Não foi sempre assim. No início da pandemia, nos idos de março de 2020, as crianças eram as mais protegidas do novo coronavírus, até porque as escolas passaram para o ensino à distância e os seus contactos fora do núcleo familiar eram mais limitados do que nunca. Mas a pandemia tem vindo a mudar, e à medida que o vírus evolui muda a nossa forma de contê-lo e combatê-lo.
O papel das crianças na pandemia de Covid-19 tornou-se mais preponderante e, segundo os dados mais recentes, em novembro, dos 231 surtos ativos no país, a maioria (111) era em estabelecimentos de ensino (creches, escolas e faculdades). Os números da Direção Geral de Saúde, revelados nos relatórios das linhas vermelhas da pandemias, sobre taxa de incidência ilustram bem essa realidade.
Vacinar crianças e uma mutação mais contagiosa a crescer. O que foi dito à porta fechada
Nas últimas 9 semanas, por quatro vezes a taxa de incidência a 14 dias das crianças dos 0 aos 9 anos foi a mais alta do país. Por quatro vezes, foi a segunda mais alta (apenas ultrapassada pela faixa etária dos 20 aos 29 anos) e foi também, por uma vez, a terceira mais alta.
Entre 9 de julho e 17 de setembro, ou seja, o período que equivale ao verão, as crianças tiveram sempre a quarta taxa de incidência mais alta do país, com todas as faixas acima dos 50 anos (entretanto vacinadas) a revelarem taxas de incidência muito mais baixas do que a dos mais novos.
No último relatório das linhas vermelhas — dados que foram relembrados durante a reunião entre políticos e especialistas no Infarmed de sexta-feira passada —, a taxa de incidência das crianças ultrapassou mesmo aquela que é considerada a linha vermelha (240 casos por 100 mil habitantes) e atingiu os 298 casos.
Vacinação de adolescentes travou progressão dos contágios
Mais do que uma inversão, os resultados da última semana mostram que, numa altura em que se discute a vacinação a partir dos 5 anos — a posição da Agência Europeia do Medicamento sobre este ponto deverá ser conhecida esta quinta-feira —, a tendência de novas infeções entre os mais novos é crescente. Para tentar perceber que efeitos vacinar os mais novos poderia ter no controlo da pandemia, é possível comparar com o que aconteceu à faixa etária imediatamente acima.
Desde que há dados públicos desagregados (25 de julho de 2021) que os jovens dos 10 aos 19 anos tinham, de forma consistente, valores de infeções superiores aos das crianças dos 0 aos 9 anos. Foi a vacinação, ainda que não com efeitos imediatos, que mudou esse cenário.
No verão, apesar de a vacinação dos jovens acima 16 anos ter arrancado a 14 de agosto e, a 21 de agosto, a dos adolescentes a partir dos 12 anos, a tendência foi de planalto durante algumas semanas, as mais propícias para convívios de adolescentes.
É já em setembro, ainda antes do regresso às aulas, que os novos casos entre os 10 e os 19 anos começam a descer — dentro desta faixa etária estão todas as crianças de 10 e 11 anos que ainda não são elegíveis para tomar a vacina — e começam a cair com maior intensidade já depois do arranque do ano letivo.
A 26 de setembro, havia já perto de meio milhão de jovens (491.794) entre os 12 e os 17 anos vacinados, o que equivale a 79% da faixa etária. Atualmente são 542.632 jovens (87%).
Regresso à escola coincidiu com aumento de casos nas crianças
Ao contrário, na faixa etária onde as vacinas ainda não são administradas, o início do ano letivo trouxe um aumento do número de novos casos entre os 0 e os 9 anos. Apesar de tudo, os números estão longe de chegar aos valores que esta faixa etária já registou no passado recente.
No final de julho, registavam-se os valores mais altos (do período disponibilizado pelos relatórios do Insa) com as crianças a chegarem aos 473 casos por cem mil habitantes. Dessa data em frente, a taxa de incidência foi sempre descendo até à entrada do mês de setembro e do regresso às aulas presenciais.
Nessa altura, quando a maioria das escolas arrancou com as aulas numa sexta-feira, 17 de setembro, a pandemia entre as crianças começou a alterar-se, mas não no imediato, até porque há sempre o período de incubação. Tenha sido nas escolas ou em contexto familiar que as crianças começaram a ser mais infetadas, certo é que há quatro semanas consecutivas que os números sobem e chegaram ao pódio da taxa de incidência por faixa etária no país.