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Marcelo Rebelo de Sousa estabeleceu um novo patamar. Beijinhos, abraços e apertos de mão sempre houve nas campanhas eleitorais, mas o atual Presidente da República tornou aquilo a que ele chamou de afetos numa nova linguagem política. Mais do que isso: numa forma de comunicação com o povo. Marcelo beijoca e abraça tudo o que lhe aparece pela frente, mas faz mais: afaga, toca, dá turras e anima. O novo patamar é Marcelo, o nível 20 dos afetos. Será tudo genuíno? Nem sempre. Mesmo com a artificialidade das campanhas, para chegar a Marcelo um candidato tem de transportar um beijoqueiro dentro de si que solta sem controlo no contacto com o povo. Há quem não consiga. Há quem se esforce. Há quem esteja quase ao nível Marcelo. A partir da experiência de seis repórteres do Observador no terreno avaliamos a quantidade de afetos que cada candidato distribui, e se o faz de forma genuína, com esforço, com distância ou se não o faz de todo. Pistas: Assunção Cristas é a que está mais perto do nível Marcelo e Fernando Medina é uma revelação e o caso mais surpreendente. O pior, de longe, é Álvaro Almeida, o candidato do PSD ao Porto que não quer incomodar os eleitores e não tem jeitinho nenhum para lidar com as pessoas.

Fernando Medina. O beijoqueiro inesperado

O candidato do PS e presidente da câmara revelou uma inesperada faceta a dar e a receber beijocas (João Porfírio/Observador)

Ficámos a saber que se tiver de optar por uma futebolada com quem por ali estiver ou um comício de campanha, ganha o relvado. Ainda assim, Fernando Medina não é peixe que se mova mal no exigente período de campanha, sendo que ser o homem do poder na câmara lhe dá uma ajuda preciosa no impacto por onde passa. Seja como for, não se acanha, entre as pessoas na rua ou até entre os peixes do mercado. Salta para o outro lado da banca, beija as peixeiras todas (foi assim no Mercado da Ajuda), posa para a fotografia, elas dão-lhe o braço porque a mão está molhada do trabalho, ele pega no antebraço com a sua e aperta a mão suja sem cerimónias. Escuta queixas com atenção, embora não tenha uma paciência exemplar quando um munícipe insiste demasiado, mesmo depois do argumento presidencial. “Vá, adeus”, foi como encerrou uma conversa que o irritou mais com uma senhora na Feira da Luz. É verdade que há uma diferença entre o Medina de há uma semana — com a polémica da sua casa ainda fresca — e o Medina do pós-sondagens. A boa disposição tem crescido e o à vontade na rua também. Trata quem a ele se dirige como se conhecesse o interlocutor, dá abraços sem problemas, tira as selfies que lhe pedem (calma, vai bem longe do fenómeno da “marcelfie”), distribui apertos de mão, beijinhos em dose dupla. Está no caminho do timoneiro deste barómetro de afetos, mas tem um handicap de relevo para chegar ao topo: recusa convites para dançar. Mesmo quando lhe é dedicado, no Bairro da Boavista, um hit de valor em qualquer festa popular: “Morena Kuduro”, de José Malhoa. Era ver Marcelo…

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De zero a Marcelo: 17 valores

Assunção Cristas. “Até à cozinha fui dar beijinhos”

A líder do CDS e candidata a Lisboa é uma beijoqueira e abraçadeira. Está quase no nível Marcelo (João Porfírio/Observador)

“Ó Dona Crista, ó Dona Crista, não se vá embora que eu quero uma selfie!”. Natália, funcionária de uma movimentada pastelaria de Campo de Ourique, não quer desperdiçar a oportunidade de deixar registada a passagem pelo bairro da líder do CDS e candidata a Lisboa. Assunção Cristas acede e vai prontamente para trás do balcão. Põe o braço à volta dos interlocutores, tira fotografias, e ainda vai à cozinha distribuir beijinhos. “Até à cozinha fui dar beijinhos. Se fosse tudo assim tínhamos maioria absoluta”. Cristas anda sempre satisfeita, ou pelo menos assim parece. “Preciso de mais folhetos! Onde estão os folhetos?”. Esgota-os num instante porque palmilha as ruas dos vários bairros de Lisboa em passo acelerado. “Ando rápido porque não há tempo a perder, dia 1 de outubro é já para a semana e quero chegar ao maior número de pessoas presencialmente. Não há nada que substitua o olhar as pessoas nos olhos”, diz, para explicar a razão de pôr o turbo como se cada folheto que entrega fosse mais um voto que conquista. Aproxima-se das pessoas com o seu melhor sorriso e pede autorização para lhes entregar o folheto informativo. Se sentir um mínimo de recetividade, parte para o beijinho. Se do mínimo passar a médio/máximo, vai ao abraço. Assunção Cristas esforça-se por ser um fenómeno de popularidade e talvez esteja a colher alguns frutos. É reconhecida na rua, disso não há dúvida. Num café em Alvalade, uma senhora de idade nem cabia em si de incredulidade quando a avistou: “É a Assunção Cristas? É mesmo? Ah….”. Outra, mais à frente, pediria um autógrafo, mas para o filho…que ainda não vota. Popular, sim, mas não unânime. Em todas as arruadas que faz, ao ritmo dos bombos e cantorias dos jovens democratas-cristãos, Cristas recebe, em média, sete negas por cada 20 pessoas que cumprimenta. “Eu voto na CDU”, diz um senhor no jardim da Parada. Mas a candidata não desfaz o sorriso e diz que o importante é “o diálogo com todos”. Outro grita “vergonha!” por “roubar os pobres”, e aí a comitiva do CDS atravessa a estrada para o outro lado. Antes, contudo, alguém comentava que “podia ser a Madonna”. Ao nível dos afetos, Assunção Cristas ainda teria de comer alguma fruta para chegar aos calcanhares do Presidente. Em todo o caso, está no bom caminho.

De zero a Marcelo: 18 valores

Teresa Leal Coelho. “Estou a conhecer a sua cara, palavra, mas não sei de onde… é da televisão?”

A candidata do PSD a Lisboa não tem especial jeito para lidar com o povo, mas esforça-se (João Porfírio/Observador)

Uma hora à espera de Teresa Leal Coelho em Campo de Ourique porque tinha demorado “duas horas a percorrer 100 metros” em São Domingos de Benfica. “Quando saímos de lá só faltavam dois quarteirões! Ela é assim, gosta de ficar a falar e a explicar o programa todo ao pormenor”, ouve-se na comitiva. Se para Assunção Cristas o importante é sorrir ao maior número de pessoas, para Teresa Leal Coelho, cada eleitor parece o último. Às vezes demora-se, senta-se na esplanada aqui ou ali. No mercado de Benfica não ficou indiferente a uma senhora que quis contar-lhe os problemas do seu bairro: as ervas crescem descontroladamente à frente da janela, e as osgas são um problema. A candidata ouviu e registou a morada, prometeu lá passar. Mas outras vezes, porém, as tentativas de interação raramente são recíprocas ou bem conseguidas. Na maior parte das “arruadas”, não é sequer reconhecida à primeira vista. “Estou a conhecer a sua cara, palavra, mas não sei de onde… é da televisão?”, ouve-se na Alameda das Linhas de Torres. Também não se pode dizer que Teresa se desenrasque facilmente perante este tipo de adversidades. Teria de ser um outro elemento da comitiva a segredar à senhora quem era a candidata. Mas Teresa Leal Coelho tenta. Tenta meter conversa e fazer graças. Como quando encontrou uma série de jovens — que talvez nem idade para votar tivessem –, cada um com os seus headphones, e a cada um pediu para espreitar que música estavam a ouvir. Em sítios mais inóspitos, quando anda a mostrar a “Lisboa esquecida”, procura interagir com os interlocutores à medida que pede autorização para os cumprimentar e para distribuir folhetos informativos. “Dá para filtros?”, ouve de um. E responde — “dá, dá” –, alinhando na brincadeira. Ainda é difícil esquecer, contudo, os primeiros dias da primeira semana de campanha oficial em que perguntava sistematicamente aos transeuntes onde moravam: se a resposta era um concelho limítrofe de Lisboa, como Oeiras ou Loures, lamentava o facto de terem sido “expulsos”. O ar de incredulidade dos interlocutores falava por si. Em matéria de afeto, Teresa Leal Coelho é mais cães. Não há um único canídeo que passe que não seja afagado pela candidata.

De zero a Marcelo: 10 valores

João Ferreira. Uma mão no panfleto e outra no ombro

O eurodeputado e candidato autárquico da CDU a Lisboa não tem muito à vontade (João Porfírio/Observador)

No palco do coreto de Carnide, uma camarada de João Ferreira cantava o terceiro tema da tarde, a “Balada da Rita”. O candidato comunista ouvia na primeira fila, mas o seu corpo podia ser o de quem aprecia um quadro na parede. Não havia um único músculo que contraísse, um cabelo que saísse do lugar, um pé (vamos lá: mais atrevido) a acompanhar o ritmo da canção de Sérgio Godinho. Muito bem, se calhar é da música. Passa ao “Vampiros”, de Zeca Afonso. A mesma postura, bate palmas no fim da música, vai sorrindo e, só no final, quando a cantora grita viva a CDU, é que grita: “Viva!”. João Ferreira tem pouco à vontade com o que sai do esquema a que está habituado. Não é um problema de contacto direto com as pessoas, até porque numa arruada mostra mais ginga do que num momento de campanha descontraído como aquele mini-concerto de Carnide. Quando está na rua, João Ferreira segue simplesmente o guião e sabe exatamente o que tem de fazer: distribui panfletos, autocolantes com quem tem mais de dois dedos de conversa e dois beijinhos, que distribui sem parcimónia, ou um aperto de mão — a outra mão fica no ombro do eleitor. O pior é quando aparece alguma coisa mais pessoal e fora da caixa, como a educadora de infância da escola onde andou. Ri-se, timidamente, e a conversa não flui. Quando está menos gente à volta, como na arruada da Graça, o candidato acaba por estar menos preso e tem uma vantagem que não é de somenos em campanha: ouve atenta e longamente as pessoas. Pergunta coisas, regista. Tem especial atenção com os mais velhos e brinca com as crianças com quem se vai cruzando. Só finta mesmo as jovens que, no canto da arruada, lhe tiram fotografias à socapa com os telemóveis.

De zero a Marcelo: 13 valores

Ricardo Robles. Se lhe negam o beijinho, vai de passou-bem

O candidato do Bloco de Esquerda a Lisboa não é muito efusivo nos contactos, e já lhe recusaram beijos (João Porfírio/Observador)

Na Feira da Luz, o candidato do Bloco de Esquerda ia pronto para o beijinho, mas perguntou antes se podia. A senhora disse que não, preferia um aperto de mão. Ricardo Robles não é propriamente efusivo, mas até procura o contacto com as pessoas, divide-se entre beijinhos e apertos de mão, não chega aos abraços, porque também não há quem lhos peça. Como é um rosto pouco ou nada conhecido para o cidadão comum (ser deputado municipal desde 2009 não lhe tem dado grande visibilidade), as conversas que estabelece não ultrapassam os cinco segundos e resumem-se a um “posso entregar-lhe o jornal do Bloco?” ou a um “olá, então, tudo bem?”, que pode ou não ser seguido por um passou-bem ou um beijinho, depende quase sempre mais da postura de quem está do outro lado do que do candidato. Mesmo assim, nos primeiros 200 metros de uma Feira da Luz bem cheia, aproveitou bem o embalo do experiente Francisco Louçã e somou um dezena de cumprimentos — beijos para as senhoras, apertos de mão para os homens — de uma assentada. Fica sem jeito sempre que o comentário é sobre a sua aparência. “Muy guapo”, disse-lhe uma turista californiana no elétrico esta semana. “É bonito de mais para ser presidente”, disse-lhe uma outra senhora no Jardim da Parada em Campo de Ourique. A resposta? O sorriso 33.

De zero a Marcelo: 12 valores

Rui Moreira. Dois beijinhos na rua, apenas um beijinho às amigas

O independente que preside à câmara do Porto não é um profissional de campanhas mas cumpre

Não é um político. Não cresceu em aparelhos partidários. Nunca andou com bandeiras na mão, nunca gritou palavras de ordem, nunca percorreu os corredores das juventudes dos partidos. Fez-se político em 2013, quando derrotou o establishment do PSD e do PS com uma candidatura independente. Foi toda a vida um burguês da Foz, nascido e criado numa das melhores famílias do Porto. A estrada, não seria, em teoria, o habitat mais natural de Rui Moreira. Mas a verdade é que o presidente da Câmara do Porto é um fenómeno de popularidade. Pára, ouve, troca beijinhos e abraços, explica o que foi feito, o que não foi feito e porque é que não foi feito. Entre os seus troca só um beijinho, mas na rua dá sempre aos pares. Trata as senhoras por “minha querida”, um tique que lhe ficou da zona mais ocidental da cidade, mas que resulta com naturalidade. Mesmo quando esteve em Ramalde, zona menos nobre da cidade, parecia jogar em casa. Ouvia pacientemente as queixas, mesmo quando iam para lá da sua área da intervenção. “Senhor presidente, o meu marido recebeu uma multa de estacionamento de cento e tal euros…”. “Eu sei que há quem prometa tirar multas, mas eu não posso, minha senhora. Tem de se dirigir à Polícia Municipal”, respondia Moreira, com a mão no ombro da queixosa. Ou quando outra senhora lhe gritou da janela: “Não temos elevador para carregar os velhos, senhor presidente!”. “Oh minha querida, não há espaço para construir elevadores. Assim, em vez de ter um quarto tinha um elevador dentro de casa”. Sempre que diz ou ouve uma piada, atira o corpo para trás e rasga a cara com um sorriso de orelha a orelha. Foi assim quando lhe disseram, também em Ramalde, que estava com uma “pança” proeminente. “Já não tenho idade para tratar da pança!”, ria-se. É compreensivo, mas estabelece limites. “O doutor Manuel Pizarro dizia que os painéis solares eram a menina dos olhos dele e isto aqui está uma desgraça, disseram-lhe. “Não sou polícia, nem arquiteto, nem o Manuel Pizarro. Tem de fazer queixa junto da Domus, meu caro”, respondeu Moreira. Não é um aluno exemplar em matéria de afetos, na medida em que tem evitado enfrentar grandes ajuntamentos populares. Mesmo nas pequenas experiências que teve na rua, não pára para falar com ninguém, a menos que seja abordado. Mas sempre que foi testado, correspondeu. Precisa, ainda assim, de um exame com um grau de dificuldade mais elevado para provar o que vale.

De zero a Marcelo: 13 valores

Manuel Pizarro. “Logo à noite é para ganhar!?”

O médico socialista que era vereador no Porto quase nasceu para isto, mas ainda está longe da excelência de Marcelo

O candidato socialista está em modo campanha. Anda de bicicleta, vai de metro, participa em pequenas marchas à beira-mar, vai à zona da Sé — coração do Porto –, bebe ginginha, distribui abraços, lambuza e é lambuzado, promete resolver cada e qualquer problema, fala ao ouvido, troca piadas e aperta as bochechas à pequenada. “Oh rapariga, como estás?”, pergunta, enquanto passa por uma criança com pouco mais de três anos e dois pequenos puxos de cabelo à Pipi das meias altas. Ri-se de si próprio. “Ai, que lá se vai o candidato”, solta, quando quase cai de bicicleta. “Tocar piano? Nem pensar. Já houve um colega vosso que me pediu para cantar e não arrisquei. O talento artístico da família ficou com a minha filha”. Mas também fala a sério, quando precisa: “A juventude aqui vota?”, perguntou na zona da Sé do Porto. “Ah, nem por isso”, confessam duas jovens, pouco mais de 20 anos, surpreendidas com o aparato da comitiva. “Têm de votar. Depois não se podem queixar dos eleitos”, responde Pizarro, com um semblante carregado, raro no socialista. Também é capaz de gestos genuínos de afeto, como quando se aproxima de um rapaz com trissomia 21, familiar de uma das suas apoiantes, rigorosamente equipado com o fato de treino do FC Porto, e pergunta, em tom desafiante: “Logo à noite é para ganhar!?”. Do outro lado, rasga-se um sorriso. E Pizarro segue em frente. O socialista sente-se bem na rua e a rua — pelo menos nas ruas que vestem de rosa — gosta de o receber. “Pê-e-SSS!”, “Pê-e-SS!, “Pê-e-SS”, não se cansa de gritar Pizarro, no ritmo definido pelas efusivas militantes socialistas da Sé. Empático por natureza, Manuel Pizarro é desde sempre um político. Cresceu na escola comunista, percorreu todo o aparelho socialista e sabe o que é fazer campanha. Falta-lhe ainda uma grande arruada — talvez a faça ao lado de António Costa — para provar o que vale e como supera o teste. Mas Pizarro sabe o que faz.

De zero a Marcelo: 16 valores

Álvaro Almeida. “Não vou incomodar as pessoas”

O independente do Porto que concorre pelo PSD, Álvaro Almeida, é um homem de gabinete e fica desconfortável na rua

Álvaro Almeida arrisca-se a ser o primeiro candidato autárquico em muito tempo a terminar a campanha eleitoral com as bochechas intactas e as cordas vocais praticamente por estrear. Não que Álvaro Almeida não beije de quando em vez. Já foi visto a fazê-lo. Mas as sinapses nervosas parecem impelir quase sempre o candidato a esticar a mão e a entregar um panfleto, quando o que se pede e exige são os dois beijinhos da praxe. Não que o ex-quadro do FMI não fale. Já se fez ouvir. Mas numa frequência sonora praticamente inaudível. Não que o economista não converse. Conversa, é um facto. Mas quase sempre para responder e repetir que é “preciso votar Porto Autêntico, por um Porto para as famílias, onde haja qualidade de vida…”, indiferente ao que lhe contam. Álvaro Almeida é pouco efusivo, pouco mobilizador e pouco reconhecido. Não tem a experiência política e a tarimba dos que se fizeram no circuito da carne assada, vulgo campanha eleitoral. Tanto que quando lhe perguntaram, durante uma ação de campanha na feira da Pasteleira, se sentia bem na rua a conversar com as pessoas, respondeu: “Não vou incomodar as pessoas. Desenvolvo a conversa até ao ponto em que as pessoas querem desenvolver a conversa. Se elas quiserem falar mais, eu falo mais”. O facto de andar quase sempre sozinho não ajuda — e isso é responsabilidade do aparelho do PSD. Mas mesmo quando teve Rui Rio ao seu lado, na grande arruada do partido até ao momento, Álvaro Almeida não fez mais e deixou-se confortavelmente ofuscar.

De zero a Marcelo: 5 valores

João Teixeira Lopes. O sociólogo que sorri

No Porto, o Bloco substituiu João Semedo por João Teixeira Lopes à última hora, por razões de saúde

É de sorriso fácil. Tem sempre um para quem dele se aproxima, mesmo que seja para discordar do Bloco de Esquerda. João Teixeira Lopes, candidato bloquista ao Porto e diretor de departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tem jeito para as pessoas e as arruadas não são um sacrifício. Pelo menos parece. Beijinhos e abraços não são problemas e tem a preocupação de ouvir com atenção o que lhe vão dizendo. Chegou mesmo a subir ao apartamento de uma senhora de 84 anos que teve de ir a tribunal para não ser expulsa da sua casa pelo senhorio. É o que tem maior capacidade discursiva entre todos os candidatos ao Porto, talvez só a par de Rui Moreira. Politicamente experiente — já foi deputado e é a terceira vez que se candidata à Câmara do Porto –, sabe o que dizer e quando o dizer. Ao lado de Catarina Martins, que por duas vezes se juntou a ele na campanha, não se deixou ofuscar: apresentou-se, falou com quem o abordou e entregou propaganda do Bloco. Tem um problema de notoriedade, até porque passa mais tempo nos corredores da faculdade do que nos corredores dos estúdios de televisão. Mas está o jogar tudo nesta campanha: se conseguir ser eleito, será a primeira vez que o Bloco o consegue fazer na Câmara do Porto.

De zero a Marcelo: 14 valores

Ilda Figueiredo. Mais apertos de mão do que beijinhos

A candidata comunista à câmara do Porto é uma veterana, mas não beija como se não houvesse amanhã (João Porfírio/Observador)

Se alguns candidatos optam por ambientes mais controlados durante a campanha, no caso de Ilda Figueiredo não há dúvida: a estratégia é contactar de perto com as pessoas e mostrar que está onde elas estão. Nas ruas, nos bairros, nos centros sociais, nas empresas municipais junto dos trabalhadores. A candidata comunista prefere um bom aperto de mão ao beijinho. Falta-lhe alguma paixão e ser mais efusiva. Mas esforça-se, talvez mais do que ninguém, para explicar ao que vem e que medidas quer implementar. Quando essas propostas parecem mais complicadas — reposição dos escalões de IRS, por exemplo –, traduz para linguagem simples e prática: “O que vos vai aumentar os salários”. Tem estado algo discreta na campanha, mas não se desvia um centímetro da estratégia que definiu.

De zero a Marcelo: 10 valores

Basílio Horta. Mais de 100 cumprimentos num só evento

Presidente da câmara de Sintra e recandidato do PS, Basílio Horta tem mais de 40 anos de campanhas eleitorais nas pernas (João Porfírio/Observador)

Um grupo de excursionistas vê a comitiva de Basílio Horta passar por ali e chama o autarca. Querem fotos e beijinhos com o presidente da câmara de Sintra, eventualmente um lápis de recordação. “Já fiz muitas campanhas, mas nenhuma foi como esta”, desabafa o candidato do PS à câmara de Sintra. Aos 73 anos, Basílio percorre as ruas de Almoçageme como se estivesse em casa. “Ficou bem, isto aqui, foi como vocês pediram”, diz a um grupo de idosos resguardados na sala do novo espaço de convívio, junto ao mercado. Há abraços, pancadas fortes no ombro num cumprimento de quem se conhece há anos. Numa curta passagem pela localidade, os abraços e os apertos de mão andaram taco a taco. Beijos, menos, apenas porque as mulheres estavam em menor número nas ruas, a um domingo de manhã. Ao todo, foram mais de 100 as pessoas que se cruzaram com o autarca e que pediram ou receberam cumprimentos.

De zero a Marcelo: 16 valores

Bernardino Soares. Cumprimentos a um ritmo difícil de acompanhar

O comunista que preside à câmara de Loures procura o contacto pessoal (imagem retirada do Facebook da CDU de Loures)

Manuela está atrás do balcão. À sua frente, a mulher tem um pequeno café cheio de clientes. São mais de 20 pessoas, sobretudo mulheres, distribuídas por seis ou sete mesas. Quando entra, Bernardino Soares dá dois beijos a cada uma. Depois, o autarca troca alguns minutos de conversa com Manuela. Pergunta-lhe pelos ensaios de clarinete e lembra que o município tem apoiado as associações culturais do concelho com mais de dois milhões de euros todos os anos. A história repete-se uma, duas, três, mais de doze vezes, em cada espaço de comércio em que Bernardino Soares entra. As pessoas conhecem-no, o facto de morar a poucos quilómetros dali também ajuda. Em São Julião do Tojal, o autarca está em casa. Os beijos e os abraços multiplicam-se a um ritmo que, como o passo do comunista, é difícil de acompanhar.

De zero a Marcelo: 16 valores

André Ventura. O futebol como desbloqueador de conversa

O polémico candidato do PSD de Loures cumprimenta, beija e fala de bola (João Porfírio/Observador)

O que mais impressiona em André Ventura é a popularidade. A rua pode ter duas ou dez pessoas, mas todas o conhecem e o querem cumprimentar. Nem que seja para dizer que são do Sporting e que não gostam do que diz. Isso põe à prova a sua capacidade de interagir com os eleitores. O candidato do PSD a Loures não foge ao contacto, que até anuncia. Dá sempre dois beijinhos às senhoras, dizendo antes: “Dê cá dois beijinhos”. Ou um aperto de mão aos homens, perguntando previamente: “Posso cumprimentá-lo?” Aos mais novos pergunta: “És do Benfica?”. Se a resposta for afirmativa, abre a palma da mão e sai um “dá cá mais cinco”. Ventura colocava também várias vezes o braço por cima dos eleitores, fossem homens ou mulheres, mostrando não ter problemas com o contacto. Também não fugia das pessoas: nas ruas onde houvesse mais gente era aquelas para onde queria ir. Para quem nunca tinha feito campanha, demonstra ter um grande à vontade na relação com os eleitores.

De zero a Marcelo: 16 valores

Isaltino Morais. Cumprimentar os polícias e falar a toda a gente

O candidato regressa depois da prisão para tentar ser outra vez presidente da câmara de Oeiras, e “isaltina” que se farta (João Porfírio/Observador)

“Aí vai ele à vida dele”, disse um dos membros da comitiva. Assim que chegou a uma ação de campanha em Oeiras, Isaltino Morais nem parou junto da sua comitiva. Avançou para o centro do centro comercial Palmeiras e procurou pessoas. Eram poucas. Cumprimentou dois polícias e percebeu que tinha de fazer de outra forma: “Vamos ali beber um cafezinho”. No “Café Mais”, cumprimentou, um por um, todos os clientes. Dois beijinhos para as senhoras, um aperto de mão para os homens e uns quantos “pás” para os mais jovens. Numa das mesas até perdeu mais tempo para mostrar a duas senhoras de idade o hino da candidatura, uma marcha, no seu próprio telemóvel. Aquelas eleitoras não percebiam muito de “Internet” nem de como chegar à marcha, mas Isaltino foi ao YouTube no telemóvel. Além de dois dedos de conversa, disse muitas vezes: “vou fazer” ou “vamos fazer”. O que contrasta com outros candidatos que começam as frases por: “no nosso programa está…” Na pastelaria Paris, não muito longe do Palmeiras, após colocar a chave do Euromilhões, ouviu de uma idosa: “O meu marido gostava muito de si”. Isaltino chegou-se mais próximo e, num tom baixo e calmo, disse-lhe umas palavras quase ao ouvido. A idosa abraçou-o em lágrimas.

De zero a Marcelo: 17 valores

Paulo Vistas. Nem a pagar as minis se safou

O presidente da câmara de Oeiras, ex-PSD e agora independente, não é o melhor cumprimentador de eleitores do mundo

Paulo Vistas não é um homem de rua, mas também não é propriamente um tímido. Na ação de campanha que o Observador acompanhou foi oferecendo aos comerciantes uma vela em forma de coração (o seu brinde favorito), mas não é muito de afetos. “Posso deixar-lhe aqui uma vela?”. Se a pessoa disser “sim” e estiver muito longe, também não há esforço para saírem os dois beijinhos ou o aperto de mão da praxe. É tempo de seguir para a loja seguinte. Paulo Vistas cumprimenta as pessoas, cordialmente, mas não é caloroso. Até fala numa linguagem coloquial (trata por “tu” alguns conhecidos e mais jovens) e tenta adaptar as conversas às circunstâncias. Quando entra no mecânico, pergunta se faz o “alinhamento”. Chega a ir para debaixo de um jipe, elevado no ar, para falar com quem trabalha, mas não faz questão de dar abraços ou apertos de mão demorados. O mesmo acontece com as mulheres. Se houver dois beijinhos, tudo bem; se não houver, deixa o panfleto com o programa e segue. Na ação que o Observador seguiu, Vistas parecia preferir estar no gabinete e não conseguia disfarçar o ar de frete. Não propriamente com as pessoas, mas com a campanha em geral. Dizia “agora vamos para onde?”, com ar de “quando é que isto acaba?”. Num café parou para beber uma mini e ofereceu a quem estava ao balcão, mas isso não resultou em mais do que apertos de mão cordiais. Nem a mini o soltou. Seguiu com mais ar de presidente do que de candidato.

De zero a Marcelo: 10 valores

Hugo Martins. O presidente de Odivelas que pouca gente conhece

Hugo Martins é o socialista que preside à câmara de Odivelas. Não o conhecia? Muitas pessoas que lá vivem também não (Foto retirada do Facebook do PS Odivelas)

“’Tás a ver, aquele é que nos deu a chave da nossa casa”. A feirante está sentada junto à sua tenda. Ao lado, em pé, o marido ainda dá as últimas dentadas numa bola de Berlim sem creme quando Hugo Martins se aproxima. Dois beijinhos à senhora. Para o marido, de bolo na mão, não há cumprimentos. O autarca e candidato do PS à câmara de Odivelas ouviu o último comentário da mulher. “Está a ver, está a ver”, diz, visivelmente satisfeito por, cumprida meia hora de volta à feira de Arroja, poder, por uma vez, dispensar as apresentações prévias de Nuno Gaudêncio, presidente da junta. O homem do bolo dá mais uma trinca e o autarca agradece o apoio – ainda que não tivesse sido manifestado apoio algum. Feira que é feira pede beijos e abraços com pompa. Não foi o caso. Aliás, beijinhos até houve. Mas nunca a pedido das eleitoras. Familiaridade, já se percebeu, é zero. Aquele encontro com o casal durou uns 40 segundos. Foi dos momentos de “contacto” em que Hugo Martins perdeu mais do que o tempo que leva a entregar a propaganda habitual e a “canetinha” vermelha para avivar a memória no dia das eleições. Mais que isso, só quando tinha de ouvir as queixas dos eleitores. Não é que o autarca não se esforce. O sorriso é presença constante. O grande problema é que quase ninguém parece conhecer o presidente de câmara de Odivelas, há dois anos em funções.

De zero a Marcelo: 9 valores