São números que não aparecem nos boletins, mas foram apresentados pelos especialistas e autoridades de saúde em powerpoints na reunião da elite política na sede do Infarmed desta quarta-feira. E se à saída da reunião ninguém disse como estava o índice de Rt do país (Marcelo Rebelo de Sousa disse apenas que “tem estado acima de 1”), dentro de portas foi mostrada uma tabela com 27 países em que, desde o desconfinamento, Portugal aparece com o valor médio mais elevado neste índice que mede a transmissão do vírus: um Rt de 1,19. Esta tabela não retrata os 27 países da UE, já que é uma lista que também inclui o Reino Unido, a Suíça e a Noruega. O Rt mede o índice de transmissão desde o desconfinamento e os especialistas tiveram o cuidado de referir que as datas de desconfinamento foram distintas nestes países.
Nem só do Rt deve ser feita a análise da situação de um país, mas se o Presidente da República disse que a “maioria dos países tem uma taxa de contágio acima de 1”, não referiu que Portugal era o país com piores números nessa tabela. Mais do que isso: numa lista de 27 países, há 15 com Rt abaixo de 1. Ou seja: embora seja quase 50-50, na verdade a maioria daqueles que foram apresentados (55,5%) tem um Rt desde o desconfinamento abaixo de 1 e não acima.
Nos vários quadros apresentados aos políticos — aos quais o Observador teve acesso — é possível também ver, por exemplo, que a maior taxa de letalidade no país é nos Açores e que 44% das vítimas mortais de Covid-19 eram hipertensos. É ainda possível perceber quais são os maiores focos no país e verificar que a festa de Lagos vai em 115 casos, mas já foi ultrapassada por um lar na zona de Lisboa — o de Caneças, com 119 casos. Há ainda outras informações, como estudos que mostram que 99% dos portugueses usam máscara quando saem à rua.
44% dos óbitos eram hipertensos. Açores têm maior taxa de letalidade do país
No briefing diário da Direção-Geral de Saúde é fornecida todos os dias a taxa de letalidade do país (que está nos 3,9% e nos 11% acima dos 70 anos), mas à elite política e aos parceiros sociais foi fornecida a informação de qual era a taxa de letalidade por distrito. O documento mostra que Lisboa é o terceiro distrito com menor taxa de mortalidade. É preciso não esquecer, no entanto, que faz parte da região de Lisboa e Vale do Tejo, que é a que tem mais casos — e isso faz diminuir a percentagem. Por outro lado, o gráfico mostra que ainda não houve mortos na região da Madeira (o que é possível ver no boletim diário), nem do distrito de Évora. Ao mesmo tempo, o distrito Beja, com 1,46%, tem a menor taxa de letalidade do país. A maior no continente é no distrito de Viana do Castelo (9,94%) e a maior a nível nacional é na região autónoma dos Açores, onde chega aos 10,42%.
No mesmo documento foi dada a informação de que há uma elevada prevalência de comorbilidades, já que 44% dos óbitos eram doentes que sofriam de hipertensão arterial, 38% de doenças cerebrais e cardiovasculares e 31% de doença neurológica crónica.
Os maiores focos: da Festa em Lagos ao lar de Caneças
Na reunião do Infarmed foi também apresentado aos políticos aqueles que eram os principais focos de contágio. As duas situações com mais casos continuam a ser na Azambuja: os 194 casos da plataforma logística da Sonae e os 130 da fábrica Avipronto. No terceiro lugar aparece uma estrutura residencial para idosos na região de Lisboa, que será a do lar em Caneças, Odivelas, que já vai em 119 casos. Em quarto lugar surge então a famosa festa ilegal de Lagos, que já vai nos 115 casos. No boletim da DGS só aparecem 61 casos, para já, associados à festa (eram 5, são agora 66), mas as pessoas infetadas na festa podem ter sido registadas pelo concelho de residência que pode não ser Lagos. Albufeira teve mais 18 casos e Portimão 25 desde a festa, mas não é ainda possível perceber se há relação com a festa.
A seguir ao caso de Lagos aparece Reguengos de Monsaraz, onde o documento registava 86 casos, 68 dos quais num lar de idosos (entretanto, esses números subiram). Só estes cinco maiores focos resultaram já em 469 casos. Em baixo pode ver a totalidade dos casos apresentados aos políticos, sendo que nem sempre estão completamente identificados. Percebe-se que “Obra TD” corresponde a obra da Teixeira Duarte, que “Bairro S” corresponde a um bairro no Seixal, que será o Bairro da Jamaica. Há também casos que estão identificados como IPO, uma vez que — mesmo registados no Fundão ou em Penamacor — a origem do contágio foi no IPO em Lisboa. O mesmo acontece no foco referido como “Algarve IPO”, que se trata de uma cadeia de contágio que começou no IPO em Lisboa e atingiu Monchique. Há casos que aparecem nos boletins diários da DGS que não têm correspondência com este foco: o concelho da Moita aumentou 57 casos nas últimas duas semanas sem que se perceba se se enquadra em alguns dos focos apresentados.
Pode ver aqui os principais casos na forma como foram apresentados aos políticos e parceiros sociais:
Norte e Centro do País
Alto do Ave: 3 casos (23 contactos)
Bairro de Pescadores, em Espinho: 16 casos (49 contactos)
ERPI Cinfães: 57 casos
Nordeste: 13 casos (56 contactos)
Castelo Branco: 10 casos
— Início: 2 alunos da Escola do Fundão
— 51 contactos (8 positivos)
Fundão IPO: 8 casos
— Origem: IPO de Lisboa
— Coabitantes: 3 positivos
— 206 contactos (4 positivos, creche)
Penamacor IPO: 3 casos
— Origem: IPO de Lisboa
— Coabitantes: 2 positivos
— 50 contactos (aguardam-se resultados)
Oliveira do Bairro: 8 casos
— Mais de 100 contactos (festa)
Lisboa e Vale do Tejo
Plataforma logística: 194 casos
Avipronto: 130 casos
ERPI IC: 119 casos
— Início em março (último caso em junho)
ERPI CPQ: 35 casos
SCMA: 44 casos
— Início 12 de junho de 2020
ERPI SM: 6 casos
— Início 17 de junho de 2020
Lourenço Marques: 13 casos
— Início 22 de junho de 2020
Obra TD1: 5 casos
— Início 15 de junho de 2020
Obra TD2: 4 casos
— Início 16 de junho de 2020
Coro: 5 casos
Hostel 1: 21 casos
— Início: final de Abril (último caso positivo em junho)
Bairro S: 24 casos
Alentejo
Reguengos de Monsaraz: 86 casos
— 68 casos em ERPI
Algarve
Festa de Lagos: 115 casos
Algarve IPO: 11 casos
Escola: 5 casos
No raide de testes feitos em Lisboa em setores específicos, 5,18% estavam infetados
Na reunião do Infarmed, os especialistas mostraram uma tabela com o resultado dos testes que foram realizados entre 30 de maio e 11 de junho. No total, foram feitos 14.117 testes, dos quais 13.332 deram negativo (94,44%), 731 positivo (5,18%) e 35 foram inconclusivos (0,25%).
Foi ainda revelado que 70% dos testes foram feitos no setor da construção, 6% na área do transporte e logística, 8% em empresas de trabalho temporário e os restantes 7% noutros setores de atividade.
O top 5 na região de Lisboa entre 13 e 19 de junho
Houve vários gráficos que incidiram especificamente sobre a Área Metropolitana de Lisboa. O concelho da Amadora tem o maior número casos por cem mil habitantes (77,4), seguido de Sintra (77,4), Loures (75,2), Odivelas (51,7) e Lisboa (36,6%), sendo que é um concelho mais populoso.
Já olhando para o Rt, a taxa de transmissão, Sintra está à frente (0,77), seguindo-se Odivelas (0,946), Lisboa (0,928), Amadora (0,845) e Loures (0,834).
Mais de 1,3 milhões de vigilâncias por telefone
Relativamente ao acompanhamento que é feito dos utentes, foi explicado na reunião do Infarmed que, neste momento, há 604 mil utentes na plataforma Trace Covid e que já foram realizadas 1.203.469 vigilâncias por telefone. Por dia, em média, há 5 mil utilizadores ativos no sistema, e 3.323 são utentes em cadeias de transmissão. De acordo com os mesmos dados, atualmente há 190 cadeias de transmissão ativas de um total de 570 identificadas desde o início do surto.
99% usa máscara e saídas de casa aumentaram
Nos vários estudos apresentados na reunião entre políticos e especialistas no Infarmed ficou claro por estudos já realizados que nas últimas semanas houve um “aumento da frequência de saída de casa”. No último registo da análise, mais de 28,2% das pessoas inquiridas saíram “todos os dias”, 28,2% saiu “quase todos os dias” e 42,4% saiu “alguns dias” — e apenas pouco mais de 1% não saiu nunca. De acordo com o mesmo estudo, as idades ativas (entre os 26 e os 65 anos) saíram mais de casa.
De acordo com o estudo, as pessoas com mais de 65 anos são as que têm mais incertezas sobre o regresso à normalidade e os mais novos os que têm confiança que o mau momento demorará menos a passar. De acordo com a mesma apresentação, 99% dos inquiridos usam máscara quando saem de casa, mas 59,4% das pessoas assumem que só a utilizam em “algumas situações” e não o tempo todo que estão fora da habitação.
[Onde guardar a máscara? Qual escolher? Um novo mundo de regras numa BD para descomplicar]