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RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

Operação Marquês deixou de ser urgente, incidentes processuais sucedem-se e início de julgamento de Sócrates continua sem data

Julgamento de Sócrates continua sem data para começar quase 10 meses após a pronúncia decidida pela Relação de Lisboa. Juízes demoraram vários meses a apreciar simples reclamações de arguidos.

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Um inquérito que demorou quatro anos e três meses e que culminou com uma acusação histórica contra o ex-primeiro-ministro José Sócrates — por ter sido alegadamente corrompido por três grupos empresariais — e contra mais 27 arguidos pela prática de um total de 189 crimes. Uma instrução que demorou quase um ano a começar, com o juiz Ivo Rosa — sorteado em setembro de 2018 — a tomar, dois anos e sete meses depois, uma polémica decisão, que consistiu na pronúncia para julgamento de apenas cinco desses arguidos, por 17 crimes.

Um recurso do Ministério Público contra o controverso despacho de não pronúncia de Ivo Rosa, que só subiu à Relação de Lisboa no dia 17 de fevereiro de 2023, quase dois anos após a decisão instrutória. E, finalmente, a decisão que reverteu (quase) tudo, com a pronúncia da Relação de Lisboa, que surgiu a 25 de janeiro de 2024, quase um ano depois, e que voltou a pronunciar para julgamento José Sócrates e mais 21 arguidos (17 individuais e quatro empresas) pela prática de 118 crimes.

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Pelo meio, um segundo coletivo da Relação de Lisboa — diferente do da decisão de 25 de janeiro — anulou parcialmente a pronúncia do juiz Ivo Rosa, que dizia respeito a José Sócrates e Carlos Santos Silva, numa decisão conhecida a 21 de março.

Tudo isto serve para chegarmos à pergunta que se impõe: se José Sócrates e os restantes 21 arguidos foram pronunciados para julgamento a 25 de janeiro de 2024, quando é que o julgamento começa?

A única resposta possível é: não sabemos. Mesmo passados quase 10 meses após a ordem judicial para que os arguidos da Operação Marquês sejam julgados, os incidentes processuais interpostos por Sócrates e pelo seu primo José Paulo Pinto de Sousa estão a impedir a baixa dos autos.

Pior: os autos da Operação Marquês deixaram de ser urgentes desde 25 de janeiro — mesmo com vários crimes em risco de prescrição, como as desembargadoras Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira reconheceram nos seus acórdãos. Ou seja, a tramitação deixou de ser prioritária face a outros processos e deixou de ser possível decidir durante as férias judicias.

A consequência disto é que os sucessivos incidentes processuais dos arguidos só são decididos vários meses após terem sido apresentados.

Autos da Operação Marquês deixaram de ser urgentes por decisão da Relação de Lisboa

A litigância processual dos arguidos, contudo, não é a única explicação para a paralisação da Operação Marquês. Surpreendentemente, o coletivo da 9.ª Secção da Relação de Lisboa que pronunciou Sócrates e mais 21 arguidos para julgamento deixou cair a classificação de urgente dos autos.

“Os presentes autos já não revestem natureza urgente”, lê-se no acórdão que as desembargadoras Raquel Lima (relatora), Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira assinaram a 2 de maio e que, numa espécie de último ato das magistradas na Operação Marquês, serviu também para rejeitar todas as nulidades arguidas pelas defesas em relação acórdão de 25 de janeiro.

"Os presentes autos já não revestem natureza urgente", lê-se no acórdão que as desembargadoras Raquel Lima (relatora), Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira assinaram a 2 de maio e que, numa espécie de último acto das magistradas na Operação Marquês, serviu para rejeitar todas as nulidades arguidas pelas defesas em relação acórdão de 25 de janeiro.

A decisão é surpreendente porque a classificação de urgente destes autos deveu-se, entre outras razões, ao risco de prescrição de vários crimes que compõem a acusação original do MP — tanto é assim que foram declarados já prescritos dois crimes (um de fraude fiscal em relação a Carlos Santos Silva e um de falsificação relacionado com a empresa XLM, também de Santos Silva) no acórdão de 25 de janeiro.

Mas as magistradas reconhecem no acórdão de 2 de maio que continuam a existir “crimes em risco de prescrição” — ou seja, é contraditório que os autos tenham deixado de ser urgentes quando é o risco de prescrição um dos requisitos para tal urgência.

Por outro lado, é precisamente esse argumento de risco de prescrição que faz com que as três magistradas tenham continuado a tramitar os autos (tomando a decisão quanto às nulidades apresentadas pelos arguidos) — mesmo após José Sócrates ter apresentado um incidente de recusa no Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

O facto de os autos terem deixado de ser urgentes ajuda a explicar por que razão as desembargadoras Raquel Lima (relatora), Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira só tenham decidido as nulidades a 2 de maio — um pouco mais de três meses após a sua decisão de 25 de janeiro e um pouco menos de dois meses após os arguidos terem apresentado os requerimentos de nulidades.

Várias fontes judiciais explicam as duas principais consequências do fim do regime de urgência:

  • Apesar do risco de prescrição, os autos deixam de ser prioritários, logo ‘ficam em pé de igualdade’ com os processos em que não há risco de prescrição. E as decisões são tomadas conforme a data de entrada dos respetivos requerimentos. Se os autos fossem urgentes, ‘passariam à frente’ dos outros processos — e até teriam direito a um sinalização especial no sistema informático;
  • Os prazos não correm em férias. Isto é, deixa de ser possível tomar decisões sobre esses processos durante as férias judiciais. O que faz com que as defesas consigam ‘jogar’ com as férias judiciais para irem ‘queimando’ semanas ou até meses com novos incidentes processuais.

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O Observador questionou o Conselho Superior da Magistratura (CSM) sobre a causa deste fim de urgência dos autos quando ainda persiste o risco de prescrição de diversos crimes, mas não obteve uma resposta clara.

“A tramitação do processo e a atribuição da natureza urgente são determinadas pelos tribunais, que avaliam os fatores e circunstâncias do caso, nomeadamente o risco de prescrição”, lê-se na resposta de fonte oficial do CSM.

Tal como ninguém sabe quantos recursos e incidentes processuais José Sócrates já interpôs desde que foi constituído arguido. A única contagem que se conhece foi feita pela SIC e apontava em fevereiro de 2024 para cerca de 30 recursos e incidentes processuais e cerca de 23 mil euros de taxas de justiça por pagar.

A litigância dos arguidos e os incidentes processuais decididos a 2 de maio

Como tem sido habitual em todas as decisões marcantes da Operação Marquês, a defesa de José Sócrates começou a interpor requerimentos poucos dias após a decisão de pronúncia para julgamento de 25 de janeiro.

Logo a 30 de janeiro, o advogado Pedro Delille alegou diversas nulidades do acórdão da Relação, nomeadamente o facto de as desembargadoras Raquel Lima e Madalena Caldeira terem passado a pertencer à Relação do Porto e à Relação de Guimarães a partir de 1 de setembro de 2023. Daí não poderem, no entender da defesa do ex-primeiro-ministro, ter feito parte do coletivo da 9.ª Secção da Relação de Lisboa que decidiu dar razão parcial ao Ministério Público e pronunciar José Sócrates por três crimes de corrupção passiva, 13 crimes de branqueamento de capitais e seis crimes de fraude fiscal.

Logo a 30 de janeiro, o advogado Pedro Delille alegou diversas nulidades do acórdão da Relação, nomeadamente o facto de as desembargadoras Raquel Lima e Madalena Caldeira terem passado a pertencer à Relação do Porto e à Relação de Guimarães a partir de 1 de setembro de 2023.

Pedro Delille já tinha usado este argumento em inúmeras outras situações — e repetiu a mesma ideia várias vezes nos meses seguintes. Nunca os tribunais superiores lhe deram razão, por três motivos:

  • As juízas desembargadoras Raquel Lima (relatora) e Madalena Caldeira foram designadas, em conjunto com Micaela Rodrigues, para decidirem o recurso do MP na Relação de Lisboa;
  • Só depois disso, as desembargadoras Raquel Lima e Madalena Caldeira candidataram-se respetivamente à Relação do Porto e de Guimarães e foram colocadas nestes dois tribunais superiores;
  • Mas — e aqui está a questão fundamental — o Conselho Superior de Magistratura decidiu a 14 de julho de 2023 que as juízas Raquel Lima e Madalena Caldeira só começariam a trabalhar nos seus novos postos após terem concluído o trabalho na Operação Marquês. Daí que tenha determinado a exclusividade nesse processo e a retirada dos seus nomes das escalas da Relação do Porto e de Guimarães. O CSM é o órgão de gestão da magistratura judicial e tem competência para tomar esta decisão.

Apesar desta decisão, Pedro Delille persistiu em repetir os seus argumentos, alegando que o CSM desrespeitou a lei por não ter legitimidade para tomar a decisão que tomou. Assim, seguindo o raciocínio do advogado de Sócrates, as duas desembargadoras estão impedidas de tomar qualquer decisão na Relação de Lisboa, logo deviam ter-se declarado impedidas. Ao não o fazerem, tornaram o acórdão de pronúncia nulo.

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O advogado de Sócrates alegou outra nulidade: os arguidos não foram notificados das decisões.

João Costa Andrade, advogado de José Paulo Pinto de Sousa (primo de José Sócrates pronunciado por dois crimes de branqueamento de capitais) que tem sido um grande aliado de Pedro Delille, alegou exatamente o mesmo: independentemente de os advogados terem sido notificados do acórdão de 25 de janeiro, os respetivos clientes e arguidos também o deveriam ter sido, alega.

E expôs exatamente os mesmos argumentos que Pedro Delille em relação ao coletivo. Estamos perante um “acórdão inexistente porque a composição do coletivo foi executada de forma irregular.”

Passados uns dias desse 30 de janeiro, a defesa de José Sócrates voltou a apresentar um segundo requerimento defendendo que se verificou uma alteração substancial dos factos e uma alegada alteração ilícita da qualificação jurídica dos crimes de corrupção imputados ao ex-primeiro-ministro e a outros arguidos.

A Relação de Lisboa, como o MP também tinha defendido, constatou que os procuradores cometeram um lapso de escrita quando escreveram a imputação formal, porque os factos que narram na acusação são de um crime de corrupção para ato ilícito. E foi isso mesmo que a Relação de Lisboa decidiu, corrigindo o lapso.

Tudo começou com o juiz de instrução Ivo Rosa, que detetou um erro no despacho de acusação do Ministério Público: um dos crimes de corrupção imputados a José Sócrates era descrito como sendo de corrupção para ato lícito, o que teria como consequência a sua prescrição.

A Relação de Lisboa, como o Ministério Público também tinha defendido, constatou que os procuradores cometeram um lapso de escrita quando escreveram a imputação formal, porque os factos que narram na acusação são de um crime de corrupção para ato ilícito. E foi isso mesmo que a Relação de Lisboa decidiu, corrigindo o lapso no texto do despacho de pronúncia — o que é contestado por José Sócrates e pelo seu primo José Paulo Pinto de Sousa.

Outros arguidos, como Carlos Santos Silva (defendido pela advogada Paula Lourenço) e Joaquim Barroca (representado pelo advogado Castanheira Neves, que defende igualmente as empresas do Grupo Lena) também apresentaram requerimentos de nulidade.

As outras nulidades invocadas são:

  •  Além da alteração da qualificação jurídica do crime de corrupção, os advogados de Carlos Santos Silva e de Joaquim Barroca também se queixaram que a Relação de Lisboa tinha feito a mesma coisa com os crimes de fraude fiscal qualificada;
  • Vários advogados queixaram-se ainda da alteração substancial dos factos, o que corresponde a uma alteração dos factos descritos na acusação;
  • Há queixas também de violação do caso julgado formal;
  • De excesso de pronúncia — as juízas teriam ido além do que estava descrito na acusação do MP —, mas também de omissão de pronúncia — as desembargadoras não se teriam pronunciado sobre uma parte dos argumentos apresentados pelas defesas;
  • E de diversas inconstitucionalidades, alegadas por vários advogados.

Todos estes argumentos foram rejeitados por um acórdão da Relação de Lisboa de 2 de maio, como o Observador explicou aqui. Mas, entrentanto, José Sócrates ainda tentou apresentar mais um incidente de recusa das juízas Raquel Lima (relatora), Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira — que foi rejeitado pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Operação Marquês. Julgamento de José Sócrates é inevitável e poderá começar este ano

O juiz desembargador Manuel Soares, então presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses,  afirmou em março de 2023 que José Sócrates tinha apresentado em nove meses, e num só tribunal de recurso, cerca de 23 incidentes de recusa de magistrados judiciais.

“Será normal, legítimo, aceitável, que um só advogado [Pedro Delille], num só tribunal de recurso, em 9 meses, suscite 23 incidentes de recusa dos juízes, 2, 3 e 4  vezes nos mesmos processos e que não haja maneira de pôr termo a isso, apesar das sucessivas decisões que negam provimento aos seus pedidos?”, questionou Manuel Soares, sob o olhar atento do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, do então presidente do Supremo (conselheiro Henrique Araújo) e da então ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro.

“Será normal, legítimo, aceitável, que um só advogado [Pedro Delille], num só tribunal de recurso, em 9 meses, suscite 23 incidentes de recusa dos juízes, 2, 3 e 4  vezes nos mesmos processos e que não haja maneira de por termo a isso, apesar das sucessivas decisões que negam provimento aos seus pedidos?”.
Desembargador Manuel Soares

O contexto das declarações de Manuel Soares era a então ausência de regulamentação do sorteio dos juízes nos tribunais superiores, mas o diagnóstico era o mesmo que persiste hoje: a ineficiência da administração da Justiça na tramitação da Operação Marquês.

Em março de 2023, o número de juízes que Sócrates tentou rejeitar — sempre sem sucesso — era de 23. Passado mais de um ano e oito meses, o número já subiu para perto de 30 incidentes de recusa. Mas deve continuar a subir. Sócrates pode tentar recusar todos — não é gralha é mesmo “todos” — os juízes que tenham contacto com os seus processos. Se, por absurdo, cada um dos cerca de 1.800 juízes no ativo tiverem contacto com os seus autos, o ex-primeiro-ministro pode apresentar 1.800 incidentes de recusa.

As jogadas de antecipação de Sócrates, as pedras na engrenagem e o caps lock de Delille

A forma como José Sócrates se tenta antecipar às decisões que são tomadas, interpondo novos incidentes, também ajuda a explicar a morosidade na tramitação dos autos da Operação Marquês.

Eis dois exemplos.

Quando um segundo coletivo da Relação de Lisboa, composto pelas desembargadoras Maria José Cortes e Maria Rosário Silva Martins, decidiu anular a decisão de pronúncia de Ivo Rosa, José Sócrates falou de vitória total, alegando que essa decisão tinha interferência na decisão de 25 janeiro de 2024.

Porque é que o recurso do MP para julgar José Sócrates demorou quase dois anos a chegar à Relação de Lisboa?

Como o Observador explicou aqui, não tem nenhuma interferência. A polémica decisão instrutória de Ivo Rosa de abril de 2021 teve como consequência que os autos da Operação Marquês se tivessem dividido em dois blocos:

  • Bloco A — O despacho de pronúncia para julgamento em quatro processos autónomos de José Sócrates e Carlos Santos Silva, do ex-banqueiro Ricardo Salgado, do ex-ministro Armando Vara e do motorista João Perna;
  • Bloco B — E o despacho de não pronúncia que levou ao arquivamento de 172 dos 189 crimes que o Ministério Público imputava a José Sócrates e mais 27 arguidos.

Ora, a decisão de março de 2024 da Relação de Lisboa tem a ver como Bloco A e apenas diz respeito aos três crimes de falsificação de documento e de branqueamento de capitais que levaram Ivo Rosa a pronunciar José Sócrates para julgamento. As desembargadoras Maria José Cortes e Maria Rosário Silva Martins anularam tal decisão e ordenaram que o Tribunal Central de Instrução Criminal tomasse essa decisão.

Depois de mais um incidente processual — desta vez, um conflito de competências criado pela juíza Sofia Pires —, esta magistrada está a refazer a decisão de Ivo Rosa, obedecendo assim à Relação de Lisboa.

Já a decisão de 25 de janeiro de 2024 tem só a ver com o Bloco B.

Resumindo: não há nenhuma relação entre as duas decisões da Relação de Lisboa. Têm a ver com dois processos que até têm uma numeração diferente.

Segundo exemplo. Ainda antes da decisão de 2 de maio das desembargadora Raquel Lima (relatora), Madalena Caldeira e Micaela Rodrigues, José Sócrates tentou a impugnação desse coletivo junto do Conselho Superior da Magistratura — que rejeitou o requerimento do ex-primeiro-ministro. Este ameaçou depois tentar impugnar tal decisão judicial.

Operação Marquês. Quem vai a julgamento e por que crimes?

Quando não se tenta antecipar, Sócrates age imediatamente a seguir às decisões para tentar ‘colocar novas pedras’ na engrenagem da administração da Justiça. Foi o que aconteceu logo a seguir à decisão de 2 de maio.

Apenas doze dias depois de o Supremo ter rejeitado um pedido de recusa de Sócrates contra as desembargadoras Raquel Lima (relatora) e Madalena Caldeira — por terem sido colocadas noutros tribunais da Relação —, o advogado Pedro Delille voltou a agir. Simplesmente porque as juízas desembargadoras não aceitaram os seus argumentos, já antes apresentados, voltou a pedir a recusa das magistradas e terminou o requerimento em caps lock (maiúsculas):

“TERMO EM QUE O RECURSO DEVE SER ADMITIDO COM O EFEITO E O REGIME DE SUBIDA INDICADO NO REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO E JULGADO INTEIRAMENTE PROCEDENTE, SENDO DECLARADO QUE AS JUÍZAS VISADAS SE ENCONTRAM EM SITUAÇÃO DE IMPEDIMENTO DESDE 1 DE SETEMBRO DE 2023”.

Pedro Delille voltou a pedir a recusa das magistradas e termiou o requerimento em caps lock: “TERMO EM QUE O RECURSO DEVE SER ADMITIDO (...) SENDO DECLARADO QUE AS JUÍZAS VISADAS SE ENCONTRAM EM SITUAÇÃO DE IMPEDIMENTO DESDE 1 DE SETEMBRO DE 2023”.

O STJ recusou o requerimento a 21 de junho de 2024. Mas José Sócrates já tinha feito passar mais um mês e meio de tramitação processual.

Recursos para o Tribunal Constitucional devolutivos — que ainda não foram decididos

Como dito em cima, a decisão de 2 de maio marca o último ato das desembargadoras Raquel Lima (relatora), Madalena Caldeira e Micaela Rodrigues na Operação Marquês. A primeira foi para Relação do Porto, a segunda para a Relação de Guimarães e a terceira manteve-se na Relação de Lisboa, mas dedicou-se a outros processos.

Assim, o desembargador Francisco Henriques — que foi promovido a desembargador no movimento do ano passado, depois de nos últimos anos como juiz de direito ter tomado decisões relevantes, como a condenação de Ricardo Salgado e de João Rendeiro e restantes administradores do Banco Privado Português  — foi designado para ser o novo titular dos autos da Operação Marquês.

Logo a 24 de junho tomou decisões relevantes, admitindo todos recursos de inconstitucionalidade sobre a decisão de 25 de janeiro das suas colegas Raquel Lima, Madalena Caldeira e Micaela Rodrigues. Este é o único recurso admissível de uma decisão de pronúncia para julgamento de um tribunal da Relação, mas tem um particularidade clara na lei: só é admissível com efeito devolutivo. Ou seja, não suspende a marcha do processo.

O desembargador Francisco Henriques — que condenou Ricardo Salgado e João Rendeiro — foi designado como novo titular dos autos da Operação Marquês. Logo a 24 de junho admitiu todos os recursos de inconstitucionalidade sobre a decisão que obrigou ao julgamento de José Sócrates, com uma particularidade — o efeito do recurso é devolutivo: não impede a marcha do processo.

E foi isso mesmo que o desembargador decidiu para os recursos de inconstitucionalidade apresentados por José Sócrates, Armando Vara e Carlos Santos Silva — que, ao que o Observador apurou, ainda não foram decididos no Constitucional.

Francisco Henriques decidiu ainda rejeitar outro requerimento de José Sócrates (datado de 29 de maio de 2024) em que suscitou mais uma nulidade e pediu à Relação de Lisboa que mandasse baixar os autos à primeira instância ou proceder a nova distribuição do processo dentro daquele tribunal superior.

Pormenor: a reclamação era dirigida à presidente da Relação de Lisboa. Porquê? Porque, ao ser manifestamente infundado, permitiria assim apresentar uma reclamação para o Supremo.

E foi o que aconteceu: o desembargador Francisco Henriques rejeitou tal reclamação por a presidente da Relação de Lisboa (cargo ocupado pela desembargadora Guilhermina de Freitas) não ter competências legais para apreciar tal reclamação e a defesa apresentou nova reclamação no STJ.

Novo desembargador relator demora três meses a apreciar reclamações

Os advogados Pedro Delille e João Costa Andrade deixaram o prazo que tinham para recorrer esticar ao máximo e a 11 de julho, a quatro dias do início das férias judiciais, interpuseram reclamações para o presidente do STJ (cargo ocupado agora pelo conselheiro João Cura Mariano, desde 5 de junho) por o seu recurso não ter sido admitido por Francisco Henriques.

Sendo que Pedro Delille apresentou também reclamação à conferência da Relação de Lisboa — cujo o resultado não está nos autos consultados pelo Observador no STJ.

PT, BES e Vale do Lobo. Como Sócrates terá sido corrompido desde o 1.º dia

As férias judiciais duraram este ano de 16 de julho a 31 de agosto, mas o desembargador Francisco Henriques só veio a decidir a admissão destas reclamações para o Supremo e para a conferência da Relação de Lisboa no dia 1 de outubro. Ou seja, quase três meses após as mesmas terem sido apresentadas. Mesmo se descontarmos o mês e meio das férias judiciais, mesmo assim estamos a falar entre 30 a 40 dias de tempo só para decidir a admissão das reclamações.

E aqui volta a ter relevância o facto de os autos terem perdido o carácter de urgência — acrescentando-se a esta questão outro facto importante: o juiz desembargador Francisco Henriques não está em exclusividade nos autos da Operação Marquês.

Ou seja, se o carácter de urgência não tivesse caído em janeiro de 2024, o relator Francisco Henriques teriam tido legitimidade processual para admitir as reclamações de Delille e de Costa Andrade entre 15 de julho e 31 de agosto. Ou teria dado a decisão de forma urgente porque os autos teriam prioridade face as outros processos que terá certamente em mãos.

De acordo com a consulta feita pelo Observador aos autos no STJ, o conselheiro Cura Mariano delegou a decisão no seu vice-presidente Nuno Gonçalves — seguindo a prática do seu antecessor Henrique Araújo — e este rapidamente decidiu a 17 de outubro.

Além de ter rejeitado a pretensão de José Paulo Pinto de Sousa, que simplesmente aderiu ao recurso do seu primo sem ter apresentado qualquer recurso independente, o conselheiro Nuno Gonçalves também rejeitou os argumentos da defesa de José Sócrates, mas com uma fundamentação diferente da de Francisco Henriques. Ou seja, argumentando que a lei pura e simplesmente não admite recurso para o Supremo de decisões como aquela que a Relação de Lisboa tomou ao recusar reconhecer o impedimento das desembargadoras Raquel Lima e Madalena Caldeira.

No momento em que o Observador consultou os autos no STJ, no dia 8 de novembro, faltava ainda decidir a reclamação do arguido José Paulo Pinto de Sousa sobre o despacho das desembargadoras de 2 de maio de 2024, que decidiu “julgar improcedentes todos os requerimentos efetuados”. A reclamação foi apresentada a 11 de julho de 2024, mas ainda não tinha sido decidida.

É muito provável que venha ser rejeitada, porque o objeto da reclamação prende-se com a “composição do tribunal que proferiu a decisão que revogou a decisão de não pronúncia” — um argumento que já foi utilizado um número indeterminado de vezes por José Sócrates e José Paulo Pinto de Sousa sem qualquer sucesso.

Além de ter rejeitado a pretensão de José Paulo Pinto de Sousa, que simplesmente aderiu ao recurso do seu primo sem ter apresentado qualquer recurso independente, o conselheiro Nuno Gonçalves também rejeitou os argumentos da defesa de José Sócrates: a lei pura e simplesmente não admite recurso para o Supremo.

Significa isto que a baixa dos autos da Relação de Lisboa para o Juiz Central Criminal de Lisboa está perto e teremos uma data para o início do julgamento de José Sócrates e dos restantes arguidos em breve? Não necessariamente.

Segundo informação de fonte oficial do Conselho Superior da Magistratura, o ponto atual da tramitação da Operação Marquês prevê uma nova conferência da 3.ª secção, à qual pertence o desembargador Francisco Henriques, para o dia 20 de novembro, na próxima quarta-feira.

Mas isso não significa que a interminável entrada de recursos e incidentes processuais (reclamações, nulidades, aclarações, entre outros expedientes) vá ficar no imediato encerrada.

Apesar de fonte oficial do Conselho Superior de Magistratura reconhecer que “a complexidade dos autos e o número significativo de recursos e incidentes apresentados, como acontece neste caso, são alguns dos fatores que podem influenciar o tempo necessário para uma decisão” em tempo útil, ninguém sabe ao certo quantos recursos e incidentes processuais já foram apresentados por José Sócrates desde o momento em que foi detido no dia 21 de novembro de 2014 no Aeroporto da Portela, em Lisboa.

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