Terá sido numa conferência de imprensa em junho de 1961, sem que nenhum jornalista lhe tivesse feito sequer a pergunta, que Walter Ulbricht, então líder da República Democrática Alemã (RDA), falou pela primeira vez publicamente no assunto.
A cidade, em pleno Bloco Oriental, estava dividida há 16 anos em quatro setores (inglês, francês, americano e soviético); a tensão entre EUA e URSS estava mais forte do que nunca; e todos os dias escapavam, do leste comunista para o ocidente capitalista e via Berlim, milhares de pessoas. Mas quando Ulbricht falou — sem que tivesse sido questionado sobre o assunto, recorde-se —, foi para garantir que “ninguém” tinha a “intenção de construir um muro” em Berlim.
Não foi preciso passar muito tempo para se perceber que existia bem mais do que essa intenção. Na altura em que proferiu a frase, o plano secreto para a construção da fronteira que iria partir a cidade ao meio até já estava delineado. Só faltava mesmo que Nikita Khrushchev, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética e líder de metade do mundo partido em dois no pós Segunda Guerra Mundial, lhe desse autorização para o pôr em prática.
Apenas dois meses mais tarde, no dia 13 de agosto, os berlinenses acordaram para uma cidade divida com rolos de arame farpado e fortemente guardada por 40 mil polícias e militares armados que impediam a passagem de um lado para o outro da nova fronteira.
Ainda não era bem um muro, mas as fundações para a barreira de betão e ferro, que chegaria aos 155 quilómetros de comprimento, dentro e nos arredores de Berlim, e aos 3,6 metros de altura, estavam lançadas. Seria uma das poucas, se não mesmo a única muralha no mundo, construída para manter os seus cidadãos lá dentro e não para impedir outros de entrar.
Ao longo dos 28 anos seguintes, 75 mil pessoas terão sido detidas e pelo menos 169 (números oficiais da RDA) terão morrido enquanto tentavam fugir para o território da República Federal Alemã (RFA) — 136 atingidas a tiro, 33 vítimas de minas terrestres. Cerca de 5 mil terão conseguido chegar sãos e salvos a Berlim ocidental. Esta é a história de como tudo começou.
A reunião secreta
Durante anos, explica ao Observador o historiador alemão Matthias Uhl, professor no Instituto de História Alemã de Moscovo e autor de vários livros sobre o tema, permaneceu a dúvida sobre de quem teria partido a ideia para a construção do Muro de Berlim — se de Walter Ulbricht, desesperado pela fuga de cérebros da sua Alemanha para a Federal (entre 1949 e 1961 2,6 de 17 milhões de habitantes tinham cruzado a fronteira, a sua maioria via Berlim), se de Nikita Khrushchev, líder do bloco comunista, em rota de colisão com o recentemente eleito John F. Kennedy, presidente dos Estados Unidos.
Depois havia ainda uma terceira corrente que juntava os especialistas que acreditavam que, independentemente de quem tivesse partido a ideia, sem o discurso mais musculado que JFK proferiu a 25 de julho desse ano, sobre a cada vez mais tensa situação de Berlim, na altura uma meia ilha democrática mesmo no meio do Bloco Oriental, o muro não teria chegado a ser construído. Pelo menos não naquele momento.
Até que, em 2009, o próprio Matthias Uhl descobriu a transcrição de uma conversa telefónica entre Walter Ulbricht e Nikita Khrushchev, mantida ao longo de duas horas e 15 minutos, no dia 1 de agosto de 1961 — e a História tornou-se mais clara.
“Os detalhes sobre o encerramento da fronteira foram discutidos na conversa que Khrushchev e Ulbricht mantiveram a 1 de agosto de 1961 e, para além disso, há outras coisas importantes. Agora sabemos que o tão frequentemente citado discurso de Kennedy a 25 de julho de 1961 não teve qualquer papel na construção do Muro. Na manhã desse dia, oficiais dos exércitos da Alemanha Oriental e da União Soviética já se tinham encontrado em Wünsdorf, perto de Berlim, para discutir todas as questões sobre o fecho da fronteira. Isto não teria sido possível se a decisão de construir o Muro não tivesse sido tomada anteriormente em Moscovo”, explica ao Observador o historiador alemão.
Quem foi afinal responsável pela construção do muro? A resposta é a mais óbvia: os dois. “É historicamente justo apresentar o papel da União Soviética e mostrar que a construção do Muro não foi uma decisão solitária de Ulbricht, mas sim decidida em estreita coordenação com Khrushchev e com os militares soviéticos. Sem o apoio militar da União Soviética, que garantiu estrategicamente a construção do Muro, o fechamento da fronteira nunca teria ocorrido”, fundamenta o especialista, nascido dez anos após a construção, no território anteriormente conhecido como RDA.
A 1 de agosto de 1961, ao telefone, o líder da URSS começou por falar a Ulbricht sobre o discurso que o alemão tinha preparado para o encontro dos países membros do Pacto de Varsóvia, marcado para dali a dois dias, em Moscovo. “Já li o seu discurso e não tenho objeções. Gosto do seu discurso, realça as questões certas”, começou por dizer Khrushchev, mostrando desde o primeiro instante quem mandava.
“Tenho apenas um pequeno comentário, talvez seja menos um comentário do que uma opinião sobre uma formulação específica (…) O meu comentário diz respeito à página 14, onde levanta a questão do que fazer, dizendo: ‘Acreditamos que o regime soviético vai propor uma negociação às potências ocidentais’. Mas nós já o fizemos há dois anos, após 1958. Portanto, não pode dizer ‘vai propor’. Talvez nós até venhamos a propor alguma coisa, mas na verdade já o fizemos, com a publicação do nosso rascunho do tratado de paz. De resto, está tudo ok com o discurso”, continuou, sem interrupções de linha — ou do seu interlocutor.
Rapidamente a conversa evoluiu para a situação económica da RDA, com referências a cartões de racionamento, à escassez de leite, manteiga, vegetais e até batatas e a uma potencial introdução do milho nas colheitas, e daí para a “Republikflucht”, a “fuga da República”, o êxodo da RDA através de Berlim, à data a única brecha na chamada Cortina de Ferro que dividia a Europa em dois polos de influência.
Através de Berlim e desde 1945, um sexto da população da Alemanha Oriental tinha já fugido para o ocidente capitalista — e nem a temível Stasi, a polícia secreta do regime, chamada cerca de um ano antes para reforçar o controlo dos postos de fronteira, estava a conseguir conter a situação. Em média, só conseguia deter uma em cada cinco pessoas que tentavam sair. As que escapavam eram recebidas no campo de refugiados de Marienfeld, onde eram convidadas pelo Ocidente a revelar tudo o que sabiam sobre o modus operandi da RDA. Como se isso não bastasse, entre os desertores contavam-se cada vez mais “cérebros”: médicos, engenheiros e outros profissionais qualificados. Era urgente fazer alguma coisa.
“Muitos engenheiros fugiram da RDA. O que acha de lhe enviarmos alguns engenheiros da União Soviética? Estes não vão fugir. Mas, de uma perspetiva nacional, não sei se isso não lhe criaria dificuldades políticas. Decidam isso entre vocês. Mas alguma coisa tem de ser feita. Pedi ao nosso embaixador que lhe explicasse a minha ideia de que devíamos usar as atuais tensões com o Ocidente para pôr um anel de ferro em torno de Berlim. Seria fácil de explicar: estamos ameaçados de guerra e não queremos espiões entre nós. Os alemães vão aceitar esta justificação. E assim você pode atuar de acordo com os interesses do Pacto de Varsóvia, em vez de apenas no seu próprio interesse. Acho que as nossas tropas deviam tratar de colocar o anel e as suas deviam controlá-lo”, começou por oferecer Nikita Khrushchev.
Ulbricht queria explicar as políticas económicas da RDA e justificar o encerramento da fronteira antes de ela acontecer, mas Khrushchev disse-lhe logo que isso estava absolutamente fora de questão. “Antes de instituir o novo regime de fronteira, não deve explicar nada, isso só vai aumentar o êxodo de refugiados e pode provocar imenso tráfego (com as pessoas a tentarem sair enquanto ainda podem). Temos de fazer como fizemos com a mudança de moeda”, exemplificou, aludindo ao sucedido quatro anos antes, a 13 de outubro de 1957, quando, sem aviso prévio, a RDA mudou de moeda e fechou as fronteiras durante vários dias, fazendo com que os marcos da Alemanha Oriental na altura detidos por alemães da RFA perdessem todo o valor. “Vamos dar-lhe uma ou duas semanas para que possa preparar-se economicamente. Depois convoque o parlamento e anuncie o seguinte: a partir de amanhã, a guarda vai ser mobilizada e será proibido cruzar a fronteira”, ordenou.
Mais tarde, nas suas memórias, Nikita Khrushchev faria questão de recordar o dia: “A data para o início do fecho da fronteira era 13 de agosto de 1961. Brincávamos entre nós que no Ocidente o 13 era suposto ser um dia de azar. Fiz a piada de que para nós e para todo o mundo socialista ia ser um dia de muita sorte”.
A Operação Rosa
Dois dias depois de falarem ao telefone, Nikita Khrushchev e Walter Ulbricht encontraram-se pessoalmente em Moscovo, para a reunião do Pacto de Varsóvia e para tratar dos últimos detalhes da operação — nome de código: “Rosa”.
“Os dois líderes acordaram uma série de novas regras para a fronteira: o anel em torno de Berlim e os 84 pontos de passagem existentes seriam divididos. Oito mil homens iam estar envolvidos na operação. Os cidadãos da RFA só iam poder entrar em Berlim Oriental com autorização especial (de trabalho, por exemplo) e sem permissão seria proibido entrar em Berlim Ocidental. Todos os pedestres ou passageiros dos comboios com destino a Berlim Ocidental seriam controlados”, detalha-se em “Imposing, Maintaining, and Tearing Open the Iron Curtain: The Cold War and East-Central Europe, 1945–1989”, editado pela Universidade de Harvard.
O plano era tão secreto que só a 7 de agosto, seis dias antes do início da construção do Muro, é que Ulbricht informou o Politburo, o comité executivo do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED), das operações. Mesmo assim, conta o historiador Matthias Uhl, houve quem soubesse ainda mais tarde.
“Para além de Walter Ulbricht houve outras quatro pessoas decisivas para a Operação Rosa: Erich Honecker [à data secretário para questões de segurança do Politburo, dez anos depois sucessor de Ulbricht na liderança do SED e da RDA], Heinz Hoffmann (ministro da Defesa da RDA), Erich Mielke (ministro para a Segurança do Estado) e Erich Kramer (ministro dos Transportes). Foram criadas várias equipas preparatórias. Às 10h do dia 9 de agosto, um grupo operacional do Ministério da Defesa da RDA reuniu-se no castelo de Wilkendorf, perto de Strausberg. A reunião, a que assistiram apenas onze oficiais, foi orientada diretamente pelo ministro da Defesa Hoffmann e pelo chefe de gabinete Riedel. Para manter o sigilo, este grupo, ignorando os níveis de comando militar do distrito e das divisões militares, decidiu todos os planos operacionais até ao nível do 1.º e do 8.º regimentos de artilharia móvel, bem como todas as medidas necessárias para o aumento dos níveis de prontidão de todo o Exército Nacional Popular. As ordens e os documentos tinham de estar prontos no dia 12 de agosto, às 6h da manhã”, conta o historiador.
“Mais ou menos à mesma hora, foi formado um grupo operacional do Ministério do Interior, na Escola de Polícia da Volkspolizei em Biesenthal, perto de Berlim, sob a liderança do vice-ministro do Interior, o Major General Willi Seifert. Foram eles que elaboraram todos os planos para o encerramento dos pontos de passagem de fronteira para Berlim Ocidental, incluindo as linhas ferroviárias S, U e algumas linhas de longa distância.”
Algumas horas mais tarde, por volta das 16h de dia 12 de agosto, Walter Ulbricht pegou numa caneta para assinar a derradeira ordem. Logo a seguir, convidou uma série de destacados funcionários do governo e do SED para jantar na sua casa de campo, no norte de Berlim. Patrick Major, professor de História Moderna na Universidade de Reading e autor dois livros sobre o Muro de Berlim, contou num texto escrito para a revista especial de História da BBC que, a dada altura, naquele que terá sido um dos seus raros momentos de humor, Walter Ulbricht se virou para o embaixador soviético e disse: “Não vou deixar ninguém sair daqui até a operação acabar”.
“Os líderes reunidos estavam um pouco desconcertados pela onda de piadas e interlúdios musicais, até que, perto das 21h30, Ulbricht os convocou de repente para uma sessão de emergência do Conselho de Ministros para aprovar as medidas que estavam por vir. Quando os convidados se separaram, por volta da meia-noite, o caminho de regresso para Berlim já estava cheio de tanques russos”, relata Major. Ao todo e até então, de acordo com as estimativas do historiador, só 60 pessoas sabiam que a Operação Rosa ia acontecer.
De sábado para domingo
Não foi por acaso que tudo aconteceu de 12 para 13 de agosto, num fim de semana, às primeiras horas de domingo, quando ninguém tinha de sair para trabalhar ou ir à escola. Naquela altura, de acordo com Patrick Major, seriam cerca de 60 mil os “grenzgänger”, uma espécie de passageiros da Guerra Fria, que todos os dias passavam de um lado para o outro da fronteira, para trabalhar ou estudar. “Muitos deles eram mulheres, membros da ‘brigada do esfregão’, que trabalhavam sem contratos em troca de poucos e sofridos marcos alemães. Alguns jovens, alemães de leste, até já tinham aprendido a usar a fronteira, por exemplo, alguns dos que iam ter de fazer o serviço militar, passavam para o outro lado por um tempo para se ‘contaminarem’ no Ocidente”, relata o historiador.
O próprio Walter Ulbricht, durante a fatídica conversa telefónica com Khrushchev, falou em 14 mil pessoas, “entre eles grande parte da intelligentsia”, que à data viviam em Berlim Oriental mas trabalhavam do outro lado da cidade. “Também temos alguns milhares de crianças, principalmente de famílias pequeno-burguesas, que vivem em Berlim Oriental e estudam em Berlim Ocidental”, acrescentou ainda. “Isso tem de acabar”, foi a resposta que ouviu do lado de lá da linha, desde Moscovo.
Já as famílias, os amigos e os casais que, naquele fim de semana, acordaram separados à força nunca chegaram sequer a fazer parte das estatísticas.
Anos mais tarde, Donald P. Steury, historiador da CIA, a agência central de inteligência americana, descreveria aquelas primeiras horas: “Pouco passava da meia-noite quando, na madrugada de 13 de agosto de 1961, soldados da Alemanha Oriental saltaram de camiões em vários locais no centro de Berlim. Trabalhando de forma rápida, descarregaram rolos de arame farpado e, em poucas horas, estabeleceram uma barreira ao longo do centro da cidade. Foram colocados guardas a cada x metros de distância, e numa questão de horas Berlim estava partida em dois. O Muro de Berlim começava a ganhar vida”.
Na altura, apesar da miríade de espiões e contra-espiões presentes na cidade, onde o pânico do nuclear era ainda mais palpável do que no resto do mundo, o bloco ocidental foi tão apanhado de surpresa como os berlinenses. Isto apesar de, revelaria também Steury mais tarde, a CIA já ter avisado, primeiro em novembro de 1957 e depois em maio de 1959, para a possibilidade do fecho de fronteiras por parte da RDA “como forma de pressionar o Ocidente”.
O problema, de acordo com Patrick Major, terá sido mesmo o de excesso de informação: havia tanta gente a reportar tanta coisa a tantas entidades diferentes que ninguém conseguiu juntar as peças e perceber o que ia de facto acontecer. Por isso mesmo, e apesar de até ter havido relatos de acumulação de rolos de arame farpado, no dia 2 de agosto os militares americanos em Berlim reportaram: “Situação em grande medida igual à da semana passada”. Dez dias depois, os britânicos não fizeram melhor: “Provavelmente os russos estão mais preocupados com os riscos de distúrbios que poderão ocorrer caso as rotas de fuga sejam completamente cortadas do que com os danos que estão a ser provocados à RDA”.
Reinhard Gehlen, então chefe do BND, os serviços secretos externos da RFA, garantiria nas suas memórias que teria sido informado antecipadamente sobre a Operação Rosa — e a verdade é que, em julho desse ano, assinou um memorando a considerar o fecho de fronteiras “uma possibilidade real e iminente”. O facto de não ter sido apoiado pelos serviços secretos internos da RFA, a Verfassungsschutz, que alguns dias mais tarde garantiu ao então chanceler Konrad Adenauer que, apesar de “a ilha de Berlim Ocidental se ter convertido numa questão de vida ou morte para o regime comunista”, maiores restrições de viagem seriam “intoleráveis para toda a população”, poderá ter deitado tudo a perder.
Foi apenas mais uma falha, garante Patrick Major: também o “superespião” Oleg Penkovsky, agente duplo do GRU (o serviço de inteligência militar da URSS) e da CIA, que dois anos depois seria condenado à morte por traição, teria descoberto o plano secreto da RDA quatro dias antes de a Operação Rosa arrancar. “Soube da ação iminente a 9 de agosto mas não conseguiu transmitir a informação a tempo”, explicou recentemente o historiador.
Sem que nada lhes tentasse ao menos barrar o caminho, terão sido cerca de 40 mil os homens — militares e da polícia da RDA —, que naquela madrugada, em silêncio de rádio, selaram os pontos de passagem ainda existentes entre Berlim Oriental e Berlim Ocidental, em dois cordões humanos, secundados por um terceiro, já nos limites exteriores da cidade, assegurado por militares e tanques de guerra soviéticos.
Ao todo, terão sido utilizados mais de 10 mil quilómetros de arame farpado. Só na quinta-feira seguinte, dia 17, quando percebeu que o Ocidente não ia tentar sequer retaliar, é que o líder da RDA deu ordem para a construção do muro de facto, com blocos e postes de cimento, mais resistentes e duradouros.
Dois dias antes, numa altura em que a circulação de comboios e metro também já tinha sido interrompida, Hagen Koch, um recruta da Stasi de 21 anos apenas mas com formação em engenharia técnica, tinha sido chamado ao superior. “Vai comprar umas botas novas”, foi a primeira ordem que recebeu. A segunda ordem foi esta: andar mais de 50 km a pé para marcar a zona onde o Muro ia crescer.
“Era um dia de verão como qualquer outro. Quando chegámos à zona onde viria a ser o Checkpoint Charlie, havia uma multidão de manifestantes do lado ocidental a gritar connosco. Tinha a perna esquerda no leste e a direita no oeste e marquei a minha linha branca através da estrada. Concentrei-me na linha, e não no que estava a acontecer à minha volta. Pensei para mim mesmo que os que estavam do lado de lá eram inimigos, ladrões e aproveitadores”, contou Koch em 2003 à australiana Anna Funder, autora de “Stasiland”. “Quando acabei, começaram a construir o muro.”
Os trabalhos levaram meses. A primeira morte provocada pelo Muro não demorou nem dez dias a ser registada. Ida Siekmann, de 58 anos, morreu a 22 de agosto, quando saltou do terceiro andar do prédio onde vivia, na Bernauer Straße — do lado de lá da janela era a RFA. Dois dias depois, Günter Litfin, um alfaiate de apenas 24 anos, tentou escapar de Berlim Oriental a nado, por um dos canais do Spree — foi alvejado mortalmente por um dos guardas da nova fronteira.
Assim que soube da construção da barreira, John F. Kennedy terá respirado de alívio pela não agressão de Khrushchev. “Um muro não é muito agradável, mas é muito melhor que uma guerra”, disse aos colaboradores mais próximos.
Menos de dois anos depois, a 26 de junho de 1963, o então presidente americano visitou Berlim Ocidental e entrou para a história dos discursos com o famoso “Ich bin ein Berliner”. Cinco meses mais tarde, no dia 22 de novembro de 1963, JFK foi assassinado a tiro, enquanto desfilava pelas ruas de Dallas, sentado no segundo banco traseiro da limusina presidencial.
Passar-se-iam 26 anos até o Muro finalmente começar a cair em Berlim, há já três décadas. Foi a 9 de novembro de 1989, até então e desde 1938 uma data de horror para a Alemanha e para o mundo — a da Kristallnacht, a “Noite dos Cristais”, que marcou o início do Holocausto.