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Tudo começou em 1871, quando o médico transmontano José Júlio Rodrigues anunciou a qualidade de uma água descoberta junto à ribeira de Avelames, um afluente do rio Tâmega, situada entre os montes das serras da Padrela e Alvão. Iniciava-se assim a exploração oficial da água naquela nascente, através de análises químicas, com o objetivo de alcançar o seu reconhecimento terapêutico no aparelho digestivo, respiratório e sistema muscular, algo que acabou por acontecer mais tarde.
Em 1873, dois médicos naturais de Vila Real, Henrique Botelho e Manoel Saraiva, levaram uma amostra desta água gasocarbónica, com gás 100% natural, a uma exposição em Viena de Áustria, tendo sido distinguida com um prémio. Com este impulso e validação, Saraiva e Botelho fundaram a marca Pedras Salgadas, cujo nome vem do facto da água nascer entre as pedras da serra e pelo seu sabor acre e salgado.
Esta é uma água rara no mundo e pode demorar décadas até reunir todas as condições necessárias para ser consumida. “Toda a água que existe na terra faz parte do circuito hidrológico, é a chamada água mineral natural, no caso da água gasocarbónica, como esta, trata-se de uma raridade”, explica o geólogo Manuel Antunes da Silva ao Observador, acrescentando que a água da chuva que vemos cair hoje será “potencialmente” a água das pedras que se irá beber daqui a 100 anos. “Nesta zona existem estruturas geológicas que permitem que a água se infiltre durante longos anos numa profundidade de 500 a 600 metros, o que faz com que ganhe CO2, já a mineralização é conseguida através do aumento de temperatura e de pressão que acontece na sua interação com as rochas.”
O sucesso medicinal desta água levou à abertura de um balneário termal, muito concorrido por personalidades ilustres da época, anos mais tarde foram descobertas novas nascentes e algumas delas foram batizadas com nomes de reis e rainhas portugueses que visitaram as termas, como D. Fernando II, D. Maria Pia ou D. Carlos I. Em 1893 é criada em Bornes de Aguiar a primeira empresa de engarrafamento e distribuição da água de Pedras Salgadas, o transporte era feito por carros de bois até à Régua, as garrafas seguiam depois em barcos rabelos até ao Porto, juntamente com caixas de vinho do Porto, e a venda era feita apenas em farmácias.
O parque que nasceu graças à água e obrigou ao desvio do rio
Quem entra pelo portão verde de ferro do Parque de Pedras Salgadas não imagina que nos 20 hectares hoje cobertos por vegetação passavam várias estradas municipais e o rio Avelames. Com a descoberta de várias nascentes, a abertura do balneário termal e a criação das infraestruturas para o engarrafamento, os donos da empresa tiveram necessidade de aumentar a área do parque homónimo da marca e para isso pediram à câmara municipal para que o rio fosse deslocalizado. A mudança permitiu a construção de um casino com capacidade para 300 pessoas, que foi também a primeira sala de projeção de cinema da região, uma capela e cinco hotéis.
Em 1920 a empresa de engarrafamento passa a incluir também as águas de Vidago e Melgaço, numa época em que as termas de Pedras Salgadas não eram apenas procuradas para tratamentos prescritos pelos médicos, mas também como destino turístico. Nos meses de verão muitas famílias da classe alta vinham um pouco por todo o país para se instalar no parque com os filhos e os criados.
Dos bailes formais aos rallys de carros, dos jogos de croquet aos torneios de bicicleta, passando pelos jantares temáticos nos vários restaurantes dos hotéis, a animação era muita, mas a partir dos anos 60, com a moda do biquíni, os hábitos mudaram e a procura pelo litoral passou a imperar. Os parques termais passaram a ser associados a edifícios decrépitos, universos rurais e apenas procurados por idosos e doentes.
Depois da unidade fabril ganhar uma morada própria para aumentar a sua capacidade de produção, no início dos anos 2000 o Parque de Pedras Salgadas tenta modernizar-se, virando-se para o turismo. A Casa de Chá converte-se num restaurante comandado por chefs portugueses com estrela Michelin, primeiro Rui Paula e atualmente Vítor Matos, o casino transforma-se numa sala de eventos, e das cinco nascentes presentes no parque – D. Fernando, Penedo e Grande Alcalina, Pedras Salgadas e Preciosa — duas tornam-se visitáveis ao público. Se em 2010 Álvaro Siza Vieira recupera o antigo balneário termal, onde hoje funciona o spa com salas de tratamento, duas piscinas, banho turco, sauna e ginásio, em 2012 é a vez do arquiteto Luís Rebelo de Andrade desenhar 16 casas de alojamento turístico no local onde antigamente existiam os hotéis.
Este ano, para celebrar o aniversário redondo da descoberta da água que deu origem à marca, no antigo edifício social do parque, que dava apoio social aos funcionários da fábrica albergando um refeitório e uma creche, foi inaugurada uma exposição que ajuda a contar a história de Pedras Salgadas. Antigos copos de provas, uma das primeiras balanças a funcionar com moedas, a cama onde dormiu o rei D. Carlos ou registos das visitas de Américo Tomás, Miguel Torga ou Cavaco Silva são algumas pérolas que podemos encontrar. No fim da experiência é possível explorar a natureza que rodeia o parque através de uns óculos de realidade virtual ou personalizar o rótulo de uma garrafa da água de Pedras Salgadas.
A fábrica onde se enchem mais de 40 mil garrafas por hora
Bata, botas com biqueira de aço, óculos, touca na cabeça e tampões auditivos: é este o uniforme que os 82 trabalhadores da fábrica de Pedras Salgadas são obrigados a vestir todos os dias. O sistema de segurança é apertado, o ruído de máquinas a trabalhar ou o som garrafas de vidro a tilintar é muito, mas o trabalho é feito para que não exista qualquer intervenção química na água e esta possa ser vendida tal e qual como nasce na natureza.
A fábrica funciona 24 horas durante 365 dias por ano e o processo começa na sala de captações. É nas tubagens de inox que através de bombeamentos que chega a água gaseificada das nascentes do parque ou das captações feitas em profundidade e é armazenada em tanques com capacidade para 100 mil litros a uma temperatura ambiente de 18 graus. Sem qualquer intervenção química, são retiradas percentagens de ferro e de flúor, ligeiramente percetíveis no sabor da água, e o CO2, que é armazenado para mais tarde ser reintroduzido no produto.
Na fase seguinte encontram-se as quatro linhas de enchimento, sendo que apenas três podem funcionar em simultâneo. Estas quatro espécies de passadeiras rolantes estão divididas entre água regular ou com sabor, garrafas de vidro ou de plástico ou por tamanhos. No caso das águas com sabor a limão, frutos vermelhos, tangerina ou maracujá, as garrafas passam por uma sala especial com depósitos de concentrados de sabor e aromas naturais. Depois de bombeados na água, os ingredientes são misturados e agitados de forma automática durante seis horas para depois seguirem para o processo de pasteurização, uma espécie de chuveiro de água quente.
As garrafas de vidro ou de plástico seguem depois para o processo de embalamento, ficando imediatamente disponíveis no armazém para seguirem viagem até aos dois centros de distribuição da marca, em Leça da Palmeira e em Santarém. Cinco dias é o tempo que a água pode permanecer na fábrica, desde que é captada até ser engarrafada. Este é o único centro de produção da água Pedras Salgadas no país e atualmente é capaz de engarrafar 55 milhões de litros por ano, mas até 2026 irá aumentar a fasquia para 70 milhões, criando uma nova linha de enchimento e apostando em técnicas mais modernas e sustentáveis.
Mais investimento na água “intocada pelo homem”
Depois de ser administrada pelos grupos Sousa Cintra e Jerónimo Martins, a marca Pedras Salgadas é desde 2002 explorada pelo Super Bock Group, sendo um dos pilares da empresa. “É uma responsabilidade enorme preservar o que nos foi deixado, apenas 0,5% de águas minerais naturais em todo o mundo têm estas características, estamos a falar de um bem raro, de uma água completamente natural e intocada pelo homem”, explica ao Observador Vasco Ribeiro, manager de mercados globais da Super Bock Group.
O responsável adianta que apenas 10% da produção da água Pedras Salgadas é exportada, essencialmente para Espanha, França e Suíça, a intenção no futuro é crescer para outros mercados e aumentar a gama na categoria de sabores. “Pedras é uma bebida refrescante que pode muito bem estar na mesa do escritório, ser aberta depois de uma prática desportiva ou acompanhar uma refeição, uma vez que limpa o palato e permite apreciar a comida de forma diferente”, sublinha Vasco Ribeiro.
Este ano o grupo anunciou o investimento de 30 milhões de euros na modernização do centro de produção, aumentando a sua capacidade com uma nova linha de enchimento, e técnicas mais sustentáveis e criando mais 30 postos de trabalhos, mas também na expansão do Pedras Salgadas Spa & Nature Park. Até 2023, no interior do parque serão recuperados vários imóveis e será realizado um estudo de arquitetura para criar novos alojamentos turísticos. Já nos terrenos contíguos a intenção é iniciar um projeto de reflorestação para expandir o atual espaço arbóreo e ainda criar um charco para beneficiar a biodiversidade local, especialmente insetos e répteis.