Manuel Soares, líder da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, interpelou diretamente a ministra Catarina Sarmento e Casto a aprovar “imediatamente” a lei da distribuição eletrónica dos juízes. A titular da pasta da Justiça já prometeu a regulamentação até ao verão mas Soares insiste que a alteração é urgente.

No discurso de encerramento do XII Congresso da Associação Sindical de Juízes Portugueses, que decorreu no Funchal entre quinta-feira e este sábado dedicado ao tema “Democracia, Direitos, Desenvolvimento”, o desembargador Manuel Soares deu mesmo o exemplo da Operação Marquês, sem referir os autos que têm José Sócrates como principal arguido, para fundamentar a urgência de tal regulamentação.

“Será normal, legítimo, aceitável, que um só advogado, num só tribunal de  recurso, em 9 meses, suscite 23 incidentes de recusa dos juízes, 2, 3 e 4  vezes nos mesmos processos e que não haja maneira de por termo a isso,  apesar das sucessivas decisões que negam provimento aos seus pedidos?”, questionou Manuel Soares, sob o olhar atento do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, do presidente do Supremo Tribunal de Justiça (conselheiro Henrique Araújo) e da ministra da Justiça.

Portaria sobre sorteio de processos a juízes na AR até ao verão, garante ministra

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Sra. Ministra [Catarina Sarmento e Castro], aquela lei tem de ser regulamentada imediatamente, não só  porque o que lá está nos parece acertada, mas para acabar com estas  situações de verdadeira chicana processual”, concluiu, sob a aplauso generalizado dos juízes presentes no Congresso.

Recorde-se que a lei foi aprovada na Assembleia da República no verão de 2021 mas, desde a sua entrada em vigor, que aguarda a sua regulamentação. A ministra Catarina Sarmento e Castro considera que a lei não está adaptada à realidade diária dos tribunais, como os magistrados judiciais e do Ministério Público tinha afirmado antes da mesma lei ser aprovada no Parlamento, e por isso quer alterá-la antes de a regulamentar.

Ministra da Justiça não responde sobre o sorteio dos juízes

Catarina Sarmento e Castro discursou logo a seguir a Manuel Soares mas optou por seguir o texto escrito e não respondeu ao repto lançamento pelo presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses. Como também decidiu não se referir à greve dos funcionários judiciais que, desde janeiro, tem levado a anulação de milhares de diligências — e sobre a qual o Governo já pediu um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

A ministra da Justiça falou sobre “um primeiro pacote de diplomas no âmbito da Justiça Administrativa e Fiscal” — uma jurisdição responsável por grande parte dos atrasos da Justiça e que tem um tempo médio de resolução superior a 7 anos.

Desse pacote faz parte o “diploma que dotará o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais dos meios necessários a uma gestão mais eficiente, mais célere e mais transparente da jurisdição administrativa e fiscal, promovendo o aumento da capacidade de resposta desta jurisdição, cumprindo o que está em falta desde os anos 80”, afirmou Sarmento e Castro.

“Assim, designadamente, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais passa a dispor de autonomia administrativa e financeira e de orçamento próprio, inscrito nos encargos gerais do Orçamento do Estado, em termos idênticos ao que o Estatuto dos Magistrados Judiciais estabelece relativamente ao Conselho Superior da Magistratura, num claro reforço das garantias de independência do poder judicial, por um lado, propiciando reforço das garantias de transparência, por outro”, concluiu.

Grupo de trabalho para combater a ineficiência no combate ao crime económico

O desembargador Manuel Soares defendeu igualmente a criação de um grupo de trabalho para combater os problemas específicos dos grandes processos da criminalidade económico-financeira.

Sócrates invoca falta de sorteio eletrónico para afastar juízas de Relação

“Não podemos continuar a olhar para isto como se nada fosse, parecendo  cúmplices de uma ineficiência que objectivamente beneficia a impunidade de pessoas poderosas a quem o Estado de direito bateu à porta. É preciso, já, criar um grupo de trabalho que faça uma análise retrospectiva  dos processos já terminados, localizando os momentos e causas dos  bloqueios e propondo soluções para os eliminar, dentro dos princípios do  sistema e com respeito pelas garantias constitucionais”, afirmou.

Manuel Soares acrescentou ainda que os juízes não defendem “limitações desproporcionais  no exercício legítimo dos direitos processuais dos arguidos e nas garantias de  defesa”, mas querem uma “intervenção legislativa que acabe com as  possibilidades de exercício abusivo, e por isso ilegítimo, desses direitos.”

Por isso mesmo, voltou a defender, por exemplo, que a “lei conceda ao juiz o poder de, por decisão irrecorrível,  determinar o prosseguimento do processo sem entraves até ao julgamento,  relegando para um apenso toda a discussão dos incidentes supérfluos e  anómalos e para o momento do recurso final a verificação da sua pertinência.”

Pessimismo sobre uma reforma da Justiça

No encerramento de um congresso em que se falou muito da reforma da Justiça, até porque o think tank da Associação Sindical dos Juízes Portugueses apresentou numa das sessões as conclusões do seu relatório sobre uma “Agenda para a Reforma da Justiça”, Manuel Soares não deixou de revelar algum pessimismo sobre um eventual acordo entre os diferentes poderes judiciais e o próprio poder político, para tal reforma.

“CEO da TAP pode pedir 4 milhões de indemnização”

“Os políticos desconfiam dos juízes e dos procuradores do Ministério Público:  são corporativos, têm uma agenda de domínio da política pela justiça, não  têm legitimidade democrática, têm demasiado poder, são incontroláveis. As magistraturas desconfiam dos políticos: desejam diminuir a independência  dos tribunais e a autonomia do Ministério Público. Juízes, procuradores do Ministério Público e advogados, esses desconfiam  todos uns dos outros”, afirmou.

Veio isto a propósito de um segunda tentativa promovida pelo Presidente da República para promover um pacto para uma reforma da Justiça — repto lançado por Marcelo Rebelo de Sousa no discurso da abertura do ano judicial. A primeira tentativa data de 2016 e não produziu qualquer resultado legislativo, como recordou Manuel Soares.

O Observador acompanhou o XII Congresso da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) a convite da ASJP

Entrada do texto corrigida às 11h05 do dia 3 de maio de 2023