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Portugal é o segundo país mais desigual da OCDE?

Em Portugal, 1% da população concentra 23% da riqueza aqui produzida. É o segundo país mais desigual da OCDE.

Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda

Portugal é mesmo o segundo país com maior desigualdade entre os 38 países que pertencem à OCDE? Mariana Mortágua usou este argumento para enquadrar as propostas do Bloco de Esquerda de aumento de impostos sobre os maiores salários e as maiores fortunas. Porém, os últimos dados da OCDE não suportam este retrato.

No final de 2022, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) indicou que Portugal estava “a meio da tabela” entre os países onde foi calculado o chamado “índice Gini”, o indicador que mais frequentemente é usado no mundo todo para aferir os níveis de desigualdade num dado país.

Entre os 37 países para os quais há dados, Portugal estava em 21.º lugar. O país mais desigual da OCDE era a Costa Rica (0,487) e o menos desigual era a Eslováquia (0,222).

O índice Gini varia entre os 0 pontos (igualdade total) e 1 ponto (desigualdade máxima). E além de Portugal não ser, de todo, um dos países onde a desigualdade é maior, nos últimos anos a tendência até foi de redução dessa mesma desigualdade.

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De acordo com a OCDE, em 2004 Portugal apresentava um índice de Gini de 0,383 (calculado tendo em conta o impacto dos e das transferências sociais). Porém, 15 anos depois, o coeficiente estava nos 0,31, uma redução (ou seja, uma melhoria) de 23,5%.

A segunda parte do argumento de Mariana Mortágua terá um pouco mais de coincidência com a realidade. A OCDE não faz esse cálculo mas o banco Credit Suisse (entretanto adquirido pelo UBS) indicou em meados de 2021 que, em 2020, a parcela restrita dos 1% mais ricos detinha 20,1% da riqueza do país, mais uma décima do que em 2019.

É um pouco menos do que os 23% referidos por Mariana Mortágua porém, nessa segunda parte do argumento utilizado pela líder do Bloco de Esquerda, existe uma maior aproximação à realidade.

ERRADO

Receitas adicionais deram mais 2,6 mil milhões à Segurança Social?

Hoje há alguns impostos que contribuem também para financiar a Segurança Social. O adicional do IMI, 2 pontos percentuais do IRC, o adicional da contribuição setor bancário. Fontes de receita que são importantes que já permitiram arrecadar nos últimos anos cerca de 2,6 mil milhões de euros para a Segurança Social.”
Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS

O início do debate centrou-se na sustentabilidade da Segurança Social, com Pedro Nuno Santos a vincar que é preciso diversificar as fontes de financiamento — um trabalho que “tem sido feito, mas temos de continuar a aprofundar esse caminho”. Foi neste âmbito que o líder do PS referiu que “hoje há alguns impostos que contribuem também para financiar a Segurança Social: o adicional do IMI [AIMI], dois pontos percentuais do IRC e o adicional da contribuição do setor bancário”. São “fontes de receita que são importantes que já permitiram arrecadar nos últimos anos cerca de 2,6 mil milhões de euros para a Segurança Social”, acrescentou.

Uma vez que Pedro Nuno Santos não delimitou o período temporal a que se referia, torna-se difícil aferir sobre a exatidão da sua afirmação. Os 2,6 mil milhões de euros vão ao encontro de um número divulgado pelo Governo durante a apresentação do Orçamento do Estado da Segurança Social para 2024, mas que se referia a um universo diferente. Em outubro passado, o secretário de Estado com esta pasta, Gabriel Bastos, revelou que, em 2023, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança (FEFSS), conhecido como a “almofada das pensões” que teria de ser acionada se o sistema se tornasse deficitário, foi reforçado em 2,6 mil milhões de euros, que resulta de: dois mil milhões da transferência de saldos e cerca de 600 milhões de euros da consignação do adicional sobre o setor bancário, do AIMI e da parcela de IRC. Ou seja, apenas 600 milhões advieram das tais receitas adicionais naquele ano.

De acordo com as contas do FEFSS dos últimos anos, e relatórios sobre a Conta Geral do Estado do Tribunal de Contas, entre 2017 e 2022 (o último relatório conhecido) estas receitas adicionais terão representado 1,524 mil milhões de euros, distribuídos da seguinte forma:

2017: 50 milhões (só AIMI)
2018: 120 milhões (quando começou a ser consignada também a parcela de IRC)
2019: 322 milhões
2020: 519 milhões (foi criado o adicional à contribuiç~ão do setor bancário)
2021: 34 milhões de euros apenas do adicional de solidariedade sobre o setor bancário (dado que as receitas do AIMI — 125 milhões — e a parte do IRC — 337 milhões — consignadas ao FEFSS foram, nesse ano, excecionalmente afetas ao sistema previdencial-repartição)
2022: 479 milhões de euros.

Somando os 600 milhões de euros mencionados pelo secretário de Estado da Segurança Social relativos a 2023, dá 2,124 milhões, ainda longe dos 2,6 mil milhões de euros referidos pelo líder socialista.

Não fica claro se Pedro Nuno Santos inclui na equação os 125 milhões do AIMI e os 337 milhões da parcela do IRC que, em 2021, foram excecionalmente afetos ao sistema previdencial-repartição por causa da pandemia, em vez de terem ido para a “almofada” das pensões. Se incluiu, o valor somado já ficaria perto dos 2,6 mil milhões (seria 2,586 mil milhões). O sistema em causa é responsável pelo pagamento, por exemplo, dos subsídios de desemprego, de doença ou das pensões de reforma, pelo que não contribui diretamente para a sustentabilidade do sistema (e sim, indiretamente, com a transferência excecional a adiar que se tenha de recorrer ao FEFSS). Por isso, a afirmação de Pedro Nuno Santos revela-se “esticada”.

ESTICADO 

Montenegro disse que se abstinha entre Donald Trump e Hillary Clinton?

Houve quem, em 2016, dissesse que entre Trump e Clinton se abstinha e foi Luís Montenegro”.

Rui Tavares, porta-voz do Livre

No último debate, que reuniu nas rádios os líderes dos partidos com assento parlamentar, Rui Tavares desafiou PSD e IL a responder se aprovam ou não a moção de rejeição do Chega a uma governação de esquerda. Numa tentativa de colar Montenegro a Ventura, recordou os tempos de dirigente social-democrata do PSD, quando o líder do Chega concorreu à autarquia de Loures. Na mesma linha, lembrou que “houve quem, em 2016, dissesse que entre Trump e Clinton se abstinha e foi Luís Montenegro”

A afirmação tem fundamento? Em 2016, o Expresso questionou todos os presidentes e vice-presidentes de todos grupos parlamentares na Assembleia da República sobre o cenário que se apresentava perante os eleitores norte-americanos. A escolha, tendo como base as primárias que já tinham decorrido, era entre a democrata Hillary Clinton e o republicano Donald Trump.

Luís Montenegro era então líder parlamentar do PSD. Colocava-se no lugar de um eleitor norte-americano a votar naquele que seria o próximo presidente dos EUA e respondeu: “Estaria tentado a abster-me.” “Não me entusiasma nem um nem outro. O candidato republicano não tem condições, Hillary Clinton não traz nada de novo. Era preciso uma lufada de ar fresco”, afirmou.

A afirmação de Rui Tavares é, portanto, verdadeira. Quando questionado em 2016 sobre quem escolheria entre os candidatos às eleições norte-americanas, Luís Montenegro, atual líder do PSD, optou pela abstenção, colocando Clinton no patamar de Trump.

CERTO

Quem tem 30 anos só vai receber 40% do salário quando se reformar?

Não estou satisfeito com a possibilidade de alguém que tem 30 anos de idade chegar ao momento da sua reforma e ter cerca de 40% na primeira pensão relativamente ao último salário.”
Rui Rocha, presidente da IL

Ainda no capítulo da sustentabilidade da Segurança Social, Rui Rocha, líder da IL, defendeu que o sistema não é sustentável quando “alguém que tem 30 anos de idade”, quando chegar ao momento da reforma, ficar com “cerca de 40% da primeira pensão relativamente ao último salário”. “Não estou satisfeito e não considero que isso seja sustentabilidade da Segurança Social”, rematou.

Rui Rocha não referiu a fonte desta simulação, mas estará, presumivelmente, a basear-se num relatório da Comissão Europeia que de três em três anos atualiza as previsões sobre as pensões nos países da UE, incluindo no que toca à idade da reforma ou à chamada “taxa de substituição” das pensões — ou seja, a percentagem de salário que se converte em pensão. Para a primavera de 2024 está prevista a divulgação de um novo relatório, mas enquanto não é conhecido pode olhar-se para o último relatório, de 2021.

Como o Observador escreveu na altura, as conclusões do chamado “Ageing Report” apontavam para que a taxa de substituição correspondesse, em 2019, a 74%, sendo que até 2025 o valor poderia subir para quase 85%. O problema viria depois: até 2040, já indicava que a capacidade das pensões em substituir rendimentos do trabalho cairia para 54,4%. E, em 2045, seria inferior a metade (48,2%). Já em 2060 (por volta dessa altura  deverão reformar-se aqueles que em 2023 tinham 30 anos), caía para 43% (perto dos 40% mencionados por Rui Rocha).

Reformas em Portugal vão cair para metade em menos de 20 anos, calcula a Comissão Europeia

Porém, outras simulações apontam para resultados bem diferentes. É o caso da OCDE, num relatório recente, divulgado em dezembro do ano passado. Nas contas desta organização, quem começou a trabalhar no ano passado, com 22 anos, terá de trabalhar até aos 68 anos para ter a pensão completa sem cortes, mas aí pode esperar receber 98,8% do salário em termos líquidos, a taxa de substituição mais alta entre os países analisados da OCDE (média de 61%), que desce para os 73,9% em termos brutos. Os números são diferentes consoante a carreira que se tenha em conta (no caso da simulação da OCDE foi tida em conta a carreira de quem começou a descontar com 22 anos de idade, em 2022, e se reforma aos 68 anos).

Por existirem simulações com resultados bem diferentes sobre o mesmo problema, a afirmação de Rui Rocha é considerada “esticada”.

ESTICADO

Chega já disse que apresentaria moção de rejeição a futuro governo minoritário do PSD e o seu contrário?

Quero deixar um elemento de reflexão [sobre Ventura dizer que apresenta moção de censura ao próximo Governo]. O Chega diz isso e também o seu contrário”.

Luís Montenegro, líder do PSD

Rui Tavares foi claro no ataque à coligação quase certa entre PSD e Iniciativa Liberal, desafiando os dois líderes parlamentares a responderem se votariam ou não favoravelmente uma moção de rejeição apresentada pelo Chega a um governo minoritário de esquerda.

Montenegro quis deixar um “elemento de reflexão”. “O Chega diz isso e também o seu contrário. O PS e o Chega estão de mãos dadas na confusão sobre cenários”, acusou. Tem razão? Em setembro de 2023, o Chega já ia na segunda moção de censura apresentada ao Governo de António Costa. Após a demissão do primeiro-ministro e a dissolução da Assembleia da República já disse muita coisa, e também o seu contrário, como refere Montenegro.

A 20 de dezembro, disse, em entrevista à SIC Notícias, que planeia apresentar uma moção de rejeição a um governo minoritário do PSD, se o Chega não fizer parte do executivo e acusou o PSD de ser um “partido apagado”.

“Vai haver votos ao programa de governo [do PSD] porque nós vamos pedi-lo se não formos governo. Se for um governo que não combata a corrupção e que não aumente salários e pensões, é para chumbar”, afirmou Ventura, acrescentando que nesse cenário uma moção de rejeição acontecerá “seja qual for o Governo”, tanto à direita como à esquerda. Na mesma ocasião, o líder do Chega disse olhar da mesma forma para um chumbo ao governo do PSD e socialista. “É a mesma coisa. O PSD não governa muito diferente do PS”, apontou.

Um mês antes, tinha admitido a possibilidade de ficar, ele próprio, de fora. Se houver uma maioria sólida com PSD e IL, “o Chega tem de estar no Governo”, mas não necessariamente o seu líder. “Se [nesse cenário] o Presidente da República não me quiser no Governo, não será por isso que deixará de haver um Governo à direita”, prometeu.

A 26 de janeiro, em entrevista à CNN, já tinha um entendimento diferente. “Eu tenho quase 99% da garantia de que se houver uma maioria à direita, haverá uma governação à direita”, afirmou. E disse que, na altura, tinha “essa garantia, com ou sem Luís Montenegro”. Confrontado com o cenário de um governo de minoria do PSD, já descartou a exigência da moção de censura que antes defendera. “O Chega só o fará se este for um governo que não combata a corrupção, porque no momento em que estamos esse é um tema muito importante”. “E que não permita o crescimento económico e a descida de impostos”, acrescentou. E concluiu: “A garantia que nós damos é: pode não governar a AD, mas da nossa parte também não governará o PS.”

CERTO

Há mais de 200 mil crianças no limiar da pobreza?

Não há um problema de sustentabilidade da Segurança Social, o que há é um problema com a sustentabilidade da vida das pessoas, nomeadamente com os reformados e as suas pensões. E a questão da pobreza inicial: dois milhões de pessoas em situação de limiar da pobreza, mais de 200 mil crianças nesta situação.”
Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP

Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP, indicou que há 200 mil crianças no limiar da pobreza, entre um total de dois milhões de pessoas nessa situação.

De acordo com dados do Eurostat trabalhados pela Pordata e divulgados a 20 novembro do ano passado, em 2021 (os dados mais recentes), 266 mil crianças até aos 15 anos (19%) estavam em situação de pobreza, das quais 76 mil tinham menos de seis anos. Ou seja, 266 mil estavam enquadradas em famílias cujos rendimentos estão abaixo do limiar de pobreza, explicava a Pordata.

O limiar de risco de pobreza é o valor abaixo do qual uma pessoa ou uma família são consideradas pobres e varia de acordo com a composição do agregado familiar. Em Portugal, uma família de um casal com um filho é considerada pobre quando os seus rendimentos são inferiores a 991 euros mensais líquidos.

Desta forma, a afirmação de Paulo Raimundo está correta e o número real até ultrapassa o referido pelo secretário-geral do PCP.

CERTO