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Militantes do Partido Comunista Português (PCP), durante o XXII Congresso do partido no Pavilhão Complexo Municipal dos Desportos “Cidade de Almada”. 14 de dezembro de 2024. RUI MINDERICO / LUSA
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RUI MINDERICO/LUSA/LUSA

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PCP aposta no cansaço dos portugueses com a guerra e os seus gastos. "Alguém compreende isto?"

Comunistas admitem que mensagem sobre Ucrânia foi mal recebida mas acreditam que população começa a ficar cansada. E usam avisos sobre desvio de recursos para "economia de guerra" como argumento.

Dois anos e meio depois do início da guerra, o PCP admite que havia “outras formas de passar a mensagem” sobre a invasão da Ucrânia. Mas o essencial não mudou: o partido é que acredita agora que, com o passar do tempo — e o cansaço com a guerra — a posição que o deixou isolado começa a tornar-se mais aceitável. Até porque à crítica ao escalar do conflito e à defesa da paz, junta agora um alerta ao discurso inicial: a continuação da guerra na Ucrânia vai implicar mais dinheiro e mais recursos que os países aliados, Portugal incluído, podiam usar para ajudar as próprias populações. É por isso que no PCP se ouve cada vez mais um desafio: “Há algum português que aceite uma coisa dessas?”.

Durante os dois primeiros dias do XXII Congresso do PCP, em Almada, o tema foi sendo abordado em dois passos. O primeiro: o partido quer mostrar que percebe que nem tudo o que disse sobre a Ucrânia (e não disse sobre a Rússia) foi bem aceite, ou, na sua perspetiva, bem compreendido. Se antes de arrancar o congresso Paulo Raimundo já tinha admitido que o PCP “não fez tudo” o que estava ao seu alcance para travar “perceções” erradas sobre a sua posição, já em entrevista ao Observador, este sábado, insistiu que cada “vírgula” das posições que o PCP transmite devem contar.

Ou seja: o PCP podia “sempre encontrar outras formas de passar a mensagem”, traduziu o mesmo Paulo Raimundo. De novo: “Passado este tempo… havia sempre eventualmente outras formas de dizer o mesmo“, sugeriu o líder comunista. Ou, na versão de Miguel Tiago, também em entrevista ao Observador, o partido não foi suficientemente claro, permitindo que os adversários “ganhassem espaço para dizer que o PCP era putinista”. “Há de facto erros de perceção. Uma grande parte dos portugueses não estava a perceber aquilo que o PCP estava a dizer”.

Junta-se a este o segundo passo na argumentação do PCP — mesmo admitidas as insuficiências de comunicação, mantém-se a essência da mensagem do partido. Com uma nuance importante: os comunistas acreditam que, passados dois anos de guerra e muitos milhões investidos na defesa da Ucrânia pelos países aliados, as populações começam a mostrar cansaço e a mostrar uma abertura maior para uma “solução política” e não para uma vitória militar da Ucrânia — assumindo assim que a “guerra não se pode prolongar”, o que significaria, na prática, que a Ucrânia negociasse e cedesse parte importante do seu território.

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O discurso começou a ser desenhado logo na intervenção inicial de Paulo Raimundo, na sexta-feira. Com fortes críticas à NATO e aos EUA — o caso da Ucrânia foi apenas um dos palcos de conflitos mencionados, a par do Médio Oriente, a Europa e a Ásia-Pacífico — Raimundo atirou: “A realidade, o tempo e a vida estão a dar-nos razão. Como sempre alertámos, a corrida aos armamentos e a guerra servem e bem os lucros da indústria da morte”.

Sem referências potencialmente mais controversas a culpas concretas no conflito (o PCP chegou a dizer ofical e abertamente que havia uma promoção do fascismo na Ucrânia), desta vez, Paulo Raimundo optou por um discurso quase inteiramente focado na “paz” e na ideia de “parar a guerra, a morte, o sofrimento”. “Querem silenciar a voz e a força da paz, mas não conseguirão”, desafiou o comunista.

Depois, foi a questões mais concretas: por um lado, defender que o PCP quer evitar que os jovens sejam enviados como “carne para canhão onde a NATO decidir”, um argumento fácil de compreender e de empatizar; por outro, lembrar as declarações do secretário-geral da NATO, Mark Rutte, que se “atreveu a propor um corte nos orçamentos da Saúde e das pensões de reforma” para gastar mais “no armamento e na guerra”. “Essa União Europeia apresentada como farol das virtudes ocidentais, mas marcada por retrocessos no plano social, com mais de 95 milhões de pessoas em risco de pobreza”, atacou.

O secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo (C), durante o XXII Congresso do partido no Pavilhão Complexo Municipal dos Desportos “Cidade de Almada”. 14 de dezembro de 2024. RUI MINDERICO / LUSA

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O argumento fornecido por Rutte serviu ao PCP para cimentar a sua ideia: os gastos com armamento e Defesa têm de ter um travão. Isto porque esta semana Rutte veio avisar que os países-membros da NATO devem “aceitar fazer sacrifícios”, nomeadamente nos cortes em pensões, saúde e sistemas de segurança, “para que possamos estar seguros amanhã”. “Digam-lhes que a segurança é mais importante do que tudo”, pediu, dirigindo-se aos líderes políticos e pedindo que sensibilizem as populações para o tema.

Depois, Rutte argumentou que é preciso que se “mude para uma mentalidade de guerra“, considerou que os 2% do PIB que a maior parte dos aliados da NATA gasta com Defesa não é suficiente e concretizou: “Em média, os países europeus gastam facilmente até um quarto do seu rendimento nacional em pensões, saúde e sistemas de segurança social. Precisamos de uma pequena fração desse dinheiro para tornar a nossa defesa muito mais forte”.

O líder da NATO prosseguiu acrescentado que na Europa se gasta 50% de todas as despesas do mundo em segurança social, o que dá “alguma margem de manobra” para cortar. E rematou defendendo que é “simplesmente inaceitável” que os bancos e fundos de pensões se recusem a investir na indústria da defesa: “Não está na mesma categoria que as drogas ilícitas e a pornografia. Investir na defesa é um investimento na segurança. É uma obrigação“.

"A perspetiva da UE é que os Estados-membros têm de gastar 0,25% do PIB na Ucrânia. Isto significa que Portugal tem de gastar 600 milhões de euros por ano. Há algum português a quem seja perguntado se Portugal deve fazer uma opção dessas? Algum português aceita uma coisa dessas? Tenho dúvidas", questionou João Oliveira

Ora, para os comunistas isto serviu como confirmação de que a “economia de guerra” já está a sobrepor-se à proteção da população. E esse argumento, acreditam, pode ganhar alguma simpatia junto dos potenciais eleitores. Em entrevista ao Observador, João Oliveira lembrou mesmo a proposta levada ao Parlamento Europeu para que a UE “fortaleça o seu apoio militar à Ucrânia”, incluindo com uma contribuição de “não menos de 0,25% do PIB” de cada estado-membro anualmente.

“A perspetiva da UE é continuar a guerra pelo tempo que for preciso e os Estados-membros têm de gastar 0,25% do PIB na Ucrânia. Isto significa que Portugal tem de gastar 600 milhões de euros por ano com a continuação da guerra na Ucrânia. Eu pergunto: há algum português a quem seja perguntado se Portugal deve fazer uma opção dessas? Algum português aceita uma coisa dessas? Eu tenho dúvidas em encontrá-los”, atirou o dirigente comunista e eurodeputado.

A partir do palco, enquanto discursava, João Oliveira reforçou a ideia: “Se hoje mais consciências vão despertando para a recusa da guerra, é porque também no Parlamento Europeu houve um coletivo de comunistas que soube resistir às campanhas negras, calúnias e falsificações e se manteve firme na defesa da paz.” Já Raimundo explorou a ideia garantindo que hoje é “mais difícil pôr em causa” a posição do PCP, argumentando que “a realidade infelizmente veio dar razão” ao partido.

O secretário-geral do partido aproveitou aliás para contextualizar mais uma vez a mensagem que o partido quer que passe, tentando ultrapassar a ideia de que não coloca as culpas na Rússia por ter invadido outro país. Segundo a versão de Raimundo, o PCP disse que a guerra “não começou” em fevereiro de 2024, “ainda que tivesse ganhado uma escalada muito grande, inclusive com a entrada de tropas russas em território ucraniano”.

Mais a mais, acrescentou, havia “outros intervenientes” na guerra que não a Ucrânia e a Rússia (ou seja, EUA, UE e NATO) e defendeu que era preciso que “travassem” a guerra o mais depressa possível. Ora “a opção foi toda ao contrário” — e agora a esperança do PCP é que os portugueses e consequentemente os potenciais eleitores, mais agastado pelos anos de conflito, também passem a condenar o esforço de guerra. Sobretudo se se vier a confirmar que o Estado português será obrigado a desinvestir em escolas, hospitais, pensões e habitação, por exemplo, para reforçar o esforço de Defesa europeu.

Em entrevista ao Observador, João Oliveira recordou apelos da NATO para gastar mais em Defesa e menos em questões sociais

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Um historial de “defesa da paz” contra os EUA

A posição mais abrangente do PCP sobre conflitos militares também acabou por ficar plasmada numa moção aprovada por unanimidade durante o congresso. E o documento reflete aquilo que tem sido sempre a filosofia do partido: dado que as responsabilidades dos vários conflitos são sempre atribuídas aos Estados Unidos a outras “grandes potências capitalistas”, o partido conclui que as guerras são alimentadas para contrariar o “declínio” da sua influência. Ou seja, EUA, NATO e UE são os culpados por “fazerem a apologia da escalada de confrontação e guerra” em todos os planos: “do Afeganistão ao Iraque, da Líbia à Síria, da Palestina ao Líbano, da Jugoslávia à Ucrânia, do Iémen a tantos outros países”.

Para o PCP, esta é, assim, uma expressão do “imperialismo”, que tem sempre de ser contrariado com declarações pela “defesa da paz” — e o argumentário que o partido usa neste sentido tem acompanhado toda a sua história centenária. Numa declaração feita pelo dirigente José Capucho (membro dos dois órgãos mais restritos do PCP, a Comissão Política e o Secretariado do Comité Central), este ano, recordava-se esse percurso a começar pela posição dos comunistas no plano interno, durante a guerra colonial.

Logo aí, recordava-se que a guerra colonial, com “pesadíssimas despesas” e “milhares de feridos e mortos”, foi uma guerra “ao serviço dos interesses dos grupos monopolistas e do imperialismo” — com os países da NATO a fornecerem armas e “levarem” diamantes, ferro e petróleo dos países colonizados. “O PCP é a única força com posições anticolonialistas claras e consequentes”, dizia o dirigente, recordando a oposição do partido à guerra durante a ditadura.

Esse posicionamento histórico não inclui apenas a guerra que envolveu Portugal. Numa declaração publicada no site oficial do PCP, já em agosto deste ano, à boleia do aniversário de Hiroshima e Nagasaki, o partido voltava a recordar o seu histórico de posições, também no plano internacional e na sequência da Segunda Guerra Mundial, a propósito de sempre ter defendido o “desarmamento” e a “abolição de armas nucleares”. De resto, o PCP tem sempre defendido a dissolução dos blocos militares e a política de “independência nacional e de paz e amizade com todos os povos” consagrada na Constituição.

Comunistas fazem a defesa da "paz" e culpam EUA por conflitos militares por todo o mundo. Para o PCP, terceira guerra mundial foi evitada graças ao armamento "defensivo" da União Soviética

No Seixal, em 2017, Jerónimo de Sousa fazia uma declaração pela “paz, amizade e cooperação entre os povos” que voltava a recordar o foco que o PCP tem dado à mensagem pela “paz” e contra a “guerra”, sempre na perspetiva de considerar que os EUA são os provocadores dos conflitos. E voltava a recuperar o final da Segunda Guerra Mundial para criticar os passos que se seguiram: “É fundada a NATO, bloco político-militar comandado pelos EUA, do qual a ditadura fascista portuguesa é membro fundador. Traçam-se planos de ataque nuclear contra a União Soviética”.

Na visão do PCP, as ameaças do “imperialismo” foram então “contidas” quando a União Soviética desenvolveu a sua capacidade militar, que é descrita pelos comunistas apenas como “defensiva” e para assegurar uma “política de paz”. Foi isso, dizia Jerónimo na altura, que impediu o imperialismo de desencadear uma terceira guerra mundial, “contendo” os avanços dos norte-americanos e aliados: “Sim, não foi o processo de integração capitalista da CEE/União Europeia que impediu o eclodir de uma nova guerra generalizada na Europa, como afirmam os defensores do aprofundamento da UE e do seu perigoso projeto militarista em curso”.

Sete anos passados sobre essa declaração do ex-líder, e dois anos e meio volvidos sobre o início da guerra na Europa, os comunistas mantêm a posição que têm conservado ao longo dos tempos, desta vez aplicada à Ucrânia: o imperialismo norte-americano provocou a ameaça que criou o conflito e agora é preciso “fazer a defesa da paz”. Desta vez, e contando como fator o potencial cansaço ou incompreensão do público relativamente aos recursos investidos neste conflito, espera conquistar a aceitação que até agora não teve.

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