Uma OPA dupla embrulhada, duas operações falhadas que voltam ao mercado e uma alienação no horizonte que pode ser o princípio do fim do controlo português que ainda resiste numa das maiores empresas industriais. Os negócios que vão marcar 2019 têm duas coisas em comum, pelo menos. São todos na energia, o setor em Portugal que mais capacidade tem tido de atrair investidores estrangeiros, e têm ou tiveram do outro lado um comprador chinês.
A OPA que não ata nem desata
Prometia ser o negócio do ano e o maior de sempre envolvendo uma empresa portuguesa, mas 2018 chega ao fim sem um desfecho claro para a oferta chinesa sobre o grupo EDP. Há cada vez menos a acreditarem no sucesso, mas isso não quer necessariamente dizer que os planos chineses para o mercado português tenham falhado. Ou que a empresa que resulte da ressaca da OPA seja a mesma EDP dos últimos dez anos.
Em maio de 2108, a China Three Gorges pôs em cima da mesa uma dupla OPA (oferta pública de aquisição) sobre a EDP e subsidiária EDP Renováveis. O grupo chinês, que já é o maior acionista da empresa liderada por António Mexia, teria de desembolsar até 10 mil milhões de euros para ficar com todo o capital que está disperso das duas empresas.
Apesar da dimensão deste número e da posição pública encorajadora do primeiro-ministro, António Costa, a OPA chinesa não parece ter avançado muito desde que as cartas foram mostradas. São vários os obstáculos ao sucesso da operação, a começar pelas condições de sucesso fixadas pela CTG e sem as quais o regulador do mercado, a CMVM, não pode aceitar o registo das ofertas. Mas não só.
O preço oferecido, de 3,26 euros por cada ação da EDP e de 7,33 euros por ação da EDP Renováveis, foi recebido com pouco entusiasmo, tendo sido aliás logo ultrapassado pela negociação. Esta opinião foi confirmada pela administração executiva da EDP, no relatório que analisou a oportunidade da operação, e reforçou a expetativa de uma revisão em alta da contrapartida.
Comissão executiva diz que preço da OPA não reflete valor da EDP e duvida da execução do plano
Mas isso acabou por não acontecer e as noticiadas ofertas concorrentes pela EDP ou pela EDP Renováveis acabaram por não se materializar, o que deixou os chineses mais à vontade para não mexer no preço. Passados os primeiros meses de alguma animação, a cotação da EDP veio a corrigir, reagindo também a desenvolvimentos regulatórios negativos e à descida generalizada das bolsas mundiais. O preço da CTG está hoje quase 10% acima da cotação da EDP. Já a EDP Renováveis continua a negociar acima da OPA chinesa.
O preço é apenas uma parte da história complicada desta OPA. Desde que foi anunciada que são apontados obstáculos regulatórios em vários países, cujas decisões negativas podem ditar o fim da dupla oferta. Ou mesmo provocar alterações profundas no universo empresarial que hoje constitui a EDP. O resultado pode ser o desmantelamento do maior grupo económico português, em linha com o que aconteceu a outras grandes empresas compradas por investidores estrangeiros — casos da Cimpor ou da Portugal Telecom.
No anúncio preliminar do lançamento da OPA, a China Three Gorges elencava uma lista de 14 autorizações ou declarações de não oposição que precisava de obter junto de reguladores ou outras autoridades em nove países e na União Europeia. E neste elenco não conta com algumas entidades que poderão vir a ter uma palavra decisiva sobre a operação, ainda que com efeitos a posteriori, como o regulador da concorrência e energia espanhol, ou até o regulador de energia português.
Esperam-se os maiores problemas nos Estados Unidos, já que a administração Trump está empenhada numa guerra comercial com a China e este é o mercado mais importante da EDP Renováveis. Mas também há reservas quanto às implicações ao nível da regulação na Europa, devido às restrições impostas pela diretiva do unbundling (separação entre produtores e operadores de rede), mas neste caso com muita incerteza sobre em que quadro e e em que timing as potenciais objeções poderiam aparecer.
Até agora, sabe-se que no Brasil, onde a elétrica portuguesa está presente via EDP Brasil e EDP Renováveis, foram dados pareceres positivos à OPA chinesa, com o sim da autoridade da concorrência, a CADE. Ainda falta pronunciar-se o regulador da energia, a ANEEL.
E os outros? Sabe-se que tem havido interação com a Comissão Europeia, mas fonte oficial da DG Comp confirmou ao Observador que a notificação não foi ainda feita. A análise aqui será ao impacto desta operação na concorrência em vários mercados europeus nos quais a EDP está presente.
Não é claro que a este nível sejam ponderadas orientações já adotadas a nível europeu sobre a autorização a investimentos estrangeiros realizados por empresas de Estados em relação aos quais não há reciprocidade de direitos, como a China. Os impedimentos ao investimento chinês em setores estratégicos ou de tecnologia de ponta na Europa têm sido assumidos pelos Estados e não por Bruxelas, apesar de alguns passos dados nesse sentido pela Comissão Europeia e pelo Parlamento Europeu.
Por outro lado, as implicações regulatórias poderão só ser avaliadas já depois da OPA registada e no mercado. Isto porque o regulador da energia português, a quem compete fazer essa análise, ainda não foi notificado. E não é evidente que tenha de ser num período anterior à execução do negócio. Se a operação fosse analisada pela Concorrência portuguesa esta teria de consultar o regulador da energia, a ERSE. A direção-geral da concorrência europeia não é obrigada a ouvir as autoridades portuguesas, embora possa estabelecer contacto com os reguladores dos mercados nacionais.
Dado adquirido é que o discurso europeu em relação ao investimento chinês mudou desde os tempos em que o Governo de Passos Coelho vendeu a EDP e REN ao mesmo investidor, o Estado chinês, sem que uma voz de oposição se tivesse levantado. Em Lisboa ou em Bruxelas.
No que toca à origem do investidor, também se antecipam objeções nos Estados Unidos, onde estão em causa as operações da EDP Renováveis. Este risco foi reconhecido pela própria administração da EDP Renováveis quando fez o relatório de análise à OPA, onde sinalizou:
“Dada a importância da plataforma dos Estados Unidos para a EDP Renováveis, qualquer medida de correção ou mitigação pode ter um impacto adverso na estratégia e nas perspetivas de crescimento da EDP Renováveis. Não resulta claro do Projeto do Prospeto quais são as intenções da Oferente caso tais medidas sejam impostas, especialmente no que se refere aos potenciais impactos no valor da EDP Renováveis.”
Segundo informação recolhida pelo Observador, a CTG já terá apresentado o processo às autoridades americanas e há duas que têm de autorizar ou comunicar não oposição — o Committee on Foreign Investments in the United States (FRIS) e a Federal Energy Regulatory Commission of the United States (CFIS). O Observador questionou as duas entidades, mas apenas o FRIS, um órgão presidido pelo secretário de Estado do Tesouro, respondeu, dizendo que por lei a informação apresentada junto desta instituição não pode ser divulgada ao público. Ou seja, o departamento não comenta casos específicos que estejam em análise, nem revela se os processos deram entrada.
Como uma pergunta que não tinha de ser feita travou a compra da Nova Energia
O impacto da OPA sobre a EDP já foi descrito — aqui ao lado em Espanha — como um vespeiro regulatório, mas enquanto não se conhecem os desenvolvimentos concretos da operação, há quem defende que uma operação muito mais pequena já mostrou que o desfecho será negativo.
Os acionistas do Fundo Nova Energia — institucionais como a Fundação Gulbenkian, FLAD, fundo da CGD, FLAD, Fundação Champalimaud, fundos de pensões e investidores estrangeiros — decidiram liquidar os seus investimentos, dez anos depois do seu lançamento. E colocaram à venda os ativos operacionais na área das renováveis em vários mercados europeus — Itália, França, Bulgária, Polónia, Espanha, Hungria.E em Portugal onde são um maiores operadores de parques eólicos, através da Generg, uma empresa verticalmente integrada de energias renováveis que, para além da potência instalada, tem o know-how e a engenharia.
Depois de um procedimento concorrencial internacional foi escolhido o grupo chinês Datang. Tinha a melhor oferta financeira e propunha também as melhores condições em termos de reservas nomeadamente quanto à cobertura/assunção de riscos futuros. O acordo de venda ficou fechado em janeiro de 2018, mas tinha uma cláusula imposta pelos chineses de que todas as condições precedentes da transação teriam de ficar cumpridas em seis meses — meados de julho. Foi também iniciativa da Datang colocar uma pergunta ao regulador português, a ERSE, sobre as possíveis implicações regulatórias da transação, um pedido que chegou à ERSE antes do anúncio do lançamento da oferta chinesa sobre a EDP.
Este parecer não era obrigatório, mas o seu pedido — por razões que não ficaram totalmente claras — veio a causar o colapso do negócio. A Datang é um conglomerado chinês de produção de energia elétrica que é detido e gerido por uma empresa do Estado chinês. Tal como é a State Grid, a maior acionista da REN, e já agora também a China Three Gorges, principal acionista da EDP.
OPA chinesa sobre a EDP. Um “vespeiro regulatório” que será um teste à Europa
O alerta só soou na ERSE quando foi anunciada a OPA sobre a EDP em maio. No entanto, em abril, o regulador já tinha feito um primeiro parecer desfavorável em que alertava para o conflito de interesses entre um operador de redes e um produtor detidos pelo mesmo acionista, ao abrigo da diretiva europeia do unbundling, caso a compra da Nova Energia fosse concretizada. As implicações regulatórias do negócio cairiam assim sobre uma empresa terceira, a REN (Redes Energéticas Nacionais). A gestora das redes portuguesas poderia, no limite, perder a certificação de operador europeu de redes, situação que só seria evitada com remédios na própria REN, como a limitação ou suspensão dos direitos de voto detidos pelos chineses na empresa onde controlam 25%.
Apesar deste entendimento inicial da ERSE, o negócio prosseguiu ainda dentro do prazo acordado que previa um prolongamento automático de três meses após ter sido ultrapassada a data pré-definida para a sua concretização. Os chineses foram dando todos os passos jurídicos e financeiros para o fecho da operação. Mas os três meses esgotaram-se em novembro e a transação caiu por terra quando os compradores não apareceram para assinar a escritura. O contrato não foi executado e a operação caducou, quase um mês antes de a ERSE dar a resposta final sobre a transação.
Neste parecer, divulgado pelo jornal Expresso, a ERSE não impedia a transação no sentido de a considerar incompatível com o pleno exercício dos direitos acionistas da State Grid na REN. No entanto, os remédios propostos pelos próprios serviços jurídicos do regulador para evitar tal cenário eram radicais a médio prazo que, se a operação não estivesse já morta, provavelmente não sobreviveria. A Datang teria de vender todos os ativos em Portugal que estivessem em regime de mercado, ou seja, fora de contratos de tarifas feed-in (garantidas). Esta imposição teria consequências muito pesadas no portfolio adquirido, na medida em que obrigaria o comprador a vender uma boa parte dos ativos (parques eólicos) a curto e médio prazo, à medida que os contratos feed-in terminassem.
Quando foi dada a resposta da ERSE já os acionistas da Novaenergia estavam no mercado internacional à procura de um novo comprador. E desta vez já sabem que não podem convidar empresas públicas chinesas.
A lição da Nova Energia para a OPA sobre a EDP
O contrato falhado não é apenas uma lição para os donos da Novaenergia. Desde que se soube da OPA sobre a EDP que há quem suspeite dos motivos por trás da inesperada pergunta feita pela Datang à ERSE. Era um pedido que antecipava já a oferta sobre a elétrica e, sobretudo, os potenciais riscos regulatórios deste negócio. Ainda que o regulador português tenha explicitado que o seu parecer só se aplica à compra da Novaenergia pela Datang, a verdade é que os representantes legais dos compradores junto do regulador insistiram em conhecer o veredicto da ERSE, mesmo depois de se saber que a compra da Novaenergia já não seguia em frente.
E já há quem faça contas para a aplicação do mesmo critério à EDP. Em causa, segundo escreveu o Expresso, estaria a obrigação de vender 70% dos ativos em Portugal — na produção, as centrais com contratos CMEC são cada vez menos (o regime dos custos de manutenção do equilíbrio contratual terminará totalmente até 2027) — e a comercialização. Restaria a distribuição, mas mesmo essa será sujeita a concurso público este ano.
As consequências desta resposta da ERSE podem não se limitar à EDP ou à oferta chinesa pela elétrica. Etas imposições podem limitar qualquer investimento adicional chinês no setor elétrico português. Isto se for protagonizado por uma empresa pública da China, como até agora, e tiver como alvo ativos de produção de energia elétrica.
No caso da oferta sobre a EDP, a obrigação de vender ativos em regime de mercado em Portugal daria margem à CTG para retirar a OPA, uma vez que esta foi lançada com base num conjunto de pressupostos claramente identificados e que em alguns casos deixariam de estar cumpridos, como por exemplo:
- “Alterações patrimoniais negativas com impacto relevante na Sociedade Visada ou em sociedades em relação de domínio ou de grupo, não emergentes do decurso normal dos seus negócios.”
- “Tomada de conhecimento de factos suscetíveis de influenciar de modo significativo a avaliação das Ações, mas que não tenham sido até hoje trazidos a público”.
Mas ainda que esse cenário seja plausível, ou até provável, nesta altura do campeonato, a verdade é que isso não dá fundamento suficiente para os chineses deixarem cair a oferta, pura e simplesmente. Têm de prosseguir com o trabalho de formiga, muitas vezes não visível, de obter todas as autorizações e dar todos os passos necessários para obter o registo da OPA junto da Comissão de Mercado de Valores Imobiliários e levar a operação ao mercado. Só se uma das condições de sucesso não se verificar, e só quando isso acontecer, é que podem desistir.
A China Three Gorges é livre de deixar cair algumas das condições de sucesso da OPA — por exemplo a obtenção de pelo menos 50% do capital mais uma ação — desde que dessa mudança de termos não resulte uma operação mais desfavorável para os investidores.
O desenlace desta opraçãi irá depender do que quer, efetivamente, a China Three Gorge com a OPA sobre o grupo EDP. Ou o que é mais importante para o Estado chinês, o dono de todos estas companhias, nos investimentos que tem feito na Europa, e em particular em Portugal. É a REN? É a EDP tal como existe? Ou a operação das renováveis, uma das maiores do mundo? Se o principal objetivo for o controlo da EDP Renováveis, então os ativos a vender no mercado português seriam menos relevantes no universo da empresa liderada por Manso Neto. Aí, a viabilidade da OPA estaria mais nas condições impostas no mercado americano.
Cenários há muitos e certezas há poucas. Os acionistas chineses têm mantido o silêncio sobre a operação e mesmo alguns dos seus interlocutores para este negócio não parecem ter muito informação sobre as verdadeiras intenções. A própria cúpula da empresa chinesa conheceu mudanças, com a substituição em gestores chave que não foi explicada.
Sintomático desse quadro de incerteza são as declarações recentes do presidente executivo da EDP. Quando questionado em dezembro sobre as relações com o acionista chinês, António Mexia afirmou que “estamos num momento em que temos de saber que o caminho será mais fácil juntos, mas temos também de, juntos, saber vencer desafios”. E lembrou que às vezes “o melhor caminho entre A e B não é uma reta, é uma curva”.
Partex continua no mercado e é para vender em 2019
A Fundação Calouste Gulbenkian anunciou no início deste ano a intenção de se desfazer das operações de produção de gás e petróleo. Fonte da riqueza do milionário de origem arménia que criou a maior fundação portuguesa, a intenção de vender a Partex representa uma viragem na gestão financeira e no património que tem financiado a atividade da Gulbenkian. Foram dadas duas grandes razões para esta mudança: a evolução tecnológica e a transição para um novo paradigma energético — livre ou, pelo menos, muito pouco ao exposto aos combustíveis fósseis — e a necessidade de mobilizar grandes recursos financeiros para renovar o pipeline de projetos em produção da Partex.
Logo em fevereiro foram noticiadas negociações exclusivas com um grupo chinês, a CEFC China Energy, que tinha também feito um acordo para comprar uma participação na holding de seguros do Montepio. A operação poderia ascender aos 500 milhões de euros, tendo em conta o valor dos ativos detidos pela Partex sobretudo no médio oriente e Cazaquistão. Mas não demorou muito a surgirem dúvidas sobre a solidez e idoneidade do potencial comprador, um grupo chinês pouco conhecido que tinha tido uma ascensão meteórica em poucos anos através grandes aquisições financiadas com dívida.
Quem são os chineses que querem comprar o petróleo da Gulbenkian
A CEFC Energy tornou-se conhecida fora da China depois de ter anunciado um acordo para a compra de uma participação na Rosneft, a maior petrolífera russa. O fundador do grupo privado, Ye Jianming, era tido como muito próximo da cúpula do Partido Comunista chinês, mas já no final de 2017 eram conhecidas as investigações judiciais nos Estados Unidos a responsáveis com ligações à CEFC Energy por suspeitas de corrupção para obter contratos em África.
Em março, Ye Jianming entrou para o clube dos milionários chineses desaparecidos, tendo mais tarde sido confirmada a sua detenção no quadro de investigações anticorrupção na China. As aquisições em Portugal caíram, não só por razões de reputação do investidor, mas também porque os responsáveis do grupo deixaram de responder aos pedidos de informação e dar provas de capacidade financeira para executar os negócios.
A Gulbenkian anunciou o fim das negociações em abril, mas a venda da Partex não saiu da agenda. A empresa e os seus ativos estão em mercado à procura de investidores. Fonte oficial confirmou ao Observador: a “Fundação mantém a sua opção estratégica relativamente à venda da Partex. Quando este processo estiver concluído, o que se espera que aconteça durante o ano de 2019, a Fundação prestará naturalmente todas as informações relevantes”.
Mas a tarefa não será muito fácil. Fruto de uma gestão mais financeira do que estratégica adotada nos últimos anos, a Partex é hoje uma empresa em declínio do ponto de vista de projetos que possam dar retorno no futuro. Pode ser uma plataforma com know-how e credibilidade para quem quiser investir pela primeira vez nesta área. Mas para atrair capital deve ter um plano de negócios ambicioso e bem sustentado que permita relançar a empresa com novo fôlego financeiro.
Vende, não vende, talvez. Quanto tempo vai Sonangol ficar na Galp
A Sonangol está a negociar a venda da participação na Galp. Esta notícia foi avançada em agosto pelo Jornal de Negócios que enquadrava a operação no quadro da reestruturação da petrolífera angolana onde se aponta para uma focagem nos negócios e no mercado angolano. A informação foi desmentida uns dias depois por uma fonte não identificada da Sonangol ao Expresso. Mas o tema voltou à agenda com a visita de João Lourenço a Portugal em novembro.
O presidente angolano deu uma entrevista ao Expresso em que afastava a possibilidade de a Sonangol reforçar a sua posição na Galp, por exemplo, comprando a participação de Isabel dos Santos. João Lourenço até sinalizou que a tendência seria a contrária: a empresa deverá retirar-se de grande parte dos negócios e participações que não têm muito a ver com o seu core-business. Ainda que este não seja o caso da Galp no setor, reconheceu o presidente angolano, o investimento indireto da Sonangol não deixa de ser uma “dispersão”.
As palavras de João Lourenço foram recebidas como uma mensagem de que a Sonangol estava de facto de saída das duas empresas portuguesas ontem tem posições relevantes: a Galp e o BCP. O presidente angolano fez questão de esclarecer o sentido das suas palavras numa conferência de imprensa já em Lisboa. Mas só foi claro em relação ao BCP, onde afastou um cenário de venda no curto e médio prazo.
João Lourenço sossegou BCP sobre saída da Sonangol e não confirma venda da Galp
Não confirmou a saída da Galp, mas também não a anunciou. A cautela de João Lourenço tem várias explicações. Revelar a intenção de vender uma participação, ainda que indireta, numa empresa cotada em bolsa com a visibilidade da Galp Energia, teria um efeito contraproducente, sobretudo quando ainda não existe um comprador. Podia criar uma pressão no preço que não interessa a nenhum vendedor.
Por outro lado, o investimento da Sonangol na Galp não é direto, está preso numa cascata financeira e empresarial que envolve outros parceiros, um dos quais é Isabel dos Santos, com quem a atual liderança de Angola e da petrolífera estatal tem estado em conflito aberto. A Sonangol e Isabel dos Santos são os dois acionistas de uma holding, a Esperaza, onde a petrolífera angolana é maioritária. Esta empresa é acionista da Amorim Energia, com 45%, que por sua vez, é a maior acionista da Galp com 33,34%.
Encontrar um comprador para a Esperaza não é a mesma coisa que vender uma posição na Galp, que em termos diretos representará cerca de 15% do capital. É mais difícil e terá menos interessados. Dificilmente um investidor internacional faria negócio diretamente com Isabel dos Santos por uma questão até reputacional, pelo que a Sonangol teria provavelmente de assumir primeiro toda a Esperaza antes de vender.
O comprador estaria a entrar na Amorim Energia, uma holding que é controlada pelos herdeiros de Américo Amorim, a mulher e as três filhas. E ainda que a Sonangol tenha o direito a escolher um membro para a comissão executiva e outro não executivo, a petrolífera angolana não tem grande margem de intervenção na Galp. Razão porque no passado quis transformar o seu investimento numa participação direta, pretensão que Américo Amorim conseguiu afastar.
Seria necessário rever o acordo parassocial da Amorim Energia que, na sua atual configuração, dá quase todo o poder ao acionista que tem 55%, o que não permite valorizar a participação minoritária do ponto de vista estratégico. E como um mero investimento financeiro, a participação na Amorim Energia não interessa, porque não há facilidade em sair, ou seja, não é fácil vender.
Ainda que seja apenas cenário, a saída da Sonangol da Galp tem potencial para mexer com o equilíbrio de poderes que mantém o controlo português de uma das maiores empresas industriais. Isto num quadro em que os herdeiros de Amorim dificilmente teriam a disponibilidade, ou até a vontade, de apostar todo o seu património em manter ou reforçar a sua posição acionista na Galp.
Por outro lado, o perfil do comprador será sem dúvida uma peça chave neste xadrez. Até agora só um nome foi lançado publicamente. E e é mais um grupo chinês detido pelo Estado. Na primeira linha do interesse da Sinopec na Galp não estará propriamente a holding em Portugal, mas sim a Petrogal Brasil, a empresa que explora o petróleo e o gás do pré-sal brasileiro, e onde a petrolífera chinesa já tem 30% do capital. Se entrar no capital da Galp, a Sinopec passa a estar também do lado dos 70% que controlam o negócio mais apetecido da petrolífera portuguesa.
Poderia haver um problema. Com este negócio, o Estado chinês conseguiria o pleno no que toca ao domínio das três grandes empresas de energia portuguesas e dos três mercados: eletricidade, gás natural e petróleo. Mas se nos dois primeiros, a regulação europeia pode travar alguns negócios, o petróleo é um setor totalmente liberalizado.