ali.”

O Ministério Público conclui que, “na sequência das diversas pressões exercidas” pelos responsáveis da Start Campus, além de Lacerda Machado e Vítor Escária, ao longo de vários meses, acabou por ser incluído um ponto na ordem de trabalhos de uma reunião da Câmara de Sines de 25 de outubro com a “proposta de aprovação do início do procedimento e aprovação das Normas Provisórias a incidir no Plano de Urbanização da Zona Industrial de Sines”.

Vereadora de Sines criou “problemas sérios” às pretensões da Start Campus

Apesar das constantes “pressões” exercidas sobre o presidente da Câmara Municipal de Sines, diz o Ministério Público, houve “vicissitudes” e “delongas desfavoráveis” às pretensões da Start Campus relativamente às revisões do ordenamento jurídico para a instalação do data center nos terrenos do município. A explicação para essa resistência, admite a investigação, reside na própria autarquia.

“As referidas vereadora e chefe de divisão [do Urbanismo da Câmara de Sines] terão mantido uma conduta de cumprimento das normas aplicáveis à sua actuação, o que por vezes se revelou incompatível com os interesses” da empresa de Afonso Salema, lê-se no despacho de indiciação.

Uma resistência que também não esteve imune a tentativas de “pressão” para que os processos avançassem rapidamente na câmara. Os responsáveis da Start Campus sabiam que a vereadora Filipa Faria era uma peça-chave, se não para desbloquear, pelo menos no sentido de não obstaculizar a revisão do Plano Diretor Municipal. Em conversa com o advogado da empresa, Salema diz que era importante “não ganhar antipatia da vereadora”, que “claramente” estava “crispada” com a empresa.

Escutas a Lacerda Machado: “Se for Economia, arranjo maneira depois de chegar ao próprio António Costa”

Já em junho deste ano, em conversa com Diogo Lacerda Machado, o responsável da Start Campus aponta diretamente o dedo a Filipa Faria: “Estamos a ter problemas com a vereadora, problemas sérios, porque ela agora está a dizer que a parte da nossa obra de estrutura é ilegal, que aquilo foi tudo feito no domínio público da IP, e ela está a dizer: ‘É indiferente que isso seja domínio público da IP, vocês têm que ter uma licença de construção nossa’, e isto quando há meses que estamos a falar com a câmara e só depois de nós termos a obra quase concluída é que ela se lembra de dizer isto”.

Essas dificuldades levaram mesmo a empresa de Salema a recorrer à sociedade de advogados PLMJ para contornar as objeções de Filipa Faria. “É por razões destas que se falava em voltar a implementar o gabinete de Sines”, retirando da autarquia o poder de decisão sobre processos urbanísticos, desabafa Afonso Salema numa conversa com Lacerda Machado. “Já percebi que o Nuno Mascarenhas não tem mão nenhuma nessa vereadora”, diz o “melhor amigo” de António Costa noutra conversa.

Mas Filipa Faria não seria o único elemento incómodo na autarquia. Também a diretora do departamento de urbanismo da Câmara de Sines é referida nas conversas entre arguidos e outros intervenientes no processo como sendo “complicada”. Miguel Gama, vice-presidente da AICEP Global Parques, refere a Afonso Salema que existe na autarquia “ uma arquitecta [Maria de Fátima Guiomar de Matos] que é uma pessoa muito complicada… Eh pá, que os gajos têm medo, eles claramente têm medo dela, claramente têm medo dela, eh pá, e ela faz-lhes a cabeça em água e os gajos… eh pá não consigo perceber!”

Perante as resistências da diretora do departamento de urbanismo, Afonso Salema questiona Miguel Gama sobre a filiação partidária da responsável da autarquia. Objetivo: ir diretamente à direção do partido a que pertence para obter um aval superior que desbloqueasse o processo.

“O PCP gosta muito de nós”

Maria Guiomar teria ligações ao PCP. É essa a informação que Miguel Gama transmite a Afonso Salema, ouvindo na resposta um sinal de que esse caminho estaria desbloqueado. “Temos o apoio do PCP também, o PCP gosta muito de nós”, refere o responsável da AICEP Global. “Então, se calhar, vou pedir ao… porque o Diogo já me ofereceu várias vezes ter uma conversa no Comité Central.”

Além de António Ceia da Silva, presidente da CCDR, Diogo Lacerda Machado terá, de resto, recolhido o “favor e o apoio” de “representantes do Partido Comunista Português” à construção do projeto do data center em Sines que a empresa Start Campus queria construir.

Esta quinta-feira, depois de serem reveladas as referências ao PCP, os comunistas garantiram que os contactos que tiveram com a Start Campus decorreram de uma “solicitação formal de encontro”, junto do grupo parlamentar comunista e do partido, “tendo sido recebida no plano estritamente institucional como é prática normal”.

Perante as resistências da diretora do departamento de urbanismo, Afonso Salema questiona Miguel Gama sobre a filiação partidária da responsável da autarquia. Objetivo: ir diretamente à direção do partido para obter um aval superior que desbloqueasse o processo. Maria Guiomar teria ligações ao PCP

Sobre Lacerda Machado, o PCP diz que “não se conhece participação” do suspeito “junto do PCP”. Mais: “É fantasiosa a ideia de um alegado poder que o PCP deteria para desbloquear um processo num município em que detém 1 em 7 vereadores, dispondo o PS de maioria absoluta. Quaisquer outras ilações que se pretendam retirar são absolutamente infundadas e rejeitadas”, remata o partido.

Os três momentos em que João Galamba terá sido influenciado para acelerar diplomas

O Ministério Público fala em três momentos em que Oliveira Neves, administrador da Start Campus, e Afonso Salema, CEO da empresa, ambos detidos na sequência da operação Influencer por causa da instalação do data center de Sines, entregaram a João Galamba, também arguido no caso, aquilo a que chamam “papel” ou “memo” que foram a base de diplomas que aceleraram todo o processo.

No despacho de indiciação, o Ministério Público escreve que os dois arguidos “tentaram e efectivamente lograram influenciar o conteúdo e sentido normativo de actos do Governo”, especialmente os que tivessem intervenção do atual ministro das Infraestruturas, “fornecendo o texto, elaborado por advogados ao seu serviço, dos diplomas a ser aprovados.”

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Numa escuta do Ministério Público, um advogado a quem foi pedida ajuda jurídica diz a Afonso Salema: “Pediram-me no fundo para nós darmos o framework jurídico que ajude o Galamba a tomar decisão que tem que tomar”. O administrador da Start Campus responde assustado: “Oh pá, mas isso é perigosíssimo, isso é perigosíssimo. (…) Eh pá, porque se temos alguma coisa dessas escrita e isso transpira alguma coisa, assim vão dizer que nós andamos a forçar o Galamba, percebes? Eu não quero nada disso escrito, não quero nada disso por email, porque isso, tirado do contexto, vão dizer que nós andamos a chantageá-lo.”

Esta conversa é de 2 de junho de 2022. Cerca de seis meses depois, em fevereiro de 2023, Salema e Oliveira Neves também terão, segundo o Ministério Público, prestado “auxílio” a Galamba para um texto sobre “estratégia de infra-estruturas digitais”. E, no final desse mês, o gestor da Start Campus, depois de sair de uma reunião com o ministro, ter-se-á reunido com um outro advogado e pedido mais uma base para um outro diploma. “Não é um draft para portaria, mas seria um memo inteligente que ajuda, que se fizeres isto que eu estou a dizer a portaria está aqui”, transcreve o Ministério Público. A 11 de julho, Salema e Neves discutem entre si o envio desse documento para o ministério de Galamba.

A portaria sobre os gasodutos REN que deu plenos poderes a Galamba

Um dos diplomas que terá tido também prévia preparação por parte dos administradores da Start Campus para depois ser executado por João Galamba, e favorecido aquela empresa, envolveu os gasodutos da REN. Segundo o Ministério Público, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves elaboraram um documento com as normas necessárias para permitir que as infraestruturas de gás da REN fossem utilizadas também para passar cabo de fibra óptica, facilitando as ligações de dados ao data center, incluindo as vindas de cabos submarinos.

O documento começou a ser elaborado a 9 de setembro do ano passado e Rui Oliveira Neves pede a quem o está a ajudar juridicamente que “precisa de ter segunda-feira o draft para partilhar com o secretário de Estado ao fim do dia, ou na terça de manhã, com alguma urgência”. Neste caso, haveria acordo com a própria REN.  “Falaram com a REN e a REN vai oficialmente pedir à secretaria de Estado para poder explorar o negócio da conetividade nas suas concessões e a secretaria do Estado vai autorizar”, cita o Ministério Público numa escuta de Afonso Salema.

Aliás, as várias escutas citadas mostram como o Ministério Público crê que os diplomas foram feitos com a ajuda dos advogados contratados pelos arguidos da Start Campus: “Estamos a alinhar com a secretaria de Estado para ajudá-los porque eles estão com, com falta de, com falta de pessoal para ajudar quais são as coisas que têm que estar na portaria.”.

A portaria em causa é a n.º 248/2022, de 29 de setembro. E, para além de alargar o destino a que certos terrenos poderiam ser afectos, a alteração introduzida por João Galamba também permitia que a autorização para qualquer outro fim fosse concedida por ele, enquanto era ainda secretário de Estado da Energia, e não apenas pelo ministro, como acontecia antes.

O despacho dos cabos submarinos acelerado por Escária

A Start Campus esperava que a Google se tornasse sua cliente e pudesse beneficiar de um cabo submarino entre a América do Norte e Sines para a transmissão de dados. Mas a instalação desse cabo estaria atrasada num processo burocrático do Governo, que Vitor Escária, o chefe de gabinete de António Costa detido na sequência deste caso, ajudou a desbloquear junto de João Galamba, já em setembro deste ano, também a pedido dos dois administradores da Start Campus.

Primeiro, numa reunião de 13 de setembro, entre Afonso Salema e Vítor Escária, em que o administrador da Start Campus disse ao agora exonerado chefe de gabinete do primeiro-ministro que existia “um diploma pronto a ser publicado”, relacionado com a DGRM (Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos) que teria “muito mais impacto” que saísse “antes do anúncio da Google do que ao contrário”.

A portaria n.º 248/2022, de 29 de setembro, para além de alargar o destino a que certos terrenos poderiam ser afectos, a alteração introduzida por João Galamba também permitia que a autorização para qualquer outro fim fosse concedida por ele, enquanto era ainda secretário de Estado da Energia, e não apenas pelo ministro, como acontecia antes.

Escária terá anuído e revelado que tal diploma estava “empatado no Ministério das Infraestruturas” e prometido: “Vai-se já desbloquear isso”.

Duas semanas depois, a 25 de setembro, João Galamba anunciou o acordo com a Google e, no mesmo dia, recebeu um telefonema de Afonso Salema a quem garantiu que ia “mandar o despacho que engendrou com cinco ministros numa semana”. Satisfeito, sublinhava: “Consegui, foi tudo assinado”. O Ministério Público conclui que “a conclusão e assinatura do referido despacho foi acelerada por influência de Vítor Escária por forma a favorecer, pelo menos indirectamente, os interesses da Start Campus”.

Tiago Silveira e um processo em outubro deste ano que falhou por horas

O Ministério Público chama-lhe “Simplex” industrial e este é o momento em que João Tiago Silveira, ex-secretário de Estado da Justiça no governo de José Sócrates, entra neste caso, há apenas um mês, em outubro deste ano.

No Conselho de Ministros de 19 de outubro foi aprovado um decreto-lei que “procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria”. O comunicado, publicado no site oficial do Governo, fala de uma “simplificação dos licenciamentos no âmbito da indústria que pretende contribuir para a redução dos encargos administrativos e dos custos de contexto, agilizando a atividade das empresas”.

Antes de ser submetido a Conselho de Ministros, o diploma, diz o Ministério Público, foi preparado, do ponto de vista jurídico, por João Tiago Silveira, que foi igualmente constituído arguido no caso, e que, tal como o advogado da Start Campus Rui Oliveira Neves, é sócio da sociedade de advogados Morais Leitão. No Governo, o dito diploma tinha sido preparado, entre outros, pelo gabinete de João Galamba.

Antes de ser submetido a Conselho de Ministros, o diploma, diz o Ministério público, foi preparado, do ponto de vista jurídico, por João Tiago Silveira, que foi igualmente constituído arguido no caso, e que tal como o advogado da Start Campus Rui Oliveira Neves, é sócio da sociedade de advogados Morais Leitão. No Governo, o dito diploma tinha sido preparado, entre outros, pelo gabinete de João Galamba.

O Ministério Público diz que a 12 de outubro Galamba contactou Lacerda Machado para a Start Campus lhe enviar as normas que poderiam beneficiar a atividade de data centers, para assim as colocar no diploma e favorecer os interesses da empresa. Para isso, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves falaram com João Tiago Silveira para que fizesse as necessárias alterações no projeto de diploma que já estava a preparar, e este aceitou. Chega a dizer ao telefone a Rui Oliveira Neves: “O Galamba (…) não fez outra coisa nos últimos dias a não ser tratar disto, já anda a tratar disto há meses, e esteve com o Costa quatro horas a ver isto na quarta-feira e o gajo está completamente entusiasmado com isto”.

No final, as alterações à medida da Start Campus já só chegam a Galamba e João Tiago Silveira no final do dia 19 — horas depois da aprovação em Conselho de Ministros — e acabaram por não ser introduzidas no diploma.

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